Estudo sobre Apocalipse 22:5

Apocalipse 22:5

Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia (“candelabros” [BLH]), nem da luz do sol. A afirmação aparece num contexto diferente de Ap 21.23,25. O que lá era relacionado com a cidade de modo geral, aqui vale expressamente para os servos de Deus. Nesses últimos versículos dissipam-se as ilustrações da cidade e do jardim de Deus, cedendo à imagem do Santíssimo1088 e da comunhão direta no culto a Deus. Dessa forma cada palavra obtém um brilho ainda mais vivo, um ardor ainda mais profundo.

Porque o Senhor Deus brilhará sobre eles. Não está mais em pauta algo qualquer relativo a Deus, nem mesmo sua glória, antes o próprio Deus vem ao encontro deles face a face. E sua face brilhará sobre eles. Em Ap 21.23 encontramos a noção física de que a glória de Deus ilumina a cidade.1089 Agora, porém, formam-se um calor e uma plenitude especiais pela evidente alusão à antiqüíssima bênção araônica de Nm 6.24-26 (conforme a LXX): “O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o rosto sobre (em grego epi) ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre (em grego epi) ti levante o rosto e te dê a paz.”

Aquilo por que Israel durante milênios suplicou ao céu e por intermédio dos seus sacerdotes em suas horas mais sagradas, agora é concedido plenamente. Ademais, não desce nenhum crepúsculo sobre esse presente, a saber, de poder saciar-se com a contemplação da imagem de Deus. Não haverá noite, não haverá necessidade de deixar o lugar, mas unicamente um “eterno falar eternamente com Jesus”.

E eles reinarão regiamente1090 pelos séculos dos séculos. Novamente somos auxiliados pelo pano de fundo do livro de Gênesis. Que significa aqui reinar? “Agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder… E os abençoou, dizendo: – Tenham muitos e muitos filhos; espalhem-se por toda a terra e a dominem. E tenham poder sobre os peixes do mar, sobre as aves que voam no ar e sobre os animais que se arrastam pelo chão” (blh). Essa citação detalhada deverá eliminar a idéia de que o exercício do poder pelos seres humanos pressupõe desde sempre também pessoas dominadas. Em Gn 1.26-28 trata-se nitidamente do domínio do ser humano sobre a natureza. Deus, o Senhor sobre toda a criação, escolhe o ser humano como seu representante (imagem), que em nome de Deus deve exercer poder sobre a natureza inferior. No mundo antigo, que considerava a natureza como algo divino, isso era uma descoberta sem comparação.


Consequentemente, os servos de Deus no novo paraíso não regem sobre as “nações” de Ap 21.24,26; 22.2. Isso sem dúvida seria conveniente para o velho Adão em nós, para o qual é tão difícil compreender a nova estrutura de Jesus: “um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos” (Mt 23.8,10). “Como sabeis, os chefes das nações as mantêm sob seu poder… Não deve ser assim entre vós” (Mt 20.25,26 [teb]). Logo, nada feito com a dominação do homem sobre o homem. Isso não seria condizente com o AT nem com o NT, antes seria gentílico. Seria novamente “Egito”, e jamais “paraíso”.1091

Os presentes versículos, no entanto, rebatem de forma ainda mais direta os desejos de dominação. Os v. 3,4 já descrevem mais de perto a função dos servos de Deus diante do trono, ou seja, o reinado com ele. Consiste do serviço sacerdotal. Desse modo fica definido o conteúdo de seu reinado diante da nova criação. Em Ap 20.4,6, assim como também em Ap 5.10, a troca dos termos “reinar” e “ser sacerdote” chamou atenção.

Quanto tempo os sacerdotes permanecerão entre Deus e a criação? Pelos séculos dos séculos (“Até as eras das eras” [tradução do autor]). Ao aspecto ininterrupto de seu reinado, evidenciado pela primeira metade do versículo, agrega-se o aspecto infinito dele: são sacerdotes para todo o sempre.1092 Sendo esse o futuro que os espera, seria bom que hoje já se preparassem para ele. Tornar-nos sacerdotais – esse é o programa de nossa vida atual. Para isso é preciso ser redimido (Ap 1.5,6), porém também é necessário reestruturar nosso ser até nos fundamentos, reprogramar todas as intenções e sentimentos.


Notas:
1088 O fato de que agora é dito “candelabro” em lugar de “lua” (Ap 21.23) poderia aludir à iluminação sacra do Templo, que não é mais necessária nesse santuário e nesse culto a Deus.

1089 No grego a diferença é, em Ap 21.23 ephõtisen autén, em Ap 22.5 photísei ep autous.

1090 Conscientemente evitamos a tradução “e reinarão como reis” (como traduz, p. ex., B. Albrecht). Não deve surgir a impressão de que esses servos recebem reinos próprios. Unicamente Deus é Rei (Ap 11.15; 12.10; 19.6), cf. nota 129 e o comentário a Ap 20.4.

1091 Schumacher fala do “povo líder” no milênio (Tausendjähriges Reich, pág. 205). Quanto ao seu conteúdo humanista, a expectativa dos círculos devotos muitas vezes é superada pela esperança marxista do futuro. F. Engels, p. ex., escreve: “A intervenção de um poder estatal na realidade da sociedade tornar-se-á supérflua em uma área após a outra, extinguindo-se por si mesma. No lugar do governo sobre pessoas entra a administração de coisas e a direção de processos de produção. O Estado não é ‘abolido’, ele definha… A sociedade leva a máquina estatal toda para onde será, então, seu lugar apropriado: ao museu de antiguidades, ao lado da roca e do machado de bronze” (em: Anti-Düring, citado segundo W. I. Lenin, Karl Marx, Eine Einführung in den Marxismus, Berlim 1945, pág. 33-34).

1092 Schumacher defende a opinião de que conforme 1Co 15.24-28 esse reinado terá um fim (Tausendjähriges Reich, pág. 179). Sobre essa passagem, cf. o excurso 19.