Estudo sobre Romanos 6:2
Romanos 6:2
Paulo rejeita de duas maneiras a objeção do v. 1. Primeiramente, ressoa sua palavra de repulsa mais aguda: De modo nenhum! A essa ideia ele de forma alguma responde com “amém”. Contudo, à repulsa instintiva agrega-se seu argumento lógico: nós os que para ele morremos. Essa declaração perpassa todo o trecho como um fio condutor (v. 2,5,6,7,8,11). Se não compreendermos nada nesse ponto, o trecho todo não poderá causar impacto. Por isso é necessário decifrar com cuidado e detalhamento especial a metáfora recorrente em Paulo, referente a morrer espiritualmente.
É possível abordar o morrer de diversas maneiras. Para quem está morrendo e para seus familiares, o aspecto psicológico pode ocupar o primeiro plano (despedida, dor, perda, luto). Porém Paulo nem sequer está pensando em algo triste. O médico que tem a tarefa de fornecer a certidão de óbito encara a morte sob o aspecto clínico. Paulo, no entanto, tem em mente as decorrências legais de um falecimento, o que se torna especialmente evidente em Rm 7.1-6. No exato segundo em que a morte acontece, cai por terra qualquer reivindicação diante do falecido. Ninguém pode exigir mais nada dele. Autoridade financeira, credor ou executor penal podem buscar algo somente dos vivos. Os mortos escapam a todo sistema de compromissos. Em Jó 3.18,19: na morte “os presos juntamente repousam… e o servo fica livre de seu senhor” (rc). Morrer muda radicalmente a situação legal. Morrer é libertação. “Morremos para o pecado!” é um grito de liberdade.
Nos versículos subsequentes o quadro é consideravelmente enriquecido: três das seis ocorrências enfatizam que esse morrer não constitui nenhum acontecimento solitário: “fomos unidos com ele na semelhança da sua (de Cristo!) morte” (v. 5), “foi crucificado com ele o nosso velho homem” (v. 6), “morremos com Cristo” (v. 8)31. Como Cristo morreu na cruz, a conseqüência para a nossa participação na sua morte é que não podemos executar esse morrer em nós próprios. Tecnicamente e também como metáfora, a autocrucificação é impossível. Ninguém pode movimentar pessoalmente o martelo para afixar as próprias mãos na cruz. Mas há muitos fiéis que se contorcem dessa maneira a fim de morrerem para o pecado. Seu objetivo é torturar-se por meio de severa autopunição, depreciando-se a si próprios, chorando, praticando ascese ou procedimentos especiais, dos quais acreditam obter efeitos mágicos. Ou se convencem amargamente que estão real e totalmente mortos para o pecado. No entanto, a questão é de mera intervenção externa. Ao aceitarmos na fé o Cristo anunciado, Deus não apenas aceitou nossa decisão, mas também fez algo. Ele nos “selou” pelo Espírito Santo. Na Antiguidade costumava-se tatuar escravos recém-adquiridos com uma marca de propriedade (cf Rm 8.9b,14-16; 2Co 1.22; Ef 1.13; 4.30). Por meio da dádiva divina de pertencermos ao crucificado fomos legalmente expatriados do reino do pecado e transferidos para a esfera de poder e bênção de Cristo. Uma nova órbita em torno de outro sol nos liberta para uma vida alternativa. “Andemos nós em novidade de vida” ou “servimos em novidade de espírito” (v. 4b; 7.6).
No entanto: somos nós os que “morremos”, o reino do pecado porém continua existindo. Suas estruturas nos cercam, como antes, de todos os lados. Mais ainda: o mal age como se fôssemos subordinados a ele. Ele se apresenta imponente diante de nós, para nos impressionar e acovardar. Ele nos assedia, a fim de extenuar a nossa fé, até que voltemos a funcionar como antigamente. Porém, cumpre oferecer resistência aqui mais do que nunca. Não temos mais nenhuma obrigação com esse sistema (Rm 8.12). Mas, reiterando: o poder do pecado ainda está aí. Ele possui tanta força que nenhum fiel a Deus deveria brincar com ele. Em 1Co 10.12 lê-se: “Portanto, aquele que pensa que está de pé”, firme na fé como um abrigo antiaéreo, capaz de dar conta de qualquer tentação, p. ex., permitindo-se contemplar sorridente os quadros mais sujos, “é melhor ter cuidado para não cair” (blh). No entanto, por maior que seja a força deste poder, ele não tem legitimidade. Suas demandas a nós são ilegais. Nosso Senhor legal é Cristo.
Retornemos agora à seqüência do pensamento. O que parecia ser a conclusão lógica no v. 1, examinado à luz do sol, desfaz-se em nada: Como viveremos ainda no pecado, já que ninguém pode viver duas vidas ao mesmo tempo! Paulo chegou a essa clareza quando iluminou da maneira mais completa as conseqüências legais da ação na cruz. Nos capítulos anteriores líamos: Cristo morreu por nós. Agora acrescenta-se: e nós morremos com ele.
Por se tratar do pensamento condutor de todo o trecho, conscientizamo-nos mais uma vez do lugar que este “morrer” tem na biografia de um ser humano. Paulo o martelou exaustivamente desde Rm 1.16: tudo na fé, pela fé, a partir da fé, para a fé! O texto de Rm 5.2 resumiu-o assim: ter acesso pela fé à graça integral. Quando chegamos a crer, Deus não nos dá primeiramente o dedo mindinho, a fim de conceder a totalidade somente como acréscimo, somente num tratamento especial. No momento central da experiência da salvação em Cristo, ele se doa pessoal e integralmente. Cumpre-se o que diz Jo 5.24: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou… passou da morte para a vida”.
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Romanos 6:2