Estudo sobre Apocalipse 19:12-16
Apocalipse 19:12-16
O penetrante olhar de fogo do Senhor, que em Ap 1.14; 2.18 caracterizava o Juiz das igrejas, flameja agora diante do mundo todo. Os seus olhos são uma chama de fogo. Sua imensurável majestade soberana e superioridade são expressas por meio de muitos diademas, por meio dos quais ele supera os sete diademas do dragão (Ap 12.3) e os dez diademas da besta (Ap 13.1). Na sua cabeça, há muitos diademas, pois ele é o “rei dos reis” (v. 16).
Ligado a esses diademas, segue-se outro nome. E ele tem um nome escrito, provavelmente numa faixa na testa,937 que ninguém conhece, senão ele mesmo. Também conforme Ap 3.12 Jesus ainda tem diante de si, no fim dos tempos, a obtenção de um novo nome. Aqui, numa antevisão da parusia, ele já o ostenta, sem que João, no entanto, já o pudesse anunciar. Somente o cumprimento dessa visão trará consigo a revelação definitiva. “Haveremos de vê-lo como ele é” (1Jo 3.2; cf. Ef 2.7). O Senhor vindouro transcenderá em muito nossa atual dogmática.
A descrição desce da cabeça até a figura daquele que está cavalgando. Está vestido (“envolto”) com um manto tinto (“encharcado”) de sangue. Leituras antigas costumavam falar aqui de vestes respingadas de sangue ao invés de encharcadas, visando provavelmente estabelecer uma relação com o portador de vestes vermelhas em Is 63.1-3. Lá ele é interrogado: “Por que está vermelho o (teu) traje?” Responde: “No lagar pisei as nações na minha ira, então seu sangue me salpicou as vestes!” (tradução do autor). Não obstante, essa interpretação não é imperiosa.938 Com demasiada frequência João apóia-se em textos do AT e simultaneamente distancia-se deles. O sentido evidente aqui é que o cavaleiro traz do céu as vestes vermelhas antes que pise o lagar, como será abordado apenas no v. 15. Logo, não estão ensangüentadas de uma batalha, mas do seu próprio sangue. O Juiz vindouro é identificado enfaticamente com o Cordeiro sacrificado.
É evidente que o texto continua a remeter à vida terrena de Jesus: e o seu nome se chama (“e está citado”)939 o Verbo de Deus (“a Palavra de Deus”). Esse já era o nome de Jesus. No presente caso não se trata de um “novo nome” como em Ap 3.12 e no v. 12. Não se pode ignorar a relação com a teologia dos escritos de João. Conforme Jo 1.1-16 e 1Jo 1.1, o Filho encarnado já era “o Verbo”. Veio como aquele em quem Deus se expressava plenamente. Deus não tem nada a dizer além do que afirmou no Natal, na Sexta-Feira da Paixão, na Páscoa e em Pentecostes, tão cabalmente ele havia se comunicado através de Jesus segundo sua santidade e misericórdia. Também o nosso testemunho sobre Deus, por isso, deveria convergir obediente e integralmente com a confissão desse Jesus Cristo, sem especular por reservas ainda não acessíveis de Deus, das quais ele tirasse algo diferente algumas eras mais tarde. Não, mesmo na parusia Deus se atém à sua palavra única. O evangelho dos apóstolos é confirmado numa proporção em que nenhuma pessoa ousaria sonhar. Por isso não existe serviço mais sublime que anunciar esse evangelho. Pela mesma razão constitui também o mais necessário dentre o necessário que se dê ouvidos a esse evangelho.
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No entanto, a majestade de um soberano também se manifesta no seu séquito. E seguiam-no (“seguem-no”) os exércitos que há no céu, montando cavalos brancos, com vestiduras de linho finíssimo (“batista”), branco e puro. Essas milícias celestiais contrapõem-se aos exércitos da terra de Ap 19.19, que seguiram a besta. Com “milícias celestiais” o at refere-se a exércitos de estrelas ou anjos. Acaso existem motivos de divergir desse entendimento?
Alguns comentaristas940 observam que esse cortejo usa a mesma vestimenta que a “noiva do Cordeiro” no v. 8. Logo as “bodas do Cordeiro” já teriam se realizado, ou seja, também o arrebatamento da noiva. Agora ela estaria acompanhando o noivo. Depois da vinda de Jesus para junto dos seus estaria acontecendo agora a vinda com os seus.
Contra essa leitura do texto, porém, impõem-se fortes objeções.941 Sobretudo ocorre que a parusia do Senhor é repetidamente profetizada como acompanhada por anjos.942 Ainda que a igreja arrebatada da terra se coloque imediatamente ao lado do Senhor (cf. o comentário a Ap 11.12), de modo que daqui em diante ele já não pode ser imaginado separado dela em nenhum momento (1Ts 4.17), não se encontra no NT nenhuma afirmação segundo a qual ele já traria consigo do céu uma multidão qualquer anteriormente arrebatada.943 Contudo é exatamente isso que está em jogo aqui. Os trajados de branco cavalgam com ele do céu aberto. São milícias de anjos.
Além disso, mais que tropa de guerra, esses anjos são uma multidão festiva. Não trazem nenhum armamento nem sua vestimenta está vermelha da luta, mas tão somente tornam visível a glória de seu Senhor.
É fato a afirmativa de que o Cristo carrega uma “arma”. Sai da sua boca uma espada afiada, para com ela ferir as nações. De Is 11.4 depreende-se claramente o significado dessa metáfora, também já comentado em Ap 2.27. O Senhor vindouro quebra a força dos rebeldes. Contudo não brande a espada com o punho, porém ela lhe sai da boca (cf. o comentário a Ap 1.16; 2.12,16). É impressionante como o Ap repetidamente fala sobre diversas armas e guerras de Cristo, mas, ao inserir tantas expressões jurídicas nesses conceitos, não resta mais nada referente a uma luta física.944
Seguem-se duas afirmações paralelas. E ele mesmo as regerá com cetro de ferro (cf. o comentário a Ap 2.27; 12.5), e, pessoalmente, pisa o lagar do vinho do furor da ira do Deus Todo-Poderoso. Mesclam-se aqui as figuras da lagaragem e do cálice da punição (cf. Ap 14.10; 16.19). Tudo aponta para um julgamento definitivo.
Um último nome triunfante de certo modo forma a assinatura da visão. Tem no seu manto e na sua coxa um nome inscrito (“E tem no manto, a saber, na coxa, um nome escrito” [tradução do autor]). Num local especialmente visível do manto, a saber, onde ele cobre a coxa, João vê escrito: rei dos reis e senhor dos senhores. Era assim que na Antiguidade se intitulavam os imperadores orientais,945 que haviam subjugado muitos reis locais e que não conheciam mais nenhum reino que não lhes estivesse submisso. É essa dignidade e essa reivindicação que Jesus, o Cordeiro, contrapõe em sua parusia aos reis da terra reunidos, não tolerando mais nenhum joelho que não se dobre diante dele.
É totalmente errada a doutrina de que o Senhor Jesus Cristo somente se torna esse Rei com a parusia, p. ex., no reino dos mil anos. De modo consistente o NT ensina diferente. Ele já o é agora (Ap 1.5), a saber, desde a Sexta-Feira da Paixão (Ap 5.12). Ele já possui legitimamente o mundo inteiro, recebido da parte do Pai. Aquele que tem razão também recebe a razão da parte de todas as criaturas e diante de todo o mundo. É esse o sentido da parusia.
Índice:
Apocalipse 19:12-16
Notas:
937 Cf. Ap 14.1; 17.5; 22.4.
938 Como pensam também Schlatter, Büchsel, Lütgert, Holtz, Rissi, Brütsch, Frey, Hartenstein e Bietenhard.
939 Não é usual o pretérito perfeito que ocorre aqui. Em geral aparece sempre o presente (Ap 1.9; 11.1; 12.9; 16.16; 19.11).
940 Langenberg, Dönges, Schumacher. Bousset entende esse séquito como de mártires cristãos.
941 Quanto à compreensão errônea da estrutura do texto e suas consequências, cf. nota 923, quanto às vestes brancas como vestimentas de anjos, cf. nota 920.
942 Mt 16.27; 24.30,31; 25.31; Mc 13.26,27; 8.38; Lc 9.26; 1Ts 3.13; 2Ts 1.7,10; Jd 14,15 (nesses contextos, é evidente que os “santos” são anjos).
943 Na verdade diz-se em Ap 17.14 que quando o Cordeiro derrota a besta “vencerão também os chamados, eleitos e fiéis que se acham com ele”. Essa afirmação, porém, faz alusão à vitória deles pela palavra do testemunho em Ap 12.11, não à vinda deles com o Cordeiro do céu para uma batalha contra a besta.
944 P. ex., Ap 12.8; 17.14 e 19.20.
945 Documentado primeiramente para os faraós egípcios em tempos antigos, depois entre os assírios desde o século xiii a.C. e para Nabucodonosor da Babilônia (Ez 26.7; cf. Dn 2.37; Is 47.5,7 e Ap 17.18). Reclamado para Deus em Dn 2.47; Dt 10.17; 1Tm 6.15; para Cristo em Ap 1.5; 17.14, também em Fp 2.9.