Estudo sobre Filipenses 4:10

Estudo sobre Filipenses 4:10


Mais uma vez temos o privilégio de sentir toda a vitalidade de uma carta de Paulo. Ela não constitui apenas um tratado doutrinário em forma de carta. Em toda a carta está em jogo a vida inteira da igreja, que liga de forma indissociável o conhecer e o crer, a ação e a esperança. Paulo e os receptores da carta estão interessados na existência real, não no âmbito especial “religião”, embora evidentemente sejam “santos” em toda essa existência. Por isso o final da carta – e somente o final, mas ainda assim de forma suficientemente detalhada – aborda uma questão específica entre Paulo e os filipenses: Paulo passa o recibo de uma dádiva que a igreja lhe enviara através de Epafrodito para seu sustento pessoal. A maneira como ele formula esse “recibo” – essa “gratidão sem agradecimento”, como já disse alguém, a maneira como ele unifica “coisas terrenas” e “coisas espirituais” de forma direta e natural, grata apreciação da dádiva e plena liberdade dela, a maneira como emprega termos técnicos da vida comercial com refinado humor, para apesar disso dizer o contrário de tudo que seja comercial, isso é tão característico para Paulo e tão exemplar para nós que também esse trecho se transforma em presente do Espírito Santo para nós. Aqui aprendemos no exemplo concreto algo sobre “andar como tendes a nós como tipo” (Fp 3.17) e do “considerar o que é verdadeiro e digno, correto e puro, amável e convidativo”. Vemos aqui diante de nós como um “santo” lida com “dinheiro” de maneira santificada e natural.


Por princípio, Paulo rejeitava receber sustento pessoal das igrejas. Naquele tempo em que havia numerosos pregadores itinerantes, e muitos deles um tanto questionáveis (cf. acima, p. 251), ele visava proteger de antemão sua proclamação contra qualquer suspeita de segundas e interesseiras intenções. Por essa razão ele trabalhava com as próprias mãos para conseguir o pouco de que necessitava para viver. Assim Paulo ao mesmo tempo também propiciou um poderoso exemplo para a igreja no mundo grego, que desprezava o trabalho manual; cf. 1Ts 2.9; 2Ts 3.6-15. Uma das acusações mais estranhas contra o cristianismo é a de que ele despreza o trabalho. No entanto, diante da propaganda anti-semita cabe lembrar que foram os gregos arianos que consideravam o trabalho físico abaixo de sua dignidade, enquanto todo rabino judeu tinha de aprender um ofício. Para ele, privações, pobreza e sofrimentos eram parte inseparável do serviço apostólico (1Co 4.9 ss; 2Co 6.4ss). Unicamente aos filipenses ele permitiu que abrissem uma “conta de reciprocidade” (“prestação de contas de ativo e passivo” é o termo técnico comercial daquela época). Sim, desse modo os filipenses se tornaram “sócios” de seu “empreendimento”! Do contrário as igrejas continuam sendo somente as que recebem e Paulo apenas o que dá, embora Paulo enfatizasse o direito dos mensageiros de receber subsistência das igrejas (1Co 9.4-14). Não obtemos a informação dos motivos que levaram Paulo a abrir uma exceção para os filipenses. Deve ser parte da cordialidade especial do amor que sentimos desde o começo da carta. Justamente por isso essa definição de Paulo sobre a preferência dada a seus amados, nos termos do mundo comercial, é uma formulação tão afetuosa: somente vocês ingressaram no negócio com prestação de contas mútua! Para nós, porém, é importante que Paulo, apesar de persistir em sua convicção diante dos coríntios (2Co 11.7-12; 12.13), não era homem de meros “princípios”, mas manteve a liberdade de ação. Por isso os filipenses já o sustentaram “uma ou duas vezes” na Tessalônica. Aliás, essa informação sugere que teremos uma ideia errada se At 17.2 nos levar à conclusão de que Paulo permaneceu apenas três semanas na Tessalônica. Sua permanência com certeza deve ter durado mais tempo se durante aquele período foi beneficiado diversas vezes por um auxílio enviado pelo grupo em Filipos. Paulo designa aqueles dias como “começo do evangelho”. Novamente, assim como no v. 3, a palavra “evangelho” não é usada apenas para o conteúdo da mensagem, mas também para sua eficácia, de sorte que ela se torna praticamente definição de uma “época” (cf. acima, p. 259). De forma análoga, p. ex., um pai poderia escrever a seu filho: “No começo dos estudos eu te aconselhei…” (Ewald). De 2Co 11.8s se depreende que os filipenses continuaram enviando seu auxílio também durante o trabalho de Paulo em Corinto.