Estudo sobre Apocalipse 12:2-4

Estudo sobre Apocalipse 12:2-4


Subitamente tudo se converte numa imagem de miséria. No aspecto terreno na verdade não havia glória no povo que trazia o Cristo, mas gemidos inexprimíveis, decepções, escárnio, opressão, aflição e desespero. A figura sofredora de Israel refletia-se muitas vezes de modo comovente em seus profetas, p. ex., em Jeremias. “Quem traz Cristo no coração, também traz uma cruz nas costas.” João vê, agora, a condição deplorável de um personagem indefeso ao extremo. Achando-se grávida, grita com as dores de parto, sofrendo tormentos para dar à luz.

Nesse instante viu-se, também, outro sinal no (“dentro do”) céu. Nenhum exegeta manifesta dúvidas de que aqui está sendo visto a imagem original de Satanás (cf. pormenores no comentário ao v. 9). De acordo com Ap 13.2 (cf. Ap 2.13) ele é detentor de um trono, a saber, detentor do trono oposto ao trono de Deus.

Olhos arregalados pelo pavor percebem primeiramente sua cor: e eis um dragão, grande, vermelho. É a cor da fúria e da cólera. “Cheio de grande cólera”, descreve-se sua natureza no v. 12. Assassino, sanguinário, cruel, prenhe de desgraça e causando pavor, ele alonga sua figura (cf. também o exposto sobre Ap 6.4). Depois sua voracidade: ele tinha sete cabeças. Remete ao monstro em Dn 7.7: “e devorava ao seu redor”. E sua abundância de força: dez chifres.535 Este aspecto é novamente de Dn 7.7; também retorna em Ap 13.1; 17.3,7. O número dez denota totalidade do poder político. Esse dragão é o “príncipe deste mundo” (Jo 12.31 [RC]; 14.30; 16.11). É com isso que está relacionada a sua majestade: e, nas cabeças, sete diademas. Diademas536 haviam se tornado conhecidos como sinais de autenticação dos grandes reis persas. É importante que o dragão seja visto aqui com sua dignidade. Desta maneira, ele precisa encarar o Messias, o outro portador de um diadema (Ap 19.12), como rival.
O poder trabalha de mãos dadas com os meios da mentira e traição. Por isso reaparece aqui (Ap 9.10,19!) a arma da cauda. A sua cauda arrastava a terça parte das estrelas537 do céu, as quais lançou para a terra. Ele se desmascara como hostil ao céu e a Deus. Golpeia a ordem instituída por Deus e visa o caos sem luz. O dragão é contrário aos luzeiros e contrário à luz, igualmente contra o Messias como a “luz do mundo”.538

O que já pôde ser depreendido da descrição da natureza do dragão empurra agora para a ação: e o dragão se deteve (“havia se erguido”) – na Antiguidade se imaginava que o dragão conservasse uma postura ereta – em frente da mulher que estava para dar à luz. Planta-se muito próximo da indefesa, que se contorce e dá à luz. Um quadro de extrema brutalidade. Contudo, também torna-se claro que seu verdadeiro alvo não é a mulher, mas sim o filho: a fim de lhe devorar o filho quando nascesse.


Quando a igreja sofre aflições, jamais é a igreja em si que está em jogo, jamais necessariamente a religião, a fé em Deus, orações e atos litúrgicos. O dragão, o príncipe desse mundo, consegue conviver com tudo isso. Ele sempre visa atingir o Cristo na igreja. É por isso que Cristo interpela Saulo, que persegue a igreja, com: “Por que me persegues a mim?” [At 9.4]. Ou seja, a luta é pelo Cristo na igreja e, em decorrência, pelo testemunho desse Cristo, pelo apego ao seu nome e pela fidelidade a ele (Ap 2.13). Somente pelo testemunho persistente de Cristo é que o dragão será vencido (Ap 12.11). A atividade religiosa de qualquer sorte não atinge as questões de poder. No entanto, quando Jesus de Nazaré aparece como o verdadeiro portador do diadema (cf. o exposto sobre o v. 3) e como o príncipe legítimo desse mundo, o velho príncipe desse mundo se empina (cf. o comentário a Ap 1.4). Ele sente que tem de abdicar. Toda Jerusalém estremeceu com Herodes quando as pessoas souberam do novo rei que nascera (Mt 2.3). Em contraposição, Herodes não tinha problemas com os judeus escribas e saturados de Bíblia, mas que não reverenciavam a Jesus (Mt 2.4,5).



Notas:

535. Diante de um quadro assim, é insensata a pergunta se cada uma das sete cabeças tinha dez chifres ou apenas cada uma tinha um chifre e três delas ainda um segundo.

536. Os reis persas usavam em torno de seu turbante uma faixa azul ornada de pérolas, ouro e púrpura. O termo diadema está relacionado à ideia de “atar em volta de”.

537. Apesar de Ap 6.13 e 8.12 pressupõe-se aqui novamente um céu de estrelas intacto – um indício a mais para a impossibilidade de sustentar aquela opinião segundo a qual as visões do livro reproduzem uma única sequência de acontecimentos. Quanto à terça parte das estrelas no sentido de uma parcela grande delas.

538. Segundo Dn 8.10 o anticristo lança uma parte das estrelas para a terra e as esmaga. Aqui falta o aspecto do esmagar. Será que, ao se mencionar as estrelas, está sendo pensado em multidões de anjos, que o dragão torna rebeldes contra Deus, transformando-os em servos seus? Ap 12.7 falará dos anjos do dragão.