Estudo sobre Apocalipse 14:6-7

Estudo sobre Apocalipse 14:6-7



O primeiro destes “outros” anjos694 que acompanham o Juiz é visto por João de uma maneira que logo enquadra esse mensageiro num contexto diferente. E vi outro anjo voando pelo meio do céu (“no zênite”). Desta forma ele já havia visto, em Ap 8.13, a águia acima da superfície da terra gritando “ai”. Porém, enquanto aquele mensageiro de desgraça anunciava apenas formas preliminares do juízo, agora são até três anjos de juízo que exclamam o próprio juízo final.

O primeiro deles tinha um evangelho eterno para pregar (“uma eterna mensagem de vitória para anunciar” [tradução do autor]). No presente local não é recomendável manter o estrangeirismo grego “evangelho”,695 porque ele involuntariamente enche nossos ouvidos com um certo conteúdo emocional.696 Por isso, em toda a história os intérpretes também se apropriaram do anjo como sendo a concretização da mensagem de graça dos missionários conforme Mc 13.10.697

Na verdade, a pregação missionária cristã acaba justamente quando surgem estes arautos (cf. as observações preliminares à seção). Também o sentido mais restrito dos v. 6,7 não permite mais imaginar algo como a atividade missionária. Tudo indica para que “evangelho” aqui não tenha o sentido paulino, mas ainda o sentido do AT, o que já poderia ser indicado pela ausência do artigo. Pelo que se constata, João não faz a mesma associação com essa palavra que os demais autores do NT.698 Para ele, como para o AT, não constitui um conceito central, e praticamente não está definido. Aqui a palavra expressa uma mensagem do céu que proclama a vitória final de Deus e Cristo. Sem dúvida cabe-lhe a conotação da alegria, porém unicamente para os redimidos, enquanto faz com que os inimigos tremam (cf. Lc 21.28 com Lc 21.25).699 Pelo fato de esta mensagem ser chamada de eterna ela se destaca dentre a enxurrada de mensagens e “evangelhos” do mundo daquele tempo e também singularmente do culto ao imperador. Notícias do início de governo, do nascimento de um filho do imperador, de sua maioridade, de vitórias em batalhas e de sentenças de morte – tudo era levado com a máxima pompa aos moradores do Império. A eterna mensagem de vitória desclassifica essas profusas manchetes e comunicações especiais como sendo quimeras de vida curta, reivindicação oca e barulho vazio. Agora ressoa um comunicado divinamente válido.


Ela se dirige aos (“contra os”)700 que se assentam (“os que estão entronizados”) sobre a terra. Aqui não se encontra a formulação, no mais tão frequente no Ap, de “morar” sobre a terra. Eles estão “sentados” sobre a terra, assim como no v. 14 o Filho do Homem está “sentado” sobre a nuvem branca, i. e, ao trono nas nuvens701 se contrapõem os tronos da terra, ou seja, os “reis da terra” (cf. o exposto sobre Ap 1.5). São eles os ninhos responsáveis pela resistência a Deus nas alturas. Além do mais, pode-se depreender desse termo uma ênfase na imobilidade e também na impenitência dessas pessoas. Elas se comportam como seus precursores nos dias de Noé. De modo extremamente súbito são assaltados agora pela destruição (Mt 24.37-39; 1Ts 5.3).

Uma voz estrondosa solicita-os a se submeterem: dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória. Cumpre destacar sempre (cf. o comentário a Ap 11.12) que essa formulação significa sobretudo aquilo que diz, a saber, que Deus finalmente receba a sua honra e não continue a ser cumulado de blasfêmias (Ap 13.6). Inicialmente isso constitui um acontecimento subjetivo. O que se deve afirmar sobre o estado subjetivo daqueles que se submetem à majestade de Deus tem de ser depreendido do respectivo contexto. Aqui ele está sendo definido com muita exatidão.

Pois é chegada a hora do seu juízo. É aquela hora que se torna inequívoca nas afirmações subsequentes, a hora da queda da Babilônia (v. 8), da ira de Deus (v. 10), do lago de fogo (v. 11), a hora da foice, da faca de vindimar e da lagaragem (v. 16,19,20) – portanto, nenhuma hora de misericórdia! A respeito da mesma hora lemos também em Ap 18.10,17,19. Este “seu juízo” deve ser diferenciado de seus juízos (plural, p. ex., em Ap 16.7; 19.2), que sempre deixavam brechas para a graça.

Ao contrário dos ídolos impotentes, que não fazem nada e por isso não precisam ser temidos por ninguém, o Deus vivo é tornado presente com sua imensurável onipotência. Convoca-se para venerá-lo. Adorai aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das águas. É a mesma descrição da criação que é pressuposta nas quatro visões das trombetas (Ap 8.7-12). Deus os fez, ele os recolhe. Então o ser humano não poderá mais entrincheirar-se contra Deus na criação. Resta-lhe – quer queira quer não – somente um único lugar, o lugar aos pés do Onipotente. Talvez também permaneça na memória o “fazer” imitador do profeta de mentira (Ap 13.12-16). Como é miserável esse feitiço em comparação com as obras do Senhor, verdadeiramente digno de adoração!



Notas:
694. Novamente nos v. 8,9,15,17,18. Por meio dessa caracterização homogênea eles não são tão destacados dos anjos anteriores no Ap, mas antes ligados entre si para constituir uma categoria fechada de anjos. Não são convincentes as ligações com Ap 12.7; 11.15 ou ainda Ap 14.2.

695. Acaso tinha ele uma forma visível, como o livrinho em Ap 10.2? Contudo, não o segurava na mão, mas “tinha-o para anunciar”.

696 Zahn formula: “dádiva preciosa para as nações”.

697. Foi assim que Bugenhagen, por ocasião das exéquias de Lutero, já interpretou este anjo como sendo o falecido. Ainda no ano de 1955 a conferência litúrgica luterana estabeleceu os v. 6,7 como leitura da epístola no Dia da Reforma. Outros viram o anjo como Calvino. Bengel, porém, fundamentou, em cinco páginas, que necessariamente tratava-se do “precioso João Arndt”, enquanto via o segundo anjo sendo concretizado por Spener. Kobs considera que ele é o surgimento dos círculos devotos no século XIX. Joaquim de Fiore (fal. 1202) fez anunciar o anjo como “era do espírito”, uma ideia que teve entusiasmados seguidores nos séculos seguintes.

698. De 76 ocorrências no NT há somente essa uma nos escritos de João. Além disso, ele usa duas vezes o verbo. O termo correspondente hebraico (besarah) ocorre apenas seis vezes no AT, jamais designando mensagem divina, uma vez até usado para designar notícia de luto. A LXX reproduziu besarah com “evangelho”.

699. Essa também é a opinião de Wikenhauser.

700. Novamente a preposição epí, no mesmo sentido de Ap 10.11 (cf. o comentário correspondente).

701. Cf. o comentário a Ap 4.2b.