Estudo sobre Hebreus 13:1-4
Estudo sobre Hebreus 13:1-4
Fé e santificação formam uma unidade na vida do cristão. Nesta unidade, porém, não se visa apenas conectar dois pensamentos teológicos. Antes está em questão que concretizemos na prática a redenção pelo sangue de Jesus e nossa condição de estrangeiros sobre a terra. Por isto o apóstolo também não para no momento em que introduziu os fiéis nas grandes ideias da salvação de Deus e na riqueza da revelação. Enfim, trata-se da confirmação prática de nossa fé. Deus sabe dos motivos ocultos de nossos corações e observa as horas secretas de nossa vida. Por isto, o apóstolo acrescenta uma série de exortações, que visam ser um auxílio para o cotidiano da vida de fé, a suas elaborações teológicas fundamentais. Seja constante o amor fraternal. Quem pertence ao “reino de Deus” (Hb 12.28), demonstra-o no amor fraternal. Não existe amor genuíno ao Senhor que não seja expresso no amor aos irmãos (cf. Mt 22.36-40; 25.40). O Senhor deseja vir ao nosso encontro justamente no nosso próximo, que não podemos escolher, também no irmão e na irmã que são colocados pelo Senhor ao nosso lado. Também filhos de Deus correm perigo de pensar primeiro em si próprios quando em tribulação e perseguição. Justamente diante de iminentes dificuldades é imperioso unir-se tanto mais. Uma forma peculiarmente destacada do amor fraternal é a da hospitalidade, que viabiliza a possibilidade de comunhão espiritual mais profunda entre os membros da igreja de Jesus. Não negligencieis a hospitalidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber acolheram anjos. O autor provavelmente tem em mente Ló, em Sodoma, e Abraão, em Manre. Esta palavra continua válida também em condições completamente diversas, como as em que vivemos hoje em comparação com os cristãos do século i. O exemplo dos patriarcas revela que paira uma bênção bem especial sobre a hospitalidade. Quem concede hospitalidade nunca é apenas alguém que dá, mas também é sempre alguém que recebe. Precisamente nesta ocasião os filhos de Deus têm a possibilidade de compartilhar e trocar entre si a alegria no Senhor e as experiências de fé. É por isto que o apóstolo Paulo escreve aos Romanos: “Porque muito desejo ver-vos, a fim de repartir convosco algum dom espiritual, para que sejais confirmados, isto é, para que, em vossa companhia, reciprocamente nos confortemos por intermédio da fé mútua, vossa e minha” (Rm 1.11,12).443
Deus repetidamente proporciona à sua igreja oportunidades para demonstrar o amor fraternal. Lembrai-vos dos encarcerados, como se presos com eles; dos que sofrem maus tratos, como se, com efeito, vós mesmos em pessoa fôsseis os maltratados. Ao que parece, alguns membros da igreja estão na prisão por amor ao Senhor. Por causa de sua fé grande sofrimento lhes está sendo imposto, são atormentados e maltratados444. Agora a igreja tem de se dar conta de que os membros do corpo de Cristo estão todos ameaçados de igual modo. “Se um membro sofre, todos sofrem com ele” (1Co 12.26). Quando o apóstolo solicita que os fiéis que ainda estão em liberdade devem “lembrar-se”, “recordar-se” dos prisioneiros, eles não apenas devem ocupar-se mentalmente com o destino de seus irmãos que sofrem, não somente orar por eles, mas o apóstolo demanda cuidado prático e ação de amor que presta auxílio. Sem dúvida existiam possibilidades para isto, pois as atas de mártires da igreja antiga nos informam com frequência que cristãos obtinham permissão de visitar membros da igreja aprisionados. “O amor cristão se coloca no lugar do outro e carrega sofrimento alheio como se fosse sofrimento próprio”. 445
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Praticar o verdadeiro amor fraternal e manter a pureza e a santidade do matrimônio constituem, num contexto não-cristão, o testemunho mais forte dos fiéis. Foi isto que também o pai da igreja latina Tertuliano percebeu intensamente, quando nos informa que os próprios gentios afirmam acerca dos cristãos: “Vejam como se amam uns aos outros e como estão dispostos a morrer um pelo outro”. Em seguida ele afirma: “Em decorrência, nós, que pelo espírito e pela alma estamos intimamente ligados, não temos reservas quanto a compartilhar nossos bens. Tudo é comunitário entre nós, exceto as mulheres. Neste ponto, o único que as demais pessoas compartilham, nós anulamos a partilha”446. O matrimônio recupera sua santidade original como ordem da criação de Deus (Mt 19.3-9) somente na vida do cristão, quando a comunhão do ser humano com Deus é restabelecida. A comunhão com Cristo não produz na pessoa nenhuma atitude hostil ao corpo, mas a liberta verdadeiramente para dar um sim pleno à sua condição de criatura redimida (cf. Ef 5.22,23). Quando o matrimônio é violado por prostituição e adultério, o mandamento e a ordem de Deus são transgredidas (Gn 1,2)447. O apóstolo sabe que a decadência moral e a incontinência sexual do mundo não-cristão ao redor procuram penetrar também nas fileiras da igreja (cf. 1Co 5.1). Por isto ele adverte enfaticamente contra as transgressões morais: Digno de honra entre todos seja o matrimônio, bem como o leito sem mácula; porque Deus julgará os impuros e adúlteros. Ele sabe quanto pecado acontece às escondidas, que jamais será investigado por um tribunal humano. Deus, porém, tem o poder de julgar também sobre os pecados ocultos, e o fará no seu dia.
Índice:
Hebreus 13:1-4
Notas:
443 Quanto a Rm 1.11,12, cf. WStB, Römerbrief pág 40.
444 O termo grego kakoucheísthai significa “maltratar, judiar” e ocorre também em Hb 11.37.
445 O. Michel, pág 330; sobre o assunto cf. Gotthold Müller, Hebräerbrief, Halle 2ª ed. 1903, pág 224: “Como faz falta ao sofredor uma única palavra de sentimento sincero, e como somos tantas vezes parcimoniosos neste aspecto, como somos muitas vezes tão indiferentes com o bem-estar e a dor alheias, egoisticamente ocupados apenas com nossas próprias atividades e preocupações!”
446 Bibliothek der Kirchenväter, vol xxiv, 1915, Tertullian ii, Apologetikum pág 143-144.
447 O. Michel, pág 331: “No AT, adultério é a violação de um matrimônio alheio ou relação sexual da esposa com um homem estranho. Em contrapartida, prostituição é uma relação não permitida na lei com uma pessoa solteira do sexo feminino. Era um princípio judaico: adultério existe apenas no caso de uma mulher casada ou noiva. Adultério somente era punível quando havia sido cometido pela esposa de um judeu. Além disto, o culpado tinha de ser advertido, e era necessário aduzir testemunhas do ato. A relação sexual com uma não-judia na verdade não era punida, mas estigmatizada. No judaísmo se aplicavam duas medidas: por meio de um ato destes, somente a esposa, porém não o marido, violava o próprio matrimônio. O cristianismo incipiente compromete homem e mulher sob o mesmo mandamento de Deus (Mc 10.6ss; 1Co 7.4), anulando, portanto, a desigualdade dos sexos e o casuísmo da lei.”