Estudo sobre Apocalipse 17:11-14
Estudo sobre Apocalipse 17:11-14
Acerca do oitavo afirma-se: ele é a besta (v. 11). Certamente a besta já estava sempre presente. Desde Ap 13.1 ela se movimentou em “cabeças” cada vez novas. Desde a exaltação do Cordeiro ela ergue sua cabeça em formas sempre novas. Porém é somente na oitava cabeça que ela se revela exaustivamente e é inteiramente besta, pois aquela presunção de superar a Deus até mesmo no milagre pascal, roubando-lhe a glória, faz parte de sua mais profunda natureza. Todo o mundo deve ajoelhar-se diante do milagre da besta: ele verdadeiramente ressuscitou, o novo ser humano chegou, o novo mundo está sendo construído – sem Deus e sem o Cordeiro!
É exatamente nesse ponto que incide a guilhotina da palavra profética: “e caminha para a destruição”. O v. 8 já dizia isso; como uma moldura, a afirmação coloca-se em torno do trecho. Em Ap 19.20 ela será abordada mais de perto. Porém desde já a besta é estigmatizada, como em 2Ts 2.3, como “filho da perdição”. Ela vem da perdição, conduz para lá, e vai para lá. São estes os verdadeiros títulos do oitavo: destruição – destruidor – destruído!
Agora também os dez chifres da besta são interpretados à parte. Isso é feito com uma frase de Dn 7.24. Os dez chifres que viste são dez reis. Dez é, como já mostrou Ap 2.10, um número muito esquemático e, como número da medida plena,841 evoca o sete. Contudo, enquanto o sete nos v. 10,11 se refere ao número cheio das potências na dimensão temporal, no presente texto o dez significa o número pleno das potências em sua dimensão geográfica por sobre a terra inteira. É dito expressamente que são reis simultâneos, a saber, “durante uma hora”, mais precisamente na hora do terrível oitavo, que coroa a série dos sete (v. 11). Deles é dito no v. 14 que eles empreendem conjuntamente a expedição bélica contra o Cordeiro. João já vira a mesma expedição dos reis em Ap 16.14, onde ele os designou de “reis do mundo inteiro”. E, na terceira descrição dessa expedição eles são chamados de “reis da terra” (Ap 19.19). Finalmente essa leitura também é solidificada pela lembrança de Dn 2.41-43. Lá a famosa figura das monarquias desemboca nos dez dedos, nos últimos representantes do poder político na terra antes da irrupção do reino eterno.
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Esses reis inicialmente ainda não receberam reino (“ainda não obtiveram dignidade real” [tradução do autor]).842 O “ainda não” seguramente pertence ao contexto do v. 10: quando João via e escrevia, a série de sete “ainda não” estava concluída. Por isso também a grande hora do oitavo ainda estava para acontecer e, de forma idêntica, aqui a grande hora de seus satélites.843 No entanto, eles recebem autoridade como reis, com a besta, durante uma hora. De acordo com Ap 13.2,5 o dragão tinha dado à besta quarenta e dois meses de autoridade, ou seja, durante todo o tempo escatológico. Contudo, no fim desse tempo ocorre uma última concentração do poder satânico contra o Cordeiro (v. 14).
Essa concentração no alvo único, porém, parece também acarretar uma certa perda de poder de cada rei. Na realidade eles são apenas quase-reis (“reis como se”). Possuídos pela vontade de aniquilar o Cordeiro, eles abrem mão da política nacional, do pluralismo e da descentralização. Oferecem (“entregam”) à besta o poder e a autoridade que possuem, cuja expedição bélica está acima de tudo para eles. Agora, deve-se evitar a fragmentação a qualquer custo! É por isso que se submetem à mais severa disciplina, têm estes um só pensamento. A questão dos cristãos deve ser finalmente conduzida à solução definitiva. Já em Ap 16.14 lemos a respeito dessa inspiração horrível, sob a qual todos os poderosos passam a conduzir-se (cf. também Ap 17.17).
Pelejarão eles contra o Cordeiro. Formam os “exércitos” de Ap 19.19, onde a expedição é descrita com maiores detalhes. Aqui ouvimos apenas brevemente o desfecho. E o Cordeiro os vencerá.
Portanto, realizou-se uma verdadeira luta do Cordeiro? Diferentemente de Ap 9.19,20, o texto é sucinto demais para que possamos afirmar ou refutar a partir dele. No entanto, talvez a continuação do versículo, que fundamenta a vitória do Cordeiro, indique uma resposta. Pois o Cordeiro é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis (para detalhes, cf. o comentário a Ap 19.16). Portanto, ele não venceu com base em sua luta, mas em virtude dos títulos que ele já havia conquistado na Sexta-Feira da Paixão e na Páscoa. Temos de permitir que essa maneira de pensar que perpassa todo o Ap penetre profundamente em nós. A vitória do Cordeiro foi definitivamente conquistada, seus inimigos estão derrotados (Ap 12.9,11). Na parusia a vitória dele e a derrota deles são meramente afirmadas de forma penetrante, publicadas e celebradas.
Assim como a besta, também o Cordeiro tem seus “exércitos”. Os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele. Pode-se depreender das expressões que elas levam para longe de concepções bélicas. Trata-se de uma designação genérica dos cristãos na primeira igreja. Eles estão com o Cordeiro – essa é a única coisa que é acrescentada. De acordo com Ap 14.4 essa condição lhes traz o martírio844 e, de acordo com a presente passagem, acarreta-lhes a vitória. Logo os mártires se tornam vencedores. Para essa vitória eles não empunham nenhuma espada, não flamejam de ódio, nem festejam uma vitória pessoal. Estão com o Cordeiro meramente como testemunhas, presenciando que seus inimigos falham em reconhecê-lo e que ele os derrota.
Índice:
Apocalipse 17:11-14
Notas:
840 O termo grego gnome significa: a. “sentido”, “mentalidade”; b. “decisão”, “determinação”. De acordo com os contextos ele requer uma tradução diferente no v. 13 que no v. 17. No v. 13 ele está ligado com “ter”, o que aponta para o significado a: “ter o mesmo pensamento”. Em contrapartida, no v. 17 ele está ligado com “fazer”, o que não tolera uma tradução com a acepção a, mas: “tomar uma decisão unânime e cumpri-la”.
841 Cf. também 1Sm 1.8; Gn 31.7, assim como os dez leprosos, as dez virgens.
842 Em grego basileia, ou seja, em seu sentido original, ainda não no sentido de “reino”. Essa é também a melhor maneira de explicar o singular.
843 A interpretação pela história contemporânea explica o “ainda não” do seguinte modo: Nero retorna da terra dos partos, para vingar-se de Roma. Ele seduz os procônsules de dez províncias romanas para se rebelarem, ou alia-se a dez príncipes partos, a fim de coroá-los como reis autônomos após sua vitória. Dessa maneira os dez reis já estão antes presentes como seus ajudantes, mas ainda não possuem dignidade formal de reis. – Contra essa leitura, cf. também Foerster, Ki-ThW vol. iii, p. 670.
844 Possivelmente “fiéis” aponte para Ap 2.10,13: fiel até a morte.