Estudo sobre Apocalipse 12:7-8

Estudo sobre Apocalipse 12:7-8


Houve peleja no céu. Um dos dois contendores é apresentado com maiores detalhes no v. 9. Em contraste, nada é dito a respeito de seu antagonista fora desse versículo, e mesmo aqui ouvimos apenas o seu nome. Por isso, até o excurso 10 (após o v. 11) também nós falaremos, sem comentários, de “Miguel”.546 De um lado estavam Miguel e os seus anjos, prontos para lutar e, de outro lado, pelejaram o dragão e seus anjos.

Esse breve versículo contém três vezes “peleja” ou “pelejar”. Consequentemente à entronização do Messias, no v. 5 sucedem fatos inéditos nas dimensões espirituais. Essa luta no céu requer ser justaposta com uma segunda luta aqui na “terra”, em Ap 19.19. Aquela luta na terra completa essa luta no céu. Ambas as lutas terminam com a precipitação de Satanás. No presente texto é Satanás que cai do céu para a terra (v. 9), lá ele cai da terra para o abismo (Ap 20.3). Em ambos os casos o juízo é executado por meio de um anjo. Aqui ele se chama Miguel, ao passo que no outro texto falta a citação de seu nome. Como consequência da entronização do Messias, portanto, ocorre, no fundo, uma só luta, que porém se desenrola em dois atos. No meio deles encontra-se o “pequeno tempo” do v. 12.

A iniciativa da luta parte de Miguel. Ele entra em cena já com a intenção de lutar, “disposto a lutar” (tradução do autor)547 e envolver o dragão numa refrega. A maioria dos comentários conta a história de modo inverso: depois que o Messias lhe escapou, o dragão parte bufando para a caçada em sua perseguição e invade o local de refúgio do fugitivo. Então Miguel se lhe opõe com suas tropas e rechaça com eficácia o “ataque ao céu”.548 Satanás e seus comparsas são lançados de volta sobre a terra.

É produtivo na interpretação desse trecho que não se perca nada dos versículos anteriores. Para o “arrebatamento” do Messias elaboramos, no v. 5, o fundo legal: o menino nascido da mulher ganhou um processo judicial contra o dragão, que como príncipe desse mundo queria tirar dele a extraordinária posição e o lugar ao lado de Deus, a saber, sua condição de Messias e de Filho de Deus, e, desse modo, a soberania sobre o mundo. Através do arrebatamento para o trono de Deus o menino, no entanto, é confirmado em tudo isso e plenamente justificado. Abusando de seu cargo, o “acusador” (v. 10) havia apresentado uma acusação falsa. De acordo com o direito israelita agora não bastava apenas a justificação do que havia sido injustamente acusado, mas ainda era obrigatório processar o falso acusador (Dt 19.16-19). Cabia-lhe a mesma punição que ele havia desejado para o inocente. O dragão queria roubar de Cristo o lugar ao lado de Deus. Por isso perde o seu próprio lugar no céu, a saber, sua função de acusador (v. 8b).


Nesse novo trecho desenrola-se, nos bastidores, um processo decorrente do primeiro. Já por isso a iniciativa no segundo processo de forma alguma é do dragão, mas do Messias, que de acusado549 passa a acusador. Contudo Miguel é seu advogado e executor penal. O dragão empenha tudo para assegurar sua posição: pelejaram o dragão e seus anjos (cf. nota 538).

Todavia, não prevaleceram. Essa expressão sem dúvida alguma poderia ter uma conotação judicial,550 deixando transparecer que João sabia da realidade de uma disputa jurídica por trás do “sinal” de uma luta física. Nessa contenda judicial o dragão não foi capaz de subsistir, porque desbaratou irremediavelmente sua posição ao acusar falsamente o Justo e Santo.

Nem mais se achou no céu o lugar deles. Para sempre e cabalmente foi-lhe tirada a decisiva base de operação – se bem que não a única (cf. abaixo)! Nunca mais ele será aceito no céu como acusador. Definitivamente não conseguirá mais nada ali. No céu permanecem no governo tão somente Deus e o Ungido entronizado com ele. A palavra bíblica sobre o lugar (nota 192), que não se pode achar mais, torna-se inesquecivelmente palpável em Ez 27: um esplêndido e vistoso navio mercante afunda no mar. As vagas fecham-se sobre ele e cobrem de silêncio tudo o que havia.


Notas:

546. No NT esse nome ocorre somente aqui e em Jd 9.

547. A construção gramatical dessa passagem contradiz as regras da língua grega, mas não é incomum na LXX, a saber, como “imitação de uma combinação possível no hebraico…”, a fim de expressar a prontidão ou obrigação para uma ação (Lohmeyer, pág. 101, cf. Bl-De pág. 400.8).

548. Assim interpreta também Käsemann, Exegetische Versuche und Besinnungen, vol. i, pág. 70.

549. Também em Jo 12.31 o juízo sobre Satanás sucede à justificação de Cristo.

538. Segundo Dn 8.10 o anticristo lança uma parte das estrelas para a terra e as esmaga. Aqui falta o aspecto do esmagar. Será que, ao se mencionar as estrelas, está sendo pensado em multidões de anjos, que o dragão torna rebeldes contra Deus, transformando-os em servos seus? Ap 12.7 falará dos anjos do dragão.

550. O verbo grego ischýein pode significar inicialmente prevalecer e manter a superioridade numa discussão de palavras (Lc 14.6; 20.26; At 6.10; 25.7). Em Lc 21.36 fala-se de “ser forte”, para subsistir no juízo do Filho do Homem. Em Ap 18.8 “ser forte” significa a superioridade no tribunal, e em Hb 9.18,20, a vigência legal.

192. Quanto à formulação “mover do seu lugar”, cf. Ap 6.14; 12.8; 20.11; Dn 2.35. “Lugar” (em grego, tópos) tem aqui praticamente o significado de existência. Somente quem tem um lugar, existe. Somente onde Deus nos colocou é que podemos subsistir. Do contrário perecemos. A memória daquele cujo lugar não é mais encontrado, desaparece (cf. também nota 217). A cidade de Éfeso presenciou um exemplo concreto disso. Como cidade portuária, ela vivia do acesso marítimo. Esse, porém, corria perigo, porque a cidade estava situada no último extremo de uma baía que se assoreava aos poucos. Em sua história, Éfeso foi deslocada duas vezes. Hoje existe ali somente uma aldeia pobre acometida de febres. No lugar em que outrora se erguia o templo da deusa Ártemis (Diana), que era uma das sete maravilhas mundiais da Antiguidade, encontra-se hoje um tranquilo lago coberto de juncos, do qual ainda se ergue o toco de uma coluna.