Gênesis 3:15 — Profecias Messiânicas

O que siGênesisifica o texto de Gênesis 3:15?

Gênesis 3:15, chamada de Proto-evangelho, diz: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua semente e a semente dela; ele te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gênesis 3:15). Quando lemos no horizonte amplo de Gênesis — e, mais ainda, do Pentateuco —, o versículo não se limita a um quadro de serpentes e humanos, nem a um embate abstrato entre bem e mal: a trilha narrativa aponta, de forma coerente, para um desfecho messiânico. Mesmo que, de tempos recentes, se tenha desprezado essa leitura, uma investigação cuidadosa do contexto conduz ao mesmo ponto de chegada: o texto participa, por dentro, da história torática de uma vitória que há de vir. Não é casual que, desde a Reforma, a interpretação messiânica tenha sofrido reveses. João Calvino — sem negar a projeção profética — recusa a leitura cristológica e a entende como um retrato duradouro da inimizade entre o gênero humano e as serpentes, algo visível pela própria aversão natural que nutrimos por elas (CALVINO, Commentaries on the Book of Genesis, 1948, p. 167).

No mesmo diapasão, o teólogo Walton lê o paralelo de verbos e a letalidade potencial de ambos os golpes como sinal de um conflito permanente e não resolvido entre humanos e os representantes do mal — não de um triunfo final (WALTON, Genesis, 2001, p. 226). Muito antes, Rashi já minara o pressuposto de que a serpente receberia o golpe mais mortal, lembrando que, sendo peçonhentas e rastejantes, elas naturalmente ferem o calcanhar e podem matar assim: “Não terás altura, de modo que o morderás no calcanhar, mas mesmo daí o matarás” (Rashi sobre Gênesis 3:15). Gênesis 49:17, com a víbora que faz cair o cavaleiro ao morder o calcanhar, parece reforçar a equivalência. Dessa constatação brotou a leitura etiológica: o versículo não passaria de explicação das origens de uma hostilidade natural entre gente e cobras (MURPHY, Pocket Dictionary for the Study of Biblical Hebrew, p. 69; SKINNER, Genesis [ICC], 1910, p. 81; WESTERMANN, Genesis 1–11, (A Continental Commentary), 1994, p. 259; Nahum M. Sarna, Genesis, (The JPS Torah Commentar), 1989, p. 27; Gordon J. Wenham, Genesis 1–15, WBC, 1987, pp. 80–81).

A proposta aqui, porém, é outra: sustentar que o texto fala, sim, do Messias, lendo-o em seu entorno imediato e no tecido maior do livro. As recusas “gramatical-históricas” muitas vezes ignoram o peso do versículo na economia literária ampla; Michael Rydelnik organiza essas alternativas não messiânicas em três vias: (1) a naturalista/etiológica; (2) a simbólica, de conflito contínuo e irresoluto; e (3) o sensus plenior, que só admite a leitura messiânica pela revelação posterior, e não pelo sentido histórico (RYDELNIK, The Messianic Hope, 2010, pp. 131–34. O caminho adotado a seguir alarga gradualmente o foco: Gênesis 3 em contraponto a Gênesis 4 (Caim), depois Gênesis 9 (Noé) e, por fim, Gênesis 49 (as bênçãos de Jacó). A trilha literária que parte de Gênesis 3:15 e percorre o próprio Gênesis desemboca no Messias.

Se “o contexto é rei”, este é um daqueles lugares em que o axioma decide a leitura. O versículo se apresenta com feição programática: arma uma pergunta que o resto do livro e do Pentateuco se encarrega de desenvolver — quem é a “semente” da mulher? — e estrutura a tensão entre a serpente e a mulher, entre a sua semente e a dela. Não admira que “semente” se torne palavra de carga no enredo. O termo, contudo, oscila deliberadamente entre o coletivo e o individual. É fácil perceber que a distinção aflora nos pronomes e adjetivos que o acompanham: no uso coletivo, os modificadores tendem ao plural (Gênesis 15:13); quando o foco é pessoal, surgem qualificadores no singular (Gênesis 4:25; 21:13).

Houve quem questionasse o critério à luz de Gênesis 22:17 — a descendência incontável seguida de pronome singular —, ao que se respondeu que a segunda ocorrência se lê no singular, dado o aspecto verbal (imperfeito sem waw consecutivo) do segundo membro (COLLINS, A Syntactical Note on Genesis 3:15: Is the Woman’s Seed Singular or Plural?, 1997, pp. 141–48; ALEXANDER, Further Observations on the Term ‘Seed’ in Genesis, 1997, pp. 363–367; HAMILTON, The Skull Crushing Seed of the Woman: Inner-Biblical Interpretation of Genesis 3:15, 2006, p. 32). Reconhecendo o risco de circularidade — e o caráter enigmático e diretivo do versículo —, é prudente admitir uma ambiguidade intencional em Gênesis 3:15: longe de enfraquecer a leitura messiânica, ela dá espaço para que a trama caminhe do grupo à pessoa. Nesse mesmo horizonte, T. Desmond Alexander nota como a tensão entre sementes — eleita e rejeitada — comanda movimentos centrais do livro (ALEXANDER, Messianic Ideology in Genesis, 1995, p. 22).

A função de Gênesis 1–11 como pórtico da Torá reforça essa leitura programática. Ali se reúnem, já no princípio, os fios que tecerão toda a história: bênção, semente e terra (Gênesis 1:28). A bênção se estende adiante (Gênesis 12:3); a fecundidade antecipa a multiplicação prometida à semente de Abraão (Gênesis 17:2, 6); “subjugar a terra” em outros contextos passa por “conquistar” (Número 32:22, 29; Josué 18:1), acenando com a missão sobre a terra prometida. Deus prepara um lugar e ali introduz o homem (Gênesis 2:7–16), em regime de obediência (Gênesis 2:16–17); a transgressão traz maldições (Gênesis 3:14, 17; 4:11; 5:29; 9:25), exílio (Gênesis 3:23–24; cf. 2:8; 4:16) e morte (Gênesis 2:17; 3:19; 5:5, 8, 11, 14, 17, 20, 27, 31; 7:22; 9:29; 11:28, 32). A linhagem de Adão desemboca em Babel (Gênesis 11:1–9), de onde Deus convoca Abrão para uma terra preparada. Estão aí, em miniatura, os motivos que retornarão: bênçãos (Gênesis 49; Deuteronômio 33), terra (Gênesis 15:18), semente, mandamentos (Êxodo 20:1–17), tentações dos coabitantes da terra (Deuteronômio 7:1–4), desobediência e maldição (Deuteronômio 28:16–19), exílio (Levítico 26:33; Deuteronômio 4:26–28; 30:1; 2 Reis 25) e morte.

A queda de Gênesis 3 serve de gatilho a um enredo universal que se encaminha para a vitória de uma semente particular — coletiva e, ao fim, pessoal — da linha de Adão (Gênesis 3:15; 4:25; 9:26–27; 11:10) sobre inimigos hostis (Gênesis 9:25; 12:3; 22:17; 24:60; 49:8; Números 24:17–19). Diante disso, reduzir Gênesis 3:15 a uma historieta de origem — por que serpentes rastejam — ou a um “yin-yang” interminável empobrece a tessitura: o versículo é a bolota de que brota a árvore inteira, cujo fruto maduro é o triunfo da semente de Adão por meio de Abraão, Isaque, Jacó e Judá.

Essa costura narrativa se percebe quando reconhecemos o “ar de família”: os feitos dos pais se refletem nos filhos. Como observa Alexander, o conceito de “semente” supõe semelhança entre ancestral e descendência. Adão, Eva e a serpente são históricos e, simultaneamente, representativos; figuras posteriores se iluminam por eles. Quem é a serpente? Quem compõe sua semente? Quem é — ou quem são — a semente da mulher? As respostas passam pelos paralelos internos de Gênesis 1–11.

É aqui que a queda (Gênesis 2–3) confrontada com Caim (Gênesis 4) lança luz. Em ambos os relatos, a vontade divina se exprime com clareza: “não comereis...” (Gênesis 2:17); “se procederes bem...” (Gênesis 4:7a). Em ambos, ergue-se o aviso contra o desejo que quer dominar: “o teu desejo será para o teu marido...” (Gênesis 3:16); “o desejo dele é contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gênesis 4:7b). Em ambos, a desobediência é deliberada: “tomou do fruto e comeu... e ele comeu” (Gênesis 3:6); “Caim levantou-se contra Abel... e o matou” (Gênesis 4:8). Em ambos, o interrogatório divino vem em perguntas de “onde” e “que fizeste?” (Gênesis 3:8–9, 13a; 4:9–10). Em ambos, pesa uma maldição (Gênesis 3:14; 4:10–11). Em ambos, há banimento da presença de Deus e do Éden (Gênesis 3:23–24; 4:14, 16). E, em ambos, a narrativa realça a “semente” da mulher em contraste com uma linhagem perversa: a promessa de inimizade (Gênesis 3:15) e, depois, o reconhecimento de que Deus “pôs” outra semente no lugar de Abel — Sete (Gênesis 4:25; cf. 4:17).

Desse espelhamento emergem conclusões interpretativas. A fórmula “maldito és” aproxima Caim da serpente e o identifica — a ele e à sua descendência — com a semente serpentina. Termos-chave como “mulher”, “pôr” e “semente” em Gênesis 4:25 aparecem juntos, em toda a Bíblia hebraica, apenas aqui e em Gênesis 3:15; logo, é à fala de Eva que recorremos para entender o programa: ela lê a “semente” como um filho concreto e percebe, no conflito entre Caim e Abel, a inimizade já anunciada. Assim, a “semente da serpente” não se esgota em ofídios: define-se por atos — aqui, homicídio. A eleição divina torna-se critério para reconhecer a “semente da mulher”: Sete é “posto” por Deus. E a serpente se deixa entrever como matriz de uma linhagem metafórica de opositores ao propósito de Deus, engajados em guerra contra uma semente designada por Ele. Já no capítulo 4, portanto, o autor dá as chaves: Gênesis 3:15 não descreve um fenômeno natural, mas condensa o enredo. À medida que Gênesis 1–11 se desdobra, a leitura de “golpes equivalentes” num ciclo sem saída perde sustentação: a história caminha para a vitória da semente eleita — coletiva e, finalmente, individual — que restitui a bênção de Deus à humanidade.

Comparando a narrativa da Queda com a história de Noé

A trilha que começa em Sete nos conduz até Noé (Gênesis 5:1), e a escolha desse patriarca nos faz retornar, mais uma vez, ao drama de Gênesis 3 e ao desíGênesisio reparador de Deus. “E chamou-lhe Noé, dizendo: Este nos aliviará do trabalho penoso de nossas mãos, causado pela terra que o Senhor amaldiçoou.” (Gênesis 5:29). A referência a Gênesis 3:17–19 é límpida; mais que um eco, é uma chave: por meio dessa alusão, o autor explicita o que se espera da “semente da mulher”. Cabe a essa semente aliviar a maldição — o que supõe, em última análise, a vitória sobre a serpente e a sua progênie. Não causa espanto, portanto, que os paralelos entre a falha moral de Noé e o pecado de Adão iluminem ainda mais o sentido gramatical-histórico de Gênesis 3:15 (cf. SAILHAMER, The Pentateuch as Narrative, 1992, pp. 129–130). Noé é separado para “cumprir” o encargo primitivo: a bênção divina, o mandamento de frutificar, multiplicar e encher a terra remontam ao mandato dado ao primeiro homem, situando Noé como um “novo Adão”, uma “semente da mulher” por meio da qual Deus assinala o caminho da restauração (compare Gênesis 1:28–31; 9:1–9). Ainda assim, como Adão antes dele, Noé desliza, e esse deslize é narrado de modo a refletir intencionalmente a queda inaugural. Mais decisivo: a maldição e a bênção que atingem seus descendentes ajudam a completar lacunas abertas por Gênesis 3:15.

Olhemos, então, os paralelos, para depois tirar deles as devidas consequências:

(1) Plantio inaugural. Ambas as narrativas de queda abrem com uma cena de plantio: “O Senhor Deus plantou um jardim no Éden, no oriente, e ali colocou o homem que havia formado. O Senhor Deus fez brotar da terra toda espécie de árvores de aparência agradável e boas para alimento, inclusive a árvore da vida no meio do jardim, bem como a árvore do conhecimento do bem e do mal.” (Gênesis 2:8–9). E, mais adiante: “Noé, um homem da terra, foi o primeiro a plantar uma vinha.” (Gênesis 9:20).

(2) Uso impróprio do fruto. Em ambos os casos, o produto da terra é mal produzido pelo personagem central: “Então a mulher viu que a árvore era boa para se comer, agradável à vista e desejável para se obter sabedoria. Então, tomou do seu fruto e comeu; deu também ao seu marido, que estava com ela, e ele comeu.” (Gênesis 3:6). E com Noé: “Bebeu do vinho e embriagou-se…” (Gênesis 9:21a).

(3) Nudez exposta. As duas histórias registram a exposição da nudez: “Então os olhos de ambos se abriram, e perceberam que estavam nus…” (Gênesis 3:7a). E: “… e descobriu-se dentro da sua tenda. Cam, pai de Canaã, viu seu pai nu e contou isso aos seus dois irmãos que estavam lá fora.” (Gênesis 9:21b–22).

(4) Necessidade de cobertura. Em resposta, surge a cobertura da nudez: “… então costuraram folhas de figueira e fizeram tangas para si.” (Gênesis 3:7b). E: “Então Sem e Jafé pegaram uma capa, a colocaram sobre os ombros e, andando de costas, cobriram a nudez de seu pai. Seus rostos estavam virados, e não viram seu pai nu.” (Gênesis 9:23).

(5) Dois destinos de semente. Por fim, as duas narrativas culminam contrapondo “descendências”: uma tensão à destruição e outra moldada pela promessa. “Porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gênesis 3:15). E, na boca de Noé: “Ele disse: ‘Canaã será amaldiçoado. Ele será o mais baixo dos escravos de seus irmãos.’ Ele também disse: ‘Louvai ao SENHOR, o Deus de Sem; Canaã será seu escravo. Deus estenderá Jafé; ele habitará nas tendas de Sem; Canaã será seu escravo.’” (Gênesis 9:25–27).

A força desses paralelos não pode ser minimizada. Primeiro: fica patente que Canaã, a exemplo de Caim, herda a maldição associada à serpente. Ao destacar a maldição sobre Canaã e sua linhagem, o narrador o posiciona como a “semente” hostil de Gênesis 3:15; sua sujeição ecoa o rebaixamento da serpente — “comer pó todos os dias da [sua] vida” (Gênesis 3:14). E se desenha, ao mesmo tempo, o vínculo entre a serpente, cuja tentação expulsou Adão do jardim, e os cananeus, que mais tarde serão pedra de tropeço para Israel na terra prometida. Segundo: o parentesco entre Sem e a “semente da mulher” é inequívoco. Sobre Sem repousa a bênção e, com ela, a promessa de que, em algum momento, haverá de prevalecer sobre Canaã — isto é, sobre a “semente” serpentina. Aqui se pratica, por assim dizer, uma leitura intrabíblica de Gênesis 3:15, que não apenas desafia a interpretação etiológica, mas evidencia que “o ferir do calcanhar” e “o ferir da cabeça” não se cancelam mutuamente. A bênção sobre Sem e a maldição sobre Canaã (Gênesis 9:26–27) deixam claro que, nos desíGênesisios redentores de Deus, a “semente da mulher” está destinada à vitória.

Comparando a narrativa da Queda e as bênçãos de Jacó

O traçado de Gênesis conduz a “semente” pela casa de Isaque e Jacó até os doze filhos; ao longo desse percurso, o texto continuamente projeta a expectativa de um triunfo contra os inimigos por meio de uma semente particular (Gênesis 3:15; 4:25; 9:26; 12:3; 22:17; 24:60; 27:29). As narrativas patriarcais se encerram com o grande poema de Gênesis 49, onde a pequena bolota de Gênesis 3:15 se abre em promessa de vitória escatológica. Jacó convoca seus doze e lhes anuncia o que sucederá “in the days to come” (Gênesis 49:1). John Sailhamer sublinha o lugar dessa bênção “dos últimos dias” no panorama literário mais amplo: 

“Em três momentos macroestruturais do Pentateuco, o autor uniu um importante discurso poético ao final de uma grande unidade narrativa (Gênesis 49; Números 24; Deuteronômio 31). Um olhar atento ao material que se encontra entre e conecta as seções narrativa e poética revela a presença de um estrato composicional homogêneo. É mais notavelmente marcado pela recorrência da mesma terminologia e motivos narrativos. Em cada um dos três segmentos, a figura central (Jacó, Balaão, Moisés) convoca uma audiência (imperativo: Gênesis 49:1; Números 24:14; Deuteronômio 31:28) e proclama (coortativo: Gn 49:1; Nm 24:14; Dt 31:28) o que acontecerá (Gênesis 49:1; Números 24:14; Deuteronômio 31:29) no “fim dos dias”. (Gênesis 49:1; Números 24:14; Deuteronômio 31:29.”
(SAILHAMER, ibid., 1992, p. 36).

Nesse clima de fim dos dias, Jacó profetiza a vinda de um rei da tribo de Judá que subjugará os adversários de Israel e fará reflorir a bênção paradisíaca entre as nações (Gênesis 49:8–12). Mais tarde, os profetas do Antigo Testamento reconhecerão esse rei nomeado por Jacó como o Messias.

Conclusão

Abrimos este percurso lembrando a inclinação recente da pesquisa em rejeitar a leitura messiânica de Gênesis 3:15, substituindo-a por uma explicação etiológica — o texto explicaria por que homens e serpentes se odeiam. Outros preferem uma chave simbólica: Gênesis 3:15 falaria de um conflito interminável entre forças do bem e do mal. A leitura messiânica, acrescentam, não passaria de um expediente alegórico. Como comenta a Bíblia de estudo NET:

“Muitos teólogos cristãos (remontando a Irineu) entendem o v. 15 como o chamado protoevangelho, supostamente profetizando a vitória de Cristo sobre Satanás... Nessa abordagem alegórica, a descendência da mulher é inicialmente Caim, depois toda a raça humana e, por fim, Jesus Cristo, a descendência (hebraico: ‘semente’) da mulher (ver Gálatas 4:4). A descendência da serpente inclui os poderes malignos e os demônios do mundo espiritual, bem como os humanos que estão no reino das trevas (ver João 8:44). De acordo com essa visão, a passagem dá a primeira indicação do evangelho. Satanás desfere um golpe devastador na Semente da mulher (Jesus), que por sua vez desfere um golpe fatal na Serpente (primeiro derrotando-a por meio da morte e ressurreição (1 Coríntios 15:55-57) e depois destruindo-a no julgamento (Apocalipse 12:7-9; 20:7-10). No entanto, a estrutura gramatical de Gênesis 3:15b não sugere essa visão.”
(BIBLE NET: Gênesis 3:15, acesso: 25 out. 2025)

O que se demonstrou, porém, é outra coisa: a leitura messiânica de Gênesis 3:15 não depende de alegoria; ela brota de uma leitura cuidadosa do texto em sua trama. É, antes, a alternativa não messiânica que se fragiliza ao isolar um versículo do seu contexto, praticando uma abordagem atomizada. Quando se percebe a rede de paralelos e alusões a Gênesis 3:15 em Gênesis 1–11, a serpente se define como matriarca do mal; sua “semente”, como aqueles que se erguem contra o projeto redentor de Deus; e a “semente da mulher”, como uma linhagem eleita cuja culminação é um rei da casa de Judá que se levantará “nos últimos dias”. É fato que Gênesis não chama explicitamente a serpente de Diabo; mas o vetor literário do Pentateuco aponta, sem violência, para a leitura que o Apocalipse 12 consagra. Por isso, concordamos inteiramente com Michael Rydelnik: 

“Uma explicação mais provável é que o autor da Torá tenha sugerido a vinda de um redentor em Gênesis 3:15 e, em seguida, usado o restante do Pentateuco para identificá-lo como o futuro Messias. Escritores posteriores do Antigo Testamento também reconheceram a semente como o futuro libertador e se referiram a Gênesis 3:15 como um texto messiânico.”
(RYDELNIK, ibid., p. 135).

Longe de ser um “conto de origem” sobre répteis ou um equilíbrio eterno de golpes equivalentes, Gênesis 3:15 é o programa de uma história: nela, a promessa se acende no Éden, rebrilha em Noé, ganha forma nas bênçãos patriarcais e, por fim, converge para a figura régia que subjuga o inimigo e torna a derramar bênção sobre as nações — a semente que, no tempo devido, ergue o calcanhar e esmaga a cabeça.

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GALVÃO, Eduardo. Gênesis 3:15 — Profecias Messiânicas. In: Biblioteca Bíblica. [S. l.], out. 2025. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago 2025].

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