Estudo sobre 1 Coríntios 11:8-10
1 Coríntios 11:8-10
Não é provável que Paulo, ao falar da “rapada” tenha pensado na prostituta, como pensam diversos exegetas, inclusive A. Schlatter. Carecemos de todas as comprovações da época de que naquele tempo as prostitutas andavam de cabelo rapado. Para as moças levianas o penteado exuberante e artificial era bem mais plausível do que a cabeça rapada.245 Segundo o costume romano, porém, o homem tinha o cabelo curto ou até raspado. Quando a mulher tira o véu que a caracteriza como esposa, quando tenta ao máximo ser “igual” ao homem, que complete, pois, essa “masculinização” cortando o cabelo como um homem! Então terá atingido radicalmente seu objetivo. Obviamente essa execução radical também evidencia toda a impossibilidade e repugnância dessa tentativa. Com essa inferência extrema Paulo visa repelir o desprendimento do sólido costume feminino. Por isso afirma objetivamente na frase subsequente, expressamente conectada à sua afirmação do v. 5 por meio de um “pois”: “Pois, se uma mulher não se cobre, que também corte o cabelo; se, porém, é vergonhoso para uma mulher que seu cabelo seja cortado ou raspado, que se cubra” [tradução do autor]. Agora ficou claro que ao tirar o véu ela “desonra” seu “cabeça”, a saber, o marido. Com isso abandonou oficialmente a sujeição a ele e negou sua posição como esposa. Já não quer ser esposa de seu marido em sentido genuíno, mas colocar-se ao lado dele numa liberdade falsa. Ocorre, porém, que, de acordo com a ordem da criação, ela é a glória do homem. É isso que ela nega ao apresentar-se sem cobrir a cabeça, e assim “desonrou seu cabeça”.
A posição básica da mulher é vista por Paulo como explicitada pelo relato da criação. Paulo considera conjuntamente os dois relatos da criação em Gn 1.27 e Gn 2.18-24. “O ser humano”, criado “à imagem de Deus”, é por isso a princípio somente o homem. Unicamente ele procede diretamente de Deus. Isso se expressa no fato de orar com a cabeça descoberta. “Porque o homem obviamente não tem a obrigação de cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de Deus.” A mulher, porém, foi criada, segundo Gn 2.18, somente mais tarde “a partir do homem” e “por causa do homem”. “Porque o homem não foi feito da mulher, e sim a mulher, do homem.” Consequentemente a mulher é “a glória do homem” e tem no homem seu “cabeça”.
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A partir desse aspecto precisamos compreender também o difícil v. 10, para o qual no entanto não existe uma interpretação inequívoca e genericamente aceita: “Por isso a mulher tem a obrigação de trazer um poder sobre a cabeça por causa dos anjos” [tradução do autor]. Os coríntios sabiam o que Paulo queria dizer com essa frase sucinta e a que ele se referia com a expressão “um poder”, que a mulher tem obrigação de trazer na cabeça. Nós infelizmente não o sabemos. Deverá ser rejeitada a explicação que de acordo com Gn 6.4 considerava os anjos como entes sobrenaturais, contra cuja cupidez a mulher teria de se proteger por meio do lenço que encobria a cabeça. Nesse caso Paulo dificilmente teria falado simplesmente “dos” anjos. Na literatura rabínica não existe o menor indício de que naquele tempo o relato de Gn 6 tivesse sido relacionado com a atualidade, de qualquer modo que fosse. Para todos os comentaristas o que aquele texto relata continua sendo realmente um episódio “pré-diluviano”. Além do mais, nesse caso a frase ficaria completamente fora de contexto. O muito enfático “por isso” no começo da frase, porém, mostra que Paulo justamente deseja que se entenda a frase em correlação com a afirmação anterior. Essa afirmação salientava a submissão da mulher ao homem conforme a criação. É isso que a mulher expressa quando cobre a cabeça com o véu. Portanto, o “poder” seria a autoridade do homem reconhecida pela mulher ou a autoridade da mulher para orar e profetizar, a qual ela detém precisamente apenas quando se insere na ordem estabelecida pela criação. Os anjos, que no culto se ligam à igreja, cuidam dessa questão, favorecendo ou impedindo as orações da mulher conforme constatam sua obediência ou desobediência. Então a formulação abreviada, de que a mulher traz “na cabeça” sua “autoridade” para orar e profetizar justamente pelo fato de ali se encontrar o sinal de sua subordinação voluntária ao marido, evoca o paradoxo da frase de 1Co 9.18, onde o “salário” especial do apóstolo consiste justamente no fato de que ele não aceita salário por seu trabalho apostólico. A mulher tem a “liberdade” (exousia) para orar e profetizar justamente pelo fato de não se apoderar de nenhuma “liberdade”. Contudo, apesar dessas explicações precisamos nos precaver contra a possibilidade de que Paulo tenha imaginado algo bem diferente, com o que nós não atinamos porque não conhecemos suficientemente o universo mental da igreja daquele tempo.
Notas:
245 Também uma mulher leviana como a “pecadora” em Lc 7 chega a enxugar os pés de Jesus com seus cabelos.