Apocalipse 17 — Comentário Literário da Bíblia

Comentário Literário da Bíblia





Apocalipse 17

A destruição da Babilônia, símbolo das forças que se opõem a Deus no mundo, é descrita em vividos detalhes. Está claro que a Babilônia é a falsa “grande cidade”, um escárnio e u m a perversão da Nova Jerusalém de Deus. 

17.1 A descrição do juízo da Babilônia no final dos tempos é extraída de Jeremias 51.13 (28.13 LXX), em que o profeta prediz julgamento absoluto sobre a Babilônia histórica: “Pois sua ira [de Deus] é contra a Babilônia, para destruí-la totalmente [...], contra os habitantes da Babilônia estabelecidos sobre muitas águas” (28.11-13 LXX). Esse juízo, que ocorreu na época do AT, prefigura o que começa a ser descrito em 17.1. 

17.3a A menção do vidente transportado em espírito “até um deserto ” é um a alusão a Isaías 21.1,2, em que uma visão de Deus (v. 21.10) é revelada ao profeta Isaías, a qual “vem do deserto [eremos]” (com o em Ap 17.3). A ideia de um a alusão, não de linguagem coincidente, é corroborada não só pelo fato de Isaías 21.1-10 ser um a visão do juízo contra a Babilônia, m as porque a expressão “Caiu a Babilônia, caiu”, de Isaías 21.9, aparece no contexto seguinte de 18.2 e, antes disso, em 14.8, que aponta para os capítulos 17 e 18. O texto de Isaías 21.1 com bina singularmente as imagens aparentem ente díspares do deserto e do mar, o “peso do deserto do m ar” (ARC), e as associa com a Babilônia (cf. TM e vários manuscritos da LXX). Da mesma forma, Apocalipse 17.1,3 retrata a Babilônia dos últimos dias num deserto, “assentada sobre muitas águas”. [ cf. A prostituta israelita do livro de Jeremias usa u m “vestido de escarlata” (4.30 LXX), e “n a orla dos teus vestidos se achou o sangue dos inocentes” (2.34 LXX). Da mesma forma, o livro de Isaías retrata o Israel infiel com o um a “prostituta”, cujo pecado é “com o púrpura [...], como o escarlata”, o que representa o pecado de “assassinato ”, porque suas “mãos” estão “cheias de sangue”, e seus “mercadores de vinho misturam vinho com água” (1.15-22 LXX) .Também não é por acaso que na LXX as vestes do sumo sacerdote são também descritas com o adornadas de ouro, púrpura, escarlata, linho, pedras [preciosas]”, que é a combinação idêntica de palavras usadas para descrever a vestimenta da prostituta Babilônia em 17.4 e 18.16 (sobre a importância disso, v. o comentário de 17.16 adiante). Assim, de determinada perspectiva, Babilônia pode ter aparência piedosa, porém ela é realmente má. [TTTg A reação de João — “Fiquei muito espantado” — é semelhante à de Daniel diante da revelação angelical sobre a morte iminente do rei da Babilônia, em Daniel 4 LXX. A metáfora “embriagada com o sangue” é desenvolvida com base em Isaías 34.5-7 e 49.26 e Jeremias 46.10, em que se descreve o juízo de Deus sobre os ímpios, aplicada agora em sentido inverso, para demonstrar que a Babilônia será punida pelo pecado dela própria, como revela 16.6. Ao descrever o juízo dos opressores ímpios, lEnoque 62.12 também faz alusão a Isaías 34 e Jeremias 46. 

17.9a Em 17.9a, há um desenvolvimento adicional da profecia de Daniel: na tribulação do final dos tempos, os verdadeiros santos necessitarão de “entendimento ” espiritual e de “sabedoria” para não serem enganados por um rei maligno que exalta a sua soberania acima de Deus e persegue o povo de Deus, que não o reconhece (assim Dn 11.33; 12.10 [para uma discussão mais aprofundada do pano de fundo, v. o comentário de 13.18; v. tb. Beale 1980]). A besta que João viu na visão de 17.3 não é outra senão a força maléfica do Estado profetizada em Daniel. 

17.9b Os “montes” simbolizam reinos, no AT e no judaísmo (e.g., Is 2.2; Jr 51.25; Ez 35.3; Dn 2.35,45; Zc 4.7; lE n 52; Tg. de Is 41.15; v. comentário de 8.8,9; para a alternância entre “reis” e “reinos”, v. Dn 7.17,23). Essa identificação é também confirmada por Daniel 7.4-7, em que sete é o número total de cabeças das quatro bestas (= reinos), a qual também é a fonte das sete cabeças de Apocalipse 13.1 (sobre a qual, v. comentário). O texto de Daniel 7.17 LXX (“as grandes bestas são quatro reis”) e 7.23 LXX (“a quarta besta será um quarto reino”) deixam claro que é intencional a ideia de reis que representam reinos. As alusões a Daniel 7 demonstram que sua profecia acerca de um inimigo perseguidor no final dos tempos é desenvolvida em Apocalipse 17.9b. 

17.12 Assim com o Daniel 7.4-7 é a fonte das sete cabeças, Daniel 7.7,8,20,24 é a fonte dos “dez chifres”. Daniel identifica os chifres como reis, e Apocalipse 17.12 faz o mesmo desde o início, a fim de revelar m ais detalhes sobre como essa profecia será cumprida. O reinado futuro do rei com a besta se estenderá por um tempo denominado “uma hora”. Esse tempo ecoa Daniel 4.17a LXX, que menciona o período pelo qual Deus fará com que o rei Nabucodonosor viva com o besta/animal. Aqui também Deus é soberano até mesmo sobre a autoridade dos reis ímpios, que se aliam à b esta p ara preparar a oposição ao Messias (cf. 17.13,14). A expressão “uma hora ” é repetida no capítulo 18 com referência ao tempo em que “a grande Babilônia” foi julgada por Deus (18.10,17,19), um a alusão que com bina a “uma hora” de Daniel 4.17 LXX com “Babilônia, a grande”, de Daniel 4.30 LXX. 

17.14 O objetivo de se formar a forte coalizão mencionada em 17.13 é lutar “contra o Cordeiro”. No entanto, o Cordeiro “os vencerá”. A terminologia militar da primeira frase do versículo é de Daniel 7.21: A conexão alusiva é reforçada pelo fato de que, como em Daniel, aqui também os reis são simbolizados por chifres (17.12) que guerreiam (em bora em Dn 7.21 seja um “chifre” [sg.]; sobre o paralelo grego com 17.14, v. Beale 1999a, p. 880). No entanto, há um a mudança no vocabulário de Daniel, que não invalida seu caráter alusivo, m as revela um a alteração interpretativa irônica, como no caso da alusão a Daniel 7.21 no capítulo 12 e em lEnoque 90.12, 13b (v. Beale 1999a, p. 652-4, 880-2 sobre 5.6; 12.7b,8a; 17.14). A última parte do texto de Daniel é invertida e aplicada ao defensor dos “santos”, não à vitória da besta. A mesma linguagem que em Daniel 7.21 e Apocalipse 11.7 e 13.7 descreve a vitória d a besta sobre os santos é agora aplicada à derrota que o Cordeiro im põe aos exércitos da besta e seus aliados “chifres” (são os reis) (para a alusão a Dn 7.21, v. Beale 1999a, p. 880 sobre 11.7; 13.7a). A inversão da linguagem não é resultado de alteração aleatória da Escritura, m as tem o propósito de expressar ironia. A predição da vitória da besta sobre os santos em Daniel 7.21 torna-se um tipo irônico de sua derrota no final dos tempos. A derrota da besta deve ocorrer utilizando-se as mesmas estratégias militares que ela usava para suas ações opressoras. O retrato invertido m ostra que ela deve ser punida pelos próprios instrumentos de seu pecado. A passagem de Apocalipse 17.14 é a resposta à pergunta de 13.4: “Quem poderá lutar contra ela [a besta]?” (assim Ruiz 1989, p. 452). Os “chamados, eleitos e fiéis” (17.14c) que acompanham o Cordeiro lutam ao lado dele e representam a vindicação dos santos perseguidos de Daniel 7.21 e Apocalipse 6.9- 11, 12.11 e 13.10,15-17. Mas Daniel 7.22, de modo surpreendente, garante que depois que a b esta com o chifre tentar vencer os santos, Deus executará o juízo “a favor dos santos do Altíssimo”, o que constitui a base para a expectativa de que os santos julgarão os ímpios no final dos tempos (cf. ICo 6.2; lEn 38.5; 91.12; cf. Sb 3.8; l E n 90.19; 95.3; 96.1; 98.12). Talvez a profecia de Daniel 7.22 seja ecoada aqui. A base para a vitória do Cordeiro, em 17.14, é que “ele é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis”. O mesmo título ocorre a p e ­ n as d u as vezes em textos relacionados às Escrituras, anteriores ao NT (l En 9.4; Dn 4.37 LXX). É possível que lEnoque esteja em vista aqui, um a vez que seu contexto diz respeito ao juízo escatológico (i.e., dos Vigilantes caídos), assim com o Apocalipse 17. No entanto, Daniel 4.37 LXX é a fonte m ais provável (sobre a qual, v. Beale 1999a, p. 881): Da mesma maneira que o rei babilônico ostentava esse título, o rei da Babilônia dos últimos dias (Roma), na época de João, também era chamado assim. O título refere-se a Deus, em Daniel 4, como aquele que demonstrou sua verdadeira soberania divina e revelou que Nabucodonosor não passava de um a paródia vazia do título ao julgar o rei bestial da “grande Babilônia”. Agora, o título é aplicado tipologicamente ao Cordeiro, o qual demonstra sua divindade, no último dia ao julgar a besta que domina “a grande Babilônia”. E ele desmascara como falsas as reivindicações divinas do imperador e de outros semelhantes a ele. 

17.15 O texto de Isaías 17.12,13 também usa a metáfora das “muitas águas” para “as muitas nações/povos” (cf. Is 8.7; 23.10; Jr 46.7-9; 47.2; no judaísmo, v. Tg. de Sl 18.16; 4Q169 frgs. 1 + 2, 4; 3-4 III, 10). A expressão “muitas águas” já foi considerada um a alusão a Jeremias 51.13 (28.13 LXX), em que se refere às águas do Eufrates e aos canais e dutos que circundavam a cidade. Essas águas ajudaram a Babilônia a florescer economicamente e garantiram a segurança contra ataques externos. As multidões humanas que as águas agora representam são a base para o comércio e a segurança da Babilônia. 

17.16 O retrato da desolação da prostituta é esboçado nos moldes do juízo da Jerusalém apóstata anunciado por Deus em Ezequiel 23.25-29,47: “Quem restar será destruído pelo fogo [23.25]. [...] Também tirarão tuas roupas [23.26] [...] e eles te tratarão com ódio [...] e te deixarão n u a e despida. A vergonha da tua prostituição, a tua luxúria e as tuas prostituições serão descobertas [23.29]. [...] A multidão [...] queimará suas casas [23.47]” (cf. Ez 16.37-41). Também , Ezequiel 23.31-34 retrata a prostituta com um a taça n a mão, embriagando-se, numa cena muito semelhante à de Apocalipse 17.4. A descrição da prostituta em Apocalipse 17 apoia-se também na comparação de Israel com o uma prostituta, em Jeremias 2.20—4.30 (assim D. Ford 1979, p. 270): ali Judá é um a prostituta (2.20) que tem “o semblante de uma prostituta” (3.3) e faz com que as outras mulheres pequem (2.33). Além disso, “na barra das tuas roupas se achou o sangue dos pobres inocentes” (2.34) e “em bora te vistas de púrpura e te adornes com enfeites de ouro [...] teus amantes te desprezam e procuram tirar-te a vida” (4.30). Israel é com parado a u m a prostituta porque, em bora supostamente esteja com prometido com o Senhor, mantém um intercurso espiritual com os ídolos. No entanto, o termo “prostituta” também pode representar outras nações ímpias nos Profetas, como em Isaías 23.15-18 e Naum 3.4,5 (embora 4Q169 frgs. 3-4 II, 7-11 aplique o texto de Naum aos líderes apóstatas de Jerusalém). A metáfora da “prostituta” traz em si a ideia essencial de um relacionamento ilícito — religioso, econômico, político ou algum a combinação destes. Em Naum 3.4,5 e especialmente em Isaías 23.15-18, as cidades de Nínive e Tiro são chamadas “prostitutas”, porque causam ruína e impureza entre as nações por meio do domínio econômico sobre elas e por influenciá-las com sua idolatria (v. Glasson 1965, p. 95]. Além disso, a prostituta de Apocalipse 17 é chamada “a grande Babilônia”, título que exprime o orgulho da Babilônia pagã de Daniel 4. Portanto, o nome “Babilônia” se refere tanto ao mundo pagão e ao Israel apóstata quanto à igreja apóstata que coopera com ela.

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