Estudo sobre Apocalipse 22:2

Apocalipse 22:2

Além disso, João viu de uma e outra margem do rio… a árvore (“madeira”) da vida. Visto que em Ez 47.7,12 há fileiras de árvores ao longo das margens,1082 deve-se pressupor também aqui que o rio verte para os arredores da cidade, sim, sobre a terra inteira. As nações vivem das folhas das árvores, que margeiam ambos os lados do rio e estão sempre atingíveis, assim como os povos também vivem da luz que irradia de Jerusalém sobre a terra toda (Ap 21.24).
 
Em Ez 47.12 Ezequiel fala de uma série mensal de frutos das árvores. Aqui, no entanto, menciona-se expressamente o número doze (cf. o exposto sobre Ap 21.12). A madeira produz (“faz”) doze (vezes) frutos, ao frutificar a cada mês. Em decorrência, a profusão de água enfatizada no v. 1 beneficia os povos na forma dessa plenitude de frutos. Com vistas a Ap 7.17; 21.6, chama atenção o fato de que na presente visão não se diz nada sobre beber a água da vida. Contudo, isso depõe em favor da autenticidade da visão e de que seu relato é confiável.
 
A autonomia da visão igualmente se torna evidente na utilização das árvores. Ao contrário de Ap 2.7; Gn 3.3 e Ez 47.12 não são os frutos, cuja abundância acaba de ser enaltecida tanto, mas sim as folhas das árvores que beneficiam os povos. As folhas da árvore (“madeira”) são para a cura dos povos. Em Ez 47.9 lê-se: “e sararão, e viverá tudo por onde quer que entrar esse ribeiro” (RC).
 
Acaso não constatamos nessa passagem um forte indício de que o texto de Ap 22.1-5 ainda não descreve a nova criação plena prometida em Ap 21.5? Afinal, pessoas saudáveis não precisam do remédio. Logo, pressupõe-se pacientes.1083

É agora a ocasião para retomarmos a preocupação, i. é, de abordarmos com disposição e sensatez a forma metafórica dos capítulos da consumação. Em Ap 21.1 João atestou da forma mais clara possível que ele viu a nova criação, na qual nada mais é velho. O mar não existe mais, o primeiro realmente passou (v. 4). Que significado terão, diante disso, passagens como Ap 21.4,6,27; 22.2? Será que com elas João realmente teve a intenção de dizer que na nova terra pessoas aos prantos correm de um lado ao outro (Ap 21.4), sedentas (Ap 21.6), atormentadas por doenças (Ap 22.2) e que pessoas impuras, blasfemas e mentirosas aparecem diante dos portões da cidade de Deus (Ap 21.27), pedindo para entrar? Que sentido teria o testemunho da nova terra, se nela se voltasse a derramar as velhas lágrimas e a sofrer os velhos males? Será que com a nova criação também os velhos males foram renovados?
 
Pelo contrário, essas metáforas inserem-se na série de notas de ausência que caracterizam os dois capítulos (nota 1030). Assim como depois da nova criação não existe mais mar, morte, lamento, grito e dor, nem templo, necessidade da luz dos astros, fechamento dos portões, banimento ou noite, assim também não há mais lágrimas, sede, impureza nem enfermidade. Todas essas coisas justamente não sobreviveram ao desaparecimento total do velho mundo em Ap 20.11. Quanto à importância pastoral dessa nota de ausência, cf. o comentário a Ap 21.1. Basta repassar essas correlações de todos os lados, para reconhecer o sentido unívoco do discurso metafórico. Os orientais talvez se espantariam ao ver quanta imperfeição nós ocidentais encontramos nesses capítulos de perfeição e como somos capazes de deixar de ouvir um testemunho tão radiante sobre o novo mundo de Deus e do Cordeiro.

 
Voltamo-nos agora à análise exaustiva do próprio texto. Os povos (“nações” [nvi, teb, bj, vfl, bv]), que segundo Ap 21.24 usufruem a luz da cidade de Deus, segundo o presente versículo usufruem do mesmo modo da sua vida. Um conceito aprofunda o outro (cf. a observação preliminar ao trecho). Acontece que não recebem a vida eterna como uma propriedade, que agora repousa nelas próprias e do qual de agora em diante poderão usufruir desvinculadas de Deus. A nova vida, pelo contrário, é dependência perene. Da plenitude que flui e que jorra do trono no centro, elas recebem graça sobre graça. Conforme a Bíblia, a vida eterna não é vida estática, mas sim um movimentado dar e receber, presentear e ser presenteado (cf. o exposto sobre Ap 21.25). Nesse processo, a plenitude de vida do rio se transmite às árvores em suas margens, que deitam suas raízes dentro dele. A ilimitada fertilidade dessas árvores, por sua vez, transmite-se às pessoas, que consomem as suas folhas. Dessa maneira os beneficiados não murcham nem envelhecem, e tampouco definham com qualquer enfermidade. Essa é uma nítida superação do primeiro paraíso, no qual ainda não se podia comer da árvore da vida (Gn 3.22).
 
No presente local, no entanto, impõe-se mais uma vez com força a pergunta de como João diverge dos modelos do AT. Aqui na verdade não consta nada sobre comer os frutos, como em Gn ou Ez 47.12: “Suas folhas não murcharão e seus frutos não acabarão; a cada mês darão uma nova colheita, porque a água da torrente sai do santuário. Seus frutos servirão de alimento, e suas folhas, de remédio” (teb). Terá algum significado o fato de que essa visão omite elementos tão óbvios?
 
Na realidade o Ap também faz uso do outro aspecto da figura, a saber, no oráculo do vencedor em Ap 2.7. Será que tem algum significado a distribuição dos frutos e das folhas entre a igreja e as nações, respectivamente? Em todo caso, Ap 21,22 distingue nitidamente entre nova cidade e nova terra (Ap 21.1,2), entre o sacerdócio (Ap 22.3) e as nações (Ap 21.24,26; cf. 21.3), as quais naturalmente se encontram numa relação abençoada com a cidade e participam, como os sacerdotes, na vida litúrgica.

Considerando, pois, que a eficácia de cura das folhas se refere justamente às nações, não portanto à igreja noiva, poderia residir nisso uma indicação de que esses povos, que até a parusia eram gentios, ficaram curados do paganismo. Demasiadas vezes a Bíblia fala de forma metafórica de enfermidades, de cegueira moral e espiritual, de surdez e paralisia, do respectivo tropeçar ou da lepra para que essa linha não pudesse ser conjeturada aqui.1084 O gentio é aquele ser humano que diante de Deus está gravemente enfermo. Assim compreendida, essa nota de ausência significa: não existem mais gentios, não existe mais uma humanidade retorcida, deturpada, perdida e infrutífera.


Notas:
1082 “Madeira da vida”, ou seja, madeira viva, ao contrário da madeira de construção, de beneficiamento, ou lenha. Este é o entendimento da lxx. – Hadorn, Behm, Lohse traduzem literalmente “uma árvore”. Contudo, como será possível que uma mesma árvore esteja plantada ao mesmo tempo em ambas as margens? Bietenhard e Halver traduzem o termo em sentido coletivo “árvores”, e entendem a expressão como duas árvores, uma de cada lado, evocando assim as duas árvores no paraíso, uma em cada margem. Contudo, a proximidade com Ez 47.7 recomenda que se pense numa grande quantidade de árvores, em “bosque”.

1083 É o que pensa Schumacher, Allversöhnung, pág. 73. Entre esses enfermos ele conta as nações que não estão inscritas no livro da vida e permanecem no charco de fogo. Considerando, porém, que o Ap termina com a visão dos que ainda estão convalescendo, ele não teria a perspectiva ampla necessária (pág. 74). Tão somente mostra a transição para a consecução plena do alvo (pág. 106). A perspectiva futura de Paulo ele provavelmente apresenta somente em Ap 5.13 (pág. 26). Por isso João teria de dar lugar, como todos os doze apóstolos, a Paulo, que é mais competente. Em última análise Paulo seria o critério. Em sua honrosa postura básica Schumacher não esconde, nem diante de si próprio nem diante de seus leitores, que a doutrina da reconciliação universal em última análise não se apoia no cânon do NT, mas sobre um cânon dentro do cânon, em determinadas cartas de Paulo. Contudo, ainda caberia verificar o próprio uso que ele faz dessas cartas.
 
1030 Outros exemplos: não haverá lágrimas (Ap 21.4), nem morte, nem lamento, nem clamor, nem dor (Ap 21.4), nem traidores etc. (Ap 21.8), nem Templo (Ap 21.22), nem necessidade de luz dos astros (Ap 21.23; 22.5), nem fechamento dos portões (Ap 21.25), nem noite (Ap 21.25; 22.5) nem admissão de coisas impuras etc. (Ap 21.27), nem enfermidade (Ap 22.2) e nem maldição (Ap 22.3).

1084 Cf. também expressões como “sã doutrina”, “palavras sadias” e “fé salutar” nas cartas pastorais.