Estudo sobre Apocalipse 22:16-17

Apocalipse 22:16-17

O trecho sobre a atualidade do livro é encerrado no v. 16 por meio de um novo poderoso testemunho pessoal do Senhor Jesus Cristo: por trás do “eu, João” do v. 8 de certo modo ressalta-se o “eu, Jesus”. Com isso o Senhor faz algo extraordinário, a fim de tornar premente a mensagem de seu servo. Eu, Jesus, enviei o meu anjo1104 para vos testificar estas coisas às igrejas (cf. nota 1101). Eu sou a Raiz e a Geração de Davi, a brilhante Estrela da manhã (“Eu, Jesus, mandei o meu anjo anunciar todas essas coisas a vocês perante as igrejas. Eu, sim, eu sou o Rebento e a geração de Davi…” [teb]). Em comparação com Ap 5.5 essa designação messiânica foi enriquecida (quanto à exegese, cf. o comentário correspondente). Ele também é a brilhante Estrela da manhã, uma metáfora para poder vitorioso. Diante do texto de Ap 2.28 ocorre agora um uso aprofundado. Ele não apenas concede essa estrela, mas ele mesmo é essa estrela. Ele faz surgir o Dia de Deus, o dia sem noite (Ap 21.25; 22.5).

O v. 17 demonstra que a condição de noiva da igreja também já é realidade presente (quanto ao termo, cf. o exposto sobre Ap 19.7; 21.2,9). Ela não se torna noiva apenas pela parusia (contra Holtz), mas por meio do Espírito Santo. O Espírito e a noiva dizem: Vem (“Venha”)! O Espírito a desperta para ser vigilante. Nas mensagens às igrejas era essa a sua função básica. Pelo fato de que a igreja espera pelo Senhor ela demonstra que é sua propriedade, ou seja, sua noiva. O “grande mistério” de sua ligação a ele, do qual fala Ef 5, portanto, revela-se necessariamente nas suas palavras. De modo insuperável ela percebe a correnteza e os sons desse “venha!” O Espírito Santo lhe proporcionou um aperitivo1105 tão gostoso da glória futura de Cristo, que nenhuma realidade atual lhe “apetece” mais, nenhuma outra glória a ofusca mais e nenhuma vida confortável a faz adormecer. Quando, porém, a esperança se cansa e o relacionamento com Jesus se esgota em lembranças dele, então começam para a igreja as grandes deformações. Ela volta a ser um pedaço do mundo.

Esse “venha!” produzido pelo Espírito Santo não é menos poderoso que o “vem!” bem diferente, em Ap 6.1,3,5,7, procedente do trono, e que fez entrar na história inicialmente o cavaleiro branco e depois os demais cavaleiros apocalípticos. Também esse segundo chamado dirige-se a um cavaleiro branco, mas à imagem oposta ao de Ap 19.11. Próximo do fim dos tempos ele se torna especialmente poderoso, perfazendo um dos impulsos mais importantes da história (cf. o comentário a Ap 8.2-5).


Sempre existirá essa igreja plena do Espírito Santo e à espera do Senhor dos senhores. As portas do inferno poderão persegui-la com malefícios ou benefícios, porém não serão capazes de esmagar sua espera perseverante por Jesus. Ela está de pé, ereta, no meio do dormitório do mundo, vigia e ora, até que surja a “estrela da manhã”. Outra questão, no entanto, é se membros isolados dessa igreja noiva não estão abafando o Espírito Santo. Por isso aquele que ouve a presente mensagem diga na reunião da igreja: Vem (“Venha”)! O ouvinte deve ser todo ouvidos para a voz do Espírito, que se levanta, p. ex., nas mensagens às igrejas (excurso 1e). É assim que se forma nele o chamado “venha!”. Ele também poderia endurecer-se e tornar-se surdo. Tal abafamento do Espírito reverte em falta de esperança e logo também em falta de fé e de amor.

O verbo “vir” ressoa pela terceira vez no presente versículo, e em nítida consonância com as duas primeiras vezes, agora porém usado de maneira peculiar. Agora é Jesus que espera por esse vir. Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida. Jesus espera pela vinda espiritual daqueles que esperam pela vinda dele e que têm sede de seu reino e sua face.

Ter sede e fome fazem parte da antiquíssima linguagem simbólica da Bíblia. Comer e beber viabilizam a contemplação de Deus e a comunhão plena com ele. Por isso sentar-se à mesa com Deus e Jesus é o alvo final do povo de Deus. No sentido de um alvo final também é dito em Ap 2.7 que o Senhor concede um manjar com frutos da vida, e em Ap 21.6, que ele sacia a sede nas fontes da vida.

Todavia não ocorre aqui o sentido de que o sedento deva esperar por beber mais tarde, mas ele deve vir no presente e beber agora, desde que queira. Tudo isso é válido antes da parusia e antes da descida da cidade de Deus e do jardim de Deus, no qual corre o rio da vida. Sem dúvida a expressão está em estreita correlação com Jo 7.37,38: “levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba”. Do seu corpo (de Jesus1106) fluem rios de água viva. De acordo com o versículo explicativo subsequente, o próprio Jesus é o portador e o mediador do Espírito, portanto, a fonte da nova criação. Ele faz com que seus discípulos sejam portadores do Espírito, multiplicando assim os rios de água viva.
De acordo com o exposto existe uma nova Jerusalém e um paraíso que já penetram na atualidade. É verdade que o todo ainda não está presente, mas com certeza o seu centro. O centro de vida da nova Jerusalém já é o centro de vida da igreja de hoje. Nessa fonte atual da água da vida são esperados todos os que estão sedentos pelo Novo.

Causa surpresa quando não comparecem. Existem trabalhos que ocuparam uma vida toda a respeito de textos escatológicos da Bíblia, consumindo incontáveis horas noturnas, recorrendo a muitas traduções, dicionários, tabelas e demais materiais, e tudo isso sem a vinda espiritual para a graça e plenitude atual de Jesus. Quem age assim não sabe o que faz e ainda não compreendeu a quem está esperando. Quem não conhece em si próprio essa fuga diante do presente para junto de palavras, ideias, formulações e, sobretudo, do ativismo? Repetidamente Adão se esconde atrás dos arbustos, consciente de sua culpa, sentindo-se afastado da presença daquele que está vivo. Mas o Cordeiro chama: “Venha!” Com a sua morte o paraíso foi reaberto e a expulsão acabou. Estamos sendo esperados. Ele distribui por pura graça – de graça – a graça.



Notas:
1104 O anjo, que no v. 6 era o anjo de Deus, é chamado sem problemas de anjo de Jesus, assim como também os cristãos são chamados uma vez servos de Deus e outra vez servos de Cristo. Essas formulações não podem causar surpresa na cristologia de João (cf. nota 90).

1101 Aqui chama a atenção no grego o uso da preposição epi [“sobre”, “diante de”], enquanto, p. ex., em Ap 1.4 ou 11 simplesmente é dito que João deve escrever “às igrejas”. No presente local o epi provavelmente se explica a partir do verbo diferente. Pois “testemunhar” pode ser construído com epi, referindo-se a pessoas, perante as quais se dá o testemunho. Cada pessoa em particular, portanto, está recebendo a mensagem no âmbito da igreja local reunida, sendo assim compromissada de uma maneira especial.

1105 É nesse sentido que o NT fala do “penhor”, “sinal” ou das “primícias” do Espírito Santo; cf. também Hb 6.4,5.

1106 Essa leitura de Jo 7.37,38, segundo a qual os versículos se concentram estritamente em Jesus como fonte da vida e não dizem nada a respeito de que a água fluirá adiante por meio dos fiéis, pressupõe tão somente uma pontuação diferente da que se tornou habitual entre nós: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba o que crer em mim”. Depois é acrescentada uma indicação de uma profecia cristológica do AT: “Como disse a Escritura: Rios de água viva fluirão de seu corpo”. Os mais antigos pais da igreja latina já acompanham essa compreensão do texto, além de uma tradução copta, importantes edições inglesas e francesas da Bíblia, e sobretudo os exegetas mais modernos, como, p. ex., W. Bauer, C. H. Dodd, R. Bultmann, E. Schweizer, A. Wikenhauser, E. Schick, W. Trillhaas, W. Kreck e H. Bruns. Os seguintes motivos depõem a favor dessa versão: a. Evita-se, assim, a ruptura da frase, e forma-se uma frase com dois segmentos ritmados (cf., p. ex., Jo 6.35), que inverte a ordem no segundo elemento, como ocorre muitas vezes em João. b. É muito difícil encontrar uma palavra do at acerca dos corpos dos fiéis como poços do Espírito Santo. Tampouco Jo 4.14 tem em mente um fluir do Espírito dos fiéis aos outros, mas sim que o fiel é incessantemente vivificado pelo Espírito “até a vida eterna”. c. No entanto, o fato de que passagens como Ez 47.1-12; Zc 13.1; 14.8; Jl 3.18 se cumprem no Messias encaixa-se muito bem no contexto e de forma geral na mensagem do NT. d. A continuação de Jo 7.37,38 aponta para a morte de Jesus como condição do fluxo do Espírito. O corpo de Jesus na cruz como fonte de vida – isso constitui um pensamento consolidado não apenas em João (19.34), mas em todo o NT.