Interpretação de Atos 27

Atos 27

Agora Lucas narra a viagem de Paulo da Palestina à Itália e sua recepção em Roma. O fato de Lucas contar em detalhes esta viagem prova como era importante para o seu propósito. O motivo da viagem, na narrativa de Lucas, não é a evangelização inicial da capital romana, mas a rejeição do Evangelho pelos judeus em Roma e sua aceitação pelos gentios. Isto leva ao clímax um dos motivos centrais de todo o livro - a rejeição de Israel e o surgimento da igreja gentia.

27:1, 2 A narrativa da viagem de Paulo começa com a terceira seção na primeira pessoa do plural. A última referência com o “nós” foi em 21:18, quando Paulo, na companhia de Lucas, chegou a Jerusalém; e devemos deduzir que durante os dois anos da prisão de Paulo, Lucas se encontrava no setor da Cesareia. Agora Lucas acompanha Paulo com Aristarco de Tessalônica (veja 19:29; 20:4), que viera com o apóstolo de Tessalônica até Jerusalém. As autoridades romanas entregaram Paulo a um centurião chamado Júlio. O grupo chamado Coorte Imperial não tem sido identificado com muita certeza. O centurião era responsável pela segurança de Paulo e alguns outros prisioneiros. O ponto de embarque não foi mencionado, mas provavelmente foi Cesareia. Aqui tomaram um navio costeiro adramitino, vindo de um porto da Mísia ao Sul de Trôade na Ásia Menor. O curso deste navio exigia que navegasse pela costa da Ásia a caminho de seu porto de origem.

27:3 A primeira escala foi Sidom da Fenícia. O centurião Júlio tratou Paulo com especial nobreza, dando-lhe liberdade de desembarcar enquanto o navio estava sendo descarregado e também de visitar seus amigos, que formavam a comunidade cristã daquela cidade, os quais cuidaram dele.

27:4 Uma vez que os ventos dominantes de verão vinham do oeste ou noroeste, o navio navegou entre Chipre e o continente e não diretamente dentro do vento.

27:5 Tornou-se necessário abandonar a costa e navegar através do mar aberto na direção do oeste ao longo da Cilícia e Panfília. Mirra de Lícia era um porto de escala para grandes navios, especialmente navios que transportavam cereais, navegando entre o Egito e Roma, que não podiam navegar diretamente através do mar por causa dos ventos noroestes.

27:6 Em Mirra trocaram de navio, abandonando o navio costeiro e tomando um navio de transporte de cereais que navegava de Alexandria para a Itália. O Egito era a principal fonte de mantimentos de Roma, e o transporte de cereais entre Alexandria e Roma era um importante negócio realizado sob a supervisão do Estado.

27:7 A viagem de Mirra foi difícil por causa dos ventos noroestes. Mas após vários dias chegaram com dificuldade a Cnido sobre um promontório ao extremo sudoeste da Ásia Menor. Nesse ponto tiveram de esperar um vento mais favorável para prosseguirem diretamente para o oeste ou navegar a sudoeste para Creta. Por causa do vento contrário, diz o escritor, escolheram a última alternativa e navegaram para o sudoestes dando volta a Salmona no extremo leste de Creta e depois costeando a ilha pelo oeste.

27:8 Depois de navegarem pela costa penosamente (ultrapassando-a com dificuldade) chegaram a um porto chamado Bons Portos a meio caminho da ilha.

27:9 A oeste de Bons Portos, a costa de Creta desvia-se abruptamente para o norte, de modo que a partir desse ponto um navio ficava completamente exposto aos ventos noroestes. Os barcos usados no mundo mediterrâneo da antiguidade não eram grandes nem suficientemente resistentes para enfrentarem as tempestades. A estação mais perigosa para a navegação começava em 14 de setembro e depois de 11 de novembro toda navegação cessava para o inverno. O Jejum ao qual Lucas se refere era o Dia da Expiação, que caía no fim de setembro ou começo de outubro.

27:10, 11 Paulo, que era um experiente viajante (II Co. 11:25 diz que sofreu três naufrágios), advertiu do perigo de continuarem a viagem nessa ocasião para que não houvesse perdas de vidas e carga. Seu conselho não foi aceito pelo mestre da navegação e proprietário do navio. O centurião encarregado dos prisioneiros, sendo o mais alto oficial no navio, assumiu o comando do mesmo; ele aceitou o conselho do mestre e proprietário (cria) e não o de Paulo, decidindo não permanecer em Bons Portos.

27:12 Bons Portos não era um porto bom de se passar o inverno, pois era bastante exposto. Ao que parece buscou-se o conselho de todos no navio, e a maioria achou que devia navegar de Bons Portos para ver se podiam chegar ao porto de Fenice, que ficava mais a oeste de Creta, dando para o sudoeste e noroeste.

27:13 Deixando Bons Portos, foram favorecidos com um brando vento sul e puderam seguir ao longo da costa da ilha.

27:14 De repente, entretanto, o brando vento sul transformou-se em um tufão de vento que vinha do nordeste. Euro-aquilão, que significa “nordeste”, é uma palavra híbrida, parte grega e parte latina.

27:15 Neste ponto já não se encontravam mais longe do seu destino que era Fenice; mas, sem poder resistir ao vento, por causa da sua violência, tiveram de se lhe render e serem arrastados pelo mesmo.

27:16 Chegando diante de uma pequena ilha chamada Clauda (outros manuscritos dão Cauda), acharam necessário içar para bordo o pequeno batel que era carregado de reboque atrás do navio. A esta altura o barquinho já estava tão cheio de água que foi içado com dificuldade.

27:17 Tomaram-se então medidas para cingir o navio. A natureza dessa operação não está clara, mas talvez consistisse em passar cordas sob o barco para protegê-lo. Agora o navio estava sendo levado na direção do sudoeste para Cirene. Na costa norte da África havia perigosas areias movediças em um local chamado Sirte, e já que os marinheiros temiam que fossem levados pelo mar até essas águas rasas, arriaram os aparelhos. Isto pode significar que eles arriaram as velas, ou que lançaram âncora ao mar para diminuir a velocidade, ou que arriaram velas especiais para temporal. De qualquer forma, foram arrastados pelo vento.

27:18 No dia seguinte, a tempestade amainou, e tornou-se necessário aliviarem o navio (literalmente, fizeram uma ejeção, isto é, lançaram fora a carga).

27:19 Vendo que no dia seguinte a tempestade não se acalmou, jogaram ao mar a armação do navio.

27:20 Uma vez que os marinheiros dependiam inteiramente do sol e das estrelas para a navegação, já tinham abandonado qualquer esperança de salvação, pois não tinham ideia de onde estavam e para onde estavam sendo levados pela tempestade.

27:21-26 Já há muito tempo sem comer por causa do enjoo, da oscilação do convés e das provisões que estavam encharcadas. Finalmente Paulo ofereceu uma palavra de estímulo a qual ele prefaciou com o lembrete demasiadamente humano, “Eu não disse?” Ele informou a tripulação e os passageiros que um anjo de Deus lhe aparecera e lhe assegurara que escaparia deste perigo, para que compareças perante César, e que seus companheiros de viagem também seriam salvos.

27:27 Pessoas entendidas têm calculado que levaria exatamente quatorze dias para se percorrer à deriva a distância indicada na narrativa. De um lado para outro. Errando. Eles estavam derivando no mar Adriático. Ádria não se refere ao Mar Adriático mas é um termo comumente usado para designar todo o leste do Mediterrâneo. Algo levou os marinheiros a crerem que (lit.) se aproximavam de alguma terra. Talvez o som das ondas quebrando na praia ressoassem através da escuridão, advertindo-os de terra próxima.

27:28 As sondas indicavam que a água estava diminuindo de profundidade.

27:30 Alguns dos marinheiros decidiram fugir do navio para a praia usando um pequeno barco em lugar de se arriscarem a bater contra as rochas. Por isso, a pretexto de que estavam para lançar âncoras da proa, resolveram abandonar o navio.

27:31, 32 Paulo descobriu o plano e advertiu o centurião e os soldados que a segurança estava em permanecerem com o navio, o plano dos marinheiros foi frustrado quando os soldados cortaram as cordas que sustinham o barco e assim o deixaram afastar-se.

27:33-36 Ao despontar do dia, Paulo aconselhou a tripulação e os passageiros a interromperem seu jejum involuntário e comerem alguma coisa, para que se fortalecessem, assegurando-lhes que ninguém pereceria no desembarque que tinham à frente. Deu-lhes então o exemplo, dando graças e comendo uma refeição substanciosa. Todos se sentiram encorajados e seguiram o seu exemplo.

27:38 Depois que todos comeram o suficiente, jogaram o restante da carga de trigo ao mar para aliviar o navio, preparando-se para o desembarque.

27:39 Amanheceu e eles puderam ver a praia, mas não reconheceram o lugar. Perceberam que havia uma baía com uma praia, onde planejaram encalhar o navio.

27:40 Por isso, levantando as âncoras, deixaram-no ir ao mar (esta é uma tradução bem mais provável). Leme. Dois grandes remos, um de cada lado do navio, que serviam de direção. Deviam estar fortemente amarrados durante a tempestade. Agora, estando livres, a vela de proa foi desfraldada ao vento (não vela maior), e o navio dirigiu-se para a praia.

27:41 Entretanto, os homens não alcançaram a praia, pois o navio encalhou sobre uma estreita faixa de terra submersa separada por dois braços de mar (o grego é lugar de dois mares). A proa do navio encalhou firmemente nesse baixio, mas a força das ondas contra a popa quebrava o navio em dois.

27:42, 43 Os soldados encarregados dos prisioneiros quiseram segui-la tradicional disciplina romana, matando seus tutelados para não correrem o risco destes escaparem. Mas o centurião, que estava favoravelmente disposto para com Paulo e não queria vê-lo morto, proibiu que o fizessem. Antes, ordenou que todos alcançassem a praia nadando, flutuando sobre tábuas, ou carregados nas costas dos tripulantes (o grego é, sobre alguns daqueles do navio; aqueles pode ser tanto neutro como masculino). Todos alcançaram a terra em segurança.

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