Estudo sobre 1 Coríntios 4:10-13
1 Coríntios 4:10-13
Na sequência é caracterizado mais uma vez, com traços concisos e vigorosos, todo o contraste entre o apóstolo e a igreja: “Nós (somos) loucos por causa de Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós, fracos, e vós, fortes; vós, nobres (famosos), e nós, desprezíveis (difamados).” Não devemos entender isso como “ironia”. Se imediatamente em seguida Paulo assevera: “Não vos escrevo estas coisas para vos envergonhar; pelo contrário, para vos admoestar como a filhos meus amados” (v. 14), com certeza não trataria seus filhos amados com ironia antes disso. A causa é séria demais para tanto. Ele simplesmente relata fatos, como se apresentavam precisamente diante dos olhos dos próprios coríntios. Eles eram uma multidão respeitada na cidade. Eram considerados “sábios” e também acreditavam que “em Cristo” eles mesmos encontrariam uma sabedoria com que pudessem se mostrar entre seus concidadãos. Eles se impunham com vigor. Depois do rápido fracasso da investida judaica junto a Gálio (At 18.12-17) não se notava nada de perseguição e aflição. Nesse aspecto Corinto se encontrava numa posição única entre as igrejas da obra missionária paulina.
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Como era diferente a vida de Paulo e de seus colaboradores: “Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos.” Paulo conhecia necessidades exteriores muito rudes: fome, sede, vestimenta precária, maus tratos, migrações inconstantes, serviço desgastante no evangelho, além do trabalho artesanal para aquisição do necessário sustento pessoal. “Saciado, rico, régio”, não havia nada disso.
Sempre se espera deles, o que de fato também realizam, que façam o “mais” de acordo com a vontade de Jesus (Mt 5.47s): responder às ofensas com bênçãos, às perseguições com paciência sem defender-se, às calúnias com a palavra amável (v. 12s).
Apesar de tudo isso, porém, eles não aparecem como os “grandes santos” admirados e honrados, mas tornaram-se “como lixo121 do mundo, escória de todos até agora.” Isso é assim “até agora”. Até hoje nada disso mudou. Isso tampouco mudará na presente era. Essa é a realidade da vida e do serviço apostólicos.
Esse bloco nos defronta inevitavelmente com a pergunta: onde nós mesmos nos encontramos? Com os coríntios ou com Paulo? Será que temos de estremecer ao recordar que sabedoria, vida e glória no mundo de Deus aqui e agora somente poderão manifestar-se como loucura, morte e infâmia? Por que se pode encontrar tão poucas marcas “da vida e do serviço apostólicos” entre nós? Será que não reside aqui (e de forma alguma onde a teologia moderna o tenta localizar) o motivo pelo qual nossa pregação não possui poder nem eficácia? Mas também vice-versa: será que faltam entre nós os traços do sofrimento apostólico porque de fato não proclamamos mais com seriedade extrema a palavra da cruz, a palavra desafiadora da perdição e da redenção? Será que as perseguições e os sofrimentos se apresentarão imediatamente quando a antiga mensagem tornar a ser proclamada com conteúdo pleno?122
Índice:
1 Coríntios 4:10-13
Notas:
121 A expressão empregada também poderia ser extraída do linguajar religioso (cf. seu emprego na lxx), designando nesse caso o objeto de purificação cultual, o sacrifício expiatório. Nesse caso Paulo teria tentado dizer que os apóstolos são algo como “bodes expiatórios do mundo”. É benéfico trazer à presença o cenário contemporâneo que existe por trás das expressões usadas por Paulo. “De diversas cidades da região jônica nos vem o relato do costume de expiar a cidade no dia 6 do mês Targélio por intermédio de um sacrifício humano. Uma vez que para a eficácia desse ato cultual é necessário que o sacrifício expiatório aceite espontaneamente a morte, via de regra somente se encontrava dispostas aquelas pessoas para as quais a própria vida se tornara uma tortura, como famintos e miseráveis aleijados. A expectativa da boa alimentação com pão de trigo, figos e queijo, da qual, como um animal sacrifical no pasto, podiam desfrutar durante um ano, compensava-lhes o restante do amor pela vida. Somente a escória da humanidade deixava se levar à morte sacrifical. São eles os ‘deformados’, ‘para os quais a natureza foi uma madrasta hostil’, ‘os mais miseráveis’, cuja imagem surge diante dos olhos de antigos escritores quando recordam esse sacrifício expiatório. Nesse sentido as palavras que expressam esse conceito… se tornaram palavrões, dando vazão ao mais profundo grau de desprezo.” É o que escreve Hans Lietzmann, Handbuch zum NT, Tübingen 1949, p. 21.
122 Cf. a vida e atuação de Wesley, Whitefield, Martin Boos e muitos outros.