Carta de Tiago

Carta de Tiago
A Carta de Tiago é a primeira epístola das chamadas Epístolas Católicas (ou seja, Gerais, sem ter um destinatário único em mente). Este é o 59° livro na ordem das Bíblias. Nesta carta os seguidores de Cristo são encorajados a pôr em prática os princípios cristãos de vida. O autor, que se chama de “mestre” (3.1), fala de pobreza e riqueza, tentação, preconceito, maneira de viver, o falar, o agir, o criticar, orgulho e humildade, paciência, oração e fé. Não basta crer; é preciso também agir (2.26).


Autoria

O autor se apresenta como “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tiago 1:1). Das pessoas do Novo Testamento chamadas Tiago, que poderiam ter escrito esta epístola, o (meio) irmão de Jesus parece mais provável. Ele não afirma ser um apóstolo, mas ele poderia ser considerado um no sentido amplo (cf. Atos 15:13; Gl 1:19). O apóstolo Tiago, filho de Zebedeu, já havia sido morto no momento em que esta carta foi escrita, e Tiago, filho de Alfeu, parece não ter desempenhado um papel significativo na igreja primitiva. Alguns estudiosos sustentam que o trabalho é um pseudônimo - talvez até mesmo uma reformulação cristã de uma escrita judaica anterior - ou o produto de outro Tiago.

Destinatários

Tiago endereça sua carta às “doze tribos na Dispersão” (Tiago 1:1). De acordo com um ponto de vista, este é um nome para os cristãos judeus. Nem todas as doze tribos literais de Israel estavam no exílio, pois alguns dos judeus deportados haviam retornado da Babilônia já nos dias de Ciro. Além disso, um livro que foi endereçado somente aos judeus não teria sido incluído no cânon cristão, também é possível que o autor se refira à comunidade cristã como um todo por esse nome figurativo (cf. Mt 19,28). A palavra “dispersão” parece implicar que os leitores viviam a certa distância de Jerusalém (cf. 1Pe 1:1). É possível que Tiago escreveu para os cristãos judeus que haviam fugido para a Antioquia da Síria depois da perseguição de Herodes (veja Atos 11:19).

Interpretação: Tiago 1 Tiago 2 Tiago 3 Tiago 4 Tiago 5

Data

Se o autor for identificado como o irmão do Senhor, então a epístola deve ser datada antes de 62 d.C., quando Tiago foi martirizado. É possível que Tiago tenha escrito a epístola perto do fim de sua vida, mas algumas considerações apontariam para uma data um pouco mais cedo, cerca de 50 d.C., o que tornaria Tiago o primeiro dos escritos do Novo Testamento. Por exemplo, não há menção de que a promessa tenha sido estendida aos gentios ou à controvérsia entre judeus e gentios, o que implicaria uma data antes de Paulo. A simplicidade da vida e ordem da igreja e o uso da palavra “assembleia” (gr. synagōgḗ) também favorecem uma data antecipada. Aqueles que discutem a composição posterior do livro (70-130) citam seu grego idiomático e a possível percepção de certos escritos paulinos.

Conteúdo

Após uma breve saudação (Tiago 1:1), o autor imediatamente aborda a questão do significado das provações na vida cristã (vv. 2-18). Ele então descreve as implicações éticas do evangelho (v. 19-26), a imparcialidade da fé (2:1-13) e a necessidade das obras (vv. 14-26). A segunda seção principal da epístola é composta de várias injunções morais (3:1–5:12). A conclusão discute a oração e a confissão (vv. 13–18), seguida de palavras de encorajamento (v. 19–20).

Tiago dá conselhos práticos sobre o caráter distintivo do estilo de vida cristão. Os cristãos devem ser lentos para a ira (1:19) e devem controlar suas línguas (3:6; cf. 1:26) e suas paixões (4:1–3). Eles devem ser humildes (v. 6) e evitar ciúmes (4:5) e difamação (vv. 11-12). Eles devem abraçar a religião “pura e imaculada”, mantendo-se sem mancha pelo mundo e visitando órfãos e viúvas em sua aflição (1:26). Tiago ainda aborda a situação econômica dos pobres, exortando os ricos a não se preocuparem com a riqueza (5:1-6). Relacionamentos cristãos devem ser abertos e sem preconceito (2:1-9).

Preocupado em fazer com que os destinatários de sua carta sejam “praticantes da palavra, e não apenas ouvintes” (1:22), Tiago também os lembra de viverem suas vidas diárias à luz da vontade de Deus (4:14-15), em cuja imagem eles são criados (3:9). Embora ele não seja tão doutrinariamente profundo quanto Paulo, James tem um arcabouço teológico. Deus é dito ser o Pai (1:27) que dá dons perfeitos (v. 17), até mesmo o dom de provações através das quais ele transforma a fé em firmeza (v. 3) e incorpora crentes em seu reino (2:5); Deus, no entanto, não “tenta” (isto é, leva) os crentes ao pecado (1:13). Jesus Cristo é chamado de Senhor (v. 1; cf. 2:1 “Senhor da glória”), que retornará rapidamente para julgar o mundo (5:7–9). A sabedoria “do alto”, em nítido contraste com a sabedoria “terrena” da humanidade, é a fonte para produzir “bons frutos” (3:13-17) através dos quais os crentes experimentam comunhão com Deus (4:8).

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Ensino

No que diz respeito às afirmações doutrinárias importantes, os teólogos clássicos citaram a expressão “o Pai das luzes com quem não há variação ou sombra devido à mudança” (1.17, RSV) em apoio à doutrina da imutabilidade divina. Outros têm debatido extensivamente a conexão de James entre fé e obras no que diz respeito à justificação da humanidade diante de Deus (2:14-26); alguns (por exemplo, Lutero e Barth) argumentam que Tiago contradisse Paulo porque afirmou que os crentes são justificados pela fé e obras, não somente pela fé como Paulo confessou, enquanto outros afirmam que Tiago complementou a visão de Paulo (ver JUSTIFICAÇÃO). Historicamente, católicos romanos e protestantes interpretaram diferentemente os comentários de James sobre a unção dos enfermos pelos anciãos da Igreja (5:14).

Canonicidade

A carta de James, como todos os escritos judaico-cristãos, exceto o evangelho de Mateus, nem sempre e em todos os lugares foi aceita como canônica. Por várias razões (por exemplo, ceticismo sobre sua autoria, seu fundo semítico, caráter não-doutrinal, suposta postura anti-paulina), o livro não foi citado como Escritura até Orígenes no terceiro século. Até mesmo Lutero chamou isso de “epístola de palha” na primeira edição de sua Bíblia alemã, embora ele não tenha repetido essa frase negativa em edições posteriores. Calvin, por outro lado, estava “totalmente satisfeito em aceitar esta epístola”, porque ele não conseguia encontrar “nenhuma causa justa e adequada para rejeitá-la” (Comm. James, ed. D. Torrance e TF Torrance [Grand Rapids:1972]. pág. 259).

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Objetivo

O objetivo de Tiago ao escrever parece ter sido duplo: (1) exortar os concrentes a demonstrar fé e perseverança durante suas provações e (2) adverti-los dos pecados que resultam na desaprovação divina.

Alguns haviam caído no laço de dar atenção aos mais destacados e ricos, e de mostrar favoritismo. (Tg 2:1-9) Não discerniram o que realmente eram aos olhos de Deus, e eram ouvintes da palavra, mas não cumpridores. (1:22-27) Tinham passado a usar a língua de modo errado, e seus desejos ardentes de prazer sensual provocavam brigas entre eles. (3:2-12; 4:1-3) O desejo de possuir coisas materiais havia levado alguns a ser amigos do mundo e, portanto, a não ser virgens castas, mas “adúlteras” em sentido espiritual, em inimizade com Deus. — 4:4-6.

Tiago corrigiu-os para que fossem tanto cumpridores como ouvintes, mostrando-lhes à base de exemplos bíblicos que o homem que tem genuína fé manifesta-a por obras condizentes com sua fé. Por exemplo, a pessoa que tem genuína fé não diria a um irmão que estivesse nu e sem ter o que comer: ‘Vá em paz, mantenha-se aquecido e bem alimentado’, sem fazer provisões para essas necessidades. (Tg 2:14-26) Nisto, Tiago não contradizia Paulo, dizendo que alguém poderia ganhar a salvação por meio de obras. Pelo contrário, ele aceita a fé como a base da salvação, mas salienta que não pode haver genuína fé que não produza boas obras. Isto se harmoniza com a descrição que Paulo fez dos frutos do espírito, em Gálatas 5:22-24, e com seus conselhos sobre revestir-se da nova personalidade, em Efésios 4:22-24 e Colossenses 3:5-10, bem como com sua admoestação no que diz respeito a fazer o bem e partilhar as coisas com os outros, em Hebreus 13:16.

Propósito e Natureza

A epístola foi destinada a fomentar o viver cristão prático, como era o caso das seções éticas das cartas de Paulo. Já havia se passado um longo período desde os primeiros dias da Igreja, e atitudes e práticas corrosivas estavam começando a aparecer. Tiago fala contra esses males com seriedade e uma severidade santa, exortando os cristãos em toda parte a permanecerem fiéis aos ensinamentos e práticas da fé. Observa-se com frequência que Tiago é o livro com uma característica judaica mais marcante do Novo Testamento. Por causa desse aspecto e por causa da ênfase em um comportamento piedoso, o livro pode ser comparado à literatura sapiencial do Antigo Testamento. Devido à sua preocupação com a justiça social, Tiago é frequentemente chamado de o Amós do Novo Testamento. Há também nessa epístola uma similaridade marcante com os ensinamentos de Jesus no Sermão do Monte. Isso talvez faça sentido já que Tiago foi criado na mesma família de Jesus e estava próximo dele durante os anos anteriores ao ministério público do nosso Senhor.

Hayes escreve: “Tiago diz menos acerca do Mestre do que qualquer outro autor do NT, mas o seu discurso é mais parecido com o do Mestre se comparado ao discurso deles”. A profunda preocupação com os resultados práticos da fé cristã parece às vezes torná-lo um oponente à ênfase de Paulo no que tange à salvação somente pela fé. Foi essa ênfase de Tiago que fez com que Martinho Lutero denominasse o livro de Tiago de “epístola de palha”. Mas Lutero estava errado. Aposição de Tiago não é um ataque à salvação pela fé; ela é um protesto contra a hipocrisia. Tiago quer que o mundo saiba que a fé é uma força transformadora. A salvação pela fé resulta em um viver santo. Isto não contradiz o ensino de Paulo — ele o complementa. As duas ênfases compreendem as duas facetas de uma fé cristã completa — redenção e vida santa. Esta epístola tem um valor especial para o cristão individual durante o que podemos chamar de segundo estágio do seu progresso como peregrino. Depois de ser levado a aceitar o evangelho da graça e vir a ter a certeza jubilosa de que é um filho de Deus redimido, se ele deseja avançar no caminho da santidade, e para que as implicações éticas da sua nova fé possam ser traduzidas em realidades práticas, então ele precisa do estímulo e desafio da epístola de Tiago.

Significado: Tiago 1 Tiago 2 Tiago 3 Tiago 4 Tiago 5

Estilo

A carta de Tiago tem forte tom profético e contém muitas figuras de linguagem e símiles, o que lhe dá certa semelhança com os discursos de Jesus Cristo, tais como o Sermão do Monte. Como Jesus, Tiago recorria a coisas físicas — o mar, a vegetação, os animais, barcos, um lavrador, a terra — para dar apoio vívido a seus argumentos sobre fé, controle da língua, paciência, e assim por diante. (Tg 1:6, 9-11; 3:3-12; 5:7) Isto, conjugado com o uso de perguntas diretas e mais de 50 imperativos que aparecem nesta carta relativamente curta, torna dinâmica a carta de Tiago.

Sua Relação as Escrituras

Tiago citou ou se referiu às Escrituras Hebraicas com respeito à criação do homem (Tg 3:9; Gên 1:26); a Abraão e Raabe (Tg 2:21-26; Gên 15:6; 22:9-12; Jos 2; Is 41:8); a Jó (Tg 5:11; Jó 1:13-22; 2:7-10; 42:10-17); à Lei (Tg 2:8, 11; Êx 20:13, 14; Le 19:18; De 5:17, 18) e a Elias (Tg 5:17, 18; 1Rs 17:1; 18:1). Há muitos exemplos evidentes de harmonia direta com declarações de Jesus Cristo. Para citar alguns: a perseguição (Tg 1:2; Mt 5:10-12); pedir e receber coisas de Deus (Tg 1:5, 17; Lu 11:9-13); ser tanto ouvintes como cumpridores (Tg 1:22; Mt 7:21-27); manter-se separado do mundo (Tg 4:4; Jo 17:14); não julgar os outros (Tg 4:12; Lu 6:37); a confiabilidade da palavra da pessoa (Tg 5:12; Mt 5:33-37).

Tiago 4:5 apresenta um problema, porque não se tem certeza sobre que versículo(s) Tiago citou (ou a que talvez se tenha apenas referido). Este texto reza: “Ou parece-vos que a escritura diz sem propósito: ‘É com a tendência de invejar que o espírito que estabeleceu residência em nós está ansiando’?” Tem-se sugerido que Tiago, sob inspiração divina, extraiu essas palavras das idéias gerais contidas em textos tais como Gênesis 6:5; 8:21; Provérbios 21:10; e Gálatas 5:17.


Bibliografia. J. B. Adamson, The Epistle of James. NICNT (1976); P. H. Davids, The Epistle of James. NIGTC (1982); M. Dibelius-H. Greeven, James. Hermeneia (1976); J. H. Ropes, The Epistle of St. James. ICC (1916; repr. 1978).