Apocalipse 17 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 17 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 17
A Babilônia já foi mencionada duas vezes e a sua
condenação foi predita (14.8; 16.19). Finalmente nos é apresentado um ensaio
geral desse evento apavorante. A descrição cobre dois capítulos (17-18).
O assunto do
capítulo 17 se divide naturalmente em duas partes. Primeiro encontramos a
visão (vv. 1-6) e então a interpretação (vv. 7-18).
a) A visão (17.1-6). E veio um dos sete
anjos (1) que tinha sete taças e convidou João a vir e ver a condenação
da grande prostituta. Esse termo insultuoso é aplicado à Babilônia quatros
vezes nesse capítulo (vv. 1, 5, 15,16), bem como em 19.2. Muitas águas significa
muitas pessoas ou nações (cf. v. 15).
A grande prostituta é então descrita como alguém com
a qual se prostituíram os reis da terra (2). As últimas três palavras estão
na forma aoristo do verbo porneuo, derivado de porne (prostituta).
As pessoas da terra se embebedaram com o vinho da sua prostituição (porneia).
Os reis eram provavelmente reis vassalos do império. Swete diz: “A
porneia da qual esses reis eram culpados consistia em comprar o favor de
Roma ao aceitar sua suserania e, com ela, seus vícios e idolatrias”.'
João foi então levado em espírito a um deserto (3)
— talvez um lugar limpo e quieto de onde pudesse ver essa cena. Ele viu uma
mulher assentada sobre uma besta de cor escarlate, que estava cheia de nomes de
blasfêmia (veja notas em 13.1, 5). Swete observa: “O Império emitia
um cheiro fétido com a adoração blasfema dos imperadores”.' A besta tinha
sete cabeças e dez chifres. Isso parece identificá-la com a besta que subiu
do mar (13.1). O significado desses itens é explicado em 17.9-17.
A mulher estava esplendidamente vestida de púrpura
e de escarlata (4). Tertuliano e Cipriano, do norte da África (em torno de
200 d.C.), usaram essa passagem para advertir os cristãos contra uma tendência
excessiva para roupas suntuosas. Mais tarde, os autores protestantes
encontraram aqui uma referência aos luxuosos mantos vermelhos dos cardeais da
igreja católica.
A mulher também foi adornada com ouro, e pedras
preciosas, e pérolas. Esses eram os acessórios típicos usados pelas
prostitutas ao exercer seu ofício, conforme a descrição de autores romanos
daquela época. Ela tinha na mão um cálice de ouro cheio das abominações —
“os cultos e vícios da vida romana”' — e da imundícia da sua prostituição com
as nações do mundo.
Como era o costume das prostitutas romanas, ela tinha
um nome na sua testa. Esse nome era o seguinte: MISTÉRIO, A GRANDE BABILÔNIA,
A MÃE DAS PROSTITUIÇÕES E ABOMINAÇÕES DA TERRA (5). O termo mistério
deixa claro que se tem em mente um simbolismo aqui. Swete comenta: “A
mulher montada na besta representa a (é o símbolo da) Babilônia, a Grande,
enquanto a própria Babilônia é um nome místico para a cidade que é agora mestra
do mundo. Sua personalidade ataviada e adornada com jóias e sua taça de
abominações a tornam a prostituta-mãe da terra” 161 Não há dúvidas de que a
identificação principal da Babilônia é com Roma. Entre os cristãos daquele
tempo, a Babilônia foi usada como um nome místico para Roma, para evitar
dificuldades.
João viu que a mulher estava embriagada do sangue
dos santos e do sangue das testemunhas de Jesus (6). A ideia de estar
embriagada com sangue era familiar aos autores romanos. Os espetáculos de
gladiadores tinham acostumado as pessoas a ter prazer no derramamento de
sangue.
O vidente tinha sido convidado a observar o
julgamento da grande prostituta. Em vez disso, ele a observou em seu imenso
orgulho e poder. Assim, ele maravilhou-se com grande admiração. Obviamente,
essa última palavra não se encaixa. O grego diz: “maravilhou-se com grande
maravilha” ou “maravilhou-se muito”.
b) A interpretação (17.7-18). Observando a
admiração na face de João, o anjo perguntou: Por que te admiras? (7)
Então o anjo passa a explicar o mistério.
Ele disse: A besta que viste foi e já não é, e há
de subir do abismo (lit., está para emergir do abismo), e irá à perdição
(8). A primeira referência foi a Nero, que foi e já não é. Evidentemente,
João pensou no Anticristo com sendo um tipo de Nero novo, que surgirá do abismo
(veja comentário em 20.1). Mas ele finalmente irá à perdição. Os
habitantes do mundo serão envolvidos de admiração, aqueles cujos
nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo (cf.
13.8), vendo a besta que era e já não é, mas que virá (cf. 13.3).
Antes de dar uma explicação definitiva dos detalhes,
o anjo disse: Aqui há sentido, que tem sabedoria (9; cf. 13.18). As
sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada. Essa
é uma clara referência a Roma, que era celebrada igualmente por poetas e
oradores como a cidade edificada sobre sete montes.
Mas essas sete cabeças também representam sete
reis: cinco já caíram, e um existe; outro ainda não é vindo; e, quando vier,
convém que dure um pouco de tempo (10). E a besta, que era e já não é, é
ela também o oitavo, e é dos sete, e vai à perdição (11).
Inicialmente parece que a identificação desses reis
seria uma questão simples. Mas, na verdade, tem ocorrido um debate considerável
acerca desse assunto. Alford entende os cinco que já caíram como
sendo cinco impérios que foram inimigos de Israel: Egito, Assíria, Babilônia,
Pérsia e Grécia. Aquele que existe ele identifica como Roma. O outro que
ainda não é vindo é o Império Bizantino de Constantinopla. O oitavo é
“o poder do anticristo derradeiro, prefigurado pelo pequeno chifre em Daniel e
claramente anunciado por Paulo em 2 Tessalonicenses 2.355”.'
Mas a maioria dos preteristas (veja Int., “Interpretação”)
interpreta essa passagem como uma referência aos sucessivos imperadores
romanos, embora nem sempre concordem nas identificações. Há, no entanto, uma
concordância geral em relação aos cinco que caíram. Eles são
Augusto (27a.C.-14d.C.); Tibério (14-37); Calígula (37-41); Cláudio (4154);
Nero (54-68). Três imperadores menores, que reinaram pouquíssimo tempo, são omitidos.
Isso nos leva ao sexto, o que é, Vespasiano (69-79). E aquele que ainda
não é vindo, Tito (79-81), que durou somente pouco de tempo. O oitavo é
então Domiciano (81-96).
O problema com essa interpretação é que parece
colocar o autor de Apocalipse no tempo de Vespasiano. Na Introdução mencionamos
que a época provável da composição do livro de Apocalipse foi o reinado de Domiciano.
Para resolver essa situação, alguns estudiosos, de maneira arbitrária,
consideraram Domiciano aquele que é, e Trajano (98117), aquele que ainda
não é vindo. Para isso precisamos deixar de fora os dois imperadores
flavianos, Vespasiano e Tito. Mas Domiciano também era flaviano. Felizmente, há
uma concordância considerável em que o oitavo rei é o Anticristo.
Muitos, no entanto, identificam o oitavo como Nero, porque ele é
chamado de a besta.
Uma nova solução muito útil é oferecida por Rist. Ele
sugere que os cinco são aqueles que foram divinizados oficialmente pelo
Senado Romano. Esses seriam César, Augusto, Cláudio, Vespasiano e Tito.
Domiciano seria então aquele que é, o imperador reinante. Aquele que ainda
não é vindo seria “o Anticristo Nero”.'
Barnes, como historicista, entende que reis
se refere a sucessivas formas do governo romano: reis, cônsules,
ditadores, decênviros, tribunos militares e imperadores. Ele diz: “Desses,
cinco tinham falecido na época em que João escreveu o Apocalipse; o sexto, o
imperial, estava então no poder, e era do tempo de César Augusto”.' O oitavo
é “o poder papar.”'
É muito difícil apresentar uma interpretação futurista
desses detalhes. Tudo que podemos dizer é que eles se referem a
organizações e pessoas no fim desta era.
Os dez chifres são identificados como dez reis, que ainda não receberam o reino,
mas receberão o poder como reis por uma hora, juntamente com a besta (12).
Afigura é tirada de Daniel 7.24. Swete apresenta uma boa interpretação preterista:
“Os 'dez reis' pertencem a um período que nos tempos de João ainda era
remoto; eles pertencem, como a sequência vai mostrar, aos últimos dias do
Império Romano, e representam as forças, que, surgindo do prôprío Império,
como chifres da cabeça de uma besta, e perpetrando muitas das piores tradições
do Império, usariam sua força contra Roma e promoveriam a sua derrocada”.1”
A aplicação historicista dada por Barnes é à
vida curta dos governos que surgiram na Europa durante e depois das invasões
germânicas da Itália.' Os futuristas enxergam uma confederação de dez
reis no fim desta era, todos favoráveis ao Anticristo.
Essa última sugestão se baseia na declaração
seguinte: Estes têm um mesmo intento e entregarão o seu poder e autoridade
à besta (13). Isso poderia, no entanto, referir-se aos reis vassalos do
Império Romano. Barnes, o historicista, resolve esse problema mais
difícil ao fazer a besta representar o papado, a quem todos dão apoio.
Essas marionetes da besta combaterão contra o
Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá (14). A figura do Cordeiro como
Conquistador poderoso é um dos paradoxos impressionantes do livro de
Apocalipse.
O Cordeiro é o Senhor dos
senhores e o Rei dos reis. O primeiro líder de Israel, Moisés, declarou: “Pois
o SENHOR, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores” (Dt 10.17).
Esse texto é repetido em Salmos 136.2-3. Em Daniel 2.47, Ele é chamado de “Deus
dos deuses” e “Senhor dos reis”. Paulo fala do Pai como “Rei dos reis e Senhor
dos senhores” (1 Tm 6.15). Mas o fato impressionante é que em Apocalipse esses
títulos são aplicados ao Filho de Deus. A expressão aqui ocorre novamente em
19.16. Esses títulos tinham sido reivindicados pelos reis babilônicos. Mas o
significado especial aqui é que Domiciano, o imperador reinante, era chamado de
“Senhor e nosso Deus”. Para os cristãos, isso era pura blasfêmia. Somente o
Cordeiro, o Senhor deles, era o Senhor de todos.
Os seguidores do Cordeiro são chamados, eleitos e
fiéis. Isso oferece um excelente esboço para a pergunta: “O que é um Cristão?”.
Ele é 1) chamado por Deus para a salvação; 2) escolhido por Deus, ao aceitar a
salvação oferecida em Cristo; 3) fiel em obediência ao seu chamado e escolha.
O anjo agora apresenta mais uma explicação. As
águas que viste, onde se assenta a prostituta, são povos, e multidões, e
nações, e línguas (15). “As águas sobre as quais a prostituta estava
assentada (v. 1) representavam as inúmeras populações do Império”.'“ A relação
desse versículo com o seguinte é explicada da seguinte forma por Swete: “A
cidade-prostituta estava assentada à margem da inundação agitada [...] as
raças poliglotas do Império, o apoio e força dela no presente, mas se elas se
insurgissem, como em alguma época futura pode ocorrer, seriam um instrumento
certo e rápido de destruição”.169
E assim lemos que os dez chifres da besta aborrecerão
a prostituta, e a porão desolada e nua, e comerão a sua carne, e a queimarão no
fogo (16). Com frequência, observamos um amor apaixonado se transformar
subitamente em um ódio impetuoso. Isso não ocorre apenas com indivíduos (cf. 2
Sm 13.15), mas também com nações. Em nossos tempos tivemos a demonstração de
Hitler voltando-se violentamente contra o seu aliado, a Rússia. Assim, os
aliados de Roma se voltarão subitamente contra ela e a destruirão. A obra densa
de E. Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire (O Declínio e
Queda do Império Romano), fornece uma documentação rica para a linguagem desse
versículo.
Por que isso aconteceu? Porque Deus tem posto em
seu coração que cumpram o seu intento [...] até que se cumpram as palavras de
Deus (17). A palavra para intento é gnome, que normalmente
significa “um meio de conhecer”. Mas aqui é usado no sentido de “propósito
régio” ou “decreto”. A soberania divina cuidará para que o amor divino seja levado
a cabo para o bem final da humanidade.
Finalmente, a mulher é identificada como a
grande cidade que reina sobre os reis da terra (18). A referência a Roma
por João não pode ser questionada.
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