Estudo sobre Apocalipse 22:6-9

Apocalipse 22:6-9

Toma a palavra o “anjo mostrador”1095 de Ap 1.1. Disse-me ainda: Estas palavras são fiéis e verdadeiras (“E ele me disse: Essas palavras são fiéis e verdadeiras” [tradução do autor]). Por meio dessa formulação, usada agora pela terceira vez em afirmações do Ap (ainda em Ap 21.5 e de forma abreviada em Ap 19.9), o livro é declarado como sendo palavra de Deus. De certo modo está embebido pela natureza de Deus, pois “fiéis e verdadeiros” são os próprios Deus e Cristo (Ap 3.14). Essas palavras estão de pé com Deus, motivo pelo qual jamais cairão. Nelas se decidem salvação e perdição (v. 7).

O caráter divino do livro, que antecede qualquer apreciação humana, também está ligado à sua origem divina. O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo. Ao contrário de Ap 1.1, ressoa agora uma expressão extensa e solene para Deus.1096 Ele é o Senhor das diversas manifestações1097 do Espírito único aos profetas durante os milênios. Esse mesmo Senhor, que já despertou a Moisés, Samuel, Isaías, Jeremias, Ezequiel ou Zacarias, também entra em ação no presente livro do Ap. O escrito tem origem na mesma fonte, razão pela qual faz parte da mesma correnteza. Os leitores não devem colocá-lo de lado ou mesmo abaixo da Bíblia.
 
O anjo tem a incumbência de mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer (“o que deve acontecer numa rapidez”). Essa frase repete textualmente Ap 1.1, mas de imediato recebe uma poderosa explicação: Eis que venho sem demora (“venho numa rapidez”)!1098 Está, pois, sintetizado tudo o que precisa acontecer conforme os desígnios de Deus. Na vinda de Jesus a profecia bíblica chega ao alvo, e retorna a soberania exclusiva de Deus. Isso inclui a vinda das visões relatadas no presente livro e do juízo final, bem como a nova criação. Os v. 12 e 20 reiteram essa síntese (quanto à expectativa cristã imediata, cf. qi 34-52).
 
Também a bem-aventurança de Ap 1.3 se repete aqui, embora alçada a um nível superior pela anterior plenificação expressa do conceito “palavra da profecia”. Bem-aventurado aquele que guarda as palavras da profecia deste livro (“Feliz o que guarda as palavras proféticas deste livro” [teb]).
 
Eu, João, sou quem ouviu e viu todas estas coisas. Também em Ap 1.1,9 João ainda acrescentou sua própria autoridade. Imediatamente, porém, ele se submete à mensagem anunciada por ele próprio. E, quando as ouvi e vi, prostrei-me ante os pés do anjo que me mostrou todas essas coisas, para adorá-lo (“venerá-lo”). Então, ele me disse: Vê, não faças isso; eu sou conservo teu, dos teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus.1099

Em instante algum João aceita a ideia de admirar-se a si mesmo pela mensagem, pois, afinal, ela não nasceu das suas qualidades. Involuntariamente ele tenta dirigir sua veneração àquele que a transmitiu a ele, ou seja, ao anjo mostrador. Este, porém, é vigilante e de imediato transfere a adoração ao nível mais alto, onde é cabível, a saber, a Deus.

 
Em Ap 7.14 um anjo de alta categoria tolera que seja tratado de “Senhor!” Contudo, por mais elevado que esteja, nenhum anjo pode obstruir a honra de Deus. Por isso o anjo do presente texto dá lugar a Deus, para que o mensageiro não seja confundido com o emissário da mensagem e fature os efeitos da mensagem em benefício próprio.
 
Essa é a atitude do verdadeiro servo. Assim como João se mostrou como verdadeiro servo quando não caiu na admiração de si próprio nem buscou conquistar admiração na igreja, assim o anjo não fica para trás. Por isso João e o anjo são conservos. Não há como afirmar que João tenha sido promovido, como se alçado ao nível do anjo.1100 Pelo contrário, cada um deles ocupou decentemente seu lugar a serviço da profecia, de sorte que a mensagem chegou pura e verdadeira e com autoridade divina na igreja.

A frase acrescentada contém, sem que seja pronunciada, a exortação a que todos os destinatários do Ap imitem João e o anjo e sejam aprovados também como “conservos”. O anjo fala dos irmãos de João, os profetas e daqueles que guardam (“cumprem”) as palavras deste livro. Não faria sentido contrapor de um lado profetas e de outro aqueles que cumprem as palavras deste livro. Portanto, o “e” não tem significado aditivo, mas explicativo: “a saber, enquanto cumprem as palavras deste livro”. Além de um sacerdócio geral na igreja João também tem ciência de um profetismo geral (nota 91).
 
Os irmãos cristãos de João, que são todos “profetas”, são submetidos, pois, a uma disciplina especial. Assim como o mediador da mensagem, também os que a recebem devem precaver-se de galgar para si mesmos posições, fama ou adeptos. Adore a Deus!


Notas:
1095 Não fala o próprio Cristo, pois dificilmente seria introduzido com um pálido “ele” (contra Lohmeyer, Behm, Lohse), cf. nvi, blh, vfl, bv.
 
1096 Os textos de Nm 16.22; 27.16, nos quais Deus é chamado de Senhor sobre toda a vida criada, correspondem apenas formalmente ao texto em análise.
 
1097 “Espíritos” aparece para designar revelações espirituais isoladas também em 1Co 14.32; 1Jo 4.1 (cf. nota 117).
 
1098 Essa palavra poderia ser uma interjeição pessoal do Senhor a João, mas igualmente poderia ter sido dita pelo anjo. Um emissário autorizado pode falar na forma do “eu” como se fosse o seu Senhor (cf. Gn 16.10; 22.11,12).

1099 O sincronismo textual com Ap 19.10 (cf. os pormenores respectivos) não nos deve fazer esquecer que a presente passagem se refere ao livro todo.
 
1100 Contra Friedrich, Ki-ThW, vol. vi, pág. 651.
 
91 Essa visão ocupará o centro das considerações em Ap 11.1-13. Compartilhou-a também a igreja do Pentecostes (At 2.4,17), e, de acordo com 1Co 12.3, cada cristão que testemunha é um profeta. Em Mt 5.12 Jesus considera os discípulos como sucessores dos profetas do AT.