Estudo sobre Apocalipse 14:8-11

Estudo sobre Apocalipse 14:8-11



O anjo que segue agora é intencionalmente numerado. Ele pertence à mesma série do anjo anterior, segue-o e compartilha com ele o mesmo local no zênite. Seguiu-se outro, o segundo. Sua mensagem tem os mesmos destinatários, de modo que eles não precisam ser citados novamente. Tampouco ele muda de assunto, contudo complementa seu antecessor. E ele disse: Caiu, caiu a grande (cidade) Babilônia.

O juízo sobre a Babilônia (quanto à forma do nome, cf. o comentário a Ap 17.5) alcança aqui tamanha plasticidade (e também certeza e irrevogabilidade) que já se pode exclamá-lo em triunfo como algo acontecido. Tratamos do termo “Babilônia” em Ap 11.8, e o faremos com pormenores na abordagem dos cap. 17,18, onde também se repete o “caiu!” (Ap 18.2; ocorre na forma duplicada também em Is 21.9; cf. Jr 51.8).

Segue-se a causa do juízo: que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria da sua prostituição. Surge, assim, o conceito da “prostituta” Babilônia (a expressão aparece em Ap 17.1). Já o povo da aliança no AT considerava a Babilônia como matriz da idolatria, como foco contagioso de uma terrível sedução que abrange todos os povos. Sobre essa “prostituição” religiosa e real, cf. Ap 2.20-24. Obteremos um sentido direto dessa acumulação de termos um pouco complicada do vinho da fúria da sua prostituição, quando não relacionarmos a fúria com a ira de Deus nessa passagem,702 mas a entendermos como o ardor contagioso e insaciável dessa meretriz. É sua avidez que depois é simbolizada na bebida inebriante. Também em Os 4.11 a prostituição e o vinho são equiparados. Dessa forma ela oferece de forma tentadora seu “cálice de ouro” (Ap 17.4), de forma que ele passa pelas fileiras da humanidade, arrastando todos para a desgraça.

Seguiu-se a estes outro anjo, o terceiro, dizendo, em grande voz. O primeiro anjo falou de Deus, o Juiz; o segundo anjo, da Babilônia, a julgada. O terceiro anjo fala agora dos que foram julgados com ela. O que ouvimos dos anjos, na realidade constitui uma única pregação, porém distribuída entre diversos oradores. Em consonância, por meio do também no v. 10, este anjo se reporta aos que falaram antes dele. Babilônia já caiu, mas todos os idólatras são arrastados na queda dela. Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca na fronte ou sobre a mão, também esse beberá do vinho da cólera de Deus.

Nessa situação processa-se uma mudança de figura. Agora não é mais a prostituta Babilônia que oferece seu cálice de pecado, e sim Deus, que alcança sua taça de ira. Em termos de conteúdo isso corresponde com muita precisão ao que a Bíblia ensina sobre pecado e castigo (nota 293). Vinho da ira (RC) no v. 8 simbolizou o pecado, retornando agora como punição (cf. nota 702).

O quadro é colorido. Este vinho foi preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, i. é, não foi misturado com água como era usual no Oriente, mas com condimentos anestésicos, que aguçavam ao máximo a natureza inebriante da bebida. Em 3Macabeus 5.2,45 isso é feito para que os elefantes fiquem fora de si. Assim a ira de Deus não está sendo abrandada por nada, como nos longos períodos de paciência e da continência divinas. Ele cumpre seu juramento de Ap 10.5 (cf. o texto correspondente).

E será atormentado com fogo e enxofre. Retornaremos a essa expressão quando tratarmos de Ap 19.20 e 20.10. Entretanto não reaparece a pequena menção que talvez transforme o juízo no mais severo dos juízos.

O tormento é suportado diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. Primeiramente é plenamente revelado que o juízo da presente seção de fato pressupõe a chegada do Senhor e não tem mais nada a ver com um juízo qualquer dentro da história. A menção dos santos anjos poderia ser uma paráfrase reverente da presença de Deus, o que explicaria a colocação anterior a Cristo. Consequentemente, o juízo final é suportado perante Deus em Cristo, a saber, perante aquele cujo amor era tão manifesto. Ele agora tem de mostrar sua ira (cf. Ap 6.16)! Isso significa tormento sem limites, sem paz, sem evasivas e sem qualquer direito de apelação.


A ideia de que o Cordeiro se deleita com o sofrimento dos condenados poderia ser introduzida nesse texto apenas como material estranho. Ele próprio está isento de tais impulsos por sua elevada e profunda seriedade. Também o v. 11, embora use termos assustadores, de forma alguma ilustra a perdição como prazerosa, porque se atém disciplinadamente a formulações do AT, sobretudo a Is 34.10. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite. Para o comentário, remetemos novamente a trechos mais detalhados acerca desse tema (Ap 18.9,18; 19.3; 20.10).

Finalmente o anjo retorna ao “se” do v. 9: Se alguém aceita a marca de seu nome (da besta) [tradução do autor]. Este “se” que forma a moldura e que sustém toda a mensagem do anjo, deveria ser ouvido com precisão. Ele revela as duas camadas do trecho. Num nível o anjo proclama o juízo final já irrevogável. No outro nível ele interpela os endereçados do presente livro que ainda podem decidir-se, que ainda estão diante da possibilidade de renegar a besta ou separar-se com terror da besta, para pertencer integralmente ao Cordeiro. Nos v. 12,13 esse tom pastoral insistente irromperá de forma cabal. Ninguém deve tomar conhecimento dessa visão do juízo final prestes a chegar como mera aula objetiva sobre o plano da salvação. Por amor de Deus, abandonem a posição de espectadores!





Notas:
702. Em Is 51.17 consta: “da mão do Senhor o cálice do seu furor… cálice da vacilação” (rc), e de modo similar em Ez 23.31-35; Jr 51.7; Hc 2.16; Zc 12.2; Ob 16. Numa associação com estas passagens não estaria em primeiro plano a ideia de uma sedução por parte da prostituta, mas o outro pensamento, de que alguém, ao beber do cálice da prostituta, já recebe o cálice da ira de Deus. Deus permite que alguém decaia de Deus e caia nos poderes da prostituta. Ele o entrega ao pecado, como em Rm 1.24,26,28. É assim que o interpretam aqui Goppelt, Büchsel e Stählin, sem atentar para a progressão do pensamento do v. 8 ao v. 10, do pecado ao castigo.

293. Por isto a língua hebraica pode expressar pecado e castigo com a mesma palavra; p. ex., Gn 4.13 pode ser traduzido por: “Meu castigo é pesado demais” ou também: “Meu pecado é grande demais”. Quanto à unidade de pecado e castigo, cf. também Ap 2.22; 16.3-6; 18.6,7; 2Ts 1.6; 2.10; Os 4.6; Pv 26.27; 28.10; 29.6,23.