Estudo sobre 1 Coríntios 4:8-9
1 Coríntios 4:8-9
Na sequência são ditas frases de profundo impacto. Paulo vê diante de si toda a vida eclesial de Corinto e, ao lado dela, vê sua vida apostólica. Descortina todo o contraste diante dos coríntios. Considera a condição da igreja quase como o Senhor exaltado avalia a situação de Laodiceia (Ap 3.17), embora não possa nem deva falar do modo como compete unicamente ao Senhor Jesus. “Já estais saciados; já sois ricos; sem nós, sois reis!” [teb]. Porventura não devemos nós, como igreja de um Senhor desses, possuir tudo? Todas as evangelizações não nos prometem em vivas cores que Jesus nos torna ricos e felizes? O próprio Paulo não acabou de descrever toda a riqueza régia da igreja em 1Co 3.22: “Tudo é vosso”? É por isso que Paulo também não diz nenhuma palavra diretamente contra isso. Apenas o “já” anteposto contém a indagação crítica: será que “já” é hora de tudo isso? Será que tudo isso “já” nos é concedido dessa maneira no éon atual? Os coríntios julgam “antes do tempo”; será que não são também “reis” “antes do tempo? Estar “saciado” aqui e agora é perigoso (Laodiceia!). Pelo contrário, aqui são bem-aventurados os famintos, porque então ficarão verdadeiramente saciados no reino de Deus (Lc 6.21,25). Os “pobres”, não os “ricos”, são bem-aventurados (Lc 6.20,24). E somente na soberania de Deus seremos governantes reais. Também nesse caso Paulo viveu ambientado na palavra de Jesus! Simultaneamente recordamos o que foi exposto sobre o contraste diametral entre o mundo de Deus e este mundo (p. 63).
Paulo insere uma segunda observação crítica: vocês se tornaram pessoas muito grandiosas e gloriosas “sem nós”. Novamente ele se une completamente a Apolo. Será que a condição de uma igreja pode ser sadia se foi alcançada sem seus mestres e dirigentes autorizados? Será que o rebanho pode estar no lugar certo se estiver sem seu pastor? Paulo acrescenta: “Como eu gostaria que vocês realmente fossem reis, para que nós também reinássemos com vocês!” [NVI]. Se isso de fato já existisse agora, se já na presente era pudéssemos assumir essa posição de reis, se os coríntios pudessem evidenciar isso, então algo desse brilho também cairia sobre ele e Apolo. Então também eles, como servos de uma igreja tão gloriosa, “estariam com vocês na posição de reis”. Vocês, coríntios, na verdade chegaram tão longe “sem nós”. Agora, porém, nós, apóstolos, pelo menos alcançaríamos as alturas com vocês.
Agora, porém, a vida de um apóstolo é completamente diferente. Apóstolos são emissários credenciados do grande Rei.117 Em vista disso são na realidade “primeiros”. Compete-lhes algo como o primeiro lugar. No entanto, nada disso se pode constatar em sua vida exterior. Nela, pelo contrário, aparecem como “últimos”. Paulo é capaz de se incluir entre os demais apóstolos. Ainda que ele exiba uma medida especial de sofrimentos (cf. 2Co 11.23ss), também a trajetória dos demais apóstolos apresenta basicamente os mesmos traços. Mais tarde Paulo ainda há de falar aos coríntios a respeito da profunda necessidade desta característica da vida apostólica. Agora ele se limita a reter sua impressão: “A mim me parece que nos pôs a nós, os apóstolos, em último lugar.” Essa frase já menciona que, assim como os verdadeiramente sábios neste éon precisam ser “loucos”, assim também os “primeiros” no serviço de Deus, os apóstolos de Jesus, precisam aparecer neste mundo como “últimos”.118
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Eles são “condenados à morte”, marcados para morrer. Esse é o profundo contraste com a existência saciada, rica e não-atribulada dos coríntios, que lhes proporciona tempo e ócio para suas facções com ciúme e contendas. Ao usar a expressão “condenados à morte” Paulo tem diante dos olhos os “gladiadores”, que, ao entrarem na arena para a luta mortal, saúdam o camarote imperial do teatro: Morituri te salutant (“Os condenados à morte te saúdam”). É assim que os apóstolos, na luta pela salvação de pessoas, se encontram como “condenados à morte” na arena do mundo.119
O ser humano da Antiguidade estava acostumado a ver como espetáculo a morte sob torturas de prisioneiros e escravos, para satisfação de uma voluptuosa crueldade. Conhecemos tudo isso das perseguições aos cristãos. Consequentemente, também os apóstolos condenados à morte são “um espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens” [teb]. Muitos olhares se voltam para os apóstolos que lutam e sofrem, olhares do mundo visível e invisível. A expressão “anjos” pode referir-se tanto aos entes espirituais do mundo celestial quanto do demoníaco.120 Paulo está ciente de ser observado atentamente por ambos os lados. E nas cidades da Ásia Menor, como em Filipos, Tessalônica e até mesmo em Corinto, grandes multidões de “pessoas” se movimentavam por intermédio da atuação do apóstolo, vendo sua atividade e seu sofrimento. Contudo, não é nesses “espectadores” que se fixa o olhar de Paulo. Enquanto os coríntios ricamente presenteados se esquecem de Deus, o olhar do apóstolo sofredor está dirigido firmemente para Deus. Por isso Paulo não se queixa e tampouco acusa alguém. Foi “Deus” quem “posicionou” os apóstolos desse modo. Paulo é capaz de concordar com isso apenas pela fé e na obediência.
Índice:
1 Coríntios 4:8-9
Notas:
117 Cf. o que foi exposto sobre “Apóstolo”, acima, p. 29s.
118 Também a palavra de Jesus de Mt 19.30 tem esse sentido.
119 Cf. o belo livro de Isobel Kuhn “In der Arena” [Na Arena], Giessen: Brunnen-Verlag.
120 Também hoje todo cristão que luta e sofre pode lembrar-se de que muitos o observam atentamente, pessoas e anjos bons ou maus. Será que manterá a fé e será vitorioso? Será que sucumbirá?