Estudo sobre 1 Coríntios 4:14-15

1 Coríntios 4:14-15

Que contraste Paulo descortinou diante dos coríntios! De um lado uma existência sem tribulações, grandiosa e satisfeita com a dolorosa divisão da igreja, de outro sua vida apostólica cheia de privações e sofrimentos, mas também plena de poder e eficácia. Não deveriam se envergonhar disso? A continuação do relacionamento entre o apóstolo e a igreja obviamente mostrou que de modo algum eles se envergonhavam, mas simplesmente não compreendiam Paulo e percebiam seus constantes sofrimentos como desnecessários e de certo modo errados e escandalosos para eles. Afinal, não é assim que deveria se parecer a vida de um emissário autêntico de Deus! O próprio Paulo deveria ser culpado de suas permanentes dificuldades e aflições. Aparentemente ele não era de fato um “autorizado”. Também na segunda carta aos coríntios que nos foi preservada Paulo repetidamente precisará tratar justamente dessa questão. Agora, porém, ele unicamente consegue imaginar que seus coríntios podem ler com um sentimento de envergonhada perplexidade essa contraposição da vida segura deles com o sofrimento dele. Contudo não era esse o alvo de sua correspondência. “Não vos escrevo estas coisas para vos envergonhar.” Não deseja que fiquem vexados diante dele. Isso levaria outra vez a comparações na direção errada. No entanto é óbvio que visa “admoestá-los”. Toda sua condição revela como ainda são “carnais”, quanto ainda são “verdadeiras pessoas” e não uma “nova criação”, repletos da mente de Cristo (1Co 2.16). Não é admissível que prossigam desse modo.

Paulo os admoesta123 justamente por serem “seus filhos amados”. Ambas as dimensões estão inseparavelmente ligadas. São e não deixarão de ser seus filhos amados, ainda que ele tenha de chamar sua atenção para tudo isso. E por outro lado, justamente por amá-los, ele não pode deixar que prossigam em seus caminhos falsos e prejudiciais, mas precisa tratá-los com toda essa dureza, levando-os ao caminho certo.


Eles não são seus filhos amados apenas no sentido figurado, mas num sentido bem real. “Pois (somente) eu, pelo evangelho, vos gerei em Cristo Jesus.” Agora fica claro que “evangelizar” é algo essencialmente diferente de “ensinar”. “Ensinar” diz respeito à “conduta” dos que creem, como veremos no v. 17. “Evangelizar”, porém, leva a um processo de vida que só pode ser descrito com as metáforas do “gerar” e do “nascer”. Aqui concede-se às pessoas uma nova existência “pelo evangelho”. Obviamente é preciso que para isso o evangelho venha às pessoas “não somente na palavra, mas também em poder e no Espírito Santo” (1Ts 1.5).124 O gerar acontece por intermédio do evangelho, mas “em Cristo Jesus”, ou seja, de tal modo que nesse ato Jesus é quem de fato age e atua, quem, pela autoridade de sua cruz e de sua ressurreição, arranca pessoas de sua vida perdida, transformando-as em filhas de Deus.

15a Por isso forma-se um vínculo singular e indestrutível entre aquele que teve o privilégio de “gerar” pessoas em Cristo Jesus por meio do evangelho e as pessoas que chegaram à fé através dele. Existe a “paternidade espiritual”, que é tão irrevogável como a natural. Não é possível anular o fato de que sou pai dessa criança ou que sou filho daquele pai, nem sequer quando os filhos se tornam adultos e entram na maioridade. Os coríntios devem levar em conta que um vínculo desse tipo os conecta a Paulo. “Porque, ainda que tivésseis dez mil disciplinadores em Cristo, não teríeis muitos pais” [tradução do autor]. Com razão uma pessoa renascida encontra, ao longo da vida “em Cristo” e sob sua direção, diversas pessoas que a “educam”125 e promovem; mas a ação “geradora” daquele que a levou a Jesus e a chamou da morte para a vida destaca-se como única e fundamental. Por isso a frase seguinte traz o ego enfático: “Somente eu” vos gerei por intermédio do evangelho, “somente eu” sou para vocês o “pai”.126



Notas:
123 Usa-se aqui o termo nouthetein, literalmente: “posicionar corretamente” o nous, i. é, o pensamento, que apresenta o significado de séria advertência de modo mais intenso do que o conhecido parakalein. Corresponde à nossa expressão “chamar atenção para”.

124 O batismo não é substituto para esse processo crucial. Paulo não escreve: “Pois em Cristo Jesus eu vos gerei através do batismo.” Na realidade ele mesmo batizou apenas poucas pessoas em Corinto. Mas gerou a todos para serem filhos de Deus por meio de sua evangelização.

125 O termo paidagogos, usado neste versículo, obviamente não designa o educador na acepção atual. O paidagogos era geralmente um escravo que tinha de instruir os filhos jovens sobretudo na disciplina exterior. Porém Paulo não deve estar dando atenção a isso agora. Seu interesse recai sobre o contraste “educador – pai”.

126 Também nós temos nas igrejas e congregações atuais “dez mil educadores”, visto que a maioria dos pastores e pregadores compreendem seu ministério como “educativo”. Onde, porém, estarão nossos “pais” e “mães” da igreja?