Estudo sobre 1 Coríntios 11:22-23

1 Coríntios 11:22-23

Aquele a quem importava o comer e beber em si, e não a refeição conjunta, pode e deve ficar em casa para isso. “Não tendes, porventura, casas onde comer e beber?” é a pergunta aos abastados na igreja, que têm a verdadeira culpa pela situação intolerável. “Ou menosprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm?” Num contraste radical com a primeira igreja (At 2.44s; 4.32-35) havia na igreja em Corinto “os que nada têm” e, por consequência, “passam fome”. Isso já significava um “menosprezo à igreja de Deus”. Aqui não se via mais a “igreja de Deus” e que ela forma uma unidade, não devendo tolerar que em seu meio pessoas sofram fome, enquanto outros vivem na opulência. O desprezo da igreja, porém, se tornava completamente terrível quando o membro necessitado da igreja ainda tinha de ver exposta, sem defesa, sua pobreza, e quando desse modo sua carência era transformada em “humilhação”, em “vergonha”. “Envergonhais os que nada têm.”

O israelita Paulo não conhecia isso de suas congregações judaicas. Perplexo ele se depara com o quadro: “Que vos direi?” Será que também nesse ponto a igreja ainda pretende ser “elogiada” por seu apóstolo?

“Neste ponto eu não vos louvo” [TEB]. Quando Paulo não elogia a igreja, mas fala com ela com seriedade assustadora sobre esses males na ceia do Senhor, a igreja precisa ter em mente que Paulo é uma pessoa amarrada em seu julgamento. Afinal, a “ceia do Senhor” não é sua própria invenção e instituição, sobre cuja configuração ele também possa decidir pessoalmente. Não, “porque eu de minha parte recebi do Senhor o que também transmiti a vós” [tradução do autor].


Paulo emprega as antigas e conhecidas fórmulas de seu passado judaico e rabínico. “Recebido de…” e “transmitido a…”, assim se processava todo o ensino entre os rabinos. E nisso havia uma verdade que tampouco o Paulo convertido precisava deixar de lado. Quem não constrói sua própria visão religiosa do mundo, quem tampouco encontra a divindade em compenetração subjetiva e mística, mas quem crê no Deus vivo que conduz sua poderosa história de salvação através dos tempos, esse precisa tomar conhecimento dos “grandes feitos de Deus” pela “tradição”. Precisa “receber” essa tradição, e pode “transmiti-la” novamente a outros. É por essa razão que nós, como cristãos, temos até hoje os “livros históricos” do Antigo e Novo Testamentos, e por isso a Bíblia é, antes de tudo, um livro narrativo. É verdade que em Gl 1.12 Paulo diz sobre a mensagem salvadora: “Eu não o recebi de ninguém, e ninguém o ensinou a mim, mas foi o próprio Jesus Cristo que o revelou para mim.” De forma alguma posso “aprender” que Jesus de fato é o filho de Deus e meu Redentor. Isso precisa ser revelado a mim pelo Espírito Santo. Porém os episódios históricos na vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus também não foram comunicados a Paulo pelo próprio Jesus às portas de Damasco. Naquela hora o Senhor falou somente algumas poucas palavras (cf. At 9.5s). Nessa questão Paulo dependia das “tradições”. Por isso “recebeu” também o relato sobre a instituição da santa ceia “a partir do Senhor”,258 que instituiu pessoalmente a ceia, mas ainda assim através da corrente de testemunhas, assim como ele por sua vez o retransmitiu a suas igrejas.259


Notas:
258 O fato de que Paulo está usando a preposição apo e não para não significa necessariamente que tenha recebido diretamente do próprio Jesus o relato sobre a instituição da ceia do Senhor. Contudo aponta para a verdade de que o próprio Jesus é a fonte original à qual remontam todos os relatos na igreja.

259 Não cabe aqui abordar as diferenças entre as fixações escritas do relato de que dispomos em Mt, Mc, Lc e Paulo. São surpreendentemente pequenas. No aspecto meramente histórico, porém, aquilo que Paulo escreve aos coríntios é singularmente importante. Desde cedo Paulo passou esse seu relato às igrejas. Portanto ele já havia sido fixado poucos anos depois dos acontecimentos em si, e na forma textual escrita como nós agora a temos em mãos. Como, pois, é firme o chão histórico em que estamos alicerçados!