Estudo sobre Apocalipse 12:5-6

Estudo sobre Apocalipse 12:5-6



O v. 5 apresenta o nascimento do Filho, não deixando dúvidas de que, nesse caso, se trata do Messias.539 Nasceu-lhe, pois, um filho varão. A duplicidade de formulação corresponde novamente ao sentimento poético hebraico.540 “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu”, lê-se, p. ex., em Is 9.6.Afinal, na Antiguidade, a constatação do sexo, sobretudo quando a criança nascida era destinada ao trono, era muito mais importante que hoje, num parto. Aqui é acrescentada a designação “para governar o mundo”, com palavras do Sl 2: que há de reger todas as nações com cetro de ferro. Esse trecho do Sl 2, que dificilmente era interpretado de forma não messiânica pelo judeu, já foi relacionado com Jesus Cristo em Ap 2.27 (cf. ali a explicação de detalhes). De maneira muito decisiva isso acontece uma terceira vez em Ap 19.15. Deste modo, não deveria mais haver discordância quanto à interpretação de que o Filho é o Messias.

Este Ungido é o braço forte de Deus, com o qual Deus confirmará sua divindade nesse mundo. É por isso que o inimigo original de Deus, o dragão, precisa entrar em campo contra ele. Tudo o que é antidivino também é anticristão e vice-versa. Em decorrência, o Messias nasce para dentro da esfera de ódio e poder de Satanás, mas o seu filho foi arrebatado para Deus. “Está chegando aquele que manda neste mundo. Ele não tem poder sobre mim”, diz Jesus em Jo 14.30 (BLH), pois ele deve ser rei por direito divino. Ao chocar-se com o Crucificado, Satanás colide com Deus, que quebra o seu poder (1Jo 3.8).

Enquanto esse arrebatamento se apresenta exteriormente como salvamento bem-sucedido diante do poder do dragão, ele possui também um conteúdo que vai além. Significa ao mesmo tempo exaltação para o seu trono. Ou seja, não houve uma fuga para o transcendente, renunciando ao cosmos e abandonando todas as posições em favor do dragão, mas justamente a tomada de posse à direita de Deus para governar o mundo!

Na Bíblia o arrebatamento também é sempre uma exaltação (cf. o que já foi dito sobre Ap 11.12), e a exaltação sempre deve despertar em nós a figura de uma justificação nos moldes de um processo judicial.541 Os réus permaneciam deitados no chão, mas a pessoa declarada inocente era erguida e colocada de pé. O exaltado tem razão! Os primeiros cristãos não hesitaram em crer e confessar o fato meramente exterior da elevação de Jesus na cruz como sendo sua verdadeira exaltação, ou pelo menos o seu começo.542 Assim como hoje o vencedor de uma competição esportiva é erguido e aparece acima das cabeças dos demais, para receber emocionados aplausos, assim a igreja prega Cristo como o vencedor justamente em vista de sua crucificação, investido poderosamente como Senhor de todos os senhores. Ele morre por amor a nós, mas ele morre levantado, ou seja, justificado e aceito. Por isso, seu amor venceu, destituiu Satanás do poder.


A exaltação de Cristo é consumada na Páscoa e Ascensão. Novamente a fé se defende contra a aparência externa, como se Jesus tivesse de se retirar de campo como culpado e sumir. É verdade que esta é a visão dos descrentes, e “o mundo se alegra” (Jo 16.20). Porém discípulos de Jesus não devem estar cheios de tristeza por causa de sua ausência (Ap 16.6,20). Na “verdade” (Jo 16.7), seu arrebatamento e consequente desaparecimento desse mundo constituem seu triunfo na disputa judicial com Satanás. “Se me amásseis, alegrar-vos-íeis de que eu vá”, diz o Senhor (Jo 14.28).

Depois dessa interpretação do v. 5 não mais nos envolvemos na discussão em torno do motivo por que as três décadas de vida de Jesus teriam sido tratadas nesse versículo com tamanha brevidade, deixando de lado episódios tão importantes como a Semana da Paixão. A própria questão está mal colocada. João não apresenta uma história breve ou brevíssima de Jesus, mas enxerga seu sentido de modo significativo.

A característica dessa leitura da história de Cristo é a atividade apenas futura do Messias: “ele há de apascentar todas as nações”. No mais ele é passivo: ele é ansiosamente esperado, é esperado com ódio, é nascido e é arrebatado. Ele é combatido por todos os lados, mas ele não combate. Quem realmente age é Deus. Temos diante de nós a teologia do Sl 2: Deus instala o seu Messias, ouve o furor dos que se rebelam, está assentado no céu e ri-se deles, mas permanece imutável em sua decisão, adverte e requesta seus antagonistas, sabendo como executar o seu plano. Nosso trecho, portanto, não visa ser lido sob a ótica do contraste Cristo – Satanás, mas do contraste Deus – Satanás. O verdadeiro opositor de Cristo é a “besta” do cap. 13, o anticristo.

Para completar o relato, menciona-se ainda rapidamente o destino da mulher. A mulher, porém, fugiu para o deserto, onde lhe havia Deus preparado lugar para que nele a sustentem. Essa fuga pressupõe a perseguição do v. 13, sendo ali também tratada com mais detalhes. No concernente ao local da fuga, não imaginamos um deserto em que pessoa alguma seria capaz de viver.543 O deserto não aponta para um lugar geográfico,544 mas – preparado por passagens como Os 2.14; 12.9 – para o conhecido conceito de proclamação. Desde a fuga de Israel diante do “dragão Egito” (nota 526) “o deserto” pode ser entendido como essência da proteção e preservação por meio dos grandes milagres de Deus. Afinal, o texto diz com suficiente clareza que este deserto não é uma região de qualquer modo já existente num lugar qualquer, mas é obra especial de Deus: havia Deus preparado545 lugar. A própria palavra “lugar” está carregado de um conteúdo especial no Ap, não equiparável a um ponto no mapa (cf. nota 192).
Ao lugar de preservação criado por Deus corresponde um tempo de preservação intencionado por Deus: por mil duzentos e sessenta dias. Ela começa com a exaltação do Messias, como mostra inequivocamente o contexto. 


Notas:

539. Com frequência o filho é explicado como uma elite judaica ou cristã, como grupo de cristãos que demonstram maturidade e virilidade espirituais (Beck), como “círculo de cristãos aptos para a vida” (Zahn), como “multidão de vencedores” (Langenberg) ou como personalidades da liderança judaica (Merz e outros). Essa elite alcançaria, segundo esses ensinamentos, o arrebatamento.

540. Ao contrário do v. 13, usa-se aqui para “masculino”, “varão” a forma neutra (ársen), o que gramaticalmente não combina com “filho”. Uma vez que a lxx traz literalmente em Êx 2.2 éteken ársen, poderíamos supor novamente um paralelo intencional com a história de Moisés. Contudo, também Is 66.7 traz esse termo.

541. Lc 18.14 combina claramente a justificação e a exaltação.

542. De maneira singular novamente em João: 3.14; 12.23,24,32,33; 13.31,32; 17.1,4,5.

543. “Havia naquele lugar muita relva” consta, p. ex., sobre o deserto em Jo 6.10.

544. Não apenas o judaísmo repetidamente entendeu esse “deserto” em termos geográficos (At 21.38; Mt 24.26), desencadeando uma controvérsia sobre qual seria o deserto certo (Ki-ThW vol. ii, pág. 656, 30-31). Também exegetas cristãos participaram dela, buscando situar o deserto, p. ex., no Sul da Rússia; Bengel situou-o na Alemanha; intérpretes do século xix na Prússia.

526. Para profetas do AT, o “dragão” significava uma associação com o Egito, a terra dos dragões. “Faraó, rei do Egito, grande dragão” (Ez 29.3 [rc, teb, bj]; 32.2). A perseguição do filho varão (Ap 12.4) faz lembrar o afogamento dos meninos israelitas, a evasão para o deserto (Ap 12.6) evoca a fuga de Israel, o assédio do dragão (Ap 12.13) relembra a perseguição de Faraó, a torrente de água ameaçadora (Ap 12.15) evoca o mar Vermelho (cf. Is 51.9,10), a alimentação milagrosa (Ap 12.6) lembra o maná, a salvação sobre asas de águia lembra Êx 19.4; Dt 32.11; etc.

545. O termo grego hetoimázo aparece muitas vezes na LXX para a ação criadora divina. É nesse sentido que ele “prepara” céu e terra, pessoas e o povo de Israel. Em 1Co 2.9 está relacionado com a salvação.

192. Quanto à formulação “mover do seu lugar”, cf. Ap 6.14; 12.8; 20.11; Dn 2.35. “Lugar” (em grego, tópos) tem aqui praticamente o significado de existência. Somente quem tem um lugar, existe. Somente onde Deus nos colocou é que podemos subsistir. Do contrário perecemos. A memória daquele cujo lugar não é mais encontrado, desaparece (cf. também nota 217). A cidade de Éfeso presenciou um exemplo concreto disso. Como cidade portuária, ela vivia do acesso marítimo. Esse, porém, corria perigo, porque a cidade estava situada no último extremo de uma baía que se assoreava aos poucos. Em sua história, Éfeso foi deslocada duas vezes. Hoje existe ali somente uma aldeia pobre acometida de febres. No lugar em que outrora se erguia o templo da deusa Ártemis (Diana), que era uma das sete maravilhas mundiais da Antiguidade, encontra-se hoje um tranquilo lago coberto de juncos, do qual ainda se ergue o toco de uma coluna.