Acabe — Enciclopédia da Bíblia Online
ACABE
(Hebraico: אַחְאָב, [ʾAḥʾāḇ]; acadiano: 𒀀𒄩𒀊𒁍 [Aḫâbbu]; grego koiné: Ἀχαάβ [Akhaáb])
Acabe foi um rei do Reino de Israel (Samaria), filho e sucessor do Rei Onri e marido de Jezabel de Sidom, de acordo com a Bíblia Hebraica (1Rs 16:29–34). O nome Acabe aparece com múltiplas explicações: é dado como “irmão do pai” (com a nuance de que o filho é “como o pai”) e também como composto teofórico que pode significar “o Pai é meu irmão” (com “o Pai” referindo-se a Deus), a partir de formas como ʾAḥʾāv(ḇ) (LXX: Achaáb; Josefo: Áchabos), e o paralelo assírio a-ḥa-ab-bu; em Jr 29:21 surge como Achiáb, o que, por analogia com ʾAḥimelekh e ʾAʿḥiʾēl, indica um original ʾAḥiʾāv (“o pai é meu irmão”). O nome designa duas figuras: (1) Acabe, filho de Omri, rei do reino do Norte (Israel); (2) Acabe, filho de Colaías, falso profeta entre os exilados na Babilônia (Jr 29:21-23).
I. O Rei Acabe de Israel: Contexto e Reinado
Quanto ao rei, os mesmos materiais preservam cronologias divergentes: 22 anos em Samaria (1Rs 16:29), com ajustes por diferentes sistemas de contagem (acessão/ano não-contado e hipóteses de corregência; THIELE, The Mysterious Numbers of the Hebrews, 3rd ed. [1983], pp. 94-96); 21 anos correntes com um ano prévio como vice-rei em Tirza (915-895 a.C.); faixas absolutas alternativas como 875-854, 874-853, 871-852 (ANDERSEN, Die Chronologie der Könige von Israel und Juda, 1969; BEGRICH, Die Chronologie der Könige von Israel und Juda, 1929; JEPSEN e HANHART BZAW 88), 869-850 e até 919-897 com 28 anos. Independentemente do esquema, Acabe insere-se na dinastia de Omri, capitão feito rei após o golpe de Zinri contra Elá (1Rs 16:8-28). Ainda que o relato bíblico seja lacônico sobre Omri, inscrições assírias chamam reis posteriores de “filhos de Omri” (p. ex., Jeú), e há referências correlatas no Obelisco Negro de Salmaneser III (“Jeú, filho de Omri”), além de outro texto assírio; ver FINEGAN, Light from the Ancient Past: The Archaeological Background of Judaism and Christianity, 2nd ed. [1959], pp. 205-6; ANET, pp. 280-81; ANEP, plates 351-55.
A. Casamento, Família e Alianças
O casamento político de Acabe com Jezabel, filha de Etbaal (Itto-baal) de Tiro/Sidom (1Rs 16:31; Jos. Ant. 8.13.1-2; Against Apion I, 123 [18]) é unanimemente destacado. Etbaal é descrito como sacerdote de Astarte que assassina Pheles/Phalles e usurpa o trono; a casa fenícia de Jezabel, agressiva e tenaz, projeta-se até a geração seguinte (menciona-se Dido), e sua influência chega a Judá por via matrimonial: Atalia casa-se com Jeorão (2Rs 8:16-17, 26-27; 2Rs 11:1-20). As fontes também registram que os filhos de Acabe recebem teóforos yahwistas (Atalia possivelmente “Yahweh é grande, exaltado” em 2Rs 8:26; Acazias “Yahweh susteve [em proteção]” em 1Rs 22:40; Jeorão “Yahweh é exaltado” em 2Rs 1:17), um contraponto à promoção cortesã de Baal.
B. A Política Religiosa e o Culto a Baal
No plano religioso, Acabe “começou a servir a Baal e adorá-lo” (1Rs 16:31) e erigiu templo e altar em Samaria, além de um poste para Aserá (1Rs 16:32-33; 1Rs 18:19). O quadro inclui 450 profetas de Baal e 400 do poste sagrado alimentados à mesa de Jezabel (1Rs 18:19), perseguição aos profetas de Yahweh e o salvamento de cem deles por Obadias, “encarregado da casa” (1Rs 18:3, 4, 13; 1Rs 19:10). A política cultual de coexistência/sincretismo é lida de modos diversos: os relatos deuteronomistas a condenam como “pior do que todos os anteriores” (1Rs 16:30, 33; 21:25; Mq 6:16; 2Rs 21:3), enquanto leituras histórico-críticas sublinham nuances de fidelidade residual de Acabe a Yahweh (nomes dos filhos; Obadias no palácio; escuta a Micaías em 1Rs 22; penitência em 1Rs 21:27-29), com a ressalva de que “foi instigado por sua mulher Jezabel” (1Rs 21:25). O vetor fenício explica também a sofisticação material e a abertura comercial (FINEGAN, Light, pp. 171-74; OESTERLEY e ROBINSON, Hebrew Religion: Its Origin and Development, [1937], pp. 180-87).
II. Conflitos Proféticos
O ciclo de Elias estrutura a crítica teológica. Elias anuncia a suspensão de orvalho e chuva (1Rs 17:1); Lc 4:25 e Tg 5:17 fixam “três anos e seis meses”, cifra que muitos veem intertextualmente em Daniel e Apocalipse (“um tempo, dois tempos e metade de um tempo”, “quarenta e dois meses”, “mil duzentos e sessenta dias”: Dn 7:25; Dn 9:27; Dn 12:7; Ap 11:13; Ap 12:6; Ap 13:5), e 2Ed 7:39 e Jesus (Lc 4:25) a recordam. O Carmelo (1Rs 18) sela o veredito público: fogo de Yahweh, execução dos profetas de Baal, clamor “o SENHOR — ele é Deus” (18:39) e fim da seca. Ao lado desse quadro, outra tradição de análise sustenta que a ligação direta entre a seca e a idolatria de Acabe é construção redacional; que o “concurso” no Carmelo não foi uma Haupt und Staatsaktion (Alt) e originalmente não envolvia Acabe (ele só aparece na introdução, 18:20); que a perambulação com Obadias em busca de pasto (18:3-6) é artifício vívido para dramatizar a penúria; e que 1Rs 20 e 22 contêm materiais originalmente anônimos ou de outra fase (omrida/jeuída) nos quais o nome de Acabe foi inserido (20:2, 13, 14; 22:20), requerendo cautela quando usados como fontes históricas.
A. O Caso da Vinha de Nabote
A “vinha de Nabote” (1Rs 21) cristaliza o embate entre ethos tribal de inalienabilidade da herança (Lv 25:23; Nm 36:5-9) e a práxis monárquica de expansão do patrimônio régio. Os relatos convergem: Acabe deseja a vinha contígua ao palácio em Jezreel para “horta de legumes”; Nabote recusa; Jezabel monta um falso julgamento por blasfêmia, e Nabote é morto (com seus filhos, segundo 2Rs 9:26). O oráculo de Elias fixa as sanções: extirpação da casa de Acabe; cães lamberão o seu sangue; Jezabel será comida por cães; os cadáveres dos descendentes ficarão aos cães/aves (1Rs 21:20-24). Em seguida, Acabe “jejuou, e vestiu saco, e andou mansamente” (1Rs 21:27), o que adia o castigo pleno para seus filhos (21:28-29). Uma variante importante (2Rs 9:25-26), entendida como tradição mais antiga, menciona apenas Acabe como responsável direto, sem Jezabel, e situa a morte de Nabote e de seus filhos em moldes menos “teatrais” que 1Rs 21 — leitura que sustenta um quadro menos “conspirativo” e mais administrativo (acusação de alta traição e execução sumária), com apropriação indevida da terra. Leituras rabínicas posteriores também debatem o caso: o Zohar admite o direito régio de tomar o terreno, mas não de executar Nabote; alguns o fazem parente/herdeiro de Acabe (Sanh. 48b).
III. Política Externa e Campanhas Militares
A política externa de Acabe é descrita em camadas. Em primeiro lugar, a reaproximação com a Fenícia visou paz a Noroeste e intercâmbio (1Rs 16:31; Jos. Ant. 8.13.1). Em segundo, a paz com Judá é selada pelo casamento de Atalia com Jeorão; Josafá aparece em aliança com Israel (2Cr 18), e até pagando tributo (2Cr 18). Em terceiro, confrontos e trégua com Damasco: o cerco a Samaria fracassa após contra-ataque israelita orientado por profeta (1Rs 20:13, 16-21); um ano depois, nova vitória em Afeque (20:22-30), seguida pela libertação de Ben-Hadade mediante tratado com restituição de cidades e “ruas” em Damasco (20:31-34), o que suscita reprimenda profética (20:35-43). A leitura histórica diverge aqui: alguns negam um “massivo” avanço arameu sob Acabe como em 1Rs 20 e sustentam que o material pertença a outro contexto e foi “Acabeizado” por inserções; outros aceitam o núcleo histórico, inclusive o detalhe das “ruas”, que designariam um quarteirão israelita com prerrogativas judiciais/comerciais em Damasco (paralelos com exigências anteriores de Damasco sobre Samaria). Em qualquer caso, segue-se “três anos de paz” (1Rs 22:1).
A terceira campanha, ofensiva, mira Ramote-Gileade, “cidade normalmente ligada a Israel” mas ainda em mãos da Síria, e é travada em aliança com Josafá (1Rs 22). O episódio destaca o choque entre a corte profética aduladora e Micaías ben Imlá, cuja visão de derrota leva Acabe a prender o profeta e, ainda assim, a lutar disfarçado. O desfecho tem tradições alternativas: 1Rs 22 narra um ferimento “ao acaso” por flecha e a morte ao pôr-do-sol, com cães lambendo o sangue quando lavam o carro junto ao reservatório de Samaria (22:38) — uma “cumprida” parcial do oráculo de 21:19, e Josefo desloca para Jezreel (Ant. 8, 15, 6); alguns ressaltam que 22:40 (“foi reunido a seus pais”) é a fórmula usual de morte não violenta e infere que 22:29-38 não fornece dados históricos confiáveis, podendo refletir memórias do ferimento de Jorão em Ramote (2Rs 8:28-29; 9:14ss.), enquanto Acabe teria morrido “pacificamente” em Samaria. As duas leituras são preservadas aqui, sem as alisar.
A. A Coalizão em Carcar e a Ameaça Assíria
A presença de Acabe na grande cena siro-palestina é assegurada pelos registros assírios. Em 853 a.C., na Inscrição Monolítica de Salmaneser III (British Museum), “Acabe, o Israelita” figura na coalizão de doze reis em Qarqar, no Orontes, com impressionantes “2.000 carruagens e 10.000 soldados”; a inscrição proclama vitória assíria, mas a retirada subsequente sugere impasse (Finegan, Light, pp. 204-05; ANET, p. 278s.). Outra tradição do seu dossiê externo menciona a Estela de Mesa (Moabite Stone), segundo a qual Omri ou “a terra da casa de Omri” manteve Moabe subjugada por anos, reconhecendo YHWH como Deus de Israel; e há ainda a afirmação de que o Obelisco Negro menciona “Acabe de Jezreel”, ao lado da nota mais comum que associa o Obelisco a Jeú como “filho de Omri” — ambas as menções são registradas aqui tal como constam nos materiais enviados, ainda que refiram peças epigráficas distintas. Em chave interpretativa, sublinha-se que Acabe foi “o primeiro” rei de Israel a entrar em conflito com a Assíria e o primeiro a ter o nome nos monumentos assírios, e outros veem em Qarqar o resultado lógico de uma política de alianças que suspendeu a hostilidade com Damasco ante o perigo maior. (GREENSPAN, The Hebrew Bible: New Insights and Scholarship, 2008. p. 29. GOLDEN, Ancient Canaan and Israel: New Perspectives, 2004, p. 275)
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A imagem mostra a Estela de Curque (também conhecida como Monolito de Curque), uma estela assíria que descreve a Batalha de Carcar. |
A. As Guerras contra Damasco
As campanhas contra Ben-Hadade II exibem tanto a força quanto a ambivalência de Acabe. No primeiro embate, com Samaria sitiada e após exigências insultuosas do arameu, Acabe consulta um profeta e, com “os jovens dos príncipes das províncias” à frente, ataca de surpresa enquanto Ben-Hadade banqueteava com trinta e dois reis vassalos; a vitória é esmagadora e o inimigo recua a Damasco (1Rs 20:13, 16-21; cf. 1Rs 20). No ano seguinte, Ben-Hadade retorna convencido de que YHWH seria apenas “deus dos montes”; acampa “no planalto, em geral sem relevos, perto de Afeque” e, apesar da desproporção (“dois minúsculos rebanhos de caprídeos”), Israel vence para demonstrar que o poder de YHWH não depende da topografia (1Rs 20:26-30). Preso, Ben-Hadade é poupado e Acabe firma tratado exigindo a restituição de cidades e “ruas” em Damasco — entendidas como um quarteirão israelita com prerrogativas comerciais e judiciais (“ruas” para Acabe), possivelmente em retaliação a privilégio similar outrora imposto por Damasco em Samaria (1Rs 20:31-34). Um profeta, por ato simbólico e parábola, sentencia que a vida de Acabe pagará por ter poupado quem fora “destinado à destruição” (1Rs 20:35-43).
B. A Campanha Final e a Morte em Ramote-Gileade
Seguem-se “três anos de paz” (1Rs 22:1), e então a terceira campanha, ofensiva, pela retomada de Ramote-Gileade, “cidade normalmente ligada a Israel”, em aliança com Josafá. A corte profética de Samaria prediz sucesso, mas Josafá pede outra palavra, e Micaías ben Imlá anuncia desastre (1Rs 22; 2Cr 18). Acabe manda prendê-lo e entra na batalha disfarçado, enquanto Josafá veste trajes reais; os sírios visam o rei de Israel, Josafá quase perece, e Acabe, ferido por uma flecha “ao acaso”, mantém-se em pé no carro “para não desanimar o exército”, morre ao pôr do sol, e “os cães lambiam o sangue dele” quando lavaram o carro junto ao reservatório de Samaria (1Rs 22:29-38; 2Cr 18:31). Aqui, os seus textos preservam leituras divergentes: (a) a narrativa de 1 Reis 22 sustenta morte violenta em Ramote e lamber de sangue em Samaria (com Josefo deslocando o cenário para Jezreel: Ant. 8, 15, 6), e parte da tradição observa “cumprimento parcial” de 1Rs 21:19, “mais literalmente” aplicado ao filho Jorão em 2Rs 9:25-26; (b) outra leitura enfatiza que 1Rs 22:40 usa a fórmula de morte não violenta (“foi reunido a seus pais”) e considera 22:29-38 literariamente não confiável, talvez refletindo memórias do ferimento de Jorão (2Rs 8:28-29; 9:14ss.), concluindo que Acabe possa ter morrido pacificamente em Samaria. Além disso, deve-se ressaltar a “dominância de Acabe sobre Judá” pela forma como tratou Josafá na campanha de Ramote (1Rs 22:29-31).
No plano político mais amplo, Qarqar (853 a.C.) ancorou Acabe na cronologia internacional. A Inscrição Monolítica de Salmaneser III registra a coalizão sírio-palestina em que “Acabe, o israelita” entra com 2.000 carros e 10.000 soldados, ao lado de Hadadezer de Damasco e Irḫulēni de Hamate, além de outros reis siro-fenícios e cameleiros árabes; a inscrição proclama grande vitória assíria, but the subsequent withdrawal indicates failure or strategic stalemate (FINEGAN, Light from the Ancient Past, 2nd ed. [1959], pp. 204-5; ANET, p. 278s). Outra tradição registra que o Obelisco Negro traz “Jeú, filho de Omri” pagando tributo, mas o Texto 9 afirma que o Obelisco menciona “Acabe de Jezreel”; ambas as referências são mantidas tal como constam nos seus materiais, ainda que versem peças epigráficas distintas. Do lado moabita, a Moabite Stone informa que Omri e seu filho dominaram a terra de Medeba por quarenta anos e, numa hipérbole de Mesa, “Israel pereceu com uma destruição perpétua”; a pedra reconhece YHWH como Deus de Israel. A identificação “A-ha-ab-bu” com o rei de Israel é geralmente aceita, mas sujeita a dúvidas.
A arquitetura régia é uma marca onipresente dos dossiês. A “casa de marfim” (1Rs 22:39) ganha corpo nos painéis e placas de marfim de Samaria, miniaturas de feição egiptizante e provável manufatura fenícia, achadas em contexto palaciano e lidas em conexão com as diatribes de Amós (“casas adornadas com marfim”: Am 3:15; “camas incrustadas de marfim”: Am 6:4; FINEGAN, Light, pp. 187-88). O gosto por luxo e construção aparece também no palácio e parque de Jezreel, sua residência preferida, e na reconstrução de Jericó “em seus dias” (1Rs 16:34), possivelmente para reforço estratégico. Os centros urbanos dobraram sob Acabe, conectando o fenômeno à política de balancear interesses cananeus e israelitas.
Os sistemas fortificados e obras hidráulicas atribuídos ao horizonte omrida/Acabeita recebem pormenores específicos nos seus textos: muralhas de casamatas em Dor, Megido, Hazor, Jezreel, Dan e ʿEn-gev; citadela de Hazor com muros espessos e porta monumental com colunas proto-eólicas (Estrato 8); em Megido, a revisão estratigráfica (YADIN, Hazor, 1975) reatribui as famosas “estrebarias de Salomão” a Acabe (Estrato 4a), discutindo-se se eram estábulos, armazéns ou guarnições; em Hazor, o edifício colunado do mesmo período (Estrato 8) é claramente armazém. Os sistemas de água espantam: em Megido, poço vertical de 35 m com escadaria, conectado por túnel de 63 m que trazia água de uma fonte protegida externamente; em Hazor, poço vertical de 30 m com túnel de 25 m até o lençol freático, garantindo água sob cerco. Tudo isso se ajusta à leitura de um parque de carros proporcional às cifras assírias e a um Estado que investe em engenharia e logística (DUSSAUD, Samarie au temps d’Achab, 1925; YADIN, 1975; PIENAAR, The role of fortified cities in the Northern Kingdom, during the reign of the Omride Dynasty, 1981).
Outras evidências materiais orbitam a corte de Samaria. O programa de escavações de Harvard (1908-1911) registrou um palácio hebraico com dois estágios de construção (“palácio de Omri” ampliado por Acabe?) e publicou ostraca encontrados numa sala adjacente, rótulos de ânforas que mencionam anos de reinado, remetentes/destinatários e conteúdos; por exemplo: “No nono ano. De Shaphtan. Para Baʿal-zamar. Um jarro de vinho velho.” e “Vinho da vinha do Tell.” (as frases são vertidas aqui ao português). Em outra sala, apareceu um vaso de alabastro com o nome do contemporâneo egípcio Osorkon II. As referências são: Harvard Theological Review, January, 1909; April, 1910; January, 1911; Sunday School Times, January 7, 1911; The Jewish Chronicle, January 27, 1911. Um dado topográfico deve ser erssaltado: um grande tanque no canto NO do amplo pátio do palácio de Samaria foi escavado, “talvez” o local do cumprimento de 1Rs 22:38.
I. O Veredito Deuteronomista vs. Análise Crítica
No dossiê literário-teológico, os seus textos conservaram julgamentos muito distintos: de um lado, Acabe é o mais fraco de todos os monarcas israelitas, embora não sem ocasionais bons sentimentos e disposições, o “pior de todos” aos olhos do deuteronomista (1Rs 16:30, 33; 21:25; Mq 6:16; 2Rs 21:3), e o “metro” pelo qual se medem reinados abomináveis posteriores (2Rs 21:2s; Mq 6:16). O tropo do marido “dominando e dominado” por Jezabel estrutura episódios como a vinha de Nabote, nos quais a literatura vê o abuso do poder régio violando o ethos de herança (Lv 25:23; Nm 36:5-9), e o quadro de “amolecimento” após oráculos (1Rs 20:43; 21:27-29). De outro lado, leituras histórico-críticas insistem em separar camadas: certas perícopes (1Rs 20; 22) teriam sido anônimas ou relativas a outro momento (omrida/jeuída), com inserções do nome “Acabe”; a seca e o Carmelo teriam sido articulados redacionalmente ao reinado para construir nexo teológico “idolatria → juízo”; o Baal de Samaria seria o Melkart fenício conhecido de Jezabel, e Acabe “dificilmente” seria um baalista, dada a antroponímia de seus filhos; a narrativa de 1Rs 21, em sua forma atual, teria enfatizado Jezabel, mas o núcleo original apontaria Acabe como autor direto da apropriação e execução (2Rs 9:25-26), possivelmente de um campo fora da cidade e não de uma vinha contígua ao palácio; por fim, 1Rs 22:29-38 não forneceria base segura para a morte do rei, contrastando com 22:40.
As fontes extrabíblicas reforçam o peso histórico da casa omrida e de Acabe em particular, ainda que com ênfases diferentes: ANET, 280-81; ANEP, plates 351-55; ARAB, 1, sect. 590 (dinastia de Omri e sua projeção epigráfica), ANET, 278s, além de sínteses como FINEGAN, Light from the Ancient Past: The Archaeological Background of Judaism and Christianity, 2nd ed. [1959], pp. 171-74; 187-88; 204-05; e estudos como WALSH, Ahab: The Construction of a King [2006]. As escavações em Samaria revelaram a magnificência de suas construções (1Rs 22:39) e que a maneira de tratar Josafá na campanha de Ramote-Gileade (22:29-31) demonstraria o predomínio político de Israel sobre Judá naquele momento.
I. Acabe na Tradição Judaica Posterior
No âmbito das tradições judaicas posteriores, muitos rabinos exaltam a capacidade militar de Acabe e, justamente por isso, avaliam seu desvio com mais severidade; R. Johanan associa seus 22 anos de poder à veneração das 22 letras da Torá e ao sustento aos sábios; o Zohar considera aceitável a apropriação da terra de Nabote como prerrogativa régia, mas não a execução; e há quem sustente que Nabote era parente de Acabe e que, portanto, este seria herdeiro (Sanh. 48b).
O homônimo exílico, Acabe filho de Colaías, reaparece nos seus textos com dois desdobramentos adicionais. Primeiro, a condenação profética por mentiras, adultério e promessa de retorno rápido (como Ananias), e a previsão de morte “assados no fogo” por Nabucodonosor, tornando-se fórmula de maldição (Jr 29:21-23). Segundo, uma hipótese rabínica (seguida por alguns expositores) que identifica este Acabe e seu associado Zedequias com os dois anciãos que conspiraram contra Susana (Apócrifos), refutada pela discrepância no tipo de punição (lá, apedrejamento, não fogo); a nota bibliográfica associada é Penz, De supplicio Achabi, etc. Lpz. 1736.
I. O Legado Material: Arquitetura e Arqueologia
Além da Inscrição Monolítica de Salmaneser III, já mencionada anteriormente como prova histórica extrabíblica da existência de Acabe, sabemos que na vida interna, os relatos retratam Acabe como um “monarca amante do esplendor”, afeito a arquitetura e luxo. A “mansão de marfim” (1Rs 22:39 NAA) e as “casas adornadas com marfim” (Am 3:15; 6:4) conectam-se a achados arqueológicos em Samaria: placas e painéis de marfim originalmente fixados em móveis e paredes, miniaturas de feição egiptizante e provável manufatura fenícia (FINEGAN, Light, pp. 187-88). O palácio de Jezreel com parque pessoal supre o cenário da crise com Nabote. Jericó é “reconstruída” em seus dias (1Rs 16:34), em possível eixo de fortalecimento contra Moabe. Fortificações em casamatas e portões monumentais são atribuídos ao período omrida/Acabeita em Dor, Megido, Hazor, Jezreel, Dan e ʿEn-gev; os sistemas hídricos notáveis de Megido e Hazor (poço vertical com escadas e túnel horizontal até a água) são também associados a esse horizonte; as “estrebarias de Salomão” em Megido foram reavaliadas como estruturas do tempo de Acabe, com função ainda debatida (estábulos, armazéns ou guarnições). O texto hebraico salienta que “centros urbanos duplicaram sob o governo de Acabe”, talvez por sua política de balancear interesses israelitas e cananeus; parte do aparato construtivo empregou especialistas fenícios, sugerido pela técnica “cabeçalhos e macas” nas alvenarias do palácio de Samaria, e menciona desenvolvimentos correlatos em Megido e Hazor com datação ao período.
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Ornamentos de marfim do período do Primeiro Templo, descobertos por arqueólogos na Cidade de Davi, em Jerusalém. |
I. Interpretações e Vereditos
As fontes rabínicas complexificam o veredito: R. Johanan argumenta que Acabe mereceu 22 anos de poder por reverenciar as 22 letras da Torá e sustentar os sábios; o Zohar julga “aceitável” a tomada do terreno de Nabote como prerrogativa régia, mas não a execução; outros sustentam parentesco e direito sucessório (Sanh. 48b). Essa linha convive, nos materiais, com a consciência de que o retrato deuteronomista de Acabe como o “pior” dos reis do Norte se tornou métrica negativa para avaliar dinastias e políticas posteriores (2Rs 21:3, 13; Mq 6:16) e que parte dessa imagem adveio de círculos proféticos opositores e da transição sangrenta da revolução de Jeú.
I. O Homônimo no Exílio: Acabe, Filho de Colaías
Quanto ao segundo Acabe, filho de Colaías, os textos preservam as mesmas acusações: falsas profecias entre os exilados e “adulterando com as mulheres de seu próximo” (Jr 29:21-23), prometendo retorno rápido do cativeiro à semelhança de Ananias (Jr 28; Jr 6:14; Jr 23:11), razão por que são condenados, “assados no fogo” por Nabucodonosor e transformados em fórmula de maldição (“O Senhor te faça como Acabe e Zedequias...”).
Bibliografia
ALT, Albrecht. Kleine Schriften zur Geschichte des Volkes Israel. München: C. H. Beck, 1953–1970. 4 v.ARAB — LUCKENBILL, Daniel David. Ancient Records of Assyria and Babylonia (ARAB). Vol. I–II. Chicago: University of Chicago Press, 1926–1927.
OBBARIUS. Gesch. d. Hauses Ahab. Nordhausen, 1754. (Referência antiga; dados autorais completos indisponíveis nas bases modernas.)
PARZEN, Herbert. The Prophets and the Omri Dynasty. Harvard Theological Review, v. 33, p. 69–96, 1940.
PFEIFFER, Charles F.; VOS, Howard F.; REA, John. Dicionário bíblico Wycliffe. Tradução de Degmar Ribas Júnior. Rio de Janeiro: CPAD, 2019.
PIENAAR, D. N. The role of fortified cities in the Northern Kingdom, during the reign of the Omride Dynasty. JNSL — Journal for Northwest Semitic Languages, v. 9, pp. 151–157, 1981.
RGG³ — Religion in Geschichte und Gegenwart (3. Auflage). Tübingen: Mohr Siebeck, 1957–1965.
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GALVÃO, Eduardo. Acabe. In: Enciclopédia da Bíblia Online. [S. l.], set. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].