Estudo sobre Apocalipse 16:17-18

Apocalipse 16:17-18

Retiramos o presente versículo de sua posição entre os v. 14,16 meramente por razões práticas. Ele é apresentado nesta posição por todos os manuscritos.779 Ele decididamente faz sentido no lugar em que consta pela transmissão textual. O v. 14 havia terminado com a menção do “grande dia de Deus”. Nessa situação cabe bem o chamado da vinda do Juiz. Ao mesmo tempo, porém, o versículo extrapola o contexto, por introduzir a situação da igreja na série das taças. Desta maneira traz forte lembrança das peças intermediárias das séries dos selos e das trombetas (cap. 7,11,12). Com certeza trata-se agora apenas de uma breve intercalação, porém este fato se explica a partir do fim premente. As protelações são descartadas.

O que falta em comprimento nessa peça intermediária, é substituído pelo tom da mais intensa premência. É a voz do próprio Jesus que ressoa: Eis que venho como vem o ladrão! Essa ilustração bem conhecida no NT, da chegada do Juiz messiânico, já foi elucidada quando comentamos Ap 3.3. De acordo com aquela passagem, como também conforme 1Ts 5.4, ela não deveria ser cabível para a igreja. Justamente ela não deveria experimentar a vinda de Cristo como quem dorme. É essa também a intenção da bem-aventurança seguinte (cf. o comentário a Ap 1.3), que seguramente não pode ser mais imaginada nos lábios de Jesus: Bem-aventurado aquele que vigia (cf. o exposto sobre Ap 3.2).

Uma segunda expressão, semelhante, sublinha nesse trecho a exortação à vigilância: e guarda as suas vestes.780 A continuação mostrará que não se deve pensar em preservação contra a contaminação. Pelo contrário, o bem-aventurado deve manter sua roupa no corpo, portanto, deve conservá-la trajada ao invés de despi-la desatentamente para dormir. No Oriente costumava-se dormir sem roupa. Quando alguém, surpreendido pelo ladrão, se levantava de um salto, ficava nu. É contra esse destino que se está advertindo: para que não ande nu, e não se veja a sua vergonha.

A ilustração extraída da vida privada contém algo de ambivalente, porque também deixa transparecer a situação de um condenado na sala do tribunal. Ficar de pé sem roupas significava o mesmo que “ser condenado em juízo”.781 Esta é igualmente a acepção em Ap 3.18. Com semelhante interpretação o versículo realmente permanece na esfera do tema introduzido pelo v. 15.


O mundo hostil a Deus espera em vão por sua guerra e pela utilização de suas armas. Sem que lhe seja concedida a chance de um confronto real, seu centro é vitimado imediatamente por um terrível golpe, de modo que sua frente simplesmente se esmigalha. Então, derramou o sétimo anjo a sua taça pelo (“sobre o”) ar. A frase remete aos espíritos demoníacos do v. 14, como também a Satanás enquanto “príncipe da potestade do ar” conforme Ef 2.2. Este espaço de poder, esse cinturão demoníaco, imiscuiu-se entre o céu de Deus e a terra dos humanos, isolando a terra de Deus, a fim de subjugá-la integralmente a si. Também conforme Ap 9.2 o ar estava escurecido e contaminado pela fumaça do abismo, de maneira que a terra vegetava na noite da impiedade sob uma campânula tóxica. Ao derramar, portanto, sua taça sobre esse ar, o sétimo anjo, fulmina a fonte e a força do reino satânico.

Com esse golpe, a série de flagelos chegou ao fim em seus aspectos essenciais. Uma voz vinda das adjacências mais próximas de Deus782 anuncia essa notícia ao Entronizado. Ela ecoa com tanta potência que seu som se difunde para fora do templo, e João o ouve. E saiu grande voz do santuário, do lado do trono, dizendo: Feito está! Esta notícia da ordem executada corresponde aos anúncios em Ap 15.1,8.783 Todas as taças foram derramadas, e a quebra do poder do dragão é total. O que acontece depois é tão-somente o efeito dominó das fachadas que caem sem apoio, uma após a outra.

O v. 18 está trazendo os mesmos efeitos colaterais,784 sob os quais Êx 19.16 revelou aquele que dominou o Egito. E sobrevieram relâmpagos, vozes e trovões. Eles inauguram o terremoto cósmico, por meio do qual a antiga criação é derreada, a fim de dar lugar a uma nova. E ocorreu grande terremoto, como nunca houve igual desde que há gente sobre a terra; tal foi o terremoto, forte e grande. Em comparação com os textos de Ap 6.12; 8.5; 11.13,19, a singularidade desse acontecimento está sendo ressaltada da forma mais intensa. A terra está preparada para os demais abalos sísmicos. Supera-os. Porém nesse terremoto ela é despedaçada.785



Notas:
782. Novamente não se deve pensar na voz do próprio Deus, cf. o comentário ao v. 1.

783. O segundo “Está feito”, em Ap 21.6, é mais abrangente.

784. Cf. Ap 8.5; 11.19 e o exposto sobre Ap 1.15.

785. Quanto à ênfase nas grandes dimensões, cf. a observação preliminar ao cap. 16.

779. Conforme Lohmeyer o versículo é algo “impossível nesse lugar em sua forma e conteúdo”. Ele o transfere para um espaço entre Ap 3.3a e 3.3b, uma medida que, por sua vez, Rissi considera como “totalmente arbitrária”. O próprio Rissi conjetura que um copista o tenha deslocado. Originalmente ele teria constado não antes, mas depois do v. 16. Sem dúvida isso é imaginável, contudo não deixa de ser uma suposição.

780. No mais, “guardar” ou “cumprir” são relacionados com as palavras da profecia (Ap 1.3; 22.7,9), a palavra de Jesus (Ap 3.8) ou a pregação missionária (Ap 3.3), com a espera firme por Jesus (Ap 3.10), com os mandamentos de Deus (Ap 12.17; 14.12) e as obras de Jesus (Ap 2.26).

781. Cf. Preisker, Ki-ThW vol. iii, pág. 755, nota 7.