Estudo sobre 1 Coríntios 12:9-11
1 Coríntios 12:9-11
Agora a “fé” aparece como um carisma especial. O termo não pode estar se referindo à fé na salvação, que cada um possui e precisa possuir, caso realmente queira pertencer à igreja. Aqui Paulo tem em mente a “fé” concedida de maneira singular a certas pessoas, embora obviamente “para o proveito” de toda a igreja. Nem todo membro da igreja tem, e tampouco precisa ter, a “fé” de A. H. Francke ou Georg Müller. Tais homens (e mulheres!) de fé demonstram de maneira especial a fidelidade de Deus em suas promessas, o poder da oração, a maravilhosa confiança de contar com Deus, fortalecendo assim a igreja em seu todo e ajudando em sua edificação.284
“Dons de curar” e “operações de milagres” estão no plural. Isso deve apontar para o fato de que Paulo não está pensando que algumas pessoas sejam permanentemente equipadas com o poder de curar ou de efetuar milagres. Constantemente é concedido a cristãos que, pelo Espírito Santo, possam curar enfermos e realizar milagres em situações de aflição especial. Ou seja, não é “curadores de enfermos” e “realizadores de milagres” que o Espírito concede, mas sim “dons de curar” e “operações de milagres”.285 Em 2Co 12.12 Paulo arrola “sinais e prodígios” entre as necessidades de seu ministério apostólico. Nesse contexto ele não cita expressamente os “dons de curar”. De acordo com Mc 16.18 há uma imposição de mãos por parte dos mensageiros de Jesus, sim, de todos os crentes, que cura, mas que não é necessariamente uma dotação com “dons de curar”, antes caracterizando a respectiva ação com fé. Isso conduz às instruções de Tg 5.14. Aqui fica muito claro que o enfermo não é remetido a presbíteros especiais com dons de cura, mas que ele pode esperar que simples “presbíteros da igreja” lhe tragam auxílio na aflição da enfermidade por meio da “oração da fé”.
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Na sequência são citadas a “profecia” e “variedade de línguas”. Em 1Co 14 ouviremos detalhadamente acerca dos dois dons. Importante, porém, é que ao lado de cada um desses dons é colocado um segundo; ao lado da “profecia” o “discernimento de espíritos”, ao lado da “variedade de línguas” a “interpretação das línguas”. Por que isso é necessário? Quem fala profeticamente demanda que a igreja o ouça e lhe obedeça. Será que, assim, a igreja está simplesmente à mercê de toda afirmação profética? Aos tessalonicenses Paulo escreveu: “Não desprezeis as profecias. Julgai todas as coisas, retende o que é bom” (1Ts 5.20s). A própria igreja tem o Espírito, razão pela qual também sabe avaliar se aquilo que um profeta afirmou de fato procede do Espírito de Deus. Agora, com vistas aos coríntios, Paulo considera a situação como ainda mais grave. Ao lado dos “espíritos dos profetas” (1Co 14.32) existem também outros espíritos estranhos que podem se imiscuir. Por isso é muito necessário na igreja o dom especial do “discernimento dos espíritos”.286 De novo consta aqui o plural, a fim de indicar que não se trata de uma qualidade constante de alguns membros da igreja, mas de “distribuições” constantemente renovadas, que podem ser concedidas cada vez “a outro”. Tais membros da igreja não tiram da igreja como um todo o dever de examinar as profecias, porém lhe proporcionam um auxílio especial para isso.
Ao lado da “variedade de línguas” está a “interpretação das línguas”. Não sabemos o que Paulo realmente visa dizer com “variedades” de línguas, porque nem mesmo na análise detalhada do falar em línguas em 1Co 14 ele fornece um quadro concreto das “línguas” e de suas “variedades”. Não havia necessidade disso, os coríntios o conheciam de experiência própria. Pelo menos no começo de 1Co 13 somos informados de que há “línguas dos humanos” e “línguas dos anjos”. Contudo, independentemente de qual “espécie” de línguas se torna audível, a “língua” permanece ininteligível para todos os demais se não for “interpretada” ou “traduzida” para o idioma corrente. Por isso Paulo tolera o falar em línguas na reunião da igreja somente se for concedida também a “interpretação da língua” (1Co 14.27s).
Finalizando, Paulo torna a constatar: “Mas um só e o mesmo Espírito realiza todas estas coisas, distribuindo-as, como lhe apraz, a cada um, a seu modo” [tradução do autor]. Aqui Paulo atribui ao Espírito a mesma “atuação” que ele afirmou sobre Deus no v. 6. Acima de tudo, porém, ele enfatiza que por trás de toda a grande multiformidade dos dons mencionados está “um só e o mesmo Espírito”. Isso exclui qualquer supervalorização errada e qualquer menosprezo equivocado de um dom. E o Espírito aparece como o senhor completamente livre na “distribuição”287 dos dons. Concede-os “a cada um a seu modo”288 e “como lhe apraz”. De maneira alguma os dons da graça são merecidos, adquiridos por esforço ou conquistados. Muito menos pode-se associar a eles qualquer “glória”. Cabe glorificar unicamente o Espírito que livremente concede e dota os fiéis.289
Índice:
1 Coríntios 12:9-11
Notas:
284 Por essa razão o estudo de “biografias” é tão importante para nós. O capítulo 11 da carta aos Hebreus nos mostra o caminho para isso. Da grande abundância de biografias mencionamos apenas a obra de dois volumes sobre Hudson Taylor (Brunnen-Verlag, Giessen), a biografia de Georg Müller “Niemals enttäuscht” [Jamais decepcionado] (Schweickhart Verlag, 1950) e “Nichts unmöglich” [Nada (é) impossível], recordações e experiências da irmã Eva von Tiele-Winckler.
285 Esses dons obviamente são uma dotação necessária da igreja. A igreja de Jesus precisa alertar com profunda seriedade quando, na enfermidade ou em outras aflições, as pessoas apelam para auxílios ocultistas, que são oferecidos numa densa rede, em centenas de formas e em todo o globo terrestre. Contudo a igreja não deve apenas “advertir” sempre, ela também precisa poder evidenciar uma ajuda diferente e genuína. Atos traz uma ilustração palpável de como dons de curar e curas preparam o caminho para a mensagem de Jesus: At 5.12-16; 9.32-42; 19.11s.
286 Desde que os dons e os efeitos do Espírito Santo existem outra vez entre nós em maior número, a partir dos movimentos de avivamento, tivemos de aprender sob grandes dores e aflições quanta necessidade temos dos “dons de discernimento” se não quisermos que grandes malefícios se abatam sobre a igreja. Cf. também a grave advertência em 1Jo 4.1-3.
287 Ocorre aqui o verbo “distribuir”, do qual se deriva nos v. 4-6 o substantivo “distribuições”.
288 Veremos em 1Co 12.31; 14.1; 14.39 que, apesar disso, existe para nós, numa tensão viva com essa autonomia do Espírito, um “buscar”, um “empenho ativo pelos dons do Espírito”.
289 Por isso o Espírito também pode proporcionar novos “dons” para novos tempos e para novas necessidades, que Paulo ainda não conseguia vislumbrar no passado. Basta lembrar o dom da escrita, como o apresentavam pessoas como Wilhelm Busch e outros.