Apocalipse 21 — Comentário Literário da Bíblia

Comentário Literário da Bíblia




Apocalipse 21

21.1 A última visão de Apocalipse é um retrato magnífico da nova criação, descrita, conforme irem os argumentar, como equivalente à Nova Jerusalém , ao templo cúbico escatológico e ao Éden do final dos tempos, a moradia eterna do povo de Deus. O novo cosmo será u m a identificável contrapartida do antigo e um a renovação deste (Harrisville 1960, p. 99-105), assim como o corpo será ressuscitado sem perder a identidade anterior (Farrer 1964, p. 213; Sweet 1979, p. 297 [v. b. Sanh. 92a-b; Midr. de SI 104.24, que veem a futura ressurreição do corpo com o parte da grande “renovação” da terra]). A antítese qualitativa entre o primeiro mundo e o segundo é destacada em Isaías 65.17 e 66.22, que estão por trás das palavras utilizadas em Apocalipse 21.1. Observe Isaías 65.17 LXX: “Haverá um novo céu e nova terra; e eles de m odo algum se lembrarão dos antigos” (cf. 66.22). O quadro descrito em Isaías 65.16-18 faz um contraste qualitativo entre a terra “antiga”, onde ocorreu a “primeira aflição” do cativeiro, e os “novos céus e nova terra”, onde haverá apenas “alegria” e “júbilo” duradouros. O texto de Isaías 66.22 afirma que u m a das diferenças qualitativas é que “o novo céu e a nova terra durarão ” para sempre, em contraste com os antigos, que foram extintos. A cena descrita em Apocalipse 21.1 retrata o cumprimento futuro das duas profecias de Isaías sobre a nova criação. O judaísmo também concebia a nova criação com o uma substituição ou renovação da criação antiga (v. J h 1.29; 4.26; lE n 45.4-5; 2 B r 32.1-6; 57.2; 4 E d 7.75; Tg. Ps.-J. Dt 32.1; Tg. de Hc 3.2). |21.2 O novo mundo que em 21.1 substitui o antigo é agora, em 21.2, chamado “a cidade santa, a Nova Jerusalém ”. Não é surpresa que a expressão aqui v e n h a de outra passagem de Isaías: “Jerusalém , cidade santa” (52.1b). A imagem de casamento nos contextos do AT das d u as alusões anteriores, Isaías 52 e 62, vem à tona ao final de 21.2: a cidade agora é vista “como uma noiva adornada para o seu marido” (NVI). O texto de Isaías 61.10 LXX personifica Sião em perfeito estilo profético: “Ele me adorna com ornamentos como uma noiva ” (a passagem de Is 62.5 também usa “noiva ”, com o metáfora para o povo de Israel). O segundo versículo de Apocalipse 21 garante que as promessas de Isaías se consumarão no novo cosmo.

21.3 À luz das próximas referências ao templo de Ezequiel 40— 48 (cf. 21.9—22.5), a promessa de Ezequiel 43.7 ecoa e se cumpre em 21.3: o templo do final dos tempos será o lugar em que Deus “habitará [kataskenõsei] no meio dos israelitas para sempre”. O textos de Levítico 26.11,12 e Ezequiel 37.26-28 (cf. Zc 2.10,11) equacionam essa habitação final de Deus no meio de seu povo com a vinda do tabernáculo dos últimos dias (assim J b 1.17 29; 2Co 6.16; Ap 7.15; 21.3 a,22). Assim, 21.3 agora interpreta a visão da nova criação de 21.1 e a visão da N ova Jerusalém de 21.2 com o “o tabernáculo de Deus [...] entre os homens [todos os crentes que habitam na nova criação] ”.

21:4 Em 21.4, encontra-se u m cumprimento da profecia de Isaías 25.8: “O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todos os rostos” (v. comentário de 7.16,17). O mesmo versículo em Isaías diz que isso será um consolo pela “morte”, que antes “prevalecia”, durante o cativeiro de Israel no mundo, o que dá origem à menção ao seu banimento em 21.4 (v. Fekkes 1994, p. 254). Também estão em m ente Isaías 35.10 e 51.11 LXX, que predizem que “o pranto, o lamento e a dor fugirão”. Não é por coincidência que no versículo anterior, Isaías 51.10, o profeta reflita sobre o primeiro Êxodo, quando Deus fez o “mar” passar/secar (sobre o qual, v. Ap 21.1): “Não foste tu que secaste o m ar, as águas do grande abismo? Quem fez do fundo do mar um caminho, para que os remidos p assassem por ele?” (51.10). A conclusão de 21.4, de que “as primeiras coisas já passaram”, continua a alusão a Isaías 35 e 51, ao mesmo tempo em que relembra Isaías 65.17 (com Is 43.18). O paralelismo entre 21.1 e 21.4 é outra vez confirmado quando observam os que as duas expressões em torno da dissolução cósmica são a causa (as conjunções gregas gar e hoti, respectivamente) das novas condições do mundo. Nesse sentido, Isaías 65.19 provavelmente é com binado com Isaías 35 e 51, pois também afirmam que na nova criação “nunca m ais se ouvirá voz de choro nem voz de clamor” (v. comentário de 21.1). Da mesma forma, Isaías 65.20a diz que “ali não haverá mais” mortes desnecessárias, com o na velhice. Consequentemente, até mesmo a fórmula “não haverá mais” deriva de Isaías 65.19,20 (Fekkes [1994, p. 254] parece entender que a fórmula é baseada no hebraico de Is 65.19,20). As previsões de Isaías mais uma vez encontram seu cumprimento na nova criação.

21:5 Deus diz: “Eu faço novas todas as coisas”. Repetem-se aqui pela terceira vez as profecias de Isaías sobre a nova criação. Em 21.1, invoca-se a Isaías 65.17 e 66.22; em 21.4b acha-se um a alusão a Isaías 65.17 e 43.18; e 21.5 extrai de Isaías 43.19 LXX a frase: “Eis que faço coisas novas”, (cf. Is 66.22).

21:6 Isaías 49.10 dá continuidade a uma seqüência de profecias e constitui a base para a recompensa com água p ara a subsistência, que é um a metáfora da vida eterna.

21:7 A menção a “herdar” as bênçãos prometidas na profecia davídica de 2Samuel 7.14 dá a entender a existência de um a inspiração adicional da profecia de Isaías 55.1-3, em que Deus promete a quem tem “sede” (55.1) que fará com Israel “um a aliança eterna, dando-vos as fiéis misericórdias prometidas a Davi” (55.3) (assim Kraft 1974, p. 265).

21:9,10 Em 21.10, há um a combinação de Ezequiel 43.5 LXX (“E o Espírito me levantou”) e 40.1,2 LXX (“A mão do Senhor veio sobre mim e me levou [...] e me pôs sobre um monte muito alto, e nele havia, por assim dizer, o edifício de uma cidade diante de mim”). Essa combinação indica sem dúvida que a visão seguinte, em Apocalipse 21.10—22.5, deve ser identificada com a culminação profética da bem-aventurada visão do futuro templo, de Ezequiel 40— 48, que estava localizado “sobre um monte muito alto ”. O anjo transporta João “a um monte grande e alto ”, onde a nova cidade-templo provavelmente está localizada, um a vez que a profecia do AT entendia que a Jerusalém futura estaria assentada sobre um alto m o n te (Is 2.2,3; 4.1-5; 2 5.6—26.2; M q 4.1,2; cf. SI 48.2; Jb 4.26).

21:11 À luz das claras alusões a Isaías 40—66 em 21.1—22.5, a referência à “glória” de Deus necessariamente deriva de Isaías 58.8 e 60.1,2,19, em que há um a descrição profética da “glória do Senhor ” instalada na Jerusalém dos últimos dias (para alusões a Is 40—66, v., e.g., 21.1,2,4,5,19-21,23-26; 22.5). A “cidade santa, Jerusalém ” possui “a glória de Deus” e a glória dela “resplandecia como um a pedra muito preciosa, como se fosse jaspe cristalino”. Isso também está relacionado com a descrição profética de Ezequiel 43.

21:12, 13 A ampla estrutura da cidade (21.12— 22.5) é baseada na visão de Ezequiel 40—48, que profetiza o padrão do futuro templo (40—44), bem com o a disposição da cidade escatológica e as divisões da terra em torno do com plexo do templo (45—48). Além disso, 21.12—22.5 ainda interpreta o cumprimento da profecia de Ezequiel através da união do Templo, da cidade e da terra antigos numa única imagem do final dos tempos que retrata a realidade singular da presença de Deus e da com unhão com seu povo na incessante nova criação. A primeira parte da estrutura da cidade que João vê, um “muro ” com “portas”, dá prosseguimento às alusões a Ezequiel 40, iniciadas em 21.10,11. Observe Ezequiel 40.5,6: “Havia um muro ao redor do templo [...]. Então ele veio à porta ...”. As múltiplas portas do templo de Ezequiel 40 e as doze portas da cidade listadas em 48.31-34 estão unidas, na visão de João, n u m único grupo de doze portas dispostas ao redor de um a única cidade-templo. Como na cidade de Ezequiel 48.31-34, há quatro grupos de três portas, cada trio de portas voltado para o leste, norte, sul e oeste, respectivamente (em bora a lista de Ezequiel mencione primeiro o norte e depois o leste). Além disso, cada um a das portas de Ezequiel e de João ostenta um dos nomes das doze tribos de Israel. João também é influenciado por Ezequiel 42.15-19 na cena em que o anjo mede primeiro a porta do leste, depois as do norte e sul e por fim a do oeste (v. Kiddle & Ross 1940, p. 427; Caird 1966, p. 271-2).

21.15 A cena em que um ser angelical usa uma haste de ouro com o padrão para medir a cidade-templo também alude a Ezequiel (40.3-5). Isso com prova outra influência do modelo da visão de Ezequiel 40—48, em que o ato de medir significa o futuro estabelecimento e a segurança da nova cidade, que são retratados com o finalmente alcançados aqui.

21.16 Em seguida, João percebe que a cidade “era quadrangular [lit. ‘com quatro cantos’] ”. Ele também vê um anjo, que “mediu a cidade com a haste ”, e seu comprimento, sua largura e sua altura eram iguais. A cena outra vez remete ao retrato de Ezequiel, em particular, Ezequiel 45.2,3, em que se afirma que todo o com plexo do templo “ocupará um quadrado” e que o profeta medirá o comprimento e a largura “dessa área santa”. Durante a descrição da m edição da área do templo (Ez 45.1-5) e da cidade (Ez 48.8-13), aparece sempre o refrão “de comprimento [...] de largura” (de modo semelhante, Ez 40 [para um a descrição d a estrutura quadrangular do templo de Ezequiel, v. McKelvey 1969, p. 9-10]; cf. Zc 2.2). Impressionante também é a medida “igual” de comprimento, largura e altura do lugar santíssimo no Templo (v. lR s 6.20; cf. 1QS VIII, 5-9; J b 8.19), que juntamente com Ezequiel poderia fazer parte do contexto aqui (assim Caird 1966, p. 272-3). As dimensões do lugar santíssimo, em IReis 6.20, podem estar em primeiro plano aqui.

21:18-20 O ouro intensifica o atributo da cidade de refletir a glória de Deus. Essa característica baseia-se parcialmente em IReis 6.20-22, em que não apenas o santuário interior e o altar estavam revestidos de ouro; Salomão também “revestiu de ouro puro todo o templo” (Farrer 1964, p. 218; Beasley-Murray 1974, p. 324). A lista das doze pedras que ad ornam os fundamentos do muro é baseada em Êxodo 28.17-20 (tb. 39.8-14), que descreve as doze pedras no “peitoral do juízo” do sumo sacerdote. O peitoral era a bolsa que continha o Urim e o Tumim. Oito pedras são idênticas às pedras preciosas mencionadas aqui, em 21.19,20, enquanto as pedras que recebem denominação diferente são equivalentes sem ânticos das pedras de Êxodo (para essa argumentação, v. Caird 1966, p. 274-5). Escrito sobre cada pedra do peitoral estava um dos nomes das doze tribos de Israel (Êx 28.21; 39.14). O sacerdote levava “os nomes dos israelitas no peitoral do juízo [...] quando [entrava] no lugar santo, para memorial contínuo diante do Senhor ”. Portanto, essas pedras simbolizavam todo o Israel, de m odo que o sacerdote em suas atividades no culto representava a nação inteira n a presença de Deus no Templo. Com o no restante de Apocalipse, figuras antes aplicadas a Israel são agora aplicadas à igreja de judeus e gentios, que fazem parte do com plexo da cidade-templo. A noção de que os fundamentos da cidade são com postos de pedras preciosas, não apenas decorados com elas, é indicada por Isaías 54.11,12, a que 21.18,19,21 faz alusão: “Eu assentarei as tuas pedras com turquesa e lançarei os teus alicerces com safiras. Farei as tuas colunas de rubis, as tuas portas de berilo, e toda a tua muralha de pedras preciosas”.

21:22 O AT profetizou que um templo seria reconstruído na renovação de Jerusalém. No entanto, João diz: “Nela [na Nova Jerusalém ] não vi santuário”. Não é que João não tenha visto nenhum templo: o que ele não viu foi um edifício material, como o antigo Templo de Israel. A razão de ele não ter visto um templo material na cidade é que “seu santuário [naos] é o Senhor Deus todo-poderoso e o Cordeiro”. Mais precisam ente, a gloriosa presença de Deus e do Cordeiro preencheram a nova criação, antes isolada no lugar santíssimo e no templo celestial. É por isso que a Nova Jerusalém é retratada com o um cubo, porque essa era a forma do lugar santíssimo no antigo Templo de Israel, m as agora a presença gloriosa de Deus, antes limitada àquela área do Templo, jorrou e encheu o novo cosmo (sobre o qual, v. adiante o excurso “A abrangência universal da paradisíaca cidade-templo”). O templo retratado em quatro extensos capítulos da profecia de Ezequiel (40—43) é agora resumido e interpretado por um a breve declaração: Deus e o Cordeiro são o templo (v. Glasson 1965, p. 120). O texto de Ageu 2.9 profetizou que a “glória deste novo templo será maior que a do primeiro”, e Jeremias 3.16,17 predisse: “Nunca mais se dirá: A arca da aliança do Senhor! Ela não mais lhes virá ao pensamento, nem dela se lembrarão, nem a visitarão, nem se fará outra. N aquele tempo chamarão a Jerusalém o trono do Senhor, e todas as nações nela se reunirão por causa do nome do Senhor”. Assim , o texto de Jeremias afirma que, no futuro escatológico a presença de Deus no lugar santíssimo se estenderá por toda a Jerusalém e se tornará igual a ela. À luz do retrato de 21.22, João provavelmente entendeu que essas profecias do AT serão cumpridas por Deus e Cristo, que substituirão o antigo templo material e a arca por sua gloriosa habitação, a qual ofuscará a glória do antigo Templo.

21.23 O texto de todo o versículo é baseado diretamente na predição de Isaías 60.19 (em bora o retrato profético semelhante da glória de Deus em Is 24.23 possa figurar aqui em segundo plano): “O sol não te servirá m ais para luz do dia, nem a lua te iluminará com o seu resplendor; mas o Senhor será a tu a luz para sempre, e o teu Deus será a tu a glória” (v. tb. Is 60.20; 24.23).

21.24-26 Esses versículos também fazem alusão a Isaías 60, ao mencionar as nações andando pela (ou na) luz da cidade (60.3) e trazendo suas riquezas (60.5) e ao informar que as portas da cidade estarão sempre abertas (60.11). O capítulo 60 de Isaías desenvolve ainda Isaías 2.2,5 — “todas as nações correrão” para Sião, e os israelitas devotos andarão “na luz do Senhor ” — , também presente no contexto de 21.24 (v. Bauckham 1993a, p. 314-5). Na conclusão da predição de Isaías 60, a cena prevê um tempo em que todas as nações devotarão seus dons e suas energias na adoração ao único Deus verdadeiro, não m ais aos ídolos.

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