Estudo sobre Apocalipse 16:12-13

Apocalipse 16:12-13

O tópico sol liga esse flagelo com o quarto flagelo das trombetas. De imediato, porém, salta à vista a diferença de que o juízo se torna irrestrito, ultrapassando a terça parte; dessa feita, a radiação solar não é abrandada, mas até intensificada numa proporção nociva. A fonte de bênçãos para toda a vida terrena se transforma num castigo. E foi-lhe dado queimar os homens com fogo. Transfere-se ao sol um completo juízo de fogo.760 E os homens foram abrasados por um calor intenso (teb). O texto de Ap 7.16 trouxe o sofrimento infligido pelo sol.

Contrastando com as vozes do alto que louvam (Ap 16.5-7), surgem agora vozes blasfemas de baixo. Como as vozes celestiais, elas sintetizam todos os flagelos. As pessoas – que com essa atitude evidenciam-se como adeptos da besta (Ap 13.1,5,6; 16.9; 17.3) – blasfemaram o nome de Deus, que tem autoridade sobre estes flagelos. Quando passam mal, subitamente Deus existe para elas. Praguejando, lembram-se dele. Com revolta inflamada, elas questionam: “Como pode ele permitir uma coisa dessas?” Depois voltam a encastelar-se em sua impenitência. E nem se arrependeram para lhe darem glória (cf. o comentário a Ap 9.20,21 e aqui, no v. 11). Eles se endurecem sob os golpes, como outrora os egípcios.

O presente texto pressupõe que também os juízos derradeiros ainda visam atrair para a graça.761 Novamente fica claro que de forma alguma os juízos limpam, purificam e melhoram automaticamente as pessoas. Por isso não se deve investir expectativas exageradas neles, como se tempos de castigo bem longos, talvez juízos que duram eternidades, aos poucos amortecessem a descrença e levassem à bem-aventurança.


Como o quinto flagelo das trombetas, também o quinto flagelo das taças intensifica o juízo. Atinge o trono da besta, a respeito do qual já fomos informados em Ap 13.2. O centro de seu poder – não deveríamos tentar fixá-lo geograficamente – está submetido aos golpes de Deus. Seu reino se tornou em trevas. O nono flagelo egípcio também fala a respeito de um escurecimento assim: “não viram uns aos outros, e ninguém se levantou do seu lugar” (Êx 10.23). Teimoso e endurecido, cada um pára no seu lugar como numa prisão. Governo, administração e trânsito estão como que paralisados. É uma sensível destituição parcial dos poderes da besta em seu reino mais próprio! As pessoas que amam mais as trevas que a luz (Jo 3.19) e às quais Deus repetidamente concedeu sua bondosa luz, agora recebem suas trevas com carga total.

E os homens remordiam a língua por causa da dor que sentiam e blasfemaram o Deus do céu (cf. Ap 11.13) por causa das angústias (“dores” [rc, blh, teb, bj, nvi, vfl, bv]) e das úlceras.762 Por que não gritam finalmente, de tanta dor, tudo o que têm a gritar? Contudo, preferem morder a língua a gritar: nós pecamos! Em decorrência, ouve-se pela última vez o refrão da impenitência: e não se arrependeram de suas obras.

Em retrospecto, e pensando na sexta taça, forma-se o seguinte quadro: por um lado é cada vez mais palpável que os impenitentes entraram no atoleiro e não conseguem sair de sua obstinação. O ser humano precisa ceder diante de Deus, ou quebrar-se. Deus não cede. Por outro lado, intensifica-se, porém, sua teimosia. Em vista da flagrante fragilidade de todos os reinos terrenos, eles apostam de maneira cada vez mais fanática em sua própria força e honra.

Certa vez Karl Barth iluminou essa natureza humana de forma profunda:763 “De acordo com o que percebemos hoje, deve-se presumir com a maior certeza de que também na manhã após o juízo sobre o mundo – caso isso ainda fosse possível – toda discoteca, todo clube de carnaval, toda empresa jornalística ávida de anúncios e assinaturas, toda recâmara cheia de fanáticos políticos, todo clube ímpio de fofocas, mas também toda rodinha de chá cristã e toda assembleia eclesiástica tornaria a reconstruir sua atividade da melhor maneira possível e, agora ainda mais, lhe daria continuidade: completamente intacta, inteiramente sem arrependimento, de forma alguma diferente que hoje e anteontem. Enfim, não são a ardência do fogo, a carência de água, o terremoto, a guerra, a peste e o escurecimento do sol e tudo o mais que puder acontecer nessa direção que como tais poderão transportar-nos para o temor real e, então, também para a verdadeira paz.”



Notas:

760. Apoiando-se em Ml 4.1, uma voz judaica afirmou: “Deus faz o sol sair de seu estojo (manto), para que deixe pretos (os seres humanos, por seu calor abrasador)” (Bill iv, pág. 1102).

761. Torna-se também flagrante que os flagelos não encontram ninguém disposto ao arrependimento. A penitência transformaria tudo imediatamente. Nada é desesperador quando se pratica o arrependimento.

762. As dores, como conjetura Lohmeyer, poderiam ser oriundas dos gafanhotos-escorpiões que, conforme Ap 9.2, causaram as trevas. Não seria correto pensar em contusões que as pessoas sofriam por impactos na escuridão. – No entanto, o próprio texto não cita, tampouco como em Êx 10.22,23, o meio usado para causar as trevas.

763. Kirchliche Dogmatik, vol. iii, 2, p. 125.