Estudo sobre Apocalipse 16:14-16

Apocalipse 16:14-16

Com a primeira linha do v. 14, João insere uma explicação: porque eles são espíritos de demônios.768 Dessa forma preenche-se o conceito “reis do nascente do sol” (v. 12). Está completamente fora da perspectiva de João pensar em príncipes de quaisquer povos históricos. Com o adendo operadores de sinais ele remete claramente a Ap 13.13-15.

Somente agora aparece o verbo da frase que começou no v. 13: e se dirigem aos reis do mundo inteiro. Este sair, portanto, de forma alguma projeta a imagem de tropas que se aproximam,769 mas nitidamente, pelo contexto da frase, a de que os “sapos” deslizam das bocas referidas no v. 13. Chegam sedutores aos representantes do poder político e conquistam-nos para o seu plano de uma estratégia: com o fim de ajuntá-los para a peleja do grande Dia do Deus Todo-Poderoso. De acordo com o versículo subsequente, essa sedução obtém êxito. O fato de que a humanidade se deixa conjurar contra seu único Salvador, de que ela marcha contra aquele que a amou até a morte nem pode ser outra coisa que não sedução. Sem levar inspirações demoníacas a sério não é possível entender nada nesse ponto (cf. o comentário a Ap 17.13).

Portanto, organiza-se essa gigantesca mobilização. O dia do dragão parece ter começado. Contudo, inesperadamente o grande dia dele torna-se o grande Dia do Deus Todo-Poderoso. Esse tema é retomado expressamente em Ap 19.17-21. Assim como a luta do dragão no céu acabou quando da sua derrubada sobre a terra (Ap 12.7-9), essa luta sobre a terra acaba quando ele é lançado ao abismo.770

A indicação do tempo é seguida, no v. 16,771 por uma indicação de lugar. Então, os ajuntaram (“E a besta ajuntou-os” [cf. Ap 19.19]) no lugar que em hebraico se chama Armagedom. Novamente João espera que seus leitores gregos entendam um termo hebraico. Isto por si só causa a sensação de mistério. Como na sexta trombeta (Ap 9.11), surge uma palavra enigmática. Lá, porém, e em passagens similares, João traduziu a expressão. Será que a intenção agora é não traduzir? Obviamente as pessoas fizeram a tradução.


Muitas vezes oferece-se a tradução “monte (em hebraico har) Magedo”. Acontece que em toda a literatura um “monte Magedon” é desconhecido. De certa maneira somos lembrados da cidade de Megido,772 na parte sul da planície de Jezreel. Com esta referência a exegese teria encontrado uma palavra-chave. Megido controlava o desfiladeiro pelos elevados do Carmelo, pelo qual passava a via principal do Egito até a Síria e a Mesopotâmia. Com isso, a região dessa cidade tornou-se um proverbial palco de guerras. Frequentemente desencadeavam-se ali batalhas decisivas, sendo que sobretudo os reis cananeus foram derrotados por Israel quando penetrava no território. Será que o texto, portanto, está profetizando uma “Megido” escatológica?773

Contudo não é aconselhável que uma exegese deixe tão facilmente de lado o elemento do “monte”. Rissi774 procede a uma leve transposição de letras, encontrando dessa maneira a expressão hebraica “monte da congregação”, de Is 14.13. É o trono dos deuses ao qual o rei da Babilônia sobe como usurpador.

Quem desejar interpretar o texto assim como foi transmitido poderá acompanhar a seguinte leitura: em primeiro lugar levamos a sério o elemento “monte”, abrindo mão, portanto, da ideia de um campo de batalha. Grandes batalhas não acontecem no alto de montes,775 mas nas planícies. Nas correlações do livro, é plausível que esse monte seja oposto ao “monte Sião” de Ap 14.1. Assim como lá o Cordeiro se postou com os seus, aqui a besta reúne-se aos seus. Com bastante frequência “monte” é usado em lugar de reino. Consequentemente, forma-se aqui o reino contrário, a máxima concentração do poder da besta contra Cristo.

Agora também se faz justiça às recordações de Israel em relação a Megido: o poder concentrado da besta chega justamente ao seu ápice, experimentando seu “Megido”,776 i. é, uma batalha milagrosa, na qual sequer se chega ao embate porque o céu intervém milagrosamente. Em Jz 4.15 lê-se: “O Senhor derrotou (‘assustou’) a Sísera, e todos os seus carros… e Sísera saltou do carro e fugiu a pé”. Jz 5.20,21: “Desde os céus pelejaram as estrelas… o ribeiro Quisom os arrastou”. Jz 7.22: “O Senhor tornou a espada de um contra o outro, e isto em todo o arraial”. Esse quadro combina muito bem com o paralelo de nossa passagem em Ap 19.17-21.777

Em consequência, Armagedom se revela como um termo criado artificialmente pela linguagem da proclamação. Talvez a expressão visa evocar correlações espirituais, pelo fato de ser deixada na antiga linguagem sagrada da Bíblia. A tradução para a língua franca grega poderia ser um condicionamento para que se falasse desse monte no sentido de outros montes quaisquer e dessa Megido no sentido de outros lugares quaisquer da geografia.778 Somente à primeira vista a besta conduz “a um lugar”. Se olharmos mais detidamente, ela conduz a um destino. A concentração semelhante em um monte vem a ser uma derrocada semelhante a uma Megido. Isso é “Armagedom”.



Notas:

768. Segundo a nossa percepção linguística, a tradução literal “espíritos dos demônios” conduziria a equívocos. Demônios não têm espíritos, mas são espíritos (cf. o comentário a Ap 9.20). Quanto ao aspecto idiomático, cf. nota 173.

769. Há comentaristas que gostam de introduzir na preposição grega epi toda uma expedição militar dos reis do Leste contra os reis do Ocidente. Contudo, fala-se dos “reis de toda a terra habitada”. A multidão deles não pode ser partida ao meio. Eles procedem de todos os quadrantes. Quanto à tradução acima apresentada, cf. p. ex., Mt 3.7: os fariseus e saduceus vieram “para (epi) o batismo” de João no rio Jordão.

770. Quanto ao título “Todo-Poderoso”, que aqui é usado intencionalmente com vistas ao poder imponente da besta, cf. o comentário a Ap 1.8.

771. Quanto ao v. 15, cf. o próximo trecho!

772. A lxx escreve-a na forma de “Maged(d)õ”. Entre as oito ocorrências há certamente “planície de Magiddo” ou “águas de Megido”, porém jamais “monte Megido”. Wikenhauser recorre à ideia da “colina”, sobre a qual se supõe que Megido tenha existido, contudo isso não é um “monte”. Lohmeyer, Schütz, Hadorn e Lilje pensam nas montanhas do Carmelo (muitas vezes “monte” e “montanha” podem ser trocados) e, evocando 1Rs 18, num “Carmelo” escatológico, i. é, aniquilamento definitivo dos idólatras pela intervenção de Deus (cf. Zc 12.11). Contudo Megido distava 20 km do lugar em questão. Será que o local teria sido designado justamente de acordo com a cidade distante? Existe alguma comprovação disso na literatura?

773. Com predileção se entende o termo como referência geográfica. P. ex., T. Beck: “O processo histórico se encerra no chão de sua origem.”

774. Em: Was é und was geschehen soll danach, pág. 85.

775. Em consequência, não tem base no texto uma “batalha do Armagedom”. Também aquele que entende o Armagedom de uma forma geográfica qualquer, teria de constatar em nosso texto que ele serve tão somente como espaço de preparação. E quem simplesmente pressupõe que os acontecimentos de Ap 19.19 se desenrolam no Armagedom, teria de constatar que justamente ali não se chega à batalha.

776. Hitler criou a expressão cínica: ser coventrido. De modo análogo se poderia afirmar que um reino foi transformado em Megido.

777. O “aprisionamento” da besta em Ap 19.20 evoca passagens como 1Rs 18.40; 2Rs 10.14; etc. – A interpretação apresentada acompanha Klumbies, em: Wort und Tat, 1963, nº 7.

778. Provavelmente a cidade de Megido, em ruínas e esquecida desde 350 anos a.C., não era um conceito geográfico para os leitores do Ap.