Hebreus 13: Significado, Devocional e Exegese

Hebreus 13

Hebreus 13 constitui o desfecho da epístola e assume um caráter parenético, funcionando como exortação pastoral que traduz a alta teologia desenvolvida nos capítulos anteriores em orientações práticas para a vida comunitária. Se até aqui a carta elaborou a superioridade do sacrifício de Cristo, a perfeição do seu sacerdócio e a esperança escatológica de um reino inabalável, agora o autor volta-se para a conduta concreta dos fiéis, enfatizando que a fé verdadeira se manifesta em amor fraternal, hospitalidade, cuidado com os marginalizados, pureza conjugal, desapego ao dinheiro, submissão às lideranças espirituais e perseverança em Cristo, que é “ho autos hēmeron kai sēmeron kai eis tous aiōnas” [“o mesmo ontem, hoje e para sempre”].

A linguagem torna-se mais breve, direta e prática, lembrando os códigos éticos das comunidades judaicas e helenísticas, mas enraizada na experiência cristã. A abertura com a expressão “hē philadelphia meneto” [“permaneça o amor fraternal”] evidencia a centralidade da vida comunitária. Os imperativos são apresentados de modo encadeado, como máximas de sabedoria espiritual, abrangendo tanto a esfera privada (matrimônio, posses) quanto a eclesial (liderança, culto, sacrifícios espirituais). Ao lado disso, o capítulo reafirma a identidade dos cristãos como peregrinos, que não possuem aqui “menousan polin” [“cidade permanente”], mas buscam “tēn mellousan” [“a que há de vir”].

Hebreus 13, portanto, não é mero apêndice, mas a expressão final da teologia da epístola: a fé em Cristo, sumo sacerdote e mediador da nova aliança, precisa traduzir-se em vida santa, em culto espiritual e em perseverança até a consumação do reino. Esse equilíbrio entre alta cristologia e ética cotidiana faz do capítulo um fecho magistral, em que a doutrina desemboca em prática, e a esperança escatológica se enraíza no presente da comunidade.

I. Estrutura e Estilo Literário

Hebreus 13 funciona como epílogo parenético em forma de homilia escrita, cujo tecido retórico combina códigos ético-comunitários com remissões cultuais e confissão cristológica. A macroestrutura se organiza em blocos curtos, de alta densidade imperativa, dispostos por parataxe e asyndeton, o que imprime ritmo de máximas sapienciais e de instruções litúrgicas. Observa-se um primeiro bloco de imperativos comunitários (13:1–6), seguido por um núcleo de coesão doutrinária e cultual (13:7–16), um retorno à relação com as lideranças e pedido de intercessão (13:17–19), uma bênção solene de cadência litúrgica (13:20–21) e o fecho epistolar com notas pessoais e saudações (13:22–25). Essa montagem não é mera justaposição: há eixos de coesão interna (inclusios, “dobradiças” temáticas e repetições léxicas) que vinculam ética, culto e confissão.

No plano microestilístico, o capítulo abre com o presente imperativo de terceira pessoa, raro no NT, que dá tom exortativo impessoal e comunitário: ἡ φιλαδελφία μενέτω [hē philadelphia meneto, “permaneça o amor fraternal”]. A escolha do presente (aspecto imperfetivo) sublinha habitualidade e continuidade; não se trata de ato pontual, mas de ethos estável. A sequência mantém o campo semântico da comunhão por meio de termos-chave apresentados em série nominal, sem subordinação elaborada: φιλοξενία [philoxenia, “hospitalidade”], μιμνήσκεσθε [mimnēskesthe, “lembrai-vos”], τίμιος ὁ γάμος [timios ho gamos, “honroso é o matrimônio”], ἀφιλαργυρία [aphilargyria, “desapego ao dinheiro”] (13:2–5). O efeito é de catálogo ético: períodos curtos, paralelismo sintático, aliterações ocasionais e cadência gnômica. A inserção de citações escriturísticas e fórmulas confessionais em estilo direto (“οὐ μή σε ἀνῶ οὐδ’ οὐ μή σε ἐγκαταλίπω” [ou mē se anō oud’ ou mē se enkatali pō, “de modo nenhum te deixarei nem te desampararei”], 13:5–6) funciona como responsório litúrgico: a imperatividade ética é ancorada na promessa.

A “dobradiça” cristológica no v. 8 tem função de lema e coesão: Ἰησοῦς Χριστὸς χθές καὶ σήμερον ὁ αὐτὸς καὶ εἰς τοὺς αἰῶνας [Iēsous Christos chthes kai sēmeron ho autos kai eis tous aiōnas, “Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo e para sempre”]. Colocada entre advertências sobre “doutrinas várias e estranhas” (διδαχαί ποικίλαι ξέναι [didachai poikilai xenai, “ensinos variados e estranhos”], 13.9) e a reconfiguração do imaginário cultual (13.10–14), essa máxima atua como eixo hermenêutico que estabiliza o discurso: a ética do capítulo deriva da imutabilidade do sujeito cristológico. A seção cultual é estilizada com léxico levítico e sintaxe de “processão” sacerdotal: θυσία αἰνέσεως [thysia aineseōs, “sacrifício de louvor”], καρπὸς χειλέων ὁμολογούντων τῷ ὀνόματι αὐτοῦ [karpos cheileōn homologountōn tō onomati autou, “fruto de lábios que confessam o seu nome”] e o aoristo subjuntivo em hortatório coletivo: δι’ αὐτοῦ οὖν ἀναφέρωμεν [di’ autou oun anapherōmen, “por meio dele, ofereçamos (para cima)”] (13:15). O período se expande em paralelismo sinonímico (louvor/beneficência/compartilhar, 13:15–16), criando uma inclusio com o bloco inicial: o “amor” (φιλαδελφία) se traduz em “sacrifícios espirituais” (εὐποιΐα καὶ κοινωνία [eupoiia kai koinōnia, “beneficência e comunhão”], 13:16), e Deus “se agrada” (εὐαρεστεῖται [euaresteitai, “se agrada”]) desse culto ético.

A relação com lideranças é tratada por moldura retórica: 13:7 (“recordai-vos dos que vos guiaram”) e 13:17 (“obedecei aos que vos lideram”) formam uma inclusio em torno do lema do v. 8. O autor usa o particípio substantivado ἡγούμενοι [hēgoumenoi, “os que presidem/guiam”] e alterna a segunda pessoa plural (proximidade pastoral) com um plural de modéstia no pedido de oração (13:18–19), típico do gênero epistolar. Estilisticamente, há variação deliberada de modos: imperativos para ethos comunitário; presentes indicativos para ancoragem confessional; hortatórios para o culto; e pedido no presente (προσεύχεσθε [proseuchesthe, “orai por nós”]) que introduz o tom afetivo do fecho.

A bênção (13:20–21) é um período longo de sabor litúrgico, marcado por participiais e preposicionais que encadeiam títulos e atos divinos (ὁ θεὸς τῆς εἰρήνης... ἐν αἵματι διαθήκης αἰωνίου... ἀνήγαγεν... Ἰησοῦν... καταρτίσαι ὑμᾶς... ποιῶν ἐν ἡμῖν [ho theos tēs eirēnēs... en haimati diathēkēs aiōniou... anēgagen... Iēsoun... katartisai hymas… poiōn en hēmin, “o Deus da paz… pelo sangue da aliança eterna... trouxe... Jesus... aperfeiçoe a vós... operando em nós”]). A sonoridade, a acumulação de genitivos e a progressão temática (Deus da paz → sangue da aliança → Pastor grande → equipar → agradar-se) revelam técnica hínico-litúrgica: uma doxologia que reverte do querigma (obra de Deus em Cristo) para a práxis (“toda boa obra”). O epílogo (13:22–25) retorna ao registro epistolar com autocaracterização do escrito como λόγος παρακλήσεως [logos paraklēseōs, “palavra de exortação”], nota prosopográfica (Timóteo), saudações e a fórmula final de graça — fecho convencional, mas aqui funcional: depois do imperativo, a graça; depois do ethos, o dom.

Em síntese, o estilo de Hebreus 13 é híbrido e altamente controlado: combina o código curto e proverbial (imperativos, parataxe, asyndeton), a confissão estabilizadora (máxima cristológica), a retórica cultual (léxico levítico, paralelismo sacrificial) e o timbre epistolar. A estratégia literária não narra nem argumenta longamente; antes, condensa e encena: a comunidade é convocada a viver como liturgia contínua, em que φιλαδελφία [philadelphia, “amor fraternal”] se torna θυσία [thysia, “sacrifício”] e confissão pública, sob a constância de ὁ αὐτός [ho autos, “o mesmo”] — Cristo — que dá coesão e forma à ética do capítulo.

II. Hebraísmos e o Texto Grego

Hebreus 13, embora escrito em grego polido, preserva de modo nítido a cadência semítica e o imaginário cultual do Antigo Testamento, tanto no léxico quanto na sintaxe e nas citações/ alusões à Escritura. Já o primeiro imperativo, “φιλαδελφία μενέτω” [philadelphia meneto, “permaneça o amor fraternal”] (13:1), condensa um hebraísmo de conteúdo: a ética comunitária do “amor entre irmãos” é categoria herdada da aliança (cf. “אָהַב לְרֵעֲךָ” [ʾahav lereʿakha, “amar o teu próximo”], Lv 19:18), agora vertida para uma fórmula grega breve com aspecto durativo. Em seguida, “τῆς φιλοξενίας μὴ ἐπιλανθάνεσθε” [tēs philoxenias mē epilanthansthe, “não vos esqueçais da hospitalidade”] (13:2) ecoa o ethos patriarcal de Gn 18–19; a hospitalidade como dever pactual remete ao hebraico “גֵּר” [gēr, “estrangeiro residente”] e à acolhida como fidelidade a YHWH (cf. Dt 10:19), de modo que a máxima grega está saturada de teologia relacional hebraica.

A sequência “μιμνῄσκεσθε τῶν δεσμίων” [mimnēskesthe tōn desmiōn, “lembrai-vos dos presos”] (13:3) e “τίμιος ὁ γάμος ἐν πᾶσιν καὶ ἡ κοίτη ἀμίαντος” [timios ho gamos en pasin kai hē koitē amiantos, “honroso seja o matrimônio entre todos, e o leito sem mácula”] (13:4) mantém o paralelismo semítico por justaposição (parataxe), típico dos códigos sapienciais: cláusulas curtas, coordenadas, que soam como provérbios. A prosódia semítica aparece ainda em 13:5, onde a exortação “ὁ τρόπος ἀφιλάργυρος” [ho tropos aphilargyros, “seja o vosso modo de vida sem amor ao dinheiro”] recebe uma ancoragem bíblica por citação direta: “οὐ μή σε ἀνῶ οὐδ’ οὐ μή σε ἐγκαταλίπω” [ou mē se anō oud’ ou mē se enkatali pō, “de modo nenhum te deixarei, jamais te abandonarei”], linguagem de ênfase grega que calca a promessa hebraica “לֹא יַרְפֶּךָ וְלֹא יַעַזְבֶךָ” [lō yarpeka welō yaʿazveka, “não te afrouxará nem te abandonará”] (Dt 31:6; cf. Js 1:5). Aqui, o duplo “οὐ μή” cumpre função semântica próxima da negação intensiva hebraica “לֹא” (lōʾ), e a fórmula de presença contínua reemprega a teologia do Êxodo/Conquista para o cuidado pastoral da comunidade.

O eixo cristológico do capítulo—“Ἰησοῦς Χριστὸς χθὲς καὶ σήμερον ὁ αὐτὸς καὶ εἰς τοὺς αἰῶνας” [Iēsous Christos chthes kai sēmeron ho autos kai eis tous aiōnas, “Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo e para sempre”] (13:8)—é um enunciado grego que ressoa a imutabilidade divina veterotestamentária: “אֲנִי YHWH לֹא שָׁנִיתִי” [ʾanî YHWH lō šānîtî, “Eu, YHWH, não mudei”] (Ml 3:6) e o salmo aplicado ao Filho em Hb 1:12, “σὺ δὲ ὁ αὐτός” [sy de ho autos, “tu, porém, és o mesmo”]. A máxima serve de ponte semítica: o Nome imutável de YHWH é confessado no Kyrios entronizado, garantindo continuidade pactual.

O bloco cultual (13:9–16) despluga a comunidade de “διδαχαῖς ποικίλαις καὶ ξέναις” [didachais poikilais kai xenais, “ensinamentos variados e estranhos”] (13:9) para reafirmar a graça como fundamento, não “βρώματα” [brōmata, “comidas”], remetendo ao léxico de pureza do Levítico. A frase “ἔχομεν θυσιαστήριον” [echomen thysiastērion, “temos um altar”] (13:10) e a sequência “ἔξω τῆς παρεμβολῆς” [exō tēs parembolēs, “fora do acampamento”] (13:11–13) recalcam a liturgia do Yom Kippur (Lv 16), onde os corpos dos animais são queimados “מִחוּץ לַמַּחֲנֶה” [miḥūts lammaḥaneh, “fora do acampamento”] (Lv 16:27). O autor transcodifica essa cartografia levítica: o Messias sofre “fora” e a comunidade é chamada a sair “fora” para levar sua “ὀνειδισμός” [oneidismos, “opróbrio”], termo que corresponde ao hebraico “חֶרְפָּה” [ḥerpāh, “vergonha/opróbrio”] (Sl 69:9[10]), tecendo a semântica hebraica de profanação/pureza no convite cristológico ao discipulado público.

A teologia do sacrifício é vertida em duas fórmulas gregas de fundo hebraico. Primeiro, “δι’ αὐτοῦ οὖν ἀναφέρωμεν... θυσίαν αἰνέσεως” [di’ autou oun anapherōmen... thysian aineseōs, “por meio dele, ofereçamos... sacrifício de louvor”] (13:15), que ecoa “זֶבַח תּוֹדָה” [zebaḥ tôdāh, “sacrifício de ação de graças”] (Sl 50:14; Jr 33:11). Depois, a apposição explicativa “καρπὸς χειλέων ὁμολογούντων τῷ ὀνόματι αὐτοῦ” [karpos cheileōn homologountōn tō onomati autou, “fruto de lábios que confessam o seu nome”] (13:15) alude a Os 14:2(3) “פְּרִי שְׂפָתֵינוּ” [pĕrî śĕfātēnū, “fruto de nossos lábios”], transferência semítica do culto de animais para louvor verbal e confissão pública. O versículo 16 reforça: “εὐποιΐα καὶ κοινωνία... τοιαύταις γὰρ θυσίαις εὐαρεστεῖται ὁ θεός” [eupoiia kai koinōnia... toiautais gar thysiais euaresteitai ho theos, “beneficência e partilha… pois com tais sacrifícios Deus se agrada”], e o verbo “εὐαρεστεῖται” [euaresteitai, “agrada-se”] espelha o idiomatismo sacrificial hebraico do “רֵיחַ נִיחוֹחַ” [rēaḥ nīḥōaḥ, “aroma agradável”] (Lv 1:9 etc.), agora aplicado a atos de misericórdia—um hebraísmo de conceito: a “oferta” como vida.

Ainda no estrato linguístico, notam-se traços sintáticos semitizantes: o uso reiterado de parataxe (imperativos em cadeia sem subordinação extensa), fórmulas de citação em estilo direto (13:5–6) e a preferência por construções nominais/participiais de sabor hínico na bênção final: “ὁ θεὸς τῆς εἰρήνης… ἐν αἵματι διαθήκης αἰωνίου… καταρτίσαι ὑμᾶς… ποιῶν ἐν ἡμῖν” [ho theos tēs eirēnēs... en haimati diathēkēs aiōniou... katartisai hymas... poiōn en hēmin, “o Deus da paz… pelo sangue da aliança eterna… vos aperfeiçoe… operando em nós”] (13:20–21). A cadência acumula genitivos e cláusulas preposicionais à maneira de salmos/doxologias hebraicas, transpostas para o grego koiné.

Por fim, a relação com as lideranças, “μνημονεύετε τῶν ἡγουμένων ὑμῶν” / “πείθεσθε τοῖς ἡγουμένοις ὑμῶν” [mnēmoneuete tōn hēgoumenōn hymōn / peithesthe tois hēgoumenois hymōn, “lembrai-vos dos vossos guias / obedecei aos vossos guias”] (13:7, 17), retoma o padrão de memória e imitação típico da tradição hebraica (cf. “זָכֹר” [zākhōr, “lembra-te”], Dt 8:2; 32:7), mostrando como a parênese grega de Hebreus 13 se ancora em mandatos mnemônicos do AT. Assim, o capítulo inteiro funciona como uma “liturgia ética” em grego que pensa em hebraico: o Cristo imutável do v. 8 legitima a reescritura do altar e do acampamento (Lv 16), desloca o sacrifício para o louvor/partilha (Os 14; Sl 50) e encerra com uma bênção de tessitura semítica. Em Hebreus 13, o hebraísmo não é um adorno filológico, mas a gramática espiritual que dá corpo à homilia cristã.

III. Esboço de Hebreus 13

A. Exortações finais à vida cristã (13:1–19)

Amor fraternal e hospitalidade (13:1–3)
a. Perseverança no amor fraternal (13:1)
b. Hospitalidade aos estrangeiros e lembrança dos presos (13:2–3)

Pureza, contentamento e confiança em Deus (13:4–6)
a. Honra ao matrimônio e condenação da impureza (13:4)
b. Contentamento e confiança na presença de Deus (13:5–6)

Fidelidade à liderança e à doutrina (13:7–14)
a. Lembrança e imitação dos líderes passados (13:7–8)
b. Advertência contra doutrinas estranhas (13:9–10)
c. Identificação com Cristo fora do arraial (13:11–14)

Sacrifícios espirituais e obediência (13:15–19)
a. Sacrifício de louvor e prática do bem (13:15–16)
b. Obediência e submissão aos líderes (13:17)
c. Pedido de oração e integridade dos autores (13:18–19)

B. Bênção final e saudações (13:20–25)

A bênção do Deus da paz (13:20–21)
a. O Deus da paz e a ressurreição de Jesus (13:20)
b. Capacitação divina para cumprir a sua vontade (13:21)

Exortação final e notícias pessoais (13:22–24)
a. Apelo para receber a exortação (13:22)
b. Notícia sobre Timóteo (13:23)
c. Saudações finais (13:24)

Conclusão com a graça (13:25)

IV. Estrutura e Estilo Literário

Hebreus 13 funciona como epílogo parenético em forma de homilia escrita, cujo tecido retórico combina códigos ético-comunitários com remissões cultuais e confissão cristológica. A macroestrutura se organiza em blocos curtos, de alta densidade imperativa, dispostos por parataxe e asyndeton, o que imprime ritmo de máximas sapienciais e de instruções litúrgicas. Observa-se um primeiro bloco de imperativos comunitários (13.1–6), seguido por um núcleo de coesão doutrinária e cultual (13.7–16), um retorno à relação com as lideranças e pedido de intercessão (13.17–19), uma bênção solene de cadência litúrgica (13.20–21) e o fecho epistolar com notas pessoais e saudações (13.22–25). Essa montagem não é mera justaposição: há eixos de coesão interna (inclusios, “dobradiças” temáticas e repetições léxicas) que vinculam ética, culto e confissão.

No plano microestilístico, o capítulo abre com o presente imperativo de terceira pessoa, raro no NT, que dá tom exortativo impessoal e comunitário: ἡ φιλαδελφία μενέτω (hē philadelphia meneto, “permaneça o amor fraternal”). A escolha do presente (aspecto imperfetivo) sublinha habitualidade e continuidade; não se trata de ato pontual, mas de ethos estável. A sequência mantém o campo semântico da comunhão por meio de termos-chave apresentados em série nominal, sem subordinação elaborada: φιλοξενία (philoxenia, “hospitalidade”), μιμνήσκεσθε (mimnēskesthe, “lembrai-vos”), τίμιος ὁ γάμος (timios ho gamos, “honroso é o matrimônio”), ἀφιλαργυρία (aphilargyria, “desapego ao dinheiro”] (13.2–5). O efeito é de catálogo ético: períodos curtos, paralelismo sintático, aliterações ocasionais e cadência gnômica. A inserção de citações escriturísticas e fórmulas confessionais em estilo direto (“οὐ μή σε ἀνῶ οὐδ’ οὐ μή σε ἐγκαταλίπω” (ou mē se anō oud’ ou mē se enkatali pō, “de modo nenhum te deixarei nem te desampararei”], 13.5–6) funciona como responsório litúrgico: a imperatividade ética é ancorada na promessa.

A “dobradiça” cristológica no v. 8 tem função de lema e coesão: Ἰησοῦς Χριστὸς χθές καὶ σήμερον ὁ αὐτὸς καὶ εἰς τοὺς αἰῶνας (Iēsous Christos chthes kai sēmeron ho autos kai eis tous aiōnas, “Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo e para sempre”). Colocada entre advertências sobre “doutrinas várias e estranhas” (διδαχαί ποικίλαι ξέναι [didachai poikilai xenai, “ensinos variados e estranhos”], 13.9) e a reconfiguração do imaginário cultual (13.10–14), essa máxima atua como eixo hermenêutico que estabiliza o discurso: a ética do capítulo deriva da imutabilidade do sujeito cristológico. A seção cultual é estilizada com léxico levítico e sintaxe de “processão” sacerdotal: θυσία αἰνέσεως (thysia aineseōs, “sacrifício de louvor”), καρπὸς χειλέων ὁμολογούντων τῷ ὀνόματι αὐτοῦ (karpos cheileōn homologountōn tō onomati autou, “fruto de lábios que confessam o seu nome”) e o aoristo subjuntivo em hortatório coletivo: δι’ αὐτοῦ οὖν ἀναφέρωμεν (di’ autou oun anapherōmen, “por meio dele, ofereçamos (para cima)”] (13.15). O período se expande em paralelismo sinonímico (louvor/beneficência/compartilhar, 13.15–16), criando uma inclusio com o bloco inicial: o “amor” (φιλαδελφία) se traduz em “sacrifícios espirituais” (εὐποιΐα καὶ κοινωνία [eupoiia kai koinōnia, “beneficência e comunhão”], 13.16), e Deus “se agrada” (εὐαρεστεῖται [euaresteitai, “se agrada”]) desse culto ético.

A relação com lideranças é tratada por moldura retórica: 13.7 (“recordai-vos dos que vos guiaram”) e 13.17 (“obedecei aos que vos lideram”) formam uma inclusio em torno do lema do v. 8. O autor usa o particípio substantivado ἡγούμενοι [hēgoumenoi, “os que presidem/guiam”] e alterna a segunda pessoa plural (proximidade pastoral) com um plural de modéstia no pedido de oração (13.18–19), típico do gênero epistolar. Estilisticamente, há variação deliberada de modos: imperativos para ethos comunitário; presentes indicativos para ancoragem confessional; hortatórios para o culto; e pedido no presente (προσεύχεσθε [proseuchesthe, “orai por nós”]) que introduz o tom afetivo do fecho.

A bênção (13.20–21) é um período longo de sabor litúrgico, marcado por participiais e preposicionais que encadeiam títulos e atos divinos (ὁ θεὸς τῆς εἰρήνης… ἐν αἵματι διαθήκης αἰωνίου… ἀνήγαγεν… Ἰησοῦν… καταρτίσαι ὑμᾶς… ποιῶν ἐν ἡμῖν [ho theos tēs eirēnēs… en haimati diathēkēs aiōniou… anēgagen… Iēsoun… katartisai hymas… poiōn en hēmin, “o Deus da paz… pelo sangue da aliança eterna… trouxe… Jesus… aperfeiçoe a vós… operando em nós”]). A sonoridade, a acumulação de genitivos e a progressão temática (Deus da paz → sangue da aliança → Pastor grande → equipar → agradar-se) revelam técnica hínico-litúrgica: uma doxologia que reverte do querigma (obra de Deus em Cristo) para a práxis (“toda boa obra”). O epílogo (13.22–25) retorna ao registro epistolar com autocaracterização do escrito como λόγος παρακλήσεως (logos paraklēseōs, “palavra de exortação”), nota prosopográfica (Timóteo), saudações e a fórmula final de graça — fecho convencional, mas aqui funcional: depois do imperativo, a graça; depois do ethos, o dom

Em síntese, o estilo de Hebreus 13 é híbrido e altamente controlado: combina o código curto e proverbial (imperativos, parataxe, asyndeton), a confissão estabilizadora (máxima cristológica), a retórica cultual (léxico levítico, paralelismo sacrificial) e o timbre epistolar. A estratégia literária não narra nem argumenta longamente; antes, condensa e encena: a comunidade é convocada a viver como liturgia contínua, em que φιλαδελφία (philadelphia, “amor fraternal”) se torna θυσία (thysia, “sacrifício”) e confissão pública, sob a constância de ὁ αὐτός [ho autos, “o mesmo”] — Cristo — que dá coesão e forma à ética do capítulo.

V. Versículo-Chave

Hebreus 13:8

Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre.

Este versículo funciona como o eixo hermenêutico e retórico de Hebreus 13: colocado entre a memória dos líderes que “vos falaram a palavra de Deus” (13:7) e a advertência contra “doutrinas variadas e estranhas” — “διδαχαῖς ποικίλαις καὶ ξέναις” [didachais poikilais kai xenais, “ensinos de múltiplas espécies e estranhos”] (13:9) — ele estabiliza a ética, o culto e a identidade comunitária na constância do sujeito cristológico. A fórmula breve e lapidar articula três tempos (“ontem... hoje... pelos séculos”) sob o predicado absoluto “ὁ αὐτός” [ho autos, “o mesmo”], afirmando que a imutabilidade do Cristo entronizado é o critério para avaliar práticas, afetos e doutrinas. Em termos literários, 13:8 é a “dobradiça” que liga o catálogo de imperativos (13:1–6) à reconfiguração cultual cristã (13:10–16): a mesma pessoa de Jesus sustenta tanto a “φιλαδελφία” [philadelphia, “amor fraternal”] (13:1) quanto o “θυσιαστήριον” [thysiastērion, “altar”] (13:10) no qual o povo de Deus, por ele, oferece “θυσία αἰνέσεως” [thysia aineseōs, “sacrifício de louvor”] (13:15).

Teologicamente, a sentença concentra a cristologia da carta: o Jesus histórico (“ontem”), o Senhor presente na igreja (“hoje”) e o Kyrios escatológico (“pelos séculos”) são o mesmo. Esse “ὁ αὐτός” [ho autos, “o mesmo”] retoma, em miniatura, a doxologia de Hebreus 1, onde, citando o Salmo 102 LXX, o autor afirma acerca do Filho: “σὺ δὲ ὁ αὐτός” [sy de ho autos, “tu, porém, és o mesmo”] (cf. Hb 1:12), ecoando a afirmação veterotestamentária da imutabilidade divina: “אֲנִי YHWH לֹא שָׁנִיתִי” [ʾanî YHWH lō šānîtî, “Eu, YHWH, não mudei”] (Ml 3:6). Assim, 13:8 não é um aforismo desvinculado, mas uma condensação da tese maior de Hebreus: o Filho, eterno e entronizado, garante a eficácia perpétua da nova aliança e dá fundamento à vida ética e cultual da comunidade.

Pastoralmente, 13:8 regula duas tentações explicitadas no contexto: (1) a de buscar segurança em arranjos rituais pretéritos, reabrindo o caminho das “comidas” e purezas (13:9–10); e (2) a de dispersar-se em novidades doutrinárias instáveis (“διδαχαῖς ποικίλαις καὶ ξέναις” [didachais poikilais kai xenais, “ensinos de múltiplas espécies e estranhos”], 13:9). Contra ambas, o autor ancora o presente da igreja no Cristo que não muda: se ele é “o mesmo”, também o acesso que ele abriu é “o mesmo” (13:12–13: sair “ἔξω τῆς παρεμβολῆς” [exō tēs parembolēs, “fora do acampamento”] com ele), e o culto que ele pede é “o mesmo”: louvor contínuo e partilha efetiva — “καρπὸς χειλέων ὁμολογούντων τῷ ὀνόματι αὐτοῦ” [karpos cheileōn homologountōn tō onomati autou, “fruto de lábios que confessam o seu nome”] e “κοινωνία” [koinōnia, “compartilhar”] (13:15–16). Em suma, Hebreus 13:8 sintetiza a lógica do capítulo: não é a igreja que se fixa em si mesma; é Cristo — imutável na sua pessoa e obra — que fixa a igreja, seus afetos, seu culto e sua doutrina.

VI. Intertextualidade com o Antigo e o Novo Testamento

Hebreus 13 relê a ética de Israel à luz do Cristo imutável e entronizado, encadeando mandamentos práticos com ecos explícitos e implícitos da Escritura. A abertura, “permaneça o amor fraternal” (φιλαδελφία μενέτω [philadelphia meneto, “permaneça a fraternidade”], 13:1), brota do coração da Torá: “וְאָהַבְתָּ לְרֵעֲךָ כָּמוֹךָ” [veʾahavta lereʿakha kamokha, “amarás o teu próximo como a ti mesmo”] (Lv 19:18), agora universalizado na família messiânica. O imperativo seguinte, “não vos esqueçais da hospitalidade” (13:2), passa pelo prisma patriarcal de Gênesis: Abraão “sem o saber hospedou anjos” (Gn 18–19), e a categoria do “estrangeiro residente” “גֵּר” [gēr, “peregrino/forasteiro”] (Dt 10:19) sustenta o ethos de acolhida que Hebreus verte para o grego helenístico (φιλοξενία [philoxenia, “hospitalidade”]). Quando o autor manda lembrar “os presos e os maltratados” (13:3), ele ecoa o jejum que Deus escolhe: “לְהַתִּיר חַרְצוּבּוֹת רֶשַׁע… לַחֲלֹק לַרָעֵב לַחְמֶךָ” [lehatir ḥartsuvvot reshaʿ… laḥaloq laraʿev laḥmekha, “soltar as ligaduras da impiedade… repartir o teu pão com o faminto”] (Is 58:6–7), transferindo a devoção do templo para a misericórdia concreta.

A santidade conjugal (13:4) se ancora em Gênesis 2:24 (“עַל־כֵּן יַעֲזָב אִישׁ… וְהָיוּ לְבָשָׂר אֶחָד” [ʿal-kēn yaʿazov ish… vehāyū lebasar eḥad, “por isso deixará o homem… e serão uma só carne”]) e na sabedoria de Provérbios (5:15–20), enquanto a denúncia da cobiça (13:5) recai sobre o décimo mandamento (Êx 20:17) e é selada por uma dupla citação que Hebreus toma da LXX: “οὐ μὴ σε ἀνῶ οὐδ’ οὐ μὴ σε ἐγκαταλίπω” [ou mē se anō oud’ ou mē se enkatali pō, “de modo nenhum te deixarei, jamais te abandonarei”] (13:5; cf. Dt 31:6; Js 1:5), e “Κύριος ἐμοὶ βοηθός· οὐ φοβηθήσομαι· τί ποιήσει μοι ἄνθρωπος;” [Kyrios emoi boēthos; ou phobēthēsomai; ti poiēsei moi anthrōpos?, “O Senhor é o meu auxiliador; não temerei; que me fará o homem?”] (13:6; Sl 118:6). O grego intensivo “οὐ μή” cumpre aqui a força da negação hebraica “לֹא” [lōʾ, “não”], inscrevendo a promessa veterotestamentária de presença no coração da parênese cristã.

A máxima cristológica de 13:8 — “Ἰησοῦς Χριστὸς χθὲς καὶ σήμερον ὁ αὐτὸς καὶ εἰς τοὺς αἰῶνας” [Iēsous Christos chthes kai sēmeron ho autos kai eis tous aiōnas, “Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo e pelos séculos”] — condensa e reexpõe a imutabilidade divina do AT: “אֲנִי YHWH לֹא שָׁנִיתִי” [ʾanî YHWH lō šānîtî, “Eu, YHWH, não mudei”] (Ml 3:6) e o salmo aplicado ao Filho em Hebreus 1 (“σὺ δὲ ὁ αὐτός” [sy de ho autos, “tu, porém, és o mesmo”], Sl 102:27 LXX). Assim, a ética de 13:1–6 e o culto de 13:10–16 se equilibram sobre o mesmo sujeito divino-humano: o Cristo imutável da nova aliança.

O alerta contra “ensinamentos variados e estranhos” (διδαχαῖς ποικίλαις καὶ ξέναις [didachais poikilais kai xenais], 13:9) dialoga com debates dietético-rituais do AT (Lv 11; Dn 1) e converge com exortações neotestamentárias contra ascetismos e calendários como critérios de santidade (Cl 2:16–23; 1 Tm 4:3–5). Na sequência, a linguagem de altar e expiação retoma o Yom Kippur: “ἔχομεν θυσιαστήριον” [echomen thysiastērion, “temos um altar”] (13:10) e “ἔξω τῆς παρεμβολῆς” [exō tēs parembolēs, “fora do acampamento”] (13:11–13) ecoam Lv 16:27 “מִחוּץ לַמַּחֲנֶה” [miḥūts lammaḥaneh, “fora do acampamento”] e Êx 29:14. A cristologia tipológica é explícita: como as carcaças eram queimadas fora, “καὶ Ἰησοῦς… ἔξω τῆς πύλης ἔπαθεν” [kai Iēsous… exō tēs pylēs epathen, “também Jesus padeceu fora da porta”] (13:12), em paralelo histórico com Jo 19:17–20 (Gólgota “fora da porta”), e em paralelo teológico com a rejeição do Servo (Is 53). O convite “saíamos, pois, a ele, fora do acampamento, levando o seu opróbrio” (13:13) reencena o êxodo: o povo se separa do sistema cultual antigo para seguir o Cordeiro rejeitado.

A confissão peregrina de 13:14 — “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura” — alinha Hebreus 13 ao eixo de 11:10,16 (Abraão buscando “a cidade que tem fundamentos”) e à cidadania celeste paulina: “τὸ πολίτευμα ἡμῶν ἐν οὐρανοῖς ὑπάρχει” [to politeuma hēmōn en ouranois hyparchei, “a nossa cidadania existe nos céus”] (Fp 3:20). O culto então é redefinido: “δι’ αὐτοῦ οὖν ἀναφέρωμεν… θυσίαν αἰνέσεως” [di’ autou oun anapherōmen… thysian aineseōs, “por meio dele, ofereçamos… sacrifício de louvor”] — “fruto de lábios” (καρπὸς χειλέων [karpos cheileōn]) que confessa o Nome (13:15). A fórmula costura Os 14:2(3) “פְּרִי שְׂפָתֵינוּ” [pĕrî śefatēnū, “fruto dos nossos lábios”] e Sl 50:14,23 “זֶבַח תּוֹדָה” [zebaḥ tôdāh, “sacrifício de ação de graças”]: as vítimas do Levítico cedem lugar à doxologia e à partilha “εὐποιΐα καὶ κοινωνία” [eupoiia kai koinōnia, “beneficência e comunhão”] (13:16), em harmonia com Mq 6:8 e Is 58. A memória e a obediência às lideranças (13:7,17) também são ancoradas no padrão bíblico da “memória” como obediência (“זָכוֹר… יְמֹת עוֹלָם” [zākhōr… yemōt ʿōlām, “lembra-te... dos dias da antiguidade”], Dt 32:7) e ecoam instruções neotestamentárias (1 Ts 5:12–13; 1 Pe 5:1–5).

A bênção de 13:20–21 entrelaça fios proféticos e apostólicos. “Ὁ θεὸς τῆς εἰρήνης” [ho theos tēs eirēnēs, “o Deus da paz”] é refrão paulino (Rm 15:33; 1 Ts 5:23); “ἐν αἵματι διαθήκης αἰωνίου” [en haimati diathēkēs aiōniou, “pelo sangue da aliança eterna”] aponta para Jr 31:31–34 e ecoa Zc 9:11 “בְּדַם בְּרִיתֵךְ” [bedam berītek, “pelo sangue da tua aliança”]; “τὸν ποιμένα τῶν προβάτων τὸν μέγαν” [ton poimena tōn probatōn ton megan, “o grande Pastor das ovelhas”] condensa Ez 34 (YHWH como Pastor) e Zc 13:7 (“הַךְ אֶת־הָרֹעֶה” [hakh et-harōʿeh, “fere o pastor”]), culminando no “Bom Pastor” de Jo 10:11 (ho poimēn ho kalos) e no “Supremo Pastor” de 1 Pe 5:4 (archipoimēn). O verbo “ἀνήγαγεν ἐκ νεκρῶν” [anēgagen ek nekrōn, “trouxe de volta dentre os mortos”] sela o elo pascal: o Deus do Êxodo (que “faz subir”) é o Deus que ressuscita, e a “eterna aliança” é agora a páscoa do Cordeiro.

Por fim, o autodesignativo do escrito como “λόγος παρακλήσεως” [logos paraklēseōs, “palavra de exortação”] (13:22) dialoga com a liturgia sinagogal (At 13:15), e o pedido de oração (13:18–19) e as saudações (13:23–25) alinham Hebreus ao epistolário apostólico (Rm 15:30; 2 Ts 3:1). Em toda a seção, portanto, a intertextualidade não é apenas citação, mas reconfiguração: Levítico e Profetas, Salmos e Sabedoria, Evangelhos e Cartas convergem no Cristo de 13:8 — “ὁ αὐτός” [ho autos, “o mesmo”] — em quem a ética fraterna, o culto de louvor e a esperança peregrina da Igreja encontram sua forma e sua força.

VII. Lição Teológica Geral

Hebreus 13 condensa a teologia da epístola em chave parenética, mostrando que a alta cristologia e a teologia do culto só se cumprem quando se tornam ethos comunitário. O capítulo abre com a permanência do amor fraterno como princípio ordenante da vida eclesial — “φιλαδελφία μενέτω” [philadelphia meneto, “permaneça o amor fraternal”] — e, a partir daí, desdobra um horizonte ético que inclui hospitalidade, compaixão pelos presos e maltratados, santidade conjugal e liberdade da cobiça. Essa ética não é um apêndice moralista, mas o fruto de uma economia cultual já redefinida em Cristo: a comunidade que foi introduzida no Santo dos Santos pelo sangue do Filho (caps. 9–10) manifesta, no cotidiano, a nova liturgia do coração. Por isso, a denúncia da avareza e a promessa de presença divina reaparecem em forma de citação: Deus não abandona o seu povo, de modo que o cuidado fraterno se ancora na fidelidade do Senhor e não em garantias materiais.

O eixo teológico que estabiliza toda a seção é a confissão cristológica: “Ἰησοῦς Χριστὸς χθὲς καὶ σήμερον ὁ αὐτὸς καὶ εἰς τοὺς αἰῶνας” [Iēsous Christos chthes kai sēmeron ho autos kai eis tous aiōnas, “Jesus Cristo, ontem e hoje, o mesmo e pelos séculos”]. A imutabilidade do Filho entronizado não é mera abstração metafísica: ela fornece o critério para discernir “doutrinas variadas e estranhas” e para enraizar a vida comunitária na graça, e não em observâncias rituais que prometem estabilidade, mas nada aperfeiçoam. Teologicamente, o “ὁ αὐτός” [ho autos, “o mesmo”] liga o Jesus histórico, o Senhor presente e o Kyrios escatológico, garantindo a perenidade da nova aliança e o caráter definitivo do acesso que ele abriu.

Nesse horizonte, o capítulo reescreve categorias levíticas para fundamentar uma ética de peregrinação. Ao afirmar “ἔχομεν θυσιαστήριον” [echomen thysiastērion, “temos um altar”] e convocar a sair “ἔξω τῆς παρεμβολῆς” [exō tēs parembolēs, “fora do acampamento”], o autor traduz o rito do Dia da Expiação (com os corpos queimados miḥūts lammaḥaneh [מִחוּץ לַמַּחֲנֶה, miḥūts lammaḥaneh, “fora do acampamento”]) em discipulado público: seguir o Messias implica carregar o seu opróbrio no espaço onde ele foi rejeitado. A teologia é, pois, pascal e missionária: a Igreja não busca segurança num santuário territorial, porque “não temos aqui cidade permanente”, mas caminha como povo que confessa Jesus “fora dos portões”, na história real e por vezes hostil.

Em coerência com essa reconfiguração do culto, o sacrifício cristão é redefinido como louvor e partilha: “δι’ αὐτοῦ οὖν ἀναφέρωμεν… θυσίαν αἰνέσεως” [di’ autou oun anapherōmen… thysian aineseōs, “por meio dele, ofereçamos… sacrifício de louvor”], especificado como “καρπὸς χειλέων ὁμολογούντων τῷ ὀνόματι αὐτοῦ” [karpos cheileōn homologountōn tō onomati autou, “fruto de lábios que confessam o seu nome”]. A teologia do altar desloca-se do animal para a confissão e da fumaça para a misericórdia concreta, em consonância com “pĕrî śefatēnū” [פְּרִי שְׂפָתֵינוּ, pĕrî śefatēnū, “fruto dos nossos lábios”] (Os 14) e com o “zebaḥ tôdāh” [זֶבַח תּוֹדָה, zebaḥ tôdāh, “sacrifício de ação de graças”] dos Salmos. Assim, a liturgia se torna vida: louvor público, beneficência e comunhão constituem “sacrifícios” com que Deus “se agrada”, sinal de que a teologia de Hebreus converge numa espiritualidade socialmente encarnada.

A relação com as lideranças aparece como dimensão teológica do governo de Cristo na Igreja: “μνημονεύετε… ἡγουμένων” / “πείθεσθε… ἡγουμένοις” [mnēmoneuete… hēgoumenōn / peithesthe… hēgoumenois, “lembrai-vos… dos que vos guiam” / “sede submissos… aos que vos guiam”]. Não é culto à personalidade, mas reconhecimento do ministério da Palavra, cuja fidelidade é aferida pela confissão e pela vida (“considerai o fim da sua conduta e imitai a sua fé”). Teologicamente, a liderança serve para proteger a comunidade contra o cansaço e a deriva doutrinária, participando da vigilância pastoral do “grande Pastor das ovelhas”.

O clímax teológico vem na bênção, que sela toda a epístola com um querigma condensado: “ὁ θεὸς τῆς εἰρήνης… ἐν αἵματι διαθήκης αἰωνίου… ἀνήγαγεν… Ἰησοῦν” [ho theos tēs eirēnēs… en haimati diathēkēs aiōniou… anēgagen… Iēsoun, “o Deus da paz… pelo sangue da aliança eterna… trouxe de volta… Jesus”] e “καταρτίσαι ὑμᾶς… ποιῶν ἐν ἡμῖν” [katartisai hymas… poiōn en hēmin, “vos aperfeiçoe… operando em nós”]. A “aliança eterna” une expiação, ressurreição e vocação: o Deus que consumou a obra no Filho agora conforma o povo à vontade divina, operando nele “o que é agradável diante dele por meio de Jesus Cristo”. Em última análise, a teologia geral de Hebreus 13 pode ser enunciada assim: Cristo, imutável e entronizado, funda uma comunidade peregrina cuja liturgia é amor, cujos sacrifícios são louvor e partilha, cuja segurança é a graça e cujo governo é pastoral; e o Deus da paz, por meio do sangue da aliança, equipa essa comunidade para viver no presente a realidade do reino que não pode ser abalado.

VIII. Comentário de Hebreus 13

Hebreus 13 aplica a teologia da carta à vida diária: manda que o amor fraternal permaneça, expresso em hospitalidade que pode hospedar “anjos”, memória ativa dos presos e dos maltratados, honra ao matrimônio com pureza sexual, contentamento sem avareza ancorado na promessa de presença divina, e coragem que confessa “o Senhor é o meu auxílio” [Hebreus 13:1-6; Gênesis 18:1-8; 19:1-3; Deuteronômio 31:6; Salmo 118:6]. Pede lembrar e imitar líderes que ensinaram a Palavra e perseveraram na fé, afirmando a imutabilidade de Cristo contra “doutrinas várias e estranhas” e o engano de regras alimentares; o coração deve ser firmado pela graça [Hebreus 13:7-9]. Proclama que “temos um altar” — a realidade do sacrifício de Cristo — e, como Ele santificou o povo com seu sangue sofrendo “fora da porta”, somos conclamados a sair “fora do arraial”, carregar seu vitupério e viver como peregrinos que buscam a cidade por vir; nossa adoração, por meio de Jesus, oferece continuamente “sacrifício de louvor” e se concretiza em fazer o bem e partilhar, sacrifícios com que Deus se agrada [Hebreus 13:10-16; Levítico 16:27; João 19:17; Hebreus 11:13-16]. A comunidade deve obedecer e cooperar com os guias que velam pelas almas como quem dará contas, para que o pastoreio seja exercido com alegria; ao mesmo tempo, o autor pede oração a fim de manter boa consciência e vida honrosa e para que, pela providência, possa vê-los novamente [Hebreus 13:17-19]. A bênção final invoca “o Deus da paz” que ressuscitou Jesus, o grande Pastor, “pelo sangue da eterna aliança”, pedindo que Ele os equipe para fazer a sua vontade e opere neles o que Lhe agrada; seguem notas fraternas (Timóteo solto, saudações dos da Itália), e a despedida: “A graça seja com todos vós” [Hebreus 13:20-25; Colossenses 1:20; 1 Pedro 5:4].

A. Exortações Práticas para a Vida Cristã (Hebreus 13:1-7)

Hebreus 13:1 Seja constante o amor fraternal. (Amor fraternal traduz philadelphía: afeição leal entre irmãos e irmãs em Cristo que deve permanecer — menétō — apesar de pressões [Romanos 12:10; 1 Tessalonicenses 4:9-10]. É resposta concreta à graça recebida na nova aliança: quem foi amado, ama [João 13:34-35; 1 João 4:7-11].)

Hebreus 13:2 Não negligencieis a hospitalidade,... (Hospitalidade é philoxenía, “amor ao estrangeiro”: abrir casa, mesa e recursos aos santos e aos necessitados [Romanos 12:13; 1 Pedro 4:9].) ...pois alguns, praticando-a,... (A prática é meio ordinário de cuidado e missão: acolher viajantes, perseguidos e mensageiros [3 João 5-8].) ...sem o saber acolheram anjos. (Alusão a Abraão e Sara com os três visitantes, e a Ló em Sodoma [Gênesis 18:1-8; 19:1-3]. A ideia: Deus visita e age através do acolhimento; Cristo Se identifica com o estrangeiro [Mateus 25:35].)

Hebreus 13:3 Lembrai-vos dos encarcerados,... (Memória ativa: visitar, interceder, suprir — continuando o que já haviam feito [Hebreus 10:34; Mateus 25:36; Colossenses 4:18].) ...como se presos com eles;... (Solidariedade empática: “lembrar” como se no mesmo corpo [Hebreus 13:3; 1 Coríntios 12:26].) ...dos que sofrem maus tratos,... (Os perseguidos, pobres, migrantes, enfermos.) ...como se, com efeito, vós mesmos em pessoa fôsseis os maltratados. (A igreja é um só corpo; a dor de um é de todos [Romanos 12:15; Gálatas 6:2].)

Hebreus 13:4 Digno de honra entre todos seja o matrimônio,... (Tímios = precioso: o casamento é dom criacional e pactual, honroso para todos — solteiros e casados devem tratá-lo com respeito [Gênesis 2:24; Mateus 19:4-6; Efésios 5:31-33].) ...bem como o leito sem mácula;... (Koitē sem mancha: pureza sexual dentro da aliança e castidade fora dela [1 Tessalonicenses 4:3-5; Hebreus 12:16].) ...porque Deus julgará os impuros e adúlteros. (Pórnoi e moichoi: imoralidade e adultério recebem juízo se não houver arrependimento [1 Coríntios 6:9-10; Apocalipse 21:8; Provérbios 5:3-14].)

Hebreus 13:5 Seja a vossa vida sem avareza. (Aphilárgyros = livre do amor ao dinheiro; a avareza é idolatria que escraviza [Colossenses 3:5; 1 Timóteo 6:9-10].) Contentai-vos com as coisas que tendes;... (Arkeísthe: aprender suficiência em Deus, não em saldo bancário [Filipenses 4:11-13; Mateus 6:25-34].) ...porque ele tem dito: (Autoriza a exortação com promessa divina.) De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei. (Eco de [Deuteronômio 31:6, 8] e [Josué 1:5]: presença fiel de Deus é antídoto à ansiedade material [Salmo 23:1; Mateus 28:20].)

Hebreus 13:6 Assim, afirmemos confiantemente: (Tharréō; confissão pública de confiança.) O Senhor é o meu auxílio, não temerei; (Citação de [Salmo 118:6]; coragem nasce da proximidade do Senhor.) que me poderá fazer o homem? (O temor humano é relativizado pela soberania e ajuda de Deus [Mateus 10:28; Romanos 8:31-39].)

Hebreus 13:7 Lembrai-vos dos vossos guias, (Recordar com gratidão líderes fiéis que Deus deu à igreja [1 Tessalonicenses 5:12-13].) os quais vos pregaram a palavra de Deus; (Critério do verdadeiro guia: ministério do lógos e vida coerente [2 Timóteo 4:2; Atos 20:27-28].) e, considerando atentamente o fim da sua vida, (Anatheōroúntes = observar cuidadosamente “o desfecho” — éxbasis — o conjunto de trajetória e término, muitas vezes sob sofrimento fiel [2 Timóteo 4:6-8; Hebreus 6:12].) imitai a fé que tiveram. (Imitação não de estilo, mas de fé perseverante conforme o capítulo 11, sempre com os olhos em Jesus [Hebreus 6:12; 12:2; 13:17].)

B. Exortações sobre Liderança e Adoração (Hebreus 13:8-16)

Hebreus 13:8 Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre. (A imutabilidade do Filho garante a estabilidade da fé e do ensino: quem Ele foi “ontem” — na encarnação, cruz e ressurreição — Ele é “hoje” e será “para sempre” — entronizado e intercedendo [Hebreus 1:10-12; 7:24-25; 9:14; 13:20; Malaquias 3:6; Apocalipse 1:8]. Isso fundamenta a rejeição de novidades doutrinárias que não se coadunam com o Cristo apostolicamente anunciado [Gálatas 1:6-9].)

Hebreus 13:9 Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas, (Desvio plural e “estranho” ao evangelho: ventos de ensino que tiram os crentes da simplicidade em Cristo [Efésios 4:14; 2 Coríntios 11:3-4].) porquanto o que vale é estar o coração confirmado com graça (charis: firmeza interior pela dádiva gratuita de Deus em Cristo, não por observâncias rituais [Hebreus 4:16; 10:22-23; Tito 2:11-14].) e não com alimentos, (Alusão a preceitos dietéticos e refeições cúlticas do judaísmo ou sincretismos que prometiam “elevar” espiritualmente via comidas [Romanos 14:17; Colossenses 2:16-23; 1 Timóteo 4:3-5].) pois nunca tiveram proveito os que com isto se preocuparam. (Ritos alimentares não aperfeiçoam a consciência nem aproximam de Deus; Cristo é quem santifica e dá acesso [Hebreus 9:9-10; 10:1-4,10].)

Hebreus 13:10 Possuímos um altar (thysiastērion: a realidade para a qual o altar levítico apontava — a cruz e o próprio Cristo, em cujo sacrifício participamos pela fé [1 Coríntios 10:16-18; Hebreus 10:10-14].) do qual não têm direito de comer os que ministram no tabernáculo. (Quem permanece preso ao sistema levítico, negando a suficiência de Cristo, não participa do “banquete” da nova aliança [Hebreus 8:13; 10:29; Gálatas 2:21].)

Hebreus 13:11 Pois aqueles animais cujo sangue é trazido para dentro do Santo dos Santos, (Dia da Expiação: sangue levado ao “interior” por purificação [Levítico 16:14-19].) pelo sumo sacerdote, (Função anual do archieréus [Levítico 16:2,34; Hebreus 9:7].) como oblação pelo pecado, (Sacrifício por pecado da nação.) têm o corpo queimado fora do acampamento. (A carne era queimada fora, indicando separação do pecado [Levítico 16:27]. Esse “fora” prepara o argumento cristológico.)

Hebreus 13:12 Por isso, foi que também Jesus, (O antítipo perfeito do rito do Yom Kippur.) para santificar o povo, (Consagrar-nos a Deus de modo eficaz [Hebreus 10:10,14; João 17:19].) pelo seu próprio sangue, (Seu sangue é o meio de purificação e acesso [Hebreus 9:12-14; 10:19-22].) sofreu fora da porta. (Crucificado fora das muralhas de Jerusalém, cumprindo o padrão do “fora do arraial” [João 19:17-20; Levítico 16:27].)

Hebreus 13:13 Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, (Chamado a romper com a segurança do sistema antigo e unir-se ao Cristo rejeitado; “sair” lembra Abraão e o êxodo — mover-se pela fé em direção à promessa [Gênesis 12:1; Hebreus 11:8; 13:12].) levando o seu vitupério. (oneidismós: aceitar o opróbrio ligado a Jesus, como Moisés preferiu “o opróbrio de Cristo” [Hebreus 11:26; 1 Pedro 4:13-16; Hebreus 10:33-34].)

Hebreus 13:14 Na verdade, não temos aqui cidade permanente, (Identidade peregrina: nenhuma cidade terrena é definitiva [Hebreus 11:13-16; 13:14].) mas buscamos a que há de vir. (A Jerusalém celestial, a cidade com fundamentos cujo arquiteto é Deus [Hebreus 12:22-24; 11:10; Apocalipse 21:2].)

Hebreus 13:15 Por meio de Jesus, (Toda adoração aceitável é mediada pelo Filho [João 14:6; 1 Pedro 2:5].) pois, ofereçamos a Deus, (Linguagem sacerdotal aplicada à igreja.) sempre, sacrifício de louvor, (Sacrifício não-sangrento e contínuo: gratidão e exaltação [Salmo 50:14,23; Oseias 14:2].) que é o fruto de lábios que confessam o seu nome. (Louvor verbal, confissão pública e perseverante de Jesus como Senhor [Romanos 10:9-10; Hebreus 4:14; 10:23].)

Hebreus 13:16 Não negligencieis, igualmente, a prática do bem (A adoração se torna ética concreta: fazer o bem a todos, especialmente aos domésticos da fé [Gálatas 6:10; Tiago 1:27].) e a mútua cooperação; (koinōnía: partilha generosa de bens e cuidados — contribuição, socorro, hospitalidade [Atos 2:44-45; 2 Coríntios 8:1-5; Romanos 12:13].) pois, com tais sacrifícios, Deus se compraz. (Esses atos são “sacrifícios espirituais” agradáveis por meio de Cristo [Miqueias 6:6-8; Filipenses 4:18; 1 Pedro 2:5; Romanos 12:1-2].)

C. Apelos e Pedidos de Oração (Hebreus 13:17-19)

Hebreus 13:17 Obedecei aos vossos guias (peithésthe = “sejam persuadidos”, “deixem-se conduzir pela verdade que eles ensinam”; não é obediência cega, mas resposta confiante ao ensino fiel da Palavra [Hebreus 13:7; 1 Tessalonicenses 5:12-13; 1 Timóteo 5:17]. A autoridade pastoral é ministerial, derivada de Cristo e limitada pela Escritura [1 Pedro 5:2-3; Atos 20:28-32].) …e sede submissos para com eles; (hypeíkete = “cedam”, “cooperem”; disposição prática de seguir a direção espiritual visando a edificação do corpo [Filipenses 2:2; Efésios 4:11-16]. Submissão cristã é sempre “no Senhor” — jamais contra a sã doutrina [Efésios 5:21; Gálatas 1:8-9].) …pois velam por vossa alma, (agrupnoûsin = “vigiam sem dormir”; os guias são “atalaias” espirituais, responsáveis por advertir e proteger o rebanho [Ezequiel 3:17-21; Atos 20:28-31]. O foco do cuidado é “vossas almas”, isto é, a vida inteira diante de Deus [1 Pedro 2:25].) …como quem deve prestar contas, (Eles darão lógon — relatório — ao Supremo Pastor [Tiago 3:1; 1 Pedro 5:4; 2 Coríntios 5:10]. Isso tempera a autoridade com temor santo.) … para que façam isto com alegria (A meta comunitária é que o pastoreio seja exercido com chara — alegria — e não como fardo [Filipenses 1:25; 2 Coríntios 1:24]. A cooperação dos santos torna o ministério jubiloso.) … e não gemendo; (stenázontes = “suspirando/queixando-se”; quando o rebanho resiste obstinadamente, o ministério se torna penoso [Números 11:14-17; 2 Coríntios 2:1-4].) …porque isto não aproveita a vós outros. (Rebeldia contra liderança piedosa prejudica o próprio povo — “não é proveitoso” — pois sabota a edificação e a vigilância que Deus proveu para o bem da igreja [Hebreus 13:17b; Efésios 4:12-16].)

Hebreus 13:18 Orai por nós, (A mesma comunidade que se submete também sustenta seus líderes em oração; padrão apostólico: “Orai por nós” [1 Tessalonicenses 5:25; Efésios 6:18-20; Colossenses 4:3-4]. A obra espiritual avança por meio da intercessão do corpo [2 Coríntios 1:11].) …pois estamos persuadidos de termos boa consciência, (syneídesis agathé: consciência limpa diante de Deus e dos homens, fruto do sangue de Cristo que purifica o íntimo [Atos 24:16; Hebreus 9:14; 10:22; 2 Coríntios 1:12].) …desejando em todas as coisas viver condignamente. (kalōs anastréphesthai = conduzir-se de modo honroso e coerente com o evangelho [1 Pedro 2:12; Filipenses 1:27]. Líderes pedem oração não por capricho, mas para perseverarem em vida íntegra.)

Hebreus 13:19 Rogo-vos, com muito empenho, (Intensidade pastoral: perissotérōs parakalō — “insisto com maior empenho” [Romanos 15:30].) …que assim façais, (Que orem de fato, continuadamente [Colossenses 4:2].) …a fim de que eu vos seja restituído mais depressa. (A oração pode abrir portas e acelerar livramentos e reencontros no plano de Deus [Filemom 22; Romanos 1:10-12; Atos 12:5-11]. O próprio contexto sugere expectativa de visita — “Timóteo foi solto… logo irei convosco” [Hebreus 13:23]. A providência de Deus governa tempos e caminhos; a oração da igreja coopera com seu propósito [Tiago 5:16; Provérbios 16:9].)

D. A Bênção Final e as Saudações (Hebreus 13:20-25)

Hebreus 13:20 Ora, o Deus da paz, (Título frequente de Deus que sublinha Sua obra de reconciliação e inteireza: Ele faz paz pelo sangue de Cristo e sustenta a paz entre os santos [Romanos 15:33; 16:20; 2 Coríntios 13:11; Colossenses 1:20].) que tornou a trazer dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, (A ressurreição é o selo público do Pai à obra do Filho e o fundamento de toda bênção: Deus “soltou as dores da morte” e levantou Jesus [Atos 2:24; Romanos 10:9; 1 Coríntios 15:3-4].) o grande Pastor das ovelhas, (Cumprimento das promessas de um Pastor davídico que apascentaria o rebanho de Deus [Ezequiel 34:23; 37:24]; Jesus é o “Bom Pastor” que dá a vida pelas ovelhas e o “Supremo Pastor” que voltará [João 10:11, 14; 1 Pedro 5:4].) pelo sangue da eterna aliança, (A nova aliança é eterna em eficácia e alcance, ratificada “pelo sangue” de Cristo, em contraste com o antigo regime [Jeremias 31:31-34; Lucas 22:20; Hebreus 9:12,15; 10:14]. A construção “en/diá haímatí diathḗkēs aiōníou” indica que a ressurreição e o pastoreio eficaz do Cristo são inseparáveis do sacrifício que estabeleceu a aliança — Deus O exaltou porque consumou a vontade salvadora [Filipenses 2:8-11; Romanos 4:25].)

Hebreus 13:21 vos aperfeiçoe em todo o bem, (katartísai = “equipar”, “ajustar”, “restaurar a forma adequada”, como redes consertadas para uso [Mateus 4:21; Efésios 4:12]. A bênção pede capacidade real para a vida santa, não só desejo.) para cumprirdes a sua vontade, (A vontade de Deus é revelada e é “boa, agradável e perfeita”; em Hebreus, o Filho veio fazer essa vontade, e nela somos santificados [Romanos 12:2; Hebreus 10:7,10].) operando em vós o que é agradável diante dele, (Deus não só requer, Ele opera—energō̂n—em nós tanto o querer como o efetuar [Filipenses 2:13; 1 Tessalonicenses 2:13]. “Agradável” ecoa a linguagem de sacrifício aceitável [Romanos 12:1; 1 Pedro 2:5].) por Jesus Cristo, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém! (Toda capacitação e todo culto são mediados por Cristo; por isso, a doxologia O exalta sem fim [Romanos 11:36; Judas 25]. “Amém” sela a fé comunitária nessa oração [2 Coríntios 1:20].)

Hebreus 13:22 Rogo-vos ainda, irmãos, (Tom pastoral afetuoso; o autor não impõe, suplica [1 Tessalonicenses 4:1].) que suporteis a presente palavra de exortação; (lógos paraklḗseōs = “palavra de encorajamento/exortação”; o livro todo é uma homilia que consola e admoesta sob pressão [Atos 13:15; Hebreus 10:25]. “Suportar” implica acolher mesmo quando confronta [Hebreus 4:12-13].) tanto mais quanto vos escrevi resumidamente. (Dado o peso teológico (aliança, sacerdócio, sacrifício), o autor chama de “resumo” o que nos parece extenso; ele reduziu ao essencial para mover à perseverança [Hebreus 5:11; 6:1-3; 10:36].)

Hebreus 13:23 Notifico-vos que o irmão Timóteo foi posto em liberdade; (Nota histórica que situa a carta no circuito missionário: companheiro de ministério agora “solto”, como outros servos presos por causa do evangelho [Filipenses 2:19-23; 2 Timóteo 4:9].) com ele, caso venha logo, vos verei. (Esperança de visita e reconexão presencial—o cuidado pastoral busca presença, não só carta [Filemom 22; Romanos 1:11-12].)

Hebreus 13:24 Saudai todos os vossos guias, (Eco de [Hebreus 13:7,17]: honrar liderança piedosa preserva a saúde do corpo.) bem como todos os santos. (Abrange a igreja inteira; “santos” = consagrados a Deus em Cristo [1 Coríntios 1:2].) Os da Itália vos saúdam. (Comunhão católica no melhor sentido: santos de outra região enviam paz; pode ser gente na Itália ou de origem italiana noutro lugar — o ponto é a unidade translocal [Atos 28:15; Romanos 16].)

Hebreus 13:25 A graça seja com todos vós. (Fecho apostólico clássico: tudo o que foi pedido e ordenado depende da graça—favor imerecido que salva, sustenta e perfaz [Hebreus 4:16; 12:15; 2 Coríntios 12:9; 2 Tessalonicenses 3:18].)

IX. Devocional de Hebreus 13

“Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles; dos que sofrem adversidades, como sendo vós mesmos também no corpo” (Hb 13.3). É assim que o escritor aos Hebreus aplica o evangelho às relações cotidianas. Ele acaba de pedir que “permaneça o amor fraternal” (Hb 13.1), e imediatamente desce ao solo mais áspero sobre o qual esse amor deve caminhar: pessoas acorrentadas, irmãos espremidos pela adversidade. Não nos oferece sentimentalismo, mas uma imaginação santificada: “como se estivésseis presos com eles”; e não admite distância confortável: “sendo vós mesmos também no corpo”. É a teologia da encarnação levada ao nível do corredor da prisão, do leito do hospital, da casa silenciosa onde a viúva olha para o armário vazio (Mt 25.35–36).

No princípio, a Igreja aprendeu isso pelo fogo. Prisões e açoites não eram metáfora; eram agenda (At 5.18; 12.4). Os crentes “compadeceram-se dos que estavam nas prisões” e “aceitaram com alegria o espólio dos seus bens” (Hb 10.34). Paulo escreve com a tinta das correntes: “Lembrai-vos das minhas algemas” (Cl 4.18); e ao mencionar a casa de Onesíforo, é isto que louva: “muitas vezes me recreou, e não se envergonhou das minhas cadeias… e me assistiu com grande diligência” (2Tm 1.16–18). O Cabeça se identifica com o corpo perseguido: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9.4). Quando a Igreja esquece os presos, esquece Cristo; quando visita o encarcerado, visita Cristo; quando dá água ao sedento, dá a Cristo; quando fecha o coração, fecha a Cristo (Mt 25.35–40; 1Jo 3.16–18).

Mas reparem na pedagogia do texto. “Lembrai-vos”: não é uma emoção passageira, é uma prática deliberada da memória. A carne esquece; a fé lembra. Lembrar é trazer à mente e ao calendário; é pôr nomes na oração e mãos no ombro; é abrir a carteira e a agenda. E como lembrar? “Como se estivésseis presos com eles.” O evangelho treina a imaginação moral: assume os grilhões emprestados, sente o frio da pedra, o ranger da fechadura, o peso do olhar público. Não basta um suspiro polido; é “vestir-se de saco”, como Davi, que, quando seus adversários adoeciam, “humilhava sua alma com jejum” (Sl 35.13). Não se trata apenas de fazer algo; trata-se de sentir com: “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (Rm 12.15). A Igreja primitiva não terceirizou a compaixão para o Estado; “visitou” (Mt 25.36), isto é, foi até, entrou, levou calor humano, levou Cristo.

E por que assim? “Sendo vós mesmos também no corpo.” O escritor põe dois fundamentos sob a compaixão cristã. O primeiro é a nossa vulnerabilidade comum. Enquanto estivermos “no corpo”, estamos dentro da zona de risco: doença, perda, injustiça, tentação, e aquela dor que os médicos não medem, mas o salmista conhece: “as minhas iniquidades se elevaram acima da minha cabeça” (Sl 38.4). Hoje visitas; amanhã és visitado. “Não te glories do dia de amanhã” (Pv 27.1). Jó “morreria no ninho”, supunha (Jó 29.18); e em poucas linhas estava sentado sobre cinza. Queres consolação quando chegar tua noite? Semeia-a agora. “Bem-aventurado o que atende ao pobre; o Senhor o livrará no dia do mal… sustentá-lo-á no leito da enfermidade” (Sl 41.1–3). “Quem se compadece do pobre ao Senhor empresta, e este lhe pagará o seu benefício” (Pv 19.17). O segundo fundamento é ainda mais profundo: a nossa solidariedade em Cristo. “Se um membro padece, todos os membros padecem com ele” (1Co 12.26). Não há “eles” e “nós” quando o Espírito nos batizou em um corpo (1Co 12.13). O sofrimento de um crente não é um espetáculo a ser consumido; é um chamado a ser obedecido. O Senhor Jesus também “padeceu fora da porta”; por isso, “saiamos a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hb 13.12–13).

Ora, como se parece, na prática, esta memória que sente e age? Primeiro, com uma simpatia que não passa ao largo. A parábola do bom samaritano continua sendo a radiografia do nosso coração (Lc 10.30–37). Quantas notícias lemos — guerras, enchentes, famílias desalojadas — e, em minutos, já trocamos de tela, já rimos; e nenhum joelho dobrou, nenhum plano foi feito. A fé, porém, anda outra estrada: ela imagina “como se”. Vê a mãe no abrigo com as crianças; vê o jovem no cárcere; vê o idoso que ninguém visita; vê a irmã com câncer, o irmão desempregado, o adolescente humilhado; e se coloca lá, por um momento, para depois se colocar ao lado, por muito tempo.

Depois, com intercessão. O Novo Testamento manda “fazer súplicas, orações, intercessões por todos os homens” (1Tm 2.1), e mostra a igreja orando “instante e continuamente” por Pedro na prisão (At 12.5). Tiago manda chamar os presbíteros para orar pelo enfermo, com a promessa de que “a oração da fé salvará o doente” (Tg 5.14–15). Orar não é fuga do dever; é o primeiro dever: é reconhecer que há prisões que só Deus abre, algemas que só Deus rompe, culpas que só Deus perdoa, tristezas que só Deus consola. Não é oração protocolar; é a súplica de quem sente: “Quando eles estavam enfermos, eu me vestia de saco” (Sl 35.13).

E, então, com serviço concreto. “Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito há nisso?” (Tg 2.15–16). O próprio Senhor nos ensina a gramática do amor: pão, água, hospedagem, roupa, visita (Mt 25.35–36). Nem todos podem muito, mas todos podem algo: um telefonema, uma carona, uma cesta, um quarto, uma carta, uma presença. E o “algo” deve vir com o coração inteiro: “Se abrires a tua alma ao faminto, e fartares a alma aflita, então a tua luz nascerá nas trevas… e serás como um jardim regado” (Is 58.10–11). Os macedônios, embora “em profunda pobreza”, “transbordaram em rica generosidade”; deram “além das suas forças” e suplicaram o privilégio de participar (2Co 8.1–4,12). Eis o espírito do evangelho.

Tal compaixão deve ser exercida com discernimento evangélico. Não a idolatramos, como se substituísse Cristo. O liberalíssimo Paulo, que recolhe ofertas e organiza socorros, é o mesmo que diz: “Se eu repartir todos os meus bens… e não tiver amor, nada disso me aproveitará” (1Co 13.3). E o amor, segundo ele, nasce do evangelho, não compra favor com Deus, não paga pecado; antes, responde à misericórdia recebida: “Pelas misericórdias de Deus… apresentai os vossos corpos” (Rm 12.1). Também não a subestimamos, como se fosse ornamento opcional da fé. Tiago fala sem rodeios: uma religião “pura e imaculada” visita “os órfãos e as viúvas nas suas tribulações” (Tg 1.27). João, igualmente direto, pergunta: “Se alguém possuir recursos deste mundo e vir seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o coração, como permanece nele o amor de Deus?” (1Jo 3.17). A prova de que o evangelho chegou ao bolso e à agenda é que chegou ao coração.

Aqui alguém dirá: mas e se abusarem? E se eu der e for mal utilizado? A Escritura não nos chama a ingenuidade, mas à obediência. Há sabedoria a exercer, eclesiástica e pessoal (At 6.1–4; 1Tm 5.3–16). Mas observai como Deus fala aos que, por medo de abusos, se retraem: “Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás” (Ec 11.1). E Jesus acrescenta: “Dai, e ser-vos-á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordante vos deitarão no regaço” (Lc 6.38). O risco maior não é sermos enganados às vezes; é sermos endurecidos sempre.

Tudo isso, porém, será impossível, se não lembrarmos que a motivação principal do texto não é a miséria dos homens, mas a majestade de Cristo. O capítulo 13 é o cap. 12 aplicado: recebemos um “reino inabalável” (Hb 12.28); aproximamo-nos de “Jesus, o Mediador da nova aliança” (Hb 12.24); agora, pois, vivemos como cidadãos de Sião. E como vivem os cidadãos de Sião? Em amor fraternal (Hb 13.1), hospitalidade (v.2), compaixão pelos presos e aflitos (v.3), pureza no casamento (v.4), desapego do dinheiro (v.5–6), submissão aos guias (v.7,17), fidelidade doutrinária (v.9), louvor sacrificial (v.15) e beneficência que Deus não esquece (v.16; Hb 6.10). É a ética do altar: “Saiamos a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hb 13.13). Não é programa social adicionado ao evangelho; é o evangelho transbordando em vida.

Como, então, começar? Começa lembrando. Põe nomes diante do Senhor. Escreve cartas aos encarcerados; visita os enfermos; liga para os esquecidos; pergunta sem pressa; escuta sem julgar; dá sem alarde (Mt 6.3–4). Pergunta ao teu pastor onde tua igreja pode socorrer melhor; associa-te a irmãos aptos, para que tua esmola não seja esporádica, mas sábia e constante (At 6.3). E, quando o medo de perder tempo ou dinheiro sussurrar, lembra-te: “sendo tu também no corpo”. Hoje és a mão que estende; amanhã precisarás da mão estendida. E, sobretudo, lembra-te do Corpo ferido, do Senhor acorrentado, do Rei rejeitado, que fez de tua miséria sua causa, e, “sendo rico, por amor de vós se fez pobre, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9). À sombra dessa cruz, toda compaixão cristã é apenas gratidão em movimento.

No fim, o que o texto exige é simples e imenso: uma igreja que sente, ora e serve “como se”. Como se estivesse algemada; como se estivesse no leito; como se estivesse sob a perda; como se fosse Cristo — porque, de fato, é Cristo a quem servimos (Mt 25.40). E a promessa permanece: “O Senhor… te guiará continuamente, e fartará a tua alma… e serás como um jardim regado” (Is 58.11). Que o Deus de toda consolação nos conceda “mais graça” para lembrarmos, sofrermos com e socorrermos, até o dia em que nenhuma cadeia restará e “não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor” (Ap 21.4). Até lá, lembremos — e sirvamos.

A. Corramos com Perseverança, Fitando os Olhos em Jesus

“Seja a vossa vida sem avareza; contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: Nunca te deixarei, jamais te desampararei. Assim, com confiança, afirmemos: O Senhor é o meu ajudador; não temerei: que me poderá fazer o homem?” (Hb 13.5–6). Notem o encadeamento: uma ordem que toca o nervo mais sensível do nosso tempo — dinheiro, segurança, acumulação — e, em seguida, uma promessa tão vasta que parece audácia colocá-la na mesma frase. É exatamente isso que o Espírito faz: amarra a renúncia cristã à presença prometida; opõe à “vida com amor ao dinheiro” a companhia do Deus vivo; põe, contra as cifras, um Nome. É o método do evangelho: Deus nunca nos manda soltar algo sem mostrar que Ele mesmo é melhor do que aquilo que largamos. “Eu sou a tua porção” (Lm 3.24); “o Senhor é a porção da minha herança e do meu cálice; tu sustentas a minha sorte” (Sl 16.5–6).

“Seja a vossa vida sem avareza.” O termo abrange o espírito que mede tudo por lucro, que converte meios em fins, que pensa que possuir é viver. A Escritura não suaviza o diagnóstico: “a avareza… é idolatria” (Cl 3.5); é raiz de muitos males, e alguns, querendo enriquecer, “naufragaram na fé” (1Tm 6.9–10). E, contudo, observem a delicadeza do texto: não é apenas proibir; é libertar. “Contentai-vos com as coisas que tendes.” Paulo diria: “Aprendi a viver contente em toda e qualquer situação… tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.11–13). Contentamento não é um temperamento afável, é uma teologia aplicada. Não nasce de um cálculo de despesas, mas de uma contemplação de Deus. Não é negar necessidades legítimas; é negar que qualquer necessidade legítima possa ser suprida melhor do que pela fidelidade do nosso Pai (Mt 6.25–34). O contentamento cristão não é resignação estoica; é adoração. É a alma dizendo, ao olhar para o pão simples e o copo d’água: “Tenho a Deus, tenho o melhor. O resto é acréscimo.” Habacuque cantou assim, e sua canção não é romântica, é real: “ainda que a figueira não floresça… todavia eu me alegrarei no Senhor” (Hc 3.17–19).

Mas como se chega a esse “todavia”? O escritor não nos deixa adivinhar: “porque ele tem dito: Nunca te deixarei, jamais te desampararei.” O mandamento repousa sobre um “porque”; a ética repousa sobre a promessa. E que promessa! Quem lê no original percebe a força: a língua tropeça em negativos empilhados — “de modo nenhum te deixarei, de modo nenhum te desampararei”. É a velha palavra dita a Josué, quando a tarefa era grande e os inimigos muitos: “Como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei” (Js 1.5). E agora o Espírito a toma e a coloca na boca da Igreja toda. Não foi dita a um herói isolado, mas ao povo entrando em sua herança; vale para todos os que seguem o Cordeiro rumo à Canaã celestial. É a assinatura de Deus sobre cada dever e cada risco: “Eu estou convosco” (Mt 28.20). É o juramento do Emanuel: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14.18). É a aliança do Deus que não muda (Ml 3.6; Tg 1.17).

“Não te deixarei” — isto é, sua providência não se ausentará um minuto. “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai… até os cabelos todos da vossa cabeça estão contados” (Mt 10.29–30). Haverá mares fechando caminhos? Ele abre veredas no mar (Êx 14). Faltará pão no deserto? Ele dá maná do céu e água da rocha (Êx 16; 17). Chegará a hora em que parece tarde demais? “No monte do Senhor se proverá” (Gn 22.14) — lembrem-se do cutelo erguido e da mão detida, do carneiro preso pelos chifres. Virá o corvo com pão, virá a viúva de Sarepta com farinha que não se acaba (1Rs 17). E se as despesas estiverem na frente da receita, não inverteremos a ordem do reino por causa disso: “Buscai primeiro o reino de Deus… e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

“Nem te desampararei” — isto é, sua graça não cessará de operar. Ele pode permitir espinhos na carne e adversários à porta; pode, por sábios propósitos, deixar que sintamos nossa fraqueza até o fim da oração; mas sempre dirá no ápice da nossa insuficiência: “A minha graça te basta” (2Co 12.9). Pode esconder o rosto “por breve momento”, para nos ensinar a esperar; mas com “misericórdia eterna” nos acolhe (Is 54.7–10). Pode permitir tentações mais fortes do que nossa autoconfiança; nunca “provará além do que podeis”, antes “com a tentação dará também o escape” (1Co 10.13). Mesmo quando caímos, não diz: “Acabou-se”; diz: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, quando te converteres, fortalece teus irmãos” (Lc 22.32). É assim que o “não te desampararei” se torna ministério.

E agora vem a consequência que o texto exige: “Assim, com confiança, afirmemos: O Senhor é o meu ajudador; não temerei: que me poderá fazer o homem?” O evangelho não apenas nos dá promessas para contemplar; dá-nos palavras para confessar. Ele coloca em nossa boca a linguagem do Salmo 118.6; ele treina o coração para falar alto quando as circunstâncias gritam. “Podemos dizer com ousadia” — não insolência, mas certeza humilde. Não temeremos o homem, porque já tememos a Deus; e, temendo-o, encontramos refúgio nele (Is 8.12–14). O máximo que o homem pode fazer é tocar no corpo; e mesmo isso está dentro da mão do Pai (Mt 10.28–31). Se Deus é por nós, quem será contra nós? (Rm 8.31). Podem formar consórcios, produzir leis, fechar portas; não podem tocar na herança, não podem desligar a mão invisível à direita (Sl 121.5), não podem apagar o nome escrito no céu (Hb 12.23; Lc 10.20). “Quando eu temer, hei de confiar em ti… em Deus ponho a minha confiança; não temerei; que me poderá fazer o homem?” (Sl 56.3–4,11).

Vejam, então, como a promessa atua sobre o dever. Quem tem o “nunca te deixarei” escrito no coração pode viver sem amarras do amor ao dinheiro. A avareza nasce do medo escamoteado: “e se faltar?”; “e se…” A presença prometida mata esse “e se…”. Não é imprudência; é fé obediente. Não é irresponsabilidade financeira; é responsabilidade teológica. Não é gastar sem cálculo; é calcular com Deus. Com essa liberdade, a hospitalidade floresce (Hb 13.2), a compaixão se move (v.3), o casamento se guarda honrado (v.4), a beneficência se torna sacrifício que Deus não esquece (v.16). O coração desprendido é o único capaz de prender-se aos irmãos. E a prova de que o dinheiro perdeu o trono é que ele ganhou o altar (1Tm 6.17–19; 2Co 9.6–8). Aqui está a ética do reino inabalável (Hb 12.28): mãos abertas porque o Pai segurou a nossa; passos firmes porque o Pastor não larga as ovelhas; riscos assumidos porque a presença está garantida.

Alguém dirá: “Mas e se eu perder mesmo?” Talvez você perca. Os hebreus “aceitaram com alegria o espólio dos seus bens, conhecendo que tinham uma possessão melhor e permanente” (Hb 10.34). A promessa não é de que não perderás — é de que não serás deixado. A diferença é tudo. “As linhas caíram” ainda em lugares agradáveis, não porque o campo é fértil, mas porque o Senhor é a porção (Sl 16.5–6). E se o pior vier — se o corpo for algemado, se a reputação for manchada, se a porta se fechar — a Confiança permanece: “O Senhor é o meu ajudador.” Ele se ajudou a quem? A quem ousou obedecer. Não usemos a promessa para justificar cobardia; usemo-la para sustentar obediência. O texto não foi dado para embalar covardes, mas para libertar discípulos.

Então, guardem a promessa. Memorizem-na, repitam-na, lancem-na à face do medo e da ganância. Façam como Jacó naquela noite de vale: “Tu disseste…” (Gn 32.12). Todas as promessas são “sim e amém” em Cristo (2Co 1.20). O Deus que diz “nunca” é o mesmo ontem, hoje e para sempre (Hb 13.8). Coloquem esta palavra à cabeceira quando a planilha não fecha; levem-na ao escritório quando a pressão for indecente; ponham-na no coração quando a comparação com os outros teça invejas; repitam-na no consultório, na entrevista, na oposição, no corredor da noite. “Nunca… jamais.” E, à medida que vocês a dizem, verão que outra frase nasce nos lábios: “O Senhor é o meu ajudador; não temerei.”

É assim que se cumpre o preceito: uma vida sem avareza porque há um Deus que não falta; um contentamento robusto porque há uma presença constante; uma ousadia santa que diz “não temerei” porque já descobriu que “nada pode nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38–39). Que o Espírito grave em nós o “nunca” de Deus, para que o nosso “não temerei” não seja bravata, mas fé. E que, livres do fascínio do ouro, sejamos cativos de uma promessa — e, portanto, úteis, generosos, obedientes — até o dia em que já não será preciso dizer “não te deixarei”, porque veremos Aquele que nunca nos deixou.

B. A glória de Cristo imutável

“Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre” (Hebreus 13:8). Poucas frases nas Escrituras soam tão simples e, ao mesmo tempo, tão vastas. Vivemos num mundo em fluxo contínuo: governos sobem e caem; afetos aquecem e arrefecem; saúde e forças declinam; até a própria Igreja, vista do lado de cá, conhece fases de vigor e momentos de fraqueza. Em meio a tantas oscilações, a alma precisa de um ponto fixo, uma rocha que não se move. A revelação nos aponta para o Filho: Deus, reconciliando-nos consigo mesmo no Amado, convida-nos a repousar nEle, “que não muda” (Malaquias 3:6). A cada página da Escritura ouvimos a exortação do salmista: “No dia da minha angústia buscarei o Senhor” (Salmos 77:2). Quando a nação estremece ao som de rumores e conspirações, a Palavra nos corrige e consola: “Não chameis conspiração… antes santificai ao Senhor dos Exércitos; e Ele será santuário” (Isaías 8:12–14). Quando tememos o rosto do homem, o Altíssimo nos interpela: “Quem és tu, para teres medo do homem que é mortal… e te esqueceres do Senhor, que te criou?” (Isaías 51:12–13). E quando a Igreja é provada por mudanças, perdas, e vozes confusas, a medicina continua a mesma: considerar Jesus Cristo, sempre o mesmo, para que não sejamos “levados em roda por doutrinas várias e estranhas” (Hebreus 13:9; Atos dos Apóstolos 20:29–30).

Comecemos onde o texto começa: na pessoa do nosso Senhor. A expressão “ontem, hoje e para sempre” não descreve apenas uma longa duração, mas a eternidade própria de Deus. É a nota daquele “Eu Sou” revelado a Moisés (Êxodo 3:14), ecoada quando o Ressuscitado declara: “Eu sou o Alfa e o Ômega… o Todo-Poderoso” (Apocalipse 1:8). O Salmo 102 confessa perante a fugacidade das criaturas: “Tu és o mesmo, e os teus anos não terão fim” (Salmos 102:27); e o autor de Hebreus aplica essas palavras ao Filho (Hebreus 1:10–12). Por isso, quando Jesus afirma: “Antes que Abraão existisse, Eu Sou” (João 8:58), não estamos diante de retórica mística, mas do testemunho claro de sua divindade. “Suas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Miquéias 5:2); “fui estabelecida desde a eternidade”, canta a Sabedoria que nEle se encarnaria (Provérbios 8:23). Se o pecado nos ensinou sua gravidade, entendemos por que essa verdade é vital: nenhum sangue de mera criatura poderia expiar culpa tão real; somente “a justiça de Deus” (Romanos 3:21–26), manifesta no Deus-Filho feito homem, basta para nos apresentar inculpáveis. Honrar o Filho como honramos o Pai (Filipenses 2:10–11) não é excesso devocional; é a fé apostólica, a única âncora que resiste ao vento da morte, à culpa do passado e às incertezas do futuro.

Essa imutabilidade traz, em seguida, a extensão do seu poder. “Por meio dele foram feitas todas as coisas… e nEle tudo subsiste” (Colossenses 1:16–17). O mesmo que “lançou os fundamentos da terra” (Hebreus 1:10) é quem, nos dias de sua carne, purificou leprosos, deu vista aos cegos, calou ventos e mares, expulsou demônios e chamou mortos à vida. Ele nunca operou como um mero delegado; sua palavra carregava virtude própria. E Ele é hoje o mesmo. Há algum transtorno do corpo ou da alma que exceda sua mão? Algum vício tão enraizado que Ele não possa arrancar? A voz que no princípio disse: “Haja luz”, pode agora iluminar “o coração para o conhecimento da glória de Deus” (Gênesis 1:3; 2 Coríntios 4:6), recriando-nos “segundo Deus, em justiça e santidade” (Efésios 4:24). Aquele que “despojou principados e potestades” (Colossenses 2:15) esmagará “Satanás debaixo dos vossos pés” (Romanos 16:20). Mudam-se os instrumentos humanos; cessam vozes que nos guiaram; mas a fonte permanece. “A mão do Senhor está encolhida, para que não possa salvar? Ou agravado o seu ouvido, para não poder ouvir?” (Isaías 59:1). O povo de Deus bebeu antes pela mão de Moisés; mas a água vinha da Rocha — e “a Rocha era Cristo” (1 Coríntios 10:4). Se Ele nos deu ontem pastores fiéis, Ele mesmo é hoje o “Pastor e Bispo das vossas almas” (1 Pedro 2:25), e amanhã levantará, se for do seu agrado, outros vasos de barro para portarem o tesouro (2 Coríntios 4:7). A nossa parte é não exigir de Deus o seu modo, nem o seu tempo, mas rogar ao “Senhor da seara” que envie obreiros (Mateus 9:38), e aguardar com fé que a graça que fez de homens comuns servos úteis pode, mais uma vez, fazê-lo.

E que diremos do mérito eterno de sua obra? Antes que um cravo perfurasse aquelas mãos, o Cordeiro era, “em propósito e efeito”, “morto desde a fundação do mundo” (Apocalipse 13:8). Abel foi aceito não por magia ritual, mas porque, oferecendo dos primogênitos do rebanho, olhou pela fé para o sacrifício vindouro (Gênesis 4:4; Hebreus 11:4). Todos os holocaustos eram sombras desse “um só sacrifício, de uma vez por todas” (Hebreus 10:10). O bode emissário carregando as culpas de Israel para uma terra não habitada (Levítico 16) apontava para Aquele que “pelo Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu imaculado a Deus” a fim de purificar a consciência (Hebreus 9:14). Se Davi, culpado de pecados tão escandalosos, pôde pedir: “Purifica-me com hissopo, e ficarei limpo; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve” (Salmos 51:7), então o pior dos pecadores hoje pode aproximar-se com esperança. “Fiel é a palavra… que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”, e Paulo acrescenta: “dos quais eu sou o principal… para exemplo dos que haviam de crer nEle para a vida eterna” (1 Timóteo 1:15–16). Assim o anúncio permanece: “Temos a redenção pelo seu sangue, a remissão dos pecados” (Efésios 1:7); “o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1 João 1:7). Não olhe tanto para a fealdade do seu passado quanto para o valor infinito do sangue do Cordeiro. Volte-se de novo e de novo à fonte “aberta para o pecado e para a impureza” (Zacarias 13:1). Aplique-a às “iniquidades dos vossos santos serviços” tanto quanto às quedas grosseiras (Hebreus 10:22). É assim que a paz se renova e o serviço floresce.

Mas Ele é também o mesmo na ternura da sua compaixão. “Em toda a angústia deles foi Ele angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão os remiu; e os tomou, e os conduziu todos os dias da antiguidade” (Isaías 63:9). Que imagem mais vívida do cuidado de Cristo do que aquela da águia que desperta o ninho, paira, estende as asas, toma os filhotes e os leva sobre si (Deuteronômio 32:9–12)? Ele ainda “ajunta os cordeirinhos com os braços, e os leva no seu regaço; as que amamentam Ele guiará suavemente” (Isaías 40:11). Nunca quebrou a cana rachada; nunca apagou o pavio que fumega; ao contrário, leva o juízo à vitória (Isaías 42:3). Ele chorou com Marta e Maria (João 11:35); compadeceu-se das multidões desamparadas (Mateus 9:36); chorou por Jerusalém endurecida (Lucas 19:41). E mudaria Ele agora? Seria Ele, de repente, “um Sumo Sacerdote que não pode compadecer-se das nossas fraquezas”? Não, pois foi “em tudo tentado à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hebreus 4:15). Traga-Lhe, então, a pobreza que lhe pesa, as dúvidas que o atormentam, a dor que ninguém mais entende. “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei” (Mateus 11:28). Ele recebeu dons “até para os rebeldes” (Salmos 68:18). Quem foi a Ele e foi lançado fora? (João 6:37). Quem chorou aos seus pés e saiu sem consolo? Ele transforma cinzas em formosura, luto em óleo de alegria, espírito angustiado em veste de louvor (Isaías 61:3).

Por fim, Ele permanece o mesmo na fidelidade de suas promessas. Josué, no ocaso da vida, testemunhou: “Bem sabeis… que nenhuma promessa falhou… todas se cumpriram” (Josué 23:14). O Senhor Jesus, à beira da cruz, pôde dizer ao Pai: “Guardei aqueles que me deste” (João 17:12). Prometeu o Consolador — e no Pentecostes cumpriu (João 14:16–18; Atos dos Apóstolos 2). Ao longo dos séculos, seus santos têm descansado em “preciosas e mui grandes promessas” (2 Pedro 1:4) e não foram envergonhados; porque “quantas são as promessas de Deus, tantas têm nEle o sim” (2 Coríntios 1:20). Busque primeiro o Reino e a sua justiça, e não ficará desamparado (Mateus 6:33). Venha com pecados escarlates, e ouvirá: “Em maneira nenhuma te lançarei fora” (João 6:37). Clame por libertação do domínio do pecado, e encontrará a palavra firme: “O pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça” (Romanos 6:14). Talvez você tenha projetado muitos benefícios a partir de instrumentos humanos e, de súbito, viu a haste quebrar-se em suas mãos; mas, se erguer os olhos a Cristo, não corre risco de esperar demais. Ele será para você “sol e escudo”; “graça e glória” Ele dará; “bem nenhum sonegará aos que andam na retidão” (Salmos 84:11). Se for necessário que, “por um pouco”, você seja contristado por várias provações, saiba: elas forjam “um peso eterno de glória, sobremodo excelente” (1 Pedro 1:6; 2 Coríntios 4:17). Entregue a alma “fiel Criador, na prática do bem” (1 Pedro 4:19), e Ele o guardará “até aquele Dia” (2 Timóteo 1:12; Judas 24).

O que fazer, então, diante de um Cristo tão glorioso e tão imutável? Antes de tudo, conhecê-Lo. Esta é a vida eterna: “que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (João 17:3). Não se contente com noções sobre Ele: busque comunhão com Ele; como Paulo, considere tudo perda “por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus” (Filipenses 3:7–10). Em seguida, guarde o coração de tudo o que o afaste dEle. “Lembrai-vos dos que vos pregaram a palavra… imitai a fé deles” (Hebreus 13:7), mas não se deixe arrastar por vozes que diluam, desloquem ou substituam o Evangelho. Haverá sempre “doutrinas estranhas” tentando capturar sua atenção (Hebreus 13:9); resista mantendo-se no centro: “nada me propus saber entre vós, senão Jesus Cristo, e este crucificado” (1 Coríntios 2:2). Por fim, usufrua, até o limite, seu interesse nEle. “De sua plenitude todos nós temos recebido, e graça sobre graça” (João 1:16). Viva pela fé no Filho de Deus (Gálatas 2:20); busque as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus; esconda sua vida com Cristo em Deus, aguardando a manifestação da glória quando Ele se manifestar (Colossenses 3:1–4). Assim, quando tudo em volta oscilar, você poderá dizer com santa ousadia: “O Senhor é o meu ajudador; não temerei o que me possa fazer o homem” (Hebreus 13:6; Salmos 56:11). E quando o coração perguntar se haverá graça suficiente para o amanhã, responda com a própria Escritura: “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre.” Amém.

C. Cautela contra as falsas doutrinas

“Não vos deixeis levar por doutrinas várias e estranhas; porque bom é que o coração se fortifique com a graça” (Hebreus 13:9). A verdade de Deus não flutua na superfície como espuma; ela precisa ser buscada, cavada, recebida com a mente atenta e, acima de tudo, com um coração íntegro. Em qualquer ciência basta o intelecto; mas, quando se trata do Evangelho, é preciso também aquela disposição de criança que pergunta para obedecer, que aprende para praticar. Há preconceitos, paixões, interesses e vaidades que se levantam dentro de nós para barrar a entrada da luz; por isso o apóstolo ergue esta placa de advertência à beira do caminho: não se deixem arrastar. E acrescenta o remédio: firmem o coração na graça. Esta dupla palavra — cautela e cura — é urgentíssima, porque a Igreja sempre conviveu com mestres persuasivos, de fala doce e aparência piedosa, que, “com suaves palavras e lisonjas, enganam os corações dos simples” (Romanos 16:17–18), disfarçando-se, como o seu senhor, “em anjos de luz” (Segunda aos Coríntios 11:13–15). Havia assim “faladores vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão”, que transtornavam casas inteiras (Tito 1:10–11), e “heresias de perdição” que faziam “o caminho da verdade ser blasfemado” (Segunda de Pedro 2:1–3). Havia lobos prontos a não poupar o rebanho e homens surgindo “do meio” da própria comunidade para “atrair discípulos após si” (Atos dos Apóstolos 20:29–30). O cenário não mudou. E a primeira corrente que nos tenta arrastar é sempre a legalista: ontem insistia-se que sem os ritos mosaicos ninguém poderia ser salvo (Atos dos Apóstolos 15:1; Colossenses 2:16); hoje, o coração natural apenas troca o traje do fariseu, mas conserva-lhe a lógica — quer somar algo seu à obra de Cristo, quer um cofundamento para a esperança. Porém o Evangelho não admite admixturas: “ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim como dívida” (Romanos 4:4); “se é por graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça” (Romanos 11:6). O instante em que acrescentamos, como base de justificação, qualquer mérito nosso, nesse instante “excluímos” a glória de Deus e reabrimos a “jactância” do homem (Romanos 3:27). É por isso que a tentativa de unir confiança em Cristo e confiança em obras “anula o escândalo da cruz”, “faz Cristo de nenhum proveito” e deixa o homem “separado de Cristo” (Romanos 9:30–33; Gálatas 5:2; Gálatas 5:4).

No extremo oposto, surge a sedução antinomiana. Nos dias apostólicos, convertidos oriundos do paganismo trouxeram consigo permissividades antigas; por isso se reafirmou que “o matrimônio é digno de honra entre todos”, e que Deus julgará “os impuros e adúlteros” (Hebreus 13:4), pois “ninguém vos engane com palavras vãs; por essas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência” (Efésios 5:5–6; Apocalipse 2:14; Apocalipse 2:20). Hoje, com nova linguagem, há quem diga que a lei já não é regra de vida, que a santidade pessoal seria desnecessária porque temos “toda” santificação em Cristo. É um sofisma que parece exaltar o Salvador, mas, na verdade, O desonra: converte-o, não no amigo do pecador arrependido, mas no cúmplice do pecado que mantém o homem inapto para o céu, pois “nela não entrará coisa alguma impura” (Apocalipse 21:27). O propósito do Filho é claro: “salvar o seu povo dos seus pecados” (Mateus 1:21). A promessa do Pai é igualmente clara: “aspergirei água pura… dar-vos-ei coração novo… porei o meu Espírito dentro de vós e farei que andeis nos meus estatutos” (Ezequiel 36:25–27; Primeira de Pedro 1:2). A sentença permanece: “sem santidade ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14).

E porque o coração humano ama extremismos, multiplicam-se ainda outras “doutrinas estranhas”: umas negam o próprio Senhor (Judas 3), outras erguem sistemas que absolutizam uma meia-verdade e torcem toda a Escritura para caber no molde. A via de Deus, porém, é singela: é “a fé que opera por amor” — ou, como o apóstolo insiste aos colossenses, “assim como recebestes Cristo Jesus, o Senhor, assim andai nele; arraigados e edificados nEle, confirmados na fé… para que ninguém vos engane com raciocínios falazes” (Colossenses 2:4; Colossenses 2:6–7). É exatamente isso que significa ter o coração estabelecido com graça.

A graça, antes de tudo, é a própria substância da revelação: o plano nasceu nas deliberações eternas de Deus, sem referência a méritos humanos; o Filho, por puro amor, tomou o nosso lugar e, com o seu sangue, satisfez a justiça; o Espírito Santo aplica essa redenção com liberdade soberana. Quando o pecador aprende a dizer, com simplicidade e convicção, “pela graça de Deus sou o que sou”, torna-se inexpugnável às manobras do erro. Diga-se o que se disser, ele sabe por experiência que não pode absolver-se, nem ajudar a sua absolvição; reconhece, com a mesma evidência com que reconhece a necessidade de pão para o corpo, que necessita do Cristo para a alma e que o Evangelho convém exatamente às suas misérias. Tal homem não “cria” a verdade; ele a experimenta. E, porque a graça não apenas perdoa, mas governa, o Evangelho vem a nós como uma dispensação de poder transformador: o mesmo pacto que afirma “dos seus pecados jamais me lembrarei” também promete “porei a minha lei no seu coração” (Jeremias 31:33–34; Hebreus 10:16–17). Deus se compromete, em termos fortes, a não nos deixar tornar atrás: “pôr-lhes-ei o temor no coração, para que nunca se apartem de mim” (Jeremias 32:38–41). Por isso “esta graça em que estamos firmes” (Romanos 5:2) não apenas silencia a culpa, mas levanta um povo zeloso de boas obras; ela nos arranca das trevas para a luz e “do poder de Satanás para Deus”, provendo, em Cristo, “toda a suficiência” (a plenitude de Cristo), para que a sua força se aperfeiçoe na nossa fraqueza. Uma vez que isso se fixa no âmago, todo atalho perde o brilho. Santidade deixa de ser apêndice e torna-se o próprio coração da salvação: é a restauração, ainda que inicial, da imagem sem a qual ninguém suportaria — nem desejaria — a presença do Santo.

E que fruto traz, na prática, um coração assim confirmado? Primeiro, paz. Quem anda à mercê de cada vento doutrinário raramente conhece descanso; o espírito se enche de polêmicas, comparações, ressentimentos, “invejas, contendas, blasfêmias, suspeitas malignas” (Primeira a Timóteo 4:3–5). O homem firmado na graça, porém, mora mais alto; as tempestades sopram, mas sua mente está “firme, confiando no Senhor”. Ele aceita, sem agitação, que Deus não revelou tudo e que irmãos sinceros podem divergir em matérias secundárias; ele sabe que, enquanto sua fé em Cristo for viva e obediente, não errará de modo fatal, e que “não será confundido para sempre”. Segundo, estabilidade. Enquanto outros correm de rótulo em rótulo, ora canonizando, ora anatematizando, ele prossegue no curso, “correndo com perseverança a carreira que lhe está proposta”, e seu progresso se nota. É como o sol: atravessa o céu dando vida, e, ao pôr-se aqui, levanta-se acolá, “brilhando como o sol no reino de seu Pai” (Mateus 13:43).

Que faremos, então? Primeiro, não se contente em ignorar o Evangelho de Cristo. Nos fundamentos, os cristãos verdadeiros concordam: somos culpados e impotentes; somente em Jesus Cristo há salvação; precisamos da sua justiça para nos justificar e da sua graça para nos santificar; e, do começo ao fim, tudo é imerecido. Não é erudição que abre esse tesouro; muitas vezes, a erudição sem quebrantamento atrapalha (Primeira aos Coríntios 1:18–21). O caminho seguro é o da humildade: “ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mateus 11:25). Tome as Escrituras com oração (Provérbios 2:1–6); peça ao Espírito para guiá-lo “em toda a verdade” (João 16:13); e você “se fará sábio para a salvação pela fé que há em Cristo Jesus” (Segunda a Timóteo 3:15). Segundo, não se satisfaça com visões estreitas e indistintas. As mesmas verdades que você já crê podem, pela ação do Espírito, ganhar uma luminosidade nova e um peso novo. É o mesmo sol no inverno e no verão, mas com efeitos incomparavelmente diferentes. Peça a Deus que a sua senda, “como a luz da aurora, brilhe mais e mais até ser dia perfeito” (Provérbios 4:18). E, enquanto caminha, mantenha esta ordem santa: quando ouvir novidade que aponte para você e não para Cristo, suspeite; quando ouvir um Cristo que perdoa e não transforma, recuse; quando ouvir a graça que umedece os olhos e endurece os joelhos, abrace. Pois bom, muito bom, é que o coração se estabeleça com a graça. E um coração assim firmado não será levado — nem hoje, nem amanhã, nem no dia mau — por doutrinas várias e estranhas.

D. O Altar do cristão

“Temos um altar, do qual não têm direito de comer os que servem ao tabernáculo” (Hebreus 13:10). A fé cristã é de uma simplicidade majestosa: caída em Adão, a raça humana é levantada em Cristo. Mas Deus, em sua condescendência, enriqueceu essa simplicidade com imagens, tipos e sombras, para que víssemos, quase que a olho nu, a glória do Evangelho. É por isso que o autor de Hebreus toma o coração do culto mosaico — o altar — e diz aos crentes tentados a olhar para trás: não invejem nada; não vos deixais seduzir por fulgor antigo; nós temos um altar superior, e dele nos alimentamos; e aqueles que ainda se ocupam das sombras, esses, precisamente esses, não têm direito de comer aqui. O Israel antigo conhecia dois altares; mas é o altar do holocausto, o altar do sangue, que interessa aqui. Sobre ele queimavam-se as porções devidas a Deus; dele viviam os sacerdotes, pois “o Senhor era a sua herança” (Números 18:8–21; Primeira aos Coríntios 9:13; Números 18:20–21); em certas ocasiões, como no sacrifício pacífico, o próprio ofertante se sentava à mesa do Santíssimo, por assim dizer, e comia a maior parte (Levítico 7:11–21). Todavia havia uma exceção solene: quando o sangue era levado para dentro do véu, ninguém comia; tudo era queimado fora do arraial — e, mais tarde, fora da cidade (Levítico 6:30; Levítico 16:27). E não admira, portanto, que nosso Senhor, cumprindo a figura, tenha sofrido “fora da porta” de Jerusalém, enquanto, como nosso Sumo Sacerdote, penetrava “uma vez por todas” no Santo dos Santos “com o seu próprio sangue” (Hebreus 13:11–12; Hebreus 9:11–12). Aqui está o escândalo e o esplendor do Evangelho: do sacrifício cujo sangue entrou no santuário, ninguém sob a Antiga Aliança podia comer; mas desse mesmo sacrifício, agora tornado realidade em Cristo, somos convidados todos nós a participar, contanto que creiamos. E é precisamente por isso que “os que servem ao tabernáculo”, os que permanecem nas sombras quando a substância já chegou, não têm direito a esta mesa: a sua própria insistência nas cerimônias é confissão de incredulidade no Cordeiro que as cumpriu. Mesmo antes, ninguém colhia benefício espiritual sem olhar através do rito para o Messias. Como, então, poderia alguém colher fruto do Messias, persistindo em rejeitá-lo? Notem o que significava comer do antigo altar: o ofertante trazia a oferta com as próprias mãos, reconhecendo-se culpado e carente de reconciliação; impunha as mãos sobre a vítima, transferindo simbolicamente sua culpa (Levítico 7:29–30; Levítico 4:4; Levítico 4:15; Levítico 4:24; Levítico 4:33). É exatamente isso que o Evangelho requer, agora em sua forma pura: ver Jesus Cristo como o Sacrifício de Deus, trazê-lo, por fé, ao altar, lançar sobre sua cabeça as nossas iniquidades e descansar somente nele. O judeu que persiste no antigo tabernáculo não o faz; como poderia, então, comer do nosso altar? O próprio Senhor o disse com franqueza: “se não crerdes que Eu sou, morrereis em vossos pecados” (João 8:24).

Se é assim, se temos acesso a um altar vivo e superior, que consequências mais naturais do que viver desse altar, oferecer tudo sobre esse altar e chamar o mundo a aproximar-se dele? Os sacerdotes de outrora viviam do altar; e agora, feitos em Cristo “reino e sacerdotes” para Deus, somos chamados a viver pela fé do Filho de Deus, “que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gálatas 2:20). A vida cristã não é tentar gerar vida por obras para, então, merecer lugar à mesa; é, antes, receber vida do Cordeiro e, daí, trabalhar em gratidão. “Fostes comprados por preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” (Primeira aos Coríntios 6:20). E não apenas o sustento; toda oferta deve subir por esse mesmo caminho. Nada, absolutamente nada, era apresentado a Deus sem um memorial que ardia no altar. Assim também agora: nossas súplicas e louvores, nossas esmolas, nosso próprio corpo, tudo deve ser colocado em Cristo, o verdadeiro altar, pois “é o altar que santifica a oferta” (Hebreus 13:15–16; Romanos 12:1; Mateus 23:19). É por isso que Pedro nos convida: “chegando-vos para Ele, a pedra viva… vós mesmos, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual, para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus, por intermédio de Jesus Cristo” (Primeira de Pedro 2:4–5). A regra é clara e libertadora: o Pai recebe, em Cristo, tudo quanto lhe apresentamos por Cristo; fora de Cristo, nem a pessoa nem a obra podem ser aceitas.

E, porque este altar não está cercado de cortinas, mas aberto ao mundo, proclamemos seu convite até aos confins da terra. O único impedimento é a incredulidade. Os próprios assassinos do Senhor foram chamados a tomar parte nos benefícios do seu sangue. “Desde o nascente do sol até o poente”, diz o profeta, “o meu nome será grande entre as nações… e em todo lugar se oferecerá incenso ao meu nome e uma oferta pura” (Malaquias 1:11); “toda carne verá a salvação de Deus” (Lucas 3:6). Digamos, pois, a todos: “quem vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”.

Mas preciso deter-me, pastoralmente, em duas advertências. A primeira é contra a presunção de supor que o mero acesso garante aceitação. Muitos pensam: “temos livre entrada, logo Deus aceitará qualquer coisa”. Mas o Senhor perguntou a Israel: “quando trazeis o roubado, o coxo e o doente… aceitarei eu isso das vossas mãos?” (Malaquias 1:13–14). O princípio permanece: Deus requer um coração quebrantado e sincero; “sacrifícios de Deus são o espírito quebrantado” (Salmos 51:17). Se faltam a honestidade do arrependimento e a simplicidade da fé, os ritos mais belos se tornam abomináveis: “o que imola boi é como o que mata homem… e o que oferece oferta de manjares, como o que oferece sangue de porco” (Isaías 66:2–3). O altar é Cristo; mas Deus ainda sonda rins e corações; nada se esconde aos seus olhos, como a vítima aberta e examinada “até a espinha” (Hebreus 4:13). Examinemo-nos, pois, quanto aos motivos e quanto ao modo de nos aproximarmos.

A segunda advertência, agora em tom de encorajamento, é para as almas tímidas que dizem: “meus sacrifícios são tão pobres, tão imperfeitos; como poderiam ser aceitos?” Observem a ternura da Lei, que já antecipava o Evangelho: se o homem fosse pobre, e não pudesse trazer cordeiro, Deus aceitava duas rolas ou dois pombinhos; e repete quatro vezes que traga “o que as suas posses alcançarem” (Levítico 14:22; Levítico 14:30–32). Até em ofertas voluntárias, por voto, Deus aceitava aquilo que, em outras circunstâncias, seria impróprio — pão levedado; até um animal com defeito em oferta de gratidão (Levítico 7:13; Levítico 22:21–23). Que significa isso senão isto: o Pai recebe, por meio do Filho, aquilo que trazemos “como podemos”, contanto que o coração venha com a oferta? Os levitas, quando se dedicavam, eram aspergidos, raspavam-se, lavavam as vestes, e então ofereciam o sacrifício (Números 8:7–8; Números 8:21). Há uma ordem a aprender: não esperem purificar-se plenamente para, só então, vir ao altar; venham ao altar para, então, serem purificados. Primeiro, abracem as promessas de misericórdia; depois, “purifiquemo-nos de toda impureza da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus” (Segunda aos Coríntios 7:1). E vocês não têm comprovado, vezes sem conta, que Deus se apressa em receber o que lhe é oferecido por Cristo? O sacrifício pacífico devia ser comido no mesmo dia; mas, se fosse voto espontâneo, o ofertante podia festejar também no dia seguinte — não no terceiro (Levítico 7:15–16). Assim é com nossas devoções: o perfume da comunhão frequentemente permanece no “dia seguinte”, mas não para eternizar sensações, e sim para nos ensinar a voltar sempre ao altar vivo, não confiando em humores, mas renovando a entrega. Portanto, mantenham o fogo aceso; não falte sacrifício sobre o altar; e que tudo quanto sobe de nós a Deus suba “como aroma suave”, porque passa por Cristo, “que nos amou e se entregou a si mesmo por nós, oferta e sacrifício a Deus” (Efésios 5:2).

Uma palavra, enfim, aos que ainda “servem o tabernáculo”, qualquer que seja o tabernáculo: seja de ritos, seja de méritos, seja de tradições que substituem o Cordeiro. Não há lugar mais honroso à mesa do que este, e não há exclusão mais triste do que esta. O convite é real, o altar é acessível, o Sumo Sacerdote está vivo: larguem as sombras, venham para a substância. E aos que já vieram, que o Espírito vos faça lembrar-vos, cada manhã, de onde vem o pão que sustenta, onde arde o fogo que consome e santifica, e em quem são aceitas as vossas ofertas. “Temos um altar.” Vivamos dele, ofereçamos tudo sobre ele, e chamemos todos para ele — até que, do nascente ao poente, o nome de Deus seja grande entre as nações (Malaquias 1:11), e todos vejam a salvação do nosso Deus (Lucas 3:6).

E. Tipologia cristã dos sacrifícios queimados

“Porque os corpos daqueles animais, cujo sangue é levado pelo sumo sacerdote ao Santo dos Santos, como oferta pelo pecado, são queimados fora do arraial. Por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, padeceu fora da porta. Saiamos, pois, a Ele, fora do arraial, levando o seu vitupério” (Hebreus 13:11–13). Nada revela mais a tendência incurável do coração humano à superstição do que a sua inclinação constante de trocar a substância pelas sombras. Os crentes hebreus sabiam por experiência a liberdade do Evangelho, mas eram assediados, dentro e fora da igreja, por vozes que os chamavam de volta às formas do tabernáculo. O escritor de Hebreus enfrenta esse perigo não diminuindo a Lei, mas mostrando que a própria Lei, em sua estrutura e liturgia, apontava além de si — e apontava para Cristo. Ele toma a mais solene das cerimônias, o Dia da Expiação, e, com uma simplicidade que corta como espada, diz: vede o que Deus escreveu no rito — o sangue entra; o corpo é queimado fora. E então, erguendo os olhos, aponta o Calvário: Jesus sofreu fora da porta. O tipo e o cumprimento, o rito e a realidade, estão em perfeita harmonia.

No grande dia anual, o sumo sacerdote entrava sozinho, não sem sangue, para aspergi-lo diante do propiciatório, em favor de um povo culpado (Levítico 16; Hebreus 9:7). Aquele sangue, levado “para dentro do véu”, proclamava duas verdades: Deus é santo e exige expiação; Deus é gracioso e a provê. Mas atentem para o detalhe que o Espírito destaca: desses sacrifícios singulares, cujos sangues tocavam o propiciatório, ninguém comia; nem o próprio sumo sacerdote; tudo o que restava era levado para fora do arraial, e ali consumido pelo fogo (Levítico 6:30; Levítico 16:27). A cena era pedagógica. Primeiro, a indignação de Deus contra o pecado: o fogo que devora a vítima fora do acampamento é uma parábola visível do “consumidor” que é o nosso Deus. Segundo, a incapacidade de qualquer obra ou ofício — por mais sagrado — de transformar rito em direito: nem a mais alta função sacerdotal convertia o sacrifício em alimento; quem quisesse participar do benefício precisava fazê-lo pela fé na expiação que aquele sangue significava. Assim, quando contemplamos o Filho de Deus sendo levado para fora da cidade santa, conduzido sob vaias e maldições, pregado numa cruz nos arredores de Jerusalém, não enxerguemos um acaso infeliz, mas a sabedoria eterna executando, ponto por ponto, o que havia figurado na Lei. Ele, o nosso Sumo Sacerdote, entrou com seu próprio sangue no verdadeiro Santo dos Santos (Hebreus 9:11–12); e, para que não faltasse nem uma vírgula do desígnio divino, padeceu “fora da porta” (Hebreus 13:12). Ali, fora, Ele se fez maldição por nós, para que dentro, no céu, a sua intercessão nos consagrasse como povo seu. E não é despropositado supor que o “fora” também nos sussurre outra verdade: a eficácia do seu sangue transborda os limites de Israel e corre pelos campos dos gentios; aquele que sofreu fora do arraial abre caminho para todos os que estavam fora.

Mas o texto não é mera contemplação; é convocação. “Saiamos, pois, a Ele, fora do arraial, levando o seu vitupério.” A doutrina que não desemboca em discipulado não é a doutrina de Hebreus. Se Ele levou o pecado, nós somos chamados a levar o opróbrio. E o chamado tem três notas. Primeira, abandonar a confiança legal, para depender somente de Cristo. O “fora do arraial” é um adeus aos títulos religiosos, às performances que queremos converter em moeda para comprar o favor de Deus. O evangelho nos arranca da ilusão de que o ofício, o rito, a herança, a moralidade possam dar-nos direito de comer do sacrifício. Nem o sumo sacerdote podia provar daquela vítima; quanto menos nós, se tentarmos misturar méritos com misericórdia. O apóstolo Paulo, com toda a sua estirpe e zelo, concluiu: “e ser achado nele, não tendo justiça própria que procede da Lei, mas a que é mediante a fé em Cristo” (Filipenses 3:9). Se ele desejou isso, quanto mais nós! A única mesa em que há pão para a alma é a cruz; e só se assenta quem vem sem preço e sem barganha (Isaías 55:1). Misturar obras com o sangue é anular a graça (Romanos 4:4; Romanos 11:6) e reerguer a vanglória (Romanos 3:27). Saiamos, pois, de toda confiança em nós mesmos.

Segunda, abandonar o mundo, para andar com Cristo. O Senhor foi conduzido para fora, e não olhou para trás. O mundo — com seus aplausos e ameaças, seus prazeres e ansiedades — nada tinha para seduzir Aquele que viera fazer a vontade do Pai. “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu, para o mundo” (Gálatas 6:14). Isso não é retórica mística; é programa de vida. “Tudo o que há no mundo — a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” — precisa perder o encanto; e, se competir com Cristo, precisa ser odiado (Primeira de João 2:16; Lucas 14:26). Companhias, hábitos, ambições, projetos: se não podem caminhar com Ele, ficam para trás. “Que comunhão há entre a luz e as trevas?… Por isso, saí do meio deles e separai-vos” (Segunda aos Coríntios 6:14–17). O “fora do arraial” é o lugar da separação santa.

Terceira, abraçar o vitupério, para nos conformarmos a Cristo. Ele atravessou a rua carregando a cruz, sob escárnio e ódio. O servo não é maior do que o Senhor. A igreja perde poder quando busca honra; recupera-o quando se regozija por sofrer por Ele. Moisés “considerou o opróbrio de Cristo por maiores riquezas do que os tesouros do Egito” (Hebreus 11:26). Os apóstolos saíram “regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afronta por esse Nome” (Atos 5:41). E nosso Senhor nos armou para isso: “no mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo” (João 16:33). Contem o custo, e então abracem a cruz; “corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para Jesus… o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia” (Hebreus 12:1–2). “Se perseverarmos, com Ele também reinaremos” (Segunda a Timóteo 2:12).

Talvez alguém diga: “Mas, se eu deixar as seguranças do tabernáculo — as tradições, os aplausos, os apoios — não ficarei vazio?” Ouçam a lógica do próprio contexto de Hebreus: “Temos um altar”, e o altar é Cristo (Hebreus 13:10). Fora do arraial pode haver vento e poeira; mas é ali que a mesa está posta. A comida dos que servem as sombras nunca alimentou a consciência; mas o cordeiro de Deus é “verdadeiramente comida” para a fé, e o seu sangue “verdadeiramente bebida” para a esperança (compare João 6:55). Quem sai até Ele não perde; ganha. Quem leva o vitupério não empobrece; é enriquecido com a única glória que permanece. Dentro do arraial, a religião pode ser respeitável; fora, a comunhão é real. Dentro, há cheiro de incenso; fora, há o perfume do sacrifício feito uma vez por todas. Dentro, direitos; fora, graça. Não vos admireis, portanto, se o chamado do Evangelho vos parecer uma saída dupla: sair do mérito para a misericórdia; sair do mundo para Cristo; sair da honra para a cruz. É assim mesmo. Mas lembrem-se: quem sai com Ele hoje, entrará com Ele amanhã. “Portanto, saiamos a Ele, fora do arraial, levando o seu vitupério”, porque Aquele que levou o nosso pecado dentro do véu, levou o nosso nome até a presença do Pai; e Aquele que padeceu fora da porta nos abrirá, no tempo devido, as portas eternas. Até lá, contentemo-nos com ser identificados com Ele — na fé que renuncia à justiça própria (Filipenses 3:9), na vida crucificada para o mundo (Gálatas 6:14), no gozo de sofrer por seu Nome (Atos 5:41) — certos de que “temos aqui não cidade permanente, mas buscamos a que há de vir” (Hebreus 13:14).

F. A porção cristã

“Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a vindoura” (Hebreus 13:14). Esta simples sentença desfaz dois erros que nos perseguem desde a queda: a ilusão de permanência neste mundo e a tentação de medir a vida apenas pelo que os olhos podem ver. Não foi a filosofia que nos libertou dessas sombras; “o Evangelho é que trouxe à luz a vida e a imortalidade” (Segunda a Timóteo 1:10). À luz dessa revelação, tanto a exaltação quanto o desespero perdem a tirania sobre a alma. Quando a alegria chega, não a absolutizamos; quando a dor nos visita, não sucumbimos. Em ambos os casos perguntamos apenas: como me aprovo a Deus hoje, sabendo que a verdadeira avaliação virá na cidade que há de vir?

O apóstolo escreve estas palavras com Jerusalém à vista — aquela cidade com a qual Deus mesmo se identificara, e cujo templo simbolizava a Sua presença. Se alguma cidade poderia reivindicar permanência, seria ela. Contudo, o próprio Senhor havia anunciado: “não ficará aqui pedra sobre pedra” (Mateus 24:2). O mesmo se deu com impérios que pareciam eternos: Caldeia, Média-Pérsia, Grécia, Roma. E não somente cidades e impérios: “virá, entretanto, como ladrão, o dia do Senhor, no qual os céus passarão… e a terra e as obras que nela existem serão atingidas” (Segunda a Pedro 3:10–12). A experiência diária confirma: as estações passam, as gerações se sucedem; “a vida é neblina que aparece por instante e logo se dissipa” (Tiago 4:14); “o homem, como a flor do campo, floresce… passa o vento sobre ela, e já não existe” (Salmo 103:15–16). Por isso, não nos surpreende o veredicto: aqui não há cidade permanente.

Mas a negatividade do veredicto abre espaço para uma afirmação gloriosa: “buscamos a vindoura”. O cristão não vive de negações, mas de uma busca. Abraão habitou em tendas, “aguardando a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador” (Hebreus 11:10). Os patriarcas confessaram-se “estrangeiros e peregrinos sobre a terra”, porque “desejavam uma pátria superior, isto é, celestial” — e “Deus lhes preparou uma cidade” (Hebreus 11:13–16). Esta cidade já foi-nos, em certo sentido, apresentada: “tendes chegado ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial” (Hebreus 12:22). O seu arquiteto é o próprio Deus; as suas luzes não dependem de sol ou lua, “porque a glória de Deus a ilumina, e o Cordeiro é a sua lâmpada” (Apocalipse 21:10–23). Nosso Senhor prometeu: “na casa de meu Pai há muitas moradas… vou preparar-vos lugar… voltarei e vos receberei para mim mesmo” (João 14:2–3). É por isso que os santos podem suportar a vergonha, a perda e o opróbrio: têm os olhos numa cidade inviolável, cujos fundamentos ninguém move.

Isso, porém, não é matéria de curiosidade apocalíptica, mas de formação espiritual diária. Se aqui não há permanência, não assentamos a alma em nada daqui. “Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra” (Colossenses 3:2). Este mundo deixa de ser lar e torna-se caminho; e no caminho cultivamos duas atitudes complementares. Primeiro, moderação nas posses e nos prazeres: “os que têm, sejam como se não tivessem; os que compram, como se nada possuíssem; os que usam do mundo, como se dele não abusassem; porque a aparência deste mundo passa” (Primeira aos Coríntios 7:29–31). A alma que busca a cidade por vir não demoniza o criado, mas recusa-se a divinizá-lo. Segundo, paciência nas provações: “a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação, não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem” (Segunda aos Coríntios 4:17–18). Tribulação não é exceção do caminho; é parte do currículo do peregrino: “por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14:22). O nosso Capitão “aperfeiçoou-se por meio de sofrimentos” (Hebreus 2:10); e nós, olhando “firmemente para Jesus, o autor e consumador da fé” (Hebreus 12:2), aprendemos a medir o presente pelo futuro.

Este versículo, então, é um espelho e um mapa. Um espelho, para nossa convicção. Confessemos: quantas vezes vivemos como se tivéssemos encontrado aqui a cidade permanente? Quanto esforço investimos para tornar definitivo o que Deus declarou transitório! Quando o Evangelho nos diz “não temos aqui cidade permanente”, ele não nos está roubando alegrias; está nos livrando de uma idolatria que sempre termina em lágrimas. “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio” (Salmo 90:12). E é um mapa, para nossa direção. A rota está traçada: “prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação” (Filipenses 3:14). A bússola é clara: “não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da mente” (Romanos 12:2). O ritmo é de peregrino: “a vossa moderação seja conhecida de todos os homens” (Filipenses 4:5). Não paramos, não construímos moradas definitivas no deserto; armamos tendas, erguemos altares, seguimos adiante.

E para aquele que hoje sofre — luto recente, portas fechadas, corpo cansado — esta palavra é também consolação. Nada do que te pesa é permanente; nenhuma lágrima cairá sem finalidade no caminho que conduz à cidade de Deus. A esperança cristã não é anestesia; é energia. Ela não nega o vale, mas ilumina o vale com a certeza do monte. “Ainda que a figueira não floresça… todavia eu me alegro no Senhor” (Habacuque 3:17–18). Por isso, toma de novo o cajado, reacende a oração, retoma a confissão: “vem, Senhor Jesus!” (Apocalipse 22:20). Tu não caminhas para o nada; caminhas para casa.

E, afinal, que outra coisa é a santidade senão viver hoje no estilo da cidade de amanhã? A cidade vindoura já imprime o seu selo no coração que a busca. Seus moradores são aqueles que, aqui, aprenderam a amar o Cordeiro, a carregar a cruz, a repartir o pão, a guardar a fé. Não temos aqui cidade permanente — bendita notícia! — porque Deus tem para nós algo melhor. Busquemo-la, portanto, com santa teimosia; e, até que a porta se abra de par em par, caminhemos como quem já pertence a ela: com olhos no Rei, com mãos ocupadas em boas obras, com pés prontos a seguir, com coração livre de amarras. Então, quando o último acampamento for desarmado, ouviremos a voz do Dono da cidade: “Bem está… entra no gozo do teu Senhor” (Mateus 25:23).

G. Sacrifícios oferecidos por cristãos

“Por meio dele, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, isto é, o fruto de lábios que confessam o seu nome. E não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir, porque com tais sacrifícios Deus se agrada” (Hebreus 13:15–16). A antiga aliança impunha jugo pesado e ritos exaustivos; mas a libertação cristã não significa ausência de altar nem ausência de sacrifícios. Significa, isso sim, que o nosso altar é o próprio Cristo, e que os sacrifícios que nele apresentamos são de outra ordem—não de sangue de animais, mas de lábios e de vidas; não para comprar o favor divino, mas porque fomos reconciliados e temos livre acesso ao Deus vivo. “Temos um altar” (Hebreus 13:10): o Cordeiro que se ofereceu uma vez por todas é também o nosso Sumo Sacerdote e o nosso Altar. Nele e somente nele nos aproximamos; “ninguém vem ao Pai senão por mim” (João 14:6). Fora dele, esforço religioso é ruído; por meio dele, até um sussurro se torna incenso.

Vede como o texto insiste: “por meio dele”. A ênfase não é acidental; é o coração da devoção cristã. O louvor é exigido? Sim: “Bendirei ao Senhor em todo tempo; o seu louvor estará continuamente na minha boca” (Salmo 34:1). Mas a forma como louvamos é tão importante quanto o conteúdo do louvor: louvamos “por meio dele”, com “corações aspergidos de má consciência” e “corpos lavados com água pura” (Hebreus 10:19–22). O profeta chamou a isso “novilhos dos lábios” (Oséias 14:2): como outrora se levavam bezerros ao altar, hoje se entregam palavras encharcadas de gratidão, confissão e adoração. E não é um ritual matinal e vespertino apenas; é a respiração de uma alma acordada para Deus: “regozijai-vos sempre… em tudo dai graças” (Primeira aos Tessalonicenses 5:16–18). A gratidão constante é o protesto da fé contra a tirania das circunstâncias: quando os ventos mudam, o coração permanece fixo porque o altar não se move.

Mas o evangelho não nos deixa esconder na torre de marfim da devoção. O mesmo versículo que solta a música do louvor impõe o compasso da caridade: “não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir”. A fé que sobe em cântico desce em serviço; a língua que bendiz abre a mão que reparte. A providência de Deus ordenou assim o mundo que sempre haverá carentes e sempre haverá mordomos (Deuteronômio 15:11), para que a graça, fluindo de Cristo, circule pelo corpo em comunhão. É por isso que Paulo, ao receber socorro dos filipenses, enxergou altar e incenso onde outros veriam apenas moedas e mantimentos: “cheiro suave, sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Filipenses 4:18). E, ainda aqui, a regra é a mesma: “tudo quanto fizerdes… fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai” (Colossenses 3:17). Caridade sem Cristo vira moeda de troca; caridade por meio de Cristo sobe como perfume.

Notai que isto não é só dever; é privilégio. Israel precisava de um sacerdote humano que levasse a oferta ao altar; nós fomos feitos, em Cristo, “reino e sacerdotes” (Apocalipse 1:6). O véu foi rasgado; o acesso é aberto; o santo dos santos está disponível para a mãe aflita, para o jovem tentado, para o idoso cansado. Podemos entrar “pelo novo e vivo caminho” (Hebreus 10:20), e ali, diante do trono da graça, apresentar os nossos sacrifícios. E podemos ter certeza de aceitação, não por qualidade intrínseca do que oferecemos, mas porque o altar santifica a oferta (Mateus 23:19). Mesmo quando o louvor sai trêmulo e a esmola é pequena, o nosso Sumo Sacerdote acrescenta o incenso da sua própria intercessão e faz subir tudo “perante Deus” (Apocalipse 8:3–4). Daí a ousadia: “A quem ofereça sacrifício de louvor me glorificará” (Salmo 50:23). Deus agrada-se, diz o texto—não tolera, não releva: agrada-se.

E há mais: no evangelho, o ofertante também come do que oferece. O louvor sacia quem louva: “a minha alma se farta como de tutano e de gordura, e a minha boca te louva com alegres lábios” (Salmo 63:5). A generosidade nutre quem reparte: “se estenderes a tua alma ao faminto… então a tua luz nascerá nas trevas… e o Senhor te guiará continuamente… e serás como um jardim regado” (Isaías 58:10–11). Quantas vezes, depois de uma visita, de uma partilha escondida, de um cântico entre lágrimas, não saíste mais alimentado do que quem recebeu? É a economia da graça: o altar não empobrece o adorador; enriquece-o.

Tudo isso, porém, deve guardar-nos de dois perigos. O primeiro é o legalismo disfarçado: imaginar que o louvor e a beneficência nos granjeiam crédito junto a Deus. O evangelho não negocia; anuncia. “Pela graça sois salvos… não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Efésios 2:8–9). Os nossos sacrifícios não compram favor; celebram favor recebido. O segundo é a antinomia piedosa: supor que exaltação de Cristo nos desobriga do bem. É precisamente o contrário: “somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras” (Efésios 2:10). Onde Cristo reina, brotam cânticos e nascem mãos abertas.

Se o teu altar tem sido o mundo, recebe esta advertência: “não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mateus 6:24); “quem ama o mundo, o amor do Pai não está nele” (Primeira de João 2:15–17). Comer nessa mesa é “alimentar-se de cinzas” (Isaías 44:20). Vem ao altar vivo. Vem a Cristo. Traz os lábios cansados, a mente dispersa, a carteira acanhada, e oferece—por meio dele. Ele não rejeita “um coração quebrantado e contrito” (Salmo 51:17), e não despreza “um copo de água fria” dado em seu nome (Mateus 10:42).

E a vós, que amais o Senhor Jesus, deixo um encorajamento e um apelo. O encorajamento: o caminho está aberto, o altar permanece, o Sumo Sacerdote intercede. Não temais a pobreza do louvor nem a pequenez da oferta; “o Senhor se agrada” com tais sacrifícios. O apelo: fazei disso não um evento, mas um estilo. Que as vossas casas sejam oficinas de louvor; que as vossas mesas, pontes de comunhão; que as vossas segundas-feiras sejam tão sacerdotais quanto os vossos domingos. “Ofereçamos… continuamente.” Até que a assembleia dos remidos, na Cidade, substitua o “sacrifício de louvor” pelo louvor sem sacrifício, cantaremos e repartiremos por meio dele—e dele receberemos, aqui e para sempre.

H. Dever do povo, responsabilidade dos ministros

“Obedecei aos vossos guias e sede submissos; pois velam por vossas almas como quem há de prestar contas, para que o façam com alegria e não gemendo; porque isso não aproveita a vós outros” (Hebreus 13:17). Aqui está uma daquelas sentenças bíblicas que nos trazem de volta ao chão firme da vida cristã: ela nos arranca do individualismo devocional, tão agradável à carne, e nos recoloca dentro da família de Deus, onde há ordem, governo e mútua responsabilidade. A igreja não é um agregado de sensibilidades religiosas, é “a família” que tem nome diante do Pai (Efésios 3:15); e, como em toda casa, há quem preside e há quem seja pastoreado, não segundo os caprichos de homens, mas conforme a ordem do próprio Senhor. Logo, quando a Escritura manda obedecer e submeter-se, não legitima tirania eclesiástica de um lado, nem anarquia espiritual de outro; coloca-nos sob a disciplina benigna de Cristo, que “pôs o Espírito Santo por bispos” para apascentar o rebanho (Atos 20:28), e chama o povo a uma obediência inteligente, alegre e proveitosa.

O Novo Testamento nunca confere aos ministros autoridade civil; isso pertence aos magistrados (Romanos 13:1–6). O próprio Senhor recusou fazer-se árbitro de heranças (Lucas 12:13–14). Mas a Escritura confere, sim, autoridade espiritual: os ministros são “embaixadores em nome de Cristo” (Segunda aos Coríntios 5:20). Vêm com uma mensagem que não inventaram; “o que também recebi vos entreguei” (Primeira aos Coríntios 15:3). Quando anunciam o evangelho de Deus, a exigência não é primeiramente pessoal, mas divina: “recebestes a palavra… não como palavra de homens, e sim… como, em verdade, é, palavra de Deus” (Primeira aos Tessalonicenses 2:13). Tal autoridade, contudo, nunca dispensa o discernimento do rebanho: “não creiais a todo espírito; provai os espíritos” (Primeira de João 4:1). “Examinai tudo, retende o que é bom” (Primeira aos Tessalonicenses 5:21). Submissão cristã não é servilismo; é o acolhimento humilde e resoluto daquilo que Deus diz. Rejeitar um evangelho fiel é fazê-lo “a próprio risco” (Hebreus 2:3), pois “é tempo de começar o julgamento pela casa de Deus” (Primeira de Pedro 4:17–18).

Além de embaixadores, os ministros são “mordomos dos mistérios de Deus” (Primeira aos Coríntios 4:1–2). Mordomos não governam conforme a própria vontade; administram conforme a vontade do Senhor. Isso implica distribuir, com santa parcialidade pela verdade, o que convém a cada alma: ensino ao ignorante, exortação ao tíbio, consolação ao quebrantado, repreensão ao que peca, disciplina quando necessário (Lucas 12:42; Romanos 15:2). Não podem buscar agradar a homens, “porque, se ainda agradassem a homens, não seriam servos de Cristo” (Gálatas 1:10). Há casos claros, em que a Palavra decide o rumo; nesses, a igreja deve acolher sem reservas. Há matérias prudenciais, necessárias para a boa ordem; nelas, deveis demonstrar deferência, “reconhecendo” os que trabalham entre vós e “os tenhais com amor em máxima consideração por causa da sua obra” (Primeira aos Tessalonicenses 5:12–13; ver também Segunda aos Coríntios 10:8; Primeira a Timóteo 5:17). Isto não autoriza “senhorear-se sobre a herança” (Primeira de Pedro 5:3), nem dá “domínio sobre a fé” de ninguém (Segunda aos Coríntios 1:24); mas chama o povo a uma postura doméstica, filial, sob pais espirituais que aprendem a “governar bem a própria casa de Deus” (Primeira a Timóteo 3:5).

Por que tudo isso? Porque os pastores “velam por vossas almas, como quem há de prestar contas”. Aqui está o peso que curva as costas do verdadeiro ministro. Ele sabe que, se a sentinela cala e o inimigo vem, “do sangue… o requererei da sua mão” (Ezequiel 3:17–21; Ezequiel 33:7–9). Por isso, ele pergunta consigo: “Quem é suficiente para estas coisas?” (Segunda aos Coríntios 2:16). E, mesmo assim, não pode calar, “porque ai de mim se não pregar o evangelho!… uma mordomia me foi confiada” (Primeira aos Coríntios 9:16–17). Que retorno é devido a tal vigilância? Não bajulação; não culto à personalidade; mas amor, oração, confiança, abertura ao tratamento da Palavra, docilidade aos caminhos de Deus. Se ele vos gerou em Cristo, “vós lhe deveis até a vós mesmos” (Filemom 19). Se ele chora por vós, “de muita tribulação e angústia de coração”, não é para vos entristecer, “mas para que conheçais o amor” (Segunda aos Coríntios 2:4). Se ele se alegra convosco, que reciprocidade santa! “Que ações de graças podemos render… por toda a alegria” de ver-vos firmes no Senhor (Primeira aos Tessalonicenses 3:9–10).

Reparai agora no curioso argumento do escritor: a vossa própria vantagem está em jogo. Se o pastor tiver de prestar contas “gemendo”, isso “não vos aproveita”. Uma congregação refratária amarra as mãos do pregador; substitui unção por constrangimento; força-o a gastar as horas em apagar incêndios, quando gostaria de abrir as Escrituras; a derramar lágrimas “por muitos, dos quais vos digo agora chorando” (Filipenses 3:18), quando desejaria “dar-vos leite e também alimento sólido”. Ele sente dores “de parto” até “ser Cristo formado” em vós (Gálatas 4:19). Ao contrário, uma congregação dócil, faminta, obediente, dilata o coração do ministro: “temos larga a nossa boca… e dilatado o nosso coração… dilatai-vos vós também” (Segunda aos Coríntios 6:11–13). Então ele é “como ama que acaricia os próprios filhos”, pronto a dar “não somente o evangelho… mas, igualmente, a própria vida” (Primeira aos Tessalonicenses 2:7–8). E a palavra, ditada nesta atmosfera de amor e confiança, “destila como orvalho” e frutifica.

Não limitemos esta perspectiva ao tempo presente. Há um dia em que contas serão apresentadas. Os pastores comparecerão com os filhos que Deus lhes deu: “Eis-me aqui, e os filhos que o Senhor me deu” (Isaías 8:18); e, se fiéis, apresentarão os crentes como “oferta” ao Senhor “no dia de Cristo” (Filipenses 2:16). Que alegria será entregar rebanhos obedientes! Mas que testemunho tremendo contra quem endureceu sob a Palavra, quando aqueles mesmos que vos advertiram se levantarem “por testemunhas velozes” (Malaquias 3:5)! Nesse dia, as lágrimas do ministro não serão mero sentimento, mas medida da vossa perda; porque a mesma mensagem que poderia ter sido “cheiro de vida para vida” tornar-se-á “cheiro de morte para morte” (Segunda aos Coríntios 2:15–16).

Que diremos, então? “Sofrei a palavra de exortação.” O texto fala convosco, povo de Deus: obedecei de modo evangélico, isto é, com mente bíblica e coração quebrantado; sujeitai-vos não ao homem, mas à verdade que o homem vos traz; orai por vossos guias, sustentai-os, facilitai-lhes a obra, para que a façam “com alegria”. E fala conosco, ministros: lembremos que a autoridade é vicária, que a mayordomia é santa, que o tribunal é certo. Nada de dominar consciências, nada de substituir Cristo; antes, pregar Cristo, velar por almas, sofrer por elas, e buscar “ser puro do sangue de todos” (Atos 20:26). Quando nos despedirmos—seja ao fim de um pastorado, seja à beira da eternidade—não descubramos tardiamente o lamento de Provérbios: “Como aborreci a disciplina!… não escutei a voz do meu mestre” (Provérbios 5:12–13). Antes, encontremos juntos, pastor e povo, aquela alegria que ninguém vos pode tirar: a alegria de um relatório entregue no céu, não gemendo, mas cantando; e de ouvirmos, pela graça, o louvor do único Pastor e Bispo de nossas almas.

I. Princípios cristãos melhorados na oração

Há um traço que salta aos olhos quando percorremos as cartas apostólicas: a teologia do apóstolo desemboca em adoração, e a adoração derrama-se em petição. Paulo principia e encerra as epístolas orando; e quando ora, a própria oração se converte em um evangelho condensado. Assim também aqui: “Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dos mortos a nosso Senhor Jesus, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, vos aperfeiçoe em todo bom trabalho para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo, a quem seja glória para todo o sempre. Amém” (Hebreus 13:20–21). Notem como a súplica nasce da doutrina e volta a ela; a petição é sustentada por aquilo que Deus é e por aquilo que Deus fez; e, antes de chegar ao “Amém”, o coração já explodiu em doxologia. Aqui encontramos a gramática da oração cristã: não um mero pedido por bênçãos difusas, mas um clamor que se apoia no caráter de Deus, na obra do Filho e na eficácia da aliança.

O título com que Deus é invocado não é casual: “Deus da paz”. Sob a antiga dispensação, o povo o conhecia amiúde como “Senhor dos Exércitos”; agora, à luz da reconciliação consumada, o Evangelho o proclama como o Deus que, tendo destruído a inimizade, faz paz pelo sangue da cruz (Colossenses 1:20). A reconciliação não é um sentimento vago em nosso peito; é um fato objetivo na história, selado e publicado quando o Pai “trouxe de novo dentre os mortos” a Jesus. A ressurreição é o grande “selo” do céu sobre a obra do Calvário: se ele permanece no túmulo, não há certeza alguma de que a fatura do nosso pecado foi paga; mas, “ressuscitado para nossa justificação” (Romanos 4:25), ele surge como a prova viva de que a paz foi assinada. É o Deus da paz quem ressuscita o Príncipe da Paz; e, se Deus está assim por nós, quem será contra nós? (Romanos 8:31).

Mas o texto não se contenta com proclamar a ressurreição; ele nos dá um nome pastoral do Cristo exaltado: “o grande Pastor das ovelhas”. É a realização de todas as promessas: “Eu mesmo buscarei as minhas ovelhas… e as farei repousar” (Ezequiel 34:11–16; Ezequiel 34:23–24). Aquele que “deu a sua vida pelas ovelhas” reassume, ressurgido, o seu ofício: “os cordeirinhos levará em seu regaço, e as que amamentam guiará suavemente” (Isaías 40:11). Que segurança repousa aqui! O Pastor que morreu por nós vive por nós; “as minhas ovelhas ouvem a minha voz… eu lhes dou a vida eterna, e jamais perecerão; e ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10:27–30). Se ele perdeu alguma quando ainda caminhava entre nós? Não: “dos que me deste nenhum se perdeu” (João 17:12). Não perderá agora, entronizado, aquele por quem verteu o seu sangue.

E esse sangue é chamado “sangue da eterna aliança”. A mente apostólica sobe às câmaras antes do tempo, onde Pai e Filho concertaram a nossa salvação. O Filho se oferece: tomará a nossa natureza, cumprirá toda justiça, obedecerá até a morte; o Pai promete aceitar o resgate e dar-lhe um povo por herança (Jeremias 31:31–34; Hebreus 9:11–12; Hebreus 10:14–18). No Gólgota, a aliança é ratificada; no jardim vazio, sua eficácia é proclamada. Ora, se Deus nos abençoa “pelo sangue da eterna aliança”, toda a oração cristã passa a mover-se nesse trilho: pedimos com santa ousadia, porque pedimos no âmbito do pacto que Deus mesmo jurou não quebrar. Se uma ovelha se perdesse de vez, a aliança seria desmentida; se uma graça necessária nos fosse negada, o sangue teria falhado. Mas a aliança é eterna; logo, a graça que ela garante é infalivelmente concedida.

É apoiado nessa rocha que o apóstolo suplica: “vos aperfeiçoe em todo bom trabalho para fazerdes a sua vontade”. Notem a amplitude. Não há modéstia falsa aqui, não há minimalismo espiritual. O Evangelho nunca ora por mediocridade; ele pede perfeição. O verbo sugere ajustar, articular, alinhar o que está deslocado. O pecado desarticulou nossas faculdades; o Deus da paz deve colocar tudo de volta no lugar, para que todo o nosso ser—entendimento, afeto, vontade, corpo—seja mobilizado “em todo bom trabalho”. Não alguns poucos deveres, não as obras que nos são mais simpáticas, mas “toda boa obra”, segundo a regra única: “para fazerdes a sua vontade” (Romanos 12:1–2). É isso que a paz objetiva produz: não laxismo, mas obediência integral; não licença, mas consagração.

Contudo, o apóstolo conhece a impotência da carne. Por isso, logo acrescenta: “operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo”. Aqui está a santidade evangélica: não somente um padrão externo, mas uma energia interna; não apenas mandamentos diante de nós, mas o próprio Deus em nós operando “o querer e o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:13). O cristão não se apoia na sua resolução; apoia-se no Deus que opera a resolução, e opera também a execução. E como esse operar se torna agradável a Deus, visto que nossas melhores obras estão manchadas? “Por Jesus Cristo.” Até a obediência precisa ser aspergida. Aquele que nos dá a vontade santa leva essa vontade até Deus, purifica suas imperfeições, apresenta-a com o aroma da sua própria justiça. Assim, oramos e trabalhamos “por Jesus Cristo”: pedimos por meio dele; recebemos por meio dele; obedecemos por meio dele; e Deus se apraz em nós por meio dele (João 14:13; Primeira de Pedro 2:5).

Percebam como a petição desemboca inevitavelmente em louvor: “a quem seja glória para todo o sempre. Amém.” Isso não é um adorno, é a respiração natural de quem entende de onde tudo procede e para onde tudo retorna. Se a paz vem de Deus, se o Pastor é de Deus, se a aliança é de Deus, se a obra em nós é de Deus, se a aceitação das nossas obras é por Deus em Cristo, então a glória só pode ser de Deus em Cristo. O cristão ora com grandes ambições de santidade, mas nunca termina contemplando a si mesmo; termina contemplando o Cordeiro e dizendo: “A ele seja a glória.”

Eis, então, como princípios cristãos se convertem em oração. Não começamos em nós; começamos em Deus. Chamamo-lo como o Deus da paz porque contemplamos a ressurreição do Pastor e o sangue da aliança; e, ancorados nessa teologia, pedimos o impossível: perfeição em toda boa obra. Aqui está o antídoto tanto para a presunção quanto para o desânimo. Presunção? Jamais; pois se Deus não operar em nós, nada podemos (João 15:5). Desânimo? Também não; pois se Deus da paz opera em nós por Jesus Cristo, tudo quanto é agradável a ele se tornará possível (Filipenses 4:13).

Mas não deixemos isso no papel; tomemos estas linhas como roteiro para a nossa própria oração. Quando te vês abatido por tentações recorrentes, começa aqui: “Ó Deus da paz”. Lembra-te: a reconciliação já está feita, o inimigo foi desarmado, o túmulo está vazio. Depois, fixa os olhos no Pastor vivo: ele te conhece pelo nome, recolhe teus tropeços, cura tuas feridas (Ezequiel 34:16; Isaías 40:11). Em seguida, abraça o sangue da aliança: esta graça não é capricho hoje e ausência amanhã; é promessa jurada, é pacto imutável (Hebreus 6:17–20). Então roga grande: não peças apenas alívio, pede conformidade; não peças apenas um pouquinho de virtude, pede ser “ajustado” para “toda boa obra”. E, finalmente, lembra-te de que cada passo, cada fruto, cada desejo santo só agradará ao Pai “por Jesus Cristo”; por isso, termina como o apóstolo, oferecendo a glória a ele.

E para a igreja, qual é o alvo? O texto não nos permite contentar-nos com pouco. Abençoado é aquele que não reduz a vontade de Deus para caber na sua vida, mas entrega a vida para caber na vontade de Deus. “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (Primeira aos Tessalonicenses 4:3). O Evangelho levanta a régua, não para nos esmagar, mas para nos conduzir a orar como aqui: pedir que o Deus da paz faça em nós o que ele pede de nós. É assim que o céu desce à terra: doutrina que inflama oração; oração que busca santidade; santidade que devolve glória a Cristo. “A quem seja glória para todo o sempre. Amém.”

X. Concordância Bíblica Comentada

O mandamento de manter vivo o amor entre os irmãos apoia-se, primeiro, na própria memória que Deus tem da nossa obra de amor e no apelo à perseverança nele: Deus não é injusto para se esquecer do vosso trabalho e do amor (Hebreus 6:10) e quer-nos plenos da mesma diligência para o conservar até ao fim (Hebreus 6:11); por isso a comunidade é chamada a estimular-se ao amor e às boas obras (Hebreus 10:24). Jesus, que funda a identidade do discípulo no amor, dá um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros, fazendo do amor o sinal de reconhecimento diante do mundo (João 13:34–35) e o ordena de novo aos seus (João 15:17). Em Atos, esse amor torna-se forma de vida: a igreja está junta em unidade (Atos 2:1), tem tudo em comum, reparte conforme a necessidade, persevera unânime (Atos 2:44–46) e chega a ser um coração e uma alma (Atos 4:32). Paulo descreve sua qualidade: amor sem hipocrisia (Romanos 12:9) e afeição fraterna com honra preferindo-se (Romanos 12:10); a fé verdadeira opera pelo amor (Gálatas 5:6), a liberdade cristã serve ao próximo pelo amor (Gálatas 5:13) e o próprio fruto do Espírito é amor (Gálatas 5:22). O amor, então, guarda a unidade do Espírito (Efésios 4:3) e nos faz andar em amor como Cristo nos amou e se entregou por nós (Efésios 5:2); assim, a exortação aos filipenses é a mesma disposição, o mesmo amor, nada por vanglória, em humildade (Filipenses 2:1–3). Os tessalonicenses são ensinados por Deus a amarem-se (1 Tessalonicenses 4:9) e devem crescer mais e mais nessa prática (1 Tessalonicenses 4:10), até que vosso amor aumente (2 Tessalonicenses 1:3). Pedro, por sua vez, pede amor fraternal não fingido (1 Pedro 1:22), manda amar a fraternidade (1 Pedro 2:17), busca uma mesma disposição, compaixão e amor fraternal (1 Pedro 3:8) e insiste que o amor cobre uma multidão de pecados (1 Pedro 4:8). Em sua “escada” de virtudes, à fraternidade, o amor (2 Pedro 1:7). João amarra doutrina e vida: quem diz estar na luz e odeia o irmão está em trevas (1 João 2:9–10); a distinção entre filhos de Deus e do diabo vê-se no amor prático, em obras e em verdade (1 João 3:10–18); o mandamento é crer em Jesus e amar-nos uns aos outros (1 João 3:23); porque o amor procede de Deus, revelou-se no envio do Filho, e assim devemos amar-nos (1 João 4:7–11); quem não ama o irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê, e de Deus temos este mandamento (1 João 4:20–21); e quem ama o que gerou, ama também o que dele é nascido (1 João 5:1). A segunda carta de João retoma: “amemo-nos”, pois o amor é andar nos mandamentos, e o mandamento é este: que, desde o princípio, andeis nele (2 João 1:5–6). Por contraste, Éfeso é advertida por deixar o primeiro amor (Apocalipse 2:4): manter o amor fraternal é guardar a própria vitalidade do corpo de Cristo.

As referências bíblicas mostram como esse amor se vive em toda a Escritura. Abraão evita contenda com Ló lembrando: “pois somos irmãos” (Gênesis 13:8), e José, ao ver Benjamim, invoca a graça de Deus sobre o irmão (Gênesis 43:29), sinal de afeição fraterna; Jacó ajunta os filhos (Gênesis 49:1) para os abençoar — o amor reúne. Davi acolhe os que ficaram com a bagagem (1 Samuel 30:21), partilhando o despojo com equidade; Deus proíbe que irmãos lutem entre si (2 Crônicas 11:4) e exige que os cativos, chamados “vossos irmãos”, sejam tratados com misericórdia (2 Crônicas 28:11). A casa de Jó ilustra a convivência dos irmãos (Jó 1:4). O salmo celebra: “Oh! quão bom e quão agradável viverem unidos os irmãos!” (Salmos 133:1). Jesus identifica-se com o necessitado: “fui estrangeiro, e me hospedastes” (Mateus 25:35), convertendo amor fraternal em hospitalidade concreta. Quando viúvas helenistas são negligenciadas (Atos 6:1), aprende-se que o amor fraternal exige justiça e cuidado equitativo; e quando os irmãos recebem com alegria (Atos 21:17), vê-se a hospitalidade em ação. Hebreus liga essa permanência do amor à prática: fazer o bem e repartir são sacrifícios que Deus aceita (Hebreus 13:16), e a própria carta pede paciência com a exortação (Hebreus 13:22), expressão de amor pastoral. Tiago adverte: “não vos enganeis, meus amados irmãos” (Tiago 1:16), e João conclui o teste vital: “sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos.” (1 João 3:14). Assim, “permaneça o amor fraternal” (Hebreus 13:1) significa: lembrar a graça (Hebreus 6:10–11), incitar-se ao amor (Hebreus 10:24), obedecer ao mandamento de Cristo (João 13:34–35; 15:17), encarnar a comunhão de Atos (Atos 2:1, 2:44–46; 4:32), viver as disposições apostólicas (Romanos 12:9–10; Gálatas 5:6, 5:13, 5:22; Efésios 4:3; 5:2; Filipenses 2:1–3; 1/2 Tessalonicenses 4:9–10; 1:3; 1/2 Pedro 1:22; 2:17; 3:8; 4:8; 1:7) e submeter-se ao exame joanino do coração (1 João 2:9–10; 3:10–18, 3:23; 4:7–11, 4:20–21; 5:1; 2 João 1:5–6), guardando, enfim, o primeiro amor (Apocalipse 2:4) que torna visível, permanente e fiel o amor entre os santos.

Hebreus 13:2 — “Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, por ela, alguns, sem o saber, hospedaram anjos.” O imperativo de não esquecer a hospitalidade nasce do próprio coração da Lei: o estrangeiro devia ser amado como a si mesmo (Levítico 19:34), porque Deus ama o estrangeiro e manda amar o estrangeiro (Deuteronômio 10:18–19). Jó faz desse mandamento exame de consciência social: não se pode ver o necessitado e o pobre desamparados (Jó 31:19), e as portas da tenda devem estar sempre abertas ao viajante (Jó 31:32). Os profetas afinam esse chamado: a verdadeira fatia do jejum é partilhar o pão com o faminto, recolher em casa os pobres desabrigados e não se esconder do seu semelhante (Isaías 58:7). E Deus mesmo ilustra com histórias: a viúva de Sarepta acolhe Elias e, ao fazê-lo, vê o milagre da farinha e do azeite (1 Reis 17:10–16; repare no gesto inicial em 1 Reis 17:11), e a sunamita constrói um quarto para Eliseu e o hospeda insistentemente, tornando-se exemplo de hospitalidade perseverante (2 Reis 4:8, 4:10).

Jesus transforma essa ética em critério de juízo: “fui estrangeiro, e me hospedastes” (Mateus 25:35); o reproche recai exatamente sobre não ter hospedado (Mateus 25:43). E Ele identifica-se com o hóspede: “em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus irmãos, a mim o fizestes” (Mateus 25:40). Não admira que a igreja nascente viva isso de modo concreto: Lídia abre a casa e obriga os apóstolos a ficarem (Atos 16:15); a exortação apostólica manda prosseguir com a hospitalidade (Romanos 12:13), e Gaio é saudado como hospedeiro de mim e de toda a igreja (Romanos 16:23). Os pastores devem ser hospitaleiros (1 Timóteo 3:2; Tito 1:8), e as viúvas verdadeiras distinguem-se por hospedar peregrinos (1 Timóteo 5:10). Pedro, por sua vez, exige que a comunidade seja hospitaleira sem murmurações (1 Pedro 4:9).

Quando Hebreus diz que “alguns, sem o saber, hospedaram anjos”, alude a episódios nos quais a hospitalidade humana se revelou encontro com o céu. Abraão corre ao encontro de três visitantes, prepara pão e refeição (Gênesis 18:2–10; observe o detalhe prático em 18:6, “três medidas de flor de farinha”) e recebe promessa; Ló insiste para que os mensageiros entrem e faz-lhes um banquete (Gênesis 19:1–3; cf. o convite “voltai-vos à casa de vosso servo” em 19:2 e “preparou-lhes um banquete” em 19:3); Manoá e sua mulher oferecem refeição ao Anjo do SENHOR, e a visita culmina em adoração e anúncio (Juízes 13:15–25). É a mesma lógica do Reino: acolher o menor é acolher o Rei (Mateus 25:40).

As referências reforçam o fio dessa ética que atravessa a Escritura. Abraão apressa Sara a amassar três medidas (Gênesis 18:6) — hospitalidade diligente. Ló implora: “voltai-vos… passai a noite” (Gênesis 19:2) e “fez-lhes um banquete” (Gênesis 19:3) — hospitalidade generosa. Rebeca é reconhecida por dar água ao homem e aos camelos (Gênesis 24:44) — hospitalidade abundante. Jetro manda chamar Moisés para comer (Êxodo 2:20) — hospitalidade que integra. A Lei manda sustentar o irmão pobre e o estrangeiro (Levítico 25:35; Deuteronômio 14:29) — hospitalidade institucional. O triste caso de Gibeá mostra o caos quando ninguém os recolheu em casa (Juízes 19:15), em contraste com o ancião que diz: “todas as tuas necessidades fiquem ao meu cuidado” (Juízes 19:20) — hospitalidade protetora. A sunamita diz: “façamos-lhe um pequeno quarto” (2 Reis 4:10) — hospitalidade planejada. Em tempos de opressão, Moabe é conclamado a esconder os desterrados (Isaías 16:3) — hospitalidade refúgio. Jesus manda convidar pobres, aleijados, coxos e cegos (Lucas 14:13) e, em Jericó, diz a Zaqueu: “hoje me convém posar em tua casa” (Lucas 19:5) — hospitalidade que recebe o próprio Cristo. Pedro hospeda os homens de Cornélio (Atos 10:23); em Jerusalém, os irmãos nos receberam de bom grado (Atos 21:17); e, em Malta, os bárbaros mostraram-nos não pouca humanidade (Atos 28:2) — hospitalidade missionária. Paulo lembra aos gálatas que o receberam como a um anjo de Deus (Gálatas 4:14), quase uma paráfrase do nosso versículo; e a própria carta, um pouco adiante, insiste: “não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir, pois com tais sacrifícios Deus se agrada” (Hebreus 13:16) — hospitalidade como culto.

Assim, Hebreus 13:2 reúne a Lei (Levítico 19:34; Deuteronômio 10:18–19), a sabedoria e os profetas (Jó 31:19, 31:32; Isaías 58:7), o ensino do Senhor (Mateus 25:35, 25:40, 25:43), os exemplos narrativos (1 Reis 17:10–16; 2 Reis 4:8, 4:10; Gênesis 18:2–10; 19:1–3; Juízes 13:15–25), a prática apostólica (Atos 16:15; Romanos 12:13; 16:23; 1 Timóteo 3:2; 5:10; Tito 1:8; 1 Pedro 4:9) e as chamadas referências (Gênesis 18:6; 19:2; 19:3; 24:44; Êxodo 2:20; Levítico 25:35; Deuteronômio 14:29; Juízes 19:15; 19:20; 1 Reis 17:11; 2 Reis 4:10; Isaías 16:3; Lucas 14:13; 19:5; Atos 10:23; 21:17; 28:2; Gálatas 4:14; Hebreus 13:16) para ensinar que hospitalidade é amor fraternal em movimento, e, às vezes, encontro com o próprio céu.

Hebreus 13:3 — “Lembrai-vos dos presos, como se estivésseis presos com eles; dos que sofrem maus-tratos, como se vós mesmos em corpo fôsseis.” O imperativo “lembrai-vos” liga a igreja ao seu histórico de compaixão e à memória fiel que Deus tem do amor praticado. Já tinham compaixão dos encarcerados e aceitaram com alegria o esbulho dos bens (Hebreus 10:34); agora devem perseverar, não repetindo o erro do copeiro-mor que esqueceu José, embora este lhe pedisse: “lembra-te de mim… fui roubado da terra dos hebreus e aqui nada fiz para me porem na masmorra” (Gênesis 40:14–15, 40:23). Em contraste com esse esquecimento, a fé atua como advocacia corajosa: Ebed-Meleque desce com cordas e trapos para tirar Jeremias do atoleiro da cisterna (Jeremias 38:7–13). Jesus faz da visita aos presos um critério do juízo: “estive preso, e me visitastes”, e a condenação pesa sobre quem não hospedou nem visitou (Mateus 25:36, 25:43); por isso, a comunidade lê cada grade como lugar de encontro com o próprio Cristo. Atos registra a hospitalidade que entra na prisão e sai dela: o carcereiro de Filipos, tremendo, lava as chagas, leva à mesa e se alegra com toda a casa (Atos 16:29–34); Felix permite que amigos sirvam Paulo no cárcere (Atos 24:23); e, já como prisioneiro em trânsito, Paulo recebe benevolência do centurião para procurar os irmãos (Atos 27:3). Essa lembrança se concretiza em sustento fiel: os filipenses co-participam das aflições de Paulo, enviam para sua necessidade, e o apóstolo declara ter tudo em abundância por meio desse amor (Filipenses 4:14–19); ele próprio se apresenta “preso no Senhor” pedindo vida digna da vocação (Efésios 4:1), assina de próprio punho: “lembrai-vos das minhas cadeias” (Colossenses 4:18) e exalta Onesíforo, que o buscou diligentemente em Roma e o reanimou (2 Timóteo 1:16–18). Assim, “lembrar” não é um sentimento vago: é visitar, socorrer, sustentar, defender — exatamente o que José esperava (Gênesis 40) e Jeremias recebeu (Jeremias 38), o que Jesus requer (Mateus 25) e o que a igreja praticou (Atos 16, 24, 27; Filipenses 4; Efésios 4; Colossenses 4; 2 Timóteo 1).

A segunda metade do versículo amplia o círculo: “dos que sofrem maus-tratos, como se vós mesmos em corpo fôsseis”. Neemias escuta que o remanescente está em “grande miséria e desprezo” (Neemias 1:3) e, sentindo com eles, chora, jejua e ora (Neemias 1:4); Paulo manda “chorar com os que choram” (Romanos 12:15) e, por ser um só corpo, quando um membro sofre, todos sofrem (1 Coríntios 12:26). Isso inclui restauração mansa ao caído (Gálatas 6:1) e levar as cargas uns dos outros (Gálatas 6:2), dentro de uma convivência compassiva, fraterna e humilde (1 Pedro 3:8). O ponto de Hebreus é a solidariedade encarnada: não olhar de fora, mas sentir na pele (“como se vós mesmos em corpo fôsseis”), tornando a compaixão prática e restauradora (Neemias 1; Romanos 12; 1 Coríntios 12; Gálatas 6; 1 Pedro 3).

As referências bíblicos mostram como essa solidariedade percorre toda a Escritura. Diante da angústia dos habitantes de Jabes, todo o povo levantou a voz e chorou (1 Samuel 11:4); Mefibosete permaneceu sem cuidar de si para sinalizar luto e lealdade a Davi (2 Samuel 19:24): a dor do outro marca o nosso corpo. Os amigos de Jó vêm para o consolar (Jó 2:11), e o próprio Jó ensina que ao aflito deve ser mostrada benevolência (Jó 6:14), com o clamor: “compaixão de mim, amigos meus” (Jó 19:21); no desfecho, os amigos o consolam e cada um lhe dá prata e ouro (Jó 42:11): compaixão afetiva e material. A sabedoria manda repartir a porção “a sete e até a oito” (Eclesiastes 11:2) por causa das vicissitudes; Isaías define o jejum verdadeiro como partilhar o pão, recolher o desabrigado e não te esconder da tua carne (Isaías 58:7), linguagem que ecoa “vós mesmos em corpo”. Jesus quer que a dor do próximo nos doa: na parábola, os conservos se entristecem muito ao ver a dureza do implacável (Mateus 18:31), e o próprio Cristo está atado (Mateus 27:2), de modo que lembrar os presos é lembrar os laços de Jesus. A igreja responde orando sem cessar por Pedro na prisão (Atos 12:5), trabalhando para socorrer (Atos 20:35) e indo ao encontro de Paulo na estrada para o animar (Atos 28:15). O padrão é o de Cristo, que esvaziou-se, tomando forma de servo (Filipenses 2:7): a solidariedade desce até onde o irmão está. Daí a alegria mútua quando chegam boas notícias de fé e amor (1 Tessalonicenses 3:6), e a ordem pastoral de admoestar os desordeiros, confortar os desanimados e amparar os fracos (1 Tessalonicenses 5:14). Tudo isso cumpre a vocação de “considerarmo-nos para nos estimular ao amor e às boas obras” (Hebreus 10:24), e, como Pedro, “despertar com lembranças” (2 Pedro 1:13) — exatamente o que “lembrai-vos” em Hebreus 13:3 pretende: manter viva uma memória que se torna visita, defesa, oração, sustento e companhia, até que o corpo todo sinta junto e, sentindo, cure.

Hebreus 13:4 — “Digno de honra entre todos seja o matrimônio, e o leito sem mácula; porque Deus julgará os devassos e adúlteros.” O matrimônio é honrado porque nasce no propósito criador: Deus fez o ser humano “macho e fêmea” (Gênesis 1:27), abençoou com a fecundidade (Gênesis 1:28), formou a mulher do homem (Gênesis 2:21) e instituiu a união exclusiva e permanente — “deixa… e se une… e serão uma só carne” (Gênesis 2:24). Por isso, mesmo os que servem no santuário devem guardar a santidade do casamento (Levítico 21:13–15), e vemos servos de Deus casados no fluxo da história — por exemplo, a profetisa Hulda, esposa de Salum (2 Reis 22:14) e o próprio Isaías, cuja união matrimonial participa do sinal profético (Isaías 8:3). A sabedoria celebra a fidelidade conjugal e a alegria do amor dentro da aliança — “bebe água da tua cisterna… regozija-te com a mulher da tua mocidade” — e denuncia o preço amargo da infidelidade (Provérbios 5:15–23). No evangelho e nas cartas, o casamento é assumido como realidade desta era (Lucas 20:34), atestado pela presença de Jesus nas bodas de Caná (João 2:1–2) e pelo fato de Pedro ter sogra (Mateus 8:14). Paulo afirma o direito apostólico de “conduzir uma irmã por mulher” (1 Coríntios 9:5) e, sobretudo, ordena a via da santidade: para evitar a imoralidade, cada um tenha sua própria mulher e cada uma seu próprio marido, cumprindo o dever conjugal e preservando a aliança mesmo em situações mistas com cônjuge incrédulo (1 Coríntios 7:2–16); assim, quem casa não peca (1 Coríntios 7:28) e faz bem (1 Coríntios 7:38). Isso se reflete no perfil dos líderes: marido de uma só mulher, governando bem a casa (1 Timóteo 3:2, 3:4; 3:12; Tito 1:6), e nas exortações pastorais para que as mais novas se casem (1 Timóteo 5:14). Não surpreende, então, a censura a quem proíbe o casamento (1 Timóteo 4:3): em Hebreus 13:4, o casamento é um bem a ser honrado, não negado.

Se o matrimônio é honrado, o “leito sem mácula” define sua ética: a fidelidade que Provérbios exalta (Provérbios 5:15–23) e que Paulo protege pela mútua entrega (1 Coríntios 7:2–5) contrasta com a profanação do leito — como Esaú, “profano”, que trocou herança por apetite (Hebreus 12:16) — e com todo o catálogo de impurezas que excluem do Reino. Por isso, fugi da imoralidade (1 Coríntios 6:18); os imorais, adúlteros, efeminados etc. não herdarão o Reino (1 Coríntios 6:9), tal como “as obras da carne” — prostituição, impureza, lascívia… — impedem herança (Gálatas 5:19, 5:21); “nenhum devasso ou impuro… tem herança no Reino” (Efésios 5:5). Daí a ordem: mortificai a “prostituição, impureza, paixão lasciva” (Colossenses 3:5), porque por essas coisas vem a ira de Deus (Colossenses 3:6); a santificação prática exige abster-se da prostituição e possuir o corpo/esposa em santificação e honra (1 Tessalonicenses 4:3–4). Paulo lamenta quando acha impureza, prostituição e lascívia entre crentes (2 Coríntios 12:21), e as listas do juízo incluem prostituidores (1 Timóteo 1:10) e os que andam segundo a carne (2 Pedro 2:10). O Ressuscitado denuncia em Pérgamo o ensino que leva a fornicar (Apocalipse 2:14), e o quadro final é solene: de fora ficam os impuros (Apocalipse 22:15) e os sexualmente imorais têm parte no lago de fogo (Apocalipse 21:8). Assim, o “leito sem mácula” é a pureza conjugal que preserva o dom de Deus do torpor das paixões ilícitas.

O fecho do versículo — “Deus julgará os devassos e adúlteros” — mostra que a santidade do casamento é matéria de tribunal divino: Deus repreende os que tomam a sua aliança na boca mas amam o adultério (Salmos 50:16–22), promete juízo contra os adúlteros (Malaquias 3:5), manda à igreja remover o perverso (1 Coríntios 5:13) e lembra a todos que compareceremos ao tribunal de Cristo para receber segundo o bem ou mal (2 Coríntios 5:10).

As referências narrativas e legais confirmam e concretizam tudo isso. O princípio criacional vê-se também quando Deus traz a mulher ao homem (Gênesis 2:22) e quando Jesus sela: “o que Deus ajuntou não separe o homem” (Mateus 19:6; cf. Marcos 10:11). Deus protege alianças: fere a casa de Faraó por causa de Sara (Gênesis 12:15, 12:17) e adverte Abimeleque a restituir a mulher do profeta (Gênesis 20:7) chamando de grande pecado tocar no casamento (Gênesis 20:9). Israel aprende quão grave é “fazer tal loucura em Israel” (Gênesis 34:7), e José resume a ética do leito: “Como, pois, faria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?” (Gênesis 39:9). A Lei cerca o matrimônio com mandamentos e salvaguardas: não adulterarás (Êxodo 20:14); há impurezas cerimoniais que exigem cuidado no leito (Levítico 15:18, 15:24); é proibido deitar-se com a mulher do próximo (Levítico 18:20); institui-se o rito do ciúme para apurar infidelidade (Números 5:16, 5:18); o adúltero é passível de pena (Deuteronômio 22:22). O contraponto belo é a ratificação pública do casamento de Boaz com Rute — “vós sois testemunhas” — como ato de honra (Rute 4:10). Quando Davi toma Bate-Seba, “o que Davi fizera desagradou ao Senhor” (2 Samuel 11:27): Deus julga. Jó confessa que a impureza sexual afronta a Deus (Jó 31:2) e que o adultério é “fogo que consome” e arruína (Jó 31:12). O salmista denuncia o cúmplice dos adúlteros (Salmos 50:18); a sabedoria avisa do gemer no fim (Provérbios 5:11) e de como a própria iniquidade enreda o infiel (Provérbios 5:22), concluindo: “o que adultera com uma mulher é falto de entendimento; destrói a si mesmo” (Provérbios 6:32). Os profetas mostram a terra cheia de adúlteros (Jeremias 5:7; 23:10) e Ezequiel descreve com crueza a violação do leito do próximo (Ezequiel 18:6; 22:11). Jesus, além de confirmar o vínculo (Mateus 19:6; Marcos 10:11), expõe a falsidade da união irregular — “o que tens não é teu marido” (João 4:18) — e participa de bodas (João 2:1–2), selando a bondade do casamento. A decisão apostólica manda abster-se da prostituição (Atos 15:20); Paulo ordena fugir (1 Coríntios 6:18), enquanto afirma a legitimidade de casar (1 Coríntios 7:28, 7:38) e que tudo no lar seja feito com amor (1 Coríntios 16:14). Ele chora por impurezas não abandonadas (2 Coríntios 12:21) e exige que a prostituição nem se nomeie entre os santos (Efésios 5:3). A vontade de Deus é santificação (1 Tessalonicenses 4:3–4); a Lei moral pesa contra prostituidores (1 Timóteo 1:10) e contra o ascetismo que proíbe casar (1 Timóteo 4:3); Pedro adverte contra quem segue a carne em concupiscência (2 Pedro 2:10). Em Pérgamo, o Senhor reprova o ensino que leva a fornicar (Apocalipse 2:14), e a cena final repete: os impuros ficam de fora (Apocalipse 22:15) e os imorais têm parte na segunda morte (Apocalipse 21:8). Tudo converge: Hebreus 13:4 chama a estimar o casamento como dom de Deus, a guardar o leito como altar de fidelidade e a temer o juízo que recai sobre quem profana o que Deus santificou.

Hebreus 13:5 — “Seja a vossa maneira de viver sem avareza; contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei.” O verso combate a raiz e oferece o remédio. A raiz é a avareza: a Lei proíbe cobiçar (Êxodo 20:17) e mostra, no pecado de Acã, como a cobiça (olhar, desejar, tomar) rouba comunhão e traz juízo (Josué 7:21). Os Salmos expõem o perverso que se gloria no desejo da sua alma (Salmos 10:3) e pedem a Deus que incline o coração às suas verdades, “não à avareza” (Salmos 119:36). Os profetas denunciam um povo inteiro “do menor ao maior… dado à avareza” (Jeremias 6:13), que de lábios fala bem enquanto o coração corre após a ganância (Ezequiel 33:31). Jesus classifica a cobiça entre os males que procedem do coração (Marcos 7:22), ensina que as riquezas e deleites podem sufocar a Palavra (Lucas 8:14) e adverte: “Acautelai-vos da avareza”, ilustrando com o rico insensato (Lucas 12:15–21). Ele sentencia que é impossível servir a Deus e a Mamom (Lucas 16:13), e Lucas nota que os fariseus, avarentos, zombavam dele (Lucas 16:14). Paulo confirma: a humanidade caída está cheia de avareza (Romanos 1:29); a igreja não deve associar-se com quem se diz irmão e permanece cobiçoso (1 Coríntios 5:11), pois os cobiçosos não herdarão o Reino (1 Coríntios 6:10). Por isso, a santidade comunitária manda que a fornicação e avareza nem se nomeiem entre os santos (Efésios 5:3), lembrando que o avarento é idólatra e não tem herança no Reino (Efésios 5:5); exige-se de presbíteros que não sejam avarentos (1 Timóteo 3:3). O amor ao dinheiro é raiz de todos os males e precipita muitos em ruína (1 Timóteo 6:9–10); a avareza move falsos mestres (2 Pedro 2:3) e olhos cheios de adultério que nunca cessam do pecado (2 Pedro 2:14), trilha do erro de Balaão (Judas 11). O primeiro imperativo de Hebreus 13:5, então, é: arranquem a avareza do modo de viver.

O remédio é a contentação. Moisés, acolhido por Jetro, consentiu em habitar com ele (Êxodo 2:21): um retrato simples de contentar-se com a porção que Deus provê. Jesus manda não andar ansiosos quanto ao necessário (Mateus 6:25, 34) e diz aos soldados: “contentai-vos com o vosso soldo” (Lucas 3:14). Paulo aprendeu a estar contente em toda e qualquer situação (Filipenses 4:11–12) e declara: “tendo sustento e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes” (1 Timóteo 6:6–8). A segunda ordem de Hebreus 13:5, portanto, é: vivam satisfeitos com o que Deus já lhes pôs nas mãos.

A base que sustenta ambos os mandamentos é uma promessa: “Não te deixarei, nem te desampararei.” Deus a disse a Jacó (Gênesis 28:15), repetiu a Israel e a Josué (Deuteronômio 31:6, 8; Josué 1:5), ancorou a fidelidade do seu nome (1 Samuel 12:22), encorajou Salomão na obra (1 Crônicas 28:20), foi testemunhada pelos salmistas (Salmos 37:25; 37:28), e ecoa em Isaías tanto como consolo (“não temas, eu sou contigo”, Isaías 41:10) quanto como cuidado pelos necessitados (Isaías 41:17). Assim, abandona-se a avareza e abraça-se a contentação porque a presença fiel de Deus torna desnecessária — e pecaminosa — a segurança falsa do acúmulo.

As referências bíblicas espalham esse mesmo fio por toda a Escritura. Abrão recusa o despojo de Sodoma “para que não digas: eu enriqueci a Abrão” (Gênesis 14:23), e imediatamente Deus lhe diz: “Eu sou o teu escudo e o teu grandíssimo galardão” (Gênesis 15:1). Abimeleque reconhece: “Deus é contigo” (Gênesis 21:22), e os inimigos de Isaque confessam o mesmo (Gênesis 26:28); Jacó parte sustentado por “eu serei contigo” (Gênesis 31:3). A fé em vez de ganância produz retidão nas transações: Abraão insiste em pagar preço justo (Gênesis 23:13); Jacó negocia salário com Laban (Gênesis 30:31); os filhos de Jacó devolvem o dinheiro achado (Gênesis 43:21). A presença prometida governa vocações: “Certamente eu serei contigo”, diz o Senhor a Moisés (Êxodo 3:12). O maná que apodrece quando acumulado (Êxodo 16:20) ensina a confiar dia a dia, não a estocar por medo; e a tenda com o altar (Êxodo 40:29) recorda que culto, não cobiça, é o centro da vida. A Lei até disciplina apetites com limites pedagógicos (Levítico 11:29), e quando alguém teme: “que comeremos no sétimo ano?”, Deus promete provisão tripla (Levítico 25:20). O decálogo repete o veto à cobiça (Deuteronômio 5:21) e lembra que o homem vive de toda palavra (Deuteronômio 8:3); a generosidade é regulada: podes comer na vinha do próximo, mas sem juntar para levar (Deuteronômio 23:24) — suprimento, não saque. Deus sela de novo: “não te deixarei” (1 Reis 6:13; 8:57). E quando falta pão, Ele manda corvos a Elias (1 Reis 17:6), sustenta-o em meio à fome (1 Reis 18:2) e o alimenta por anjo (1 Reis 19:5); a sunamita, probe de ambição, diz: “habito no meio do meu povo” (2 Reis 4:13). Em Susã, Israel não lança mão do despojo (Ester 9:15), sinal de um coração livre de ganância. Entre o clamor de abandono (Salmos 22:1) e a certeza “o Senhor é meu pastor; nada me faltará” (Salmos 23:1), o salmista ora: “não me desampares” (Salmos 27:9), confessa: “contigo estou” (Salmos 73:23), e crê que “o Senhor não desamparará o seu povo” (Salmos 94:14); se não fora o Senhor ao nosso lado (Salmos 124:1), nada teríamos. A sabedoria garante: Deus não faminto o justo (Provérbios 10:3); o justo come até se fartar (Provérbios 13:25); o temor do Senhor conduz a vida satisfeita (Provérbios 19:23). Deus guia e não desampara (Isaías 42:16), troca nome de “Desamparada” por “Meu deleite” (Isaías 62:4) e chama o povo de “Buscada, Cidade não desamparada” (Isaías 62:12). “Não temas, eu sou contigo”, diz a Jeremias (Jeremias 1:8), e o profeta clama: “não nos desampares” (Jeremias 14:9); a ambição pessoal é podada: “E tu, buscarás tu grandes coisas para ti? não as busques” (Jeremias 45:5). Jesus redireciona o coração: ajuntai tesouros no céu (Mateus 6:19); e promete cuidado e proteção (Lucas 10:19), ordenando: “não andeis cuidadosos” (Lucas 12:22), antes buscai o Reino (Lucas 12:31) — e há restituição multiplicada já “neste tempo” (Lucas 18:30). O Ressuscitado pergunta: “Tendes algo para comer?” e provê (João 21:5). A igreja, livre de avareza, socorre conforme a possibilidade (Atos 11:29). Paulo conclama à mesma mente humilde (Romanos 12:16), pede ao servo chamado que não se preocupe (1 Coríntios 7:21), e testemunha: “não desamparados” (2 Coríntios 4:9). A arma da vida nova é a Palavra de Deus (Efésios 6:17), e a mansidão conhecida de todos (Filipenses 4:5) brota da certeza “o Senhor está perto”, raiz da contentação. Por isso, “tendo sustento e com que nos cobrirmos”, basta (1 Timóteo 6:8). A boa conduta em mansidão de sabedoria (Tiago 3:13) é santa (1 Pedro 1:15), honrosa entre os gentios (1 Pedro 2:12) e coerente com o fim de todas as coisas: santas maneiras de viver e piedade (2 Pedro 3:11).

Tudo converge: Hebreus 13:5 não é só uma ética financeira; é teologia prática da presença. Porque Ele disse — e cumpriu desde os patriarcas, pelos profetas, por Cristo e na igreja — “não te deixarei, nem te desampararei”, rejeitamos a avareza (Êxodo 20:17; Josué 7:21; Salmos 10:3; 119:36; Jeremias 6:13; Ezequiel 33:31; Marcos 7:22; Lucas 8:14; 12:15–21; 16:13–14; Romanos 1:29; 1 Coríntios 5:11; 6:10; Efésios 5:3, 5; Colossenses 3:5; 1 Timóteo 3:3; 6:9–10; 2 Pedro 2:3, 14; Judas 11), abraçamos a contentação (Êxodo 2:21; Mateus 6:25, 34; Lucas 3:14; Filipenses 4:11–12; 1 Timóteo 6:6–8) e descansamos na promessa (Gênesis 28:15; Deuteronômio 31:6, 8; Josué 1:5; 1 Samuel 12:22; 1 Crônicas 28:20; Salmos 37:25, 28; Isaías 41:10, 17). Essa tríplice resposta — sem avareza, com contentamento, na presença do Senhor — é a cura que liberta o coração para amar, servir e adorar.

Hebreus 13:6 — “Assim, com confiança, diremos: O Senhor é o meu ajudador, não temerei; que me fará o homem?” A expressão “com confiança diremos” liga a ousadia do nosso falar à ousadia do nosso acesso: quem foi convidado a chegar confiadamente ao trono da graça (Hebreus 4:16), e ganhou ousadia para entrar no Santo dos Santos pelo sangue de Jesus (Hebreus 10:19), também recebe, em Cristo, a ousadia e acesso com confiança para confessar publicamente a sua fé (Efésios 3:12). A confissão destemida é, portanto, fruto direto da obra de Cristo que abriu o caminho.

Quando a confissão proclama “O Senhor é o meu ajudador”, ela ecoa toda a Escritura: Deus se revelou a Abrão como escudo e galardão (Gênesis 15:1); o próprio nome de Eliézer testemunha “Deus é auxílio” (Êxodo 18:4). Moisés canta o Deus que cavalga os céus para ajudar e declara “bem-aventurado és tu, ó Israel; escudo do teu socorro” (Deuteronômio 33:26, 29). Davi personaliza: “Eu te amo, Senhor, força minha… meu rochedo… meu libertador” (Salmos 18:1–2); “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei?… ainda que um exército me cercasse” (Salmos 27:1–3), e por isso roga, não a homens, mas a Deus: “não escondas de mim o teu rosto” (Salmos 27:9). A congregação aprende a esperar no Senhor, nosso auxílio e escudo (Salmos 33:20), inclusive quando é pobre e necessitado (Salmos 40:17). Em meio à perseguição Davi confessa: “Eis que Deus é o meu ajudador” (Salmos 54:4), e também canta: “tu foste o meu auxílio, e à sombra das tuas asas me alegrarei” (Salmos 63:7); reconhece que, não fosse o Senhor, a sua alma teria habitado o silêncio (Salmos 94:17). Israel inteiro é chamado a confiar no Senhor em vez de confiar em si ou em príncipes (Salmos 115:9–11; 146:3), pois “o Senhor está comigo; entre os que me ajudam”, logo “melhor é confiar no Senhor do que confiar no homem” (Salmos 118:7–9; ver também 124:8). O profeta reafirma: “Não temas, porque eu sou contigo… eu te ajudo” (Isaías 41:10, 14). Paulo resume a teologia do auxílio divino: “Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Romanos 8:31).

Daí flui a segunda metade do verso: “não temerei; que me fará o homem?” Davi já havia feito essa aritmética espiritual: “Em Deus tenho posto a minha confiança; não temerei” (Salmos 56:4, 11), e sela isso com votos de gratidão (Salmos 56:12); o salmo pascoal repete: “O Senhor está comigo, não temerei; que me pode fazer o homem?” (Salmos 118:6). Os três jovens na fornalha mostram como essa confiança se traduz em obediência até à morte: “o nosso Deus… nos livrará… e, se não, ficai sabendo… não serviremos” (Daniel 3:16–18). Jesus ordena a mesma hierarquia de temores: não temer homens que matam o corpo, mas temer a Deus (Mateus 10:28; Lucas 12:4–5). Assim, a coragem de Hebreus 13:6 não é bravata; é reverência bem colocada.

As referências bíblicas espalham esse mesmo padrão de coragem sustentada pela presença e provisão de Deus. A Isaque, Deus diz: “não temas, porque eu sou contigo” (Gênesis 26:24); a Jacó, promete: “eu estou contigo” (Gênesis 28:15). O culto no altar (Êxodo 40:29) recorda que o socorro é aliança, não sorte. Quando Israel teme a falta (“que comeremos?”), a santificação do ano sabático é respondida com provisão (Levítico 25:20), ensinando que a fé substitui a ansiedade. O povo é exortado a bom ânimo (Números 13:20; Deuteronômio 1:21; 20:3). Davi, perseguido, ouve “não temas” (1 Samuel 23:17) e se fortalece no Senhor (1 Samuel 30:6), e conclama: “Seja forte… pelo povo do Senhor” (2 Samuel 10:12). No tempo de fome, Deus sustenta Elias por meios improváveis (1 Reis 17:6, 8; 18:2). Neemias anima o povo: “não temais… lembrai-vos do Senhor grande e terrível” (Neemias 4:14). Os salmos garantem: “O Senhor é meu pastor; nada me faltará” (Salmos 23:1); por isso, não temeremos ainda que a terra se mude (Salmos 46:2) e não temerás terrores noturnos (Salmos 91:5); a fonte do socorro é o Senhor, que fez o céu e a terra (Salmos 121:2; cf. 124:1). A sabedoria confirma: o Senhor não deixa o justo passar fome (Provérbios 10:3), e quem teme ao Senhor terá descanso (Provérbios 19:23). Isaías volta a prometer água ao sedento e ajuda ao necessitado (Isaías 41:17), e o Servo do Senhor põe o rosto como pedra porque “o Senhor Deus me ajuda” (Isaías 50:7). Jeremias recebe: “não temas… eu sou contigo para te livrar” (Jeremias 1:8), e é cuidado até em detalhes práticos (Jeremias 40:5). Jesus proíbe a ansiedade (Mateus 6:25, 34), o anjo diz a Maria: “não temas” (Lucas 1:30), João Batista exorta a contentar-se com o soldo (Lucas 3:14), o Senhor dá autoridade sobre o inimigo (Lucas 10:19) e promete restituição multiplicada aos que perdem por sua causa (Lucas 18:30). A igreja, confiando no Ajudador, socorre os necessitados (Atos 11:29) e Pedro dorme entre soldados porque descansa em Deus (Atos 12:6). Essa confiança se arma com a espada do Espírito, a Palavra de Deus (Efésios 6:17), não se deixa aterrorizar pelos adversários (Filipenses 1:28), vive com a consciência de que o Senhor está perto (Filipenses 4:5) e aprende a contentação (Filipenses 4:11), vivendo com simplicidade (1 Timóteo 6:8). Pela fé, os pais de Moisés não temeram o decreto do rei (Hebreus 11:23). E Pedro orienta a prática diária dessa verdade: lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade, porque Ele tem cuidado de vós (1 Pedro 5:7).

Assim, Hebreus 13:6 reúne tudo o que a Bíblia diz sobre auxílio, temor e confiança: porque Deus nos abriu acesso (Hebreus 4:16; 10:19; Efésios 3:12), é nosso Ajudador (Gênesis 15:1; Êxodo 18:4; Deuteronômio 33:26, 29; Salmos 18:1–2; 27:1–3, 9; 33:20; 40:17; 54:4; 63:7; 94:17; 115:9–11; 118:7–9; 124:8; 146:3; Isaías 41:10, 14; Romanos 8:31) e ordena o temor correto (Salmos 56:4, 11–12; 118:6; Daniel 3:16–18; Mateus 10:28; Lucas 12:4–5), podemos dizer com ousadia o que a fé sempre disse nas páginas bíblicas — e viver de forma coerente com isso, sem medo de homens, sem ansiedade de provisão, com coragem para obedecer e generosidade para servir (todas as referências bíblicas acima).

Hebreus 13:7 — “Lembrai-vos dos vossos guias… que vos falaram a palavra de Deus; e, considerando o fim da sua carreira, imitai a fé que tiveram.” O versículo chama a igreja a lembrar-se dos seus guias (o termo pode ser traduzido “os que vos governam” ou “os que vos conduzem”), isto é, aqueles que exercem cuidado pastoral. A própria carta volta a esse tema ao exortar: “Obedecei aos vossos guias e sede submissos” (Hebreus 13:17) e ao enviar saudações “a todos os vossos guias” (Hebreus 13:24). Jesus descreveu tais servos como o “servo fiel e prudente” que dá sustento ao tempo certo (Mateus 24:45), e ensinou que o mordomo fiel é aquele que distribui o alimento aos domésticos (Lucas 12:42). Em continuidade, os apóstolos constituíram presbíteros em cada igreja (Atos 14:23), e Paulo pediu que a comunidade reconhecesse os que trabalham entre vós e vos presidem no Senhor, estimando-os com amor por causa da obra (1 Tessalonicenses 5:12–13). A aptidão para governar bem a própria casa é requisito para cuidar da igreja de Deus (1 Timóteo 3:5); por isso, “guias” aqui são os pastores/anciãos que Deus dá ao seu povo.

Esses guias são definidos, antes de tudo, por “vos falaram a palavra de Deus”. Jesus ensinou que a semente é a Palavra (Lucas 8:11), e a igreja primitiva, cheia do Espírito, falava a palavra de Deus com ousadia (Atos 4:31). Quando muitos rejeitaram a mensagem, Paulo e Barnabé responderam: “era necessário que a palavra de Deus vos fosse primeiramente anunciada; mas, visto que a rejeitais… eis que nos voltamos para os gentios” (Atos 13:46). Porque a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Cristo (Romanos 10:17), os tessalonicenses foram elogiados por receberem a palavra… não como palavra de homens, mas como verdadeiramente é, palavra de Deus (1 Tessalonicenses 2:13). A seriedade desse ministério se vê no testemunho dos mártires: João está na ilha de Patmos por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus (Apocalipse 1:9), e as almas debaixo do altar foram mortas por causa da palavra de Deus (Apocalipse 6:9); outros foram decapitados por causa do testemunho de Jesus e por causa da palavra de Deus (Apocalipse 20:4). Logo, lembrar dos guias é lembrar da Palavra que eles semearam e, com ela, do custo que muitas vezes pagam.

A reação correta é: “imitai a fé que tiveram”. Hebreus já havia convocado: “não vos torneis indolentes, mas imitadores dos que, pela fé e paciência, herdam as promessas” (Hebreus 6:12). A sabedoria do Cântico sugere o caminho: “segue as pegadas do rebanho” (Cantares 1:8), isto é, anda nas trilhas que os fiéis já trilharam. Paulo insiste: “Sede meus imitadores” (1 Coríntios 4:16), e “sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1 Coríntios 11:1); “sede meus imitadores, e observai os que andam segundo o exemplo que tendes em nós” (Filipenses 3:17). Em Tessalônica, tornaram-se imitadores de nós e do Senhor, recebendo a palavra, em muita tribulação, com alegria do Espírito Santo (1 Tessalonicenses 1:6). Por isso Paulo pode dizer: “vós mesmos sabeis como convém imitar-nos… não porque não tivéssemos autoridade, mas para vos dar em nós mesmos exemplo” (2 Tessalonicenses 3:7, 9). Seguir a fé dos guias é, então, seguir o padrão apostólico: aprender a crer, sofrer e perseverar como eles.

O modo de imitar inclui “considerando o fim (resultado) da carreira deles”. O termo que Hebreus usa para “fim” é o mesmo que Paulo usa para “saída/escape” em 1 Coríntios 10:13; isto é, Deus governa o desfecho do caminho dos seus. Às vezes, esse desfecho é a morte fiel. Assim, Estêvão, cheio do Espírito, fitou o céu e testemunhou a glória de Cristo, morrendo com perdão nos lábios (Atos 7:55–60). Considerar o “fim” é ponderar como os guias terminaram bem, sustentados por Deus até o último passo, para que imitemos a mesma fé que os levou a perseverar.

As referências bíblicas aprofundam esse retrato. Jacó lembra as vigílias e privações do seu serviço (Gênesis 31:40), imagem do labor pastoral que gasta forças pelo rebanho. O sacerdote que examina atentamente (Levítico 13:3) sugere o discernimento e a vigilância espiritual que líderes devem exercer. Gideão diz: “Olhai para mim e fazei como eu fizer” (Juízes 7:17), um paradigma de liderança exemplar. O insensato de Provérbios lamenta: “não ouvi a voz dos meus mestres” (Provérbios 5:13), advertindo contra desprezar os guias. Em Atos 15:6, apóstolos e anciãos reúnem-se para discernir doutrina — função dos guias. Paulo exorta o que preside a fazê-lo com zelo (Romanos 12:8) e pede que se reconheça e honre quem refresca os santos (1 Coríntios 16:18). Mesmo reconhecendo “colunas” na igreja, Paulo não se deixa guiar por parcialidade (Gálatas 2:6), pois há um só Senhor, uma só fé (Efésios 4:5): a unidade do evangelho é a régua do ofício. A alegria apostólica vem de boas notícias da fé e amor do rebanho (1 Tessalonicenses 3:6). Os anciãos que governam bem devem ser tidos por dignos de dobrados honorários, especialmente os que labutam na palavra e no ensino (1 Timóteo 5:17). Daí a ordem: “Considera o que digo, porque o Senhor te dará entendimento” (2 Timóteo 2:7). Hebreus, em todo o argumento, insiste que temamos cair (Hebreus 4:1) e que confiemos no poder penetrante da Palavra que os guias proclamam (Hebreus 4:12). Por fim, os profetas são apresentados como exemplo de sofrimento e paciência (Tiago 5:10), isto é, como “fins” dignos de consideração e imitação.

Assim, Hebreus 13:7 pede três movimentos inseparáveis: (1) lembrar de quem Deus pôs como guias (Hebreus 13:17, 24; Mateus 24:45; Lucas 12:42; Atos 14:23; 1 Tessalonicenses 5:12–13; 1 Timóteo 3:5); (2) recordar a Palavra que eles falaram e o custo de mantê-la (Lucas 8:11; Atos 4:31; 13:46; Romanos 10:17; 1 Tessalonicenses 2:13; Apocalipse 1:9; 6:9; 20:4); (3) imitar a fé deles, ponderando o desfecho da vida que viveram em Cristo (Hebreus 6:12; Cantares 1:8; 1 Coríntios 4:16; 11:1; Filipenses 3:17; 1 Tessalonicenses 1:6; 2 Tessalonicenses 3:7, 9; Atos 7:55–60; 1 Coríntios 10:13). É assim que a igreja honra seus pastores: não os adorando, mas seguindo a fé que confessam e vivem, até o último passo.

Hebreus 13:8 — “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e para sempre.” A confissão encerra a carta retomando algo que o autor já provará no início: o Filho “permanece o mesmo, e os seus anos jamais terão fim” (Hebreus 1:12). Esse testemunho ecoa o salmista que diz: “De eternidade a eternidade, tu és Deus” (Salmos 90:2) e que, para Deus, “mil anos são como o dia de ontem” (Salmos 90:4); por isso, ainda que a criação envelheça, “tu és o mesmo, e os teus anos não terão fim”, garantindo segurança às gerações dos servos (Salmos 102:27–28; cf. 102:12). A imutabilidade divina sustenta também a sua misericórdia: “a misericórdia do SENHOR é de eternidade a eternidade” (Salmos 103:17) e o seu trono é “desde a antiguidade” (Salmos 93:2), pois “o SENHOR subsiste para sempre” (Salmos 9:7). Os profetas confirmam: é Ele quem “chama as gerações desde o princípio… Eu, o SENHOR, o primeiro, e com os últimos eu sou” (Isaías 41:4); “Eu sou o primeiro e eu sou o último” (Isaías 44:6); “eu, o SENHOR, não mudo” (Malaquias 3:6). Quando o autor diz que Jesus é “o mesmo”, ele está, portanto, afirmando a participação do Filho nessa imutabilidade e eternidade que o Antigo Testamento atribui exclusivamente ao Deus vivo (Deuteronômio 5:26; Josué 3:10; Jeremias 10:10).

Jesus mesmo se identificou com o Nome imutável de Êxodo: “EU SOU O QUE SOU” (Êxodo 3:14–15), ao declarar: “Antes que Abraão existisse, EU SOU” (João 8:56–58). Isso coloca sua existência “no princípio” (João 1:1), anterior e superior a João Batista (João 1:15), “subsistindo em forma de Deus” (Filipenses 2:6) e “antes de todas as coisas, nele tudo subsiste” (Colossenses 1:17). O próprio Apocalipse lhe aplica os títulos da eternidade divina: aquele “que é, que era e que há de vir” (Apocalipse 1:4), o “Alfa e Ômega” (Apocalipse 1:8; 1:11), “o Primeiro e o Último” (Apocalipse 1:17), “o que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos” (Apocalipse 1:18). O cântico celestial confirma: santo é aquele “que era, que é e que há de vir” (Apocalipse 4:8). Assim, a frase de Hebreus 13:8 não é um slogan devocional, mas uma afirmação cristológica robusta: o Jesus histórico é o eterno “EU SOU” de Êxodo 3, o Messias “cujas origens são desde os dias da eternidade” (Miqueias 5:2).

Da imutabilidade brota a confiabilidade: “nele houve o ‘Sim’; pois quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o ‘Sim’” (2 Coríntios 1:19–20). Por isso Tiago pode dizer que, no “Pai das luzes”, não há “mudança nem sombra de variação” (Tiago 1:17), e Paulo chama Deus de “eterno” (Romanos 16:26) e “o único que possui imortalidade” (1 Timóteo 6:16). É essa mesma constância que fundamenta o ofício de Cristo: “porque permanece eternamente, tem o sacerdócio imutável” (Hebreus 7:24). A imutabilidade divina garante que sua mão não pode ser revertida (Isaías 43:13), que seu cuidado perdura “até à velhice” (Isaías 46:4) e que, embora os caminhos humanos oscilem, “as suas veredas são eternas” (Habacuque 3:6; cf. 1:12: “desde a eternidade és tu, ó SENHOR”). Lamentações 5:19 resume: “Tu, SENHOR, reinas para sempre; o teu trono subsiste de geração em geração.”

Mesmo textos que parecem periféricos ajudam a perceber o contraste entre o que passa e o que permanece. No Egito, José recomenda levar “dinheiro dobrado” por causa de circunstâncias mutáveis (Gênesis 43:12), enquanto o Nome divino é memorial “de geração em geração” (Êxodo 3:15). O altar de bronze foi feito no deserto (Êxodo 38:1), mas aponta para a adoração que, em Cristo, fica ancorada no que não muda. Isaías fala de um juízo “preparado desde ontem” (Isaías 30:33), mostrando que decretos divinos não vacilam. Do lado do louvor, o salmista proclama: “Tu permaneces” (Salmos 102:12), e “os teus anos não têm fim” (de novo, 102:27), enquanto João abre seu evangelho com a Palavra eterna (João 1:1) e repete que Jesus antecede a todos (João 1:15; 8:58). Paulo serve a Deus “continuamente” (2 Timóteo 1:3), porque o Deus a quem serve não muda; e toda a história converge para esse reino que “não pode ser abalado” (pressuposto em Hebreus 12:28), pois “céus e terra passarão”, mas a Palavra e o Cristo que a cumprem permanecem (compare Mateus 24:35 com Hebreus 13:8). Assim, como o salmista adora o Deus “tremendo” (Salmos 89:7) e os viventes do trono confessam “Santo… que era, que é e que há de vir” (Apocalipse 4:8), Hebreus conclui: o mesmo Jesus do “ontem” da promessa e da cruz, e do “hoje” da intercessão, é o “para sempre” que sustenta a fé da igreja.

Em suma: Hebreus 13:8 se apoia no testemunho antigo (Salmos 90:2; 90:4; 102:12; 102:27–28; 103:17; Isaías 41:4; 44:6; Malaquias 3:6; Lamentações 5:19; Habacuque 1:12; 3:6), é explicitado pelo próprio Cristo que assume o “EU SOU” (Êxodo 3:14–15; João 8:56–58; João 1:1; 1:15; Filipenses 2:6; Colossenses 1:17; Miqueias 5:2), é selado pela gloriosa autoapresentação do Ressuscitado (Apocalipse 1:4; 1:8; 1:11; 1:17–18; 4:8) e produz confiança prática porque nele não há vacilo (Tiago 1:17; 2 Coríntios 1:19–20; Romanos 16:26; 1 Timóteo 6:16; Hebreus 7:24). Tudo muda ao redor; Ele, não.

Hebreus 13:9 — “Não vos deixeis levar por doutrinas várias e estranhas; porque é bom que o coração se fortifique com graça, e não com alimentos, que nunca aproveitaram aos que com eles se preocuparam.” O primeiro imperativo é negativo: não ser “carregado” para longe por ensinos estranhos. Jesus antecipou esse risco quando advertiu: “Vede que ninguém vos engane” (Mateus 24:4) e, mais especificamente, que surgiriam falsos cristos e falsos profetas operando “grandes sinais e prodígios” para, se possível, enganar os próprios eleitos (Mateus 24:24). Paulo disse aos presbíteros de Éfeso que “dentre vós mesmos se levantarão homens falando coisas perversas, para arrastar os discípulos após si” (Atos 20:30), e mandou “notar os que promovem dissensões… contrárias à doutrina” (Romanos 16:17), pois tais pessoas “enganam o coração dos simples” com palavras suaves (Romanos 16:18). Em Corinto, ele desmascara “falsos apóstolos”, ministros de justiça travestidos, à semelhança de Satanás, que se disfarça em anjo de luz (2 Coríntios 11:11–15). Aos gálatas, denuncia “outro evangelho” — anátema — por mais respeitável que pareça o mensageiro (Gálatas 1:6–9). Por isso exorta a não ser “meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina” (Efésios 4:14) e a não se deixar iludir por “vãs palavras” (Efésios 5:6). Aos colossenses, alerta contra o “raciocínio falaz” (Colossenses 2:4) e o cativeiro por “filosofia” e “rudimentos do mundo” (Colossenses 2:8). Em Tessalônica, corrige o pânico provocado por boatos “como se fosse do Espírito, palavra ou carta” (2 Tessalonicenses 2:2). Em Timóteo, prevê a apostasia fomentada por “ensinos de demônios”, incluindo ascetismos que “proíbem o casamento e ordenam a abstinência de alimentos” (1 Timóteo 4:1–3), e manda apartar-se de “outra doutrina” que produz contendas (1 Timóteo 6:3–5), bem como guardar o depósito evitando “as conversas vãs e profanas, e as oposições da falsamente chamada ciência” (1 Timóteo 6:20). João acrescenta: “provai os espíritos” (1 João 4:1), e Judas convoca a “batalhar pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (Judas 1:3). Tudo isso explica a imagem de Hebreus 13:9: o perigo não é apenas informação errada, mas ser “arrastado” por ela.

Em contraste, o autor afirma o caminho positivo: “é bom que o coração se fortifique com graça”. A Palavra da graça edifica e dá herança (Atos 20:32); é Deus quem “nos confirma… em Cristo” (2 Coríntios 1:21). A vida comunitária regida pela graça restaura o caído “com espírito de mansidão” (Gálatas 6:1). O Senhor “consola e fortalece em toda boa obra e boa palavra” (2 Tessalonicenses 2:17). Por isso o discípulo deve “fortificar-se na graça” (2 Timóteo 2:1) e perpetuar o ensino fiel (“o que ouviste… confia a homens fiéis”, 2 Timóteo 2:2). Assim, a estabilidade do coração vem da ação graciosa de Deus e da fidelidade à sã doutrina, não de modismos religiosos.

Daí a cláusula final: “não com alimentos”. O escritor já explicou que as ordenanças de comidas e bebidas eram “apenas prescrições da carne”, impostas “até ao tempo da correção” (Hebreus 9:9–10). O código dietético (Levítico 11:1–47; Deuteronômio 14:3–21) tinha função pedagógica e distintiva, mas não podia santificar o coração. A visão dada a Pedro (Atos 10:14–16) rompe a barreira cerimonial e mostra a universalidade do evangelho. Paulo insiste que quem come e quem não come devem fazê-lo “para o Senhor” (Romanos 14:6), que “o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Romanos 14:17) e que “um crê que de tudo se pode comer, outro, que é fraco, come legumes” (Romanos 14:2), sem superioridade moral. Em Corinto, relativiza o valor religioso da comida: “os alimentos são para o estômago e o estômago para os alimentos” (1 Coríntios 6:13), e “a comida não nos recomendará a Deus; nada perdemos se não comermos, e nada ganhamos se comermos” (1 Coríntios 8:8). Por isso ninguém deve julgar “por causa de comida ou bebida” (Colossenses 2:16), nem voltar a “ordenanças” que são “não toques, não proves, não manuseies” (Colossenses 2:20). Os “proibidores” de alimentos ignoram que “tudo o que Deus criou é bom… santificado pela palavra de Deus e pela oração” (1 Timóteo 4:3–5). E as “tradições judaicas” e “mandamentos de homens” (Tito 1:14) falham, pois “para os puros, todas as coisas são puras” (Tito 1:15). Assim se entende a sentença de Hebreus: o foco em “alimentos” nunca aproveitou espiritualmente quem neles se ocupou; somente a graça firma o coração.

As referências correlatas confirmam e aprofundam esse contraste. A antiga lista de animais puros/impuros (Levítico 11:2) lembra o pedagógico provisório; mas o justo “não temerá más notícias, o seu coração é firme, confiando no SENHOR” (Salmos 112:8), porque Deus pergunta: “Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão?” (Isaías 55:2) — o ritual sem graça é alimento que não nutre. Jesus condena o culto “em vão” por preceitos de homens (Mateus 15:9) e ensina que “não é o que entra pela boca que contamina” (Mateus 15:11; Marcos 7:15). O vinho novo precisa de odres novos (Lucas 5:38): a nova aliança não cabe nas velhas categorias alimentares. “O Espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita” (João 6:63) — por isso a igreja é exortada a “perseverar na graça” (Atos 13:43) e, assim, “confirmadas na fé” as igrejas crescem (Atos 16:5). O dom apostólico visa “confirmar” (Romanos 1:11), não impor dietas; e, quanto a “vantagem” cerimonial (Romanos 3:1), sem Cristo ela não edifica. Construir com “madeira, feno, palha” (superstições e preceitos humanos) não resiste (1 Coríntios 3:12); até dar o corpo para ser queimado “nada” aproveita sem amor (1 Coríntios 13:3), e falar sem conteúdo não edifica (1 Coríntios 14:6). A antiga serpente ainda “corrompe as mentes” (2 Coríntios 11:3), e até Pedro foi “levado” por dissimulação ritual (Gálatas 2:13) — exatamente o que Hebreus proíbe: ser “carregado”. Voltar a preceitos “não toques” é submeter-se “a ordenanças” humanas (Colossenses 2:20); ocupar-se com “fábulas” (1 Timóteo 1:4) e exercícios meramente “corpóreos” (1 Timóteo 4:8) tem “pouco proveito”, ao passo que guardar a doutrina “salvará tanto a ti mesmo como aos que te ouvem” (1 Timóteo 4:16). Disputas de palavras “para nada aproveitam” (2 Timóteo 2:14), ao invés de seguir o ensino e proceder do apóstolo (2 Timóteo 3:10). A própria lei cerimonial foi “ab-rogada por causa da sua fraqueza” (Hebreus 7:18). Por isso, quem duvida é “como a onda do mar, levada e agitada pelo vento” (Tiago 1:6), e uma fé sem fruto “que aproveita?” (Tiago 2:14). A segurança espiritual vem de ser “confirmado na verdade presente” (2 Pedro 1:12), que é a graça de Cristo — a única coisa que realmente firma o coração.

Hebreus 13:10 — “Temos um altar, do qual não têm direito de comer os que servem ao tabernáculo.” O autor contrasta dois regimes de culto. “Os que servem ao tabernáculo” são os levitas que ministravam nos ritos do santuário, conforme a comissão recebida para “guardar o serviço” e “os utensílios do tabernáculo” (Números 3:7–8; 7:5). No sistema antigo, era comum que os ministros “participassem do altar” comendo das ofertas (Ezequiel 44:29), como Paulo lembra: “os que servem ao altar, do altar se alimentam” (1 Coríntios 9:13). Em Hebreus, porém, há um “altar” ao qual esses ministros, enquanto permanecerem presos ao antigo arranjo, “não têm direito de comer”.

Esse “altar” novo é a própria oferta messiânica. Desde cedo a fé esperou que as nações viessem com seus rebanhos e fossem “aceitos sobre o meu altar” (Isaías 60:7), e que até os lábios do profeta fossem purificados por uma brasa do altar (Isaías 6:6), sinal de expiação que culmina no Servo cuja “alma se fez oferta pelo pecado” (Isaías 53:10). Por isso, Paulo diz: “Cristo, nossa Páscoa, foi sacrificado” e conclama a “celebrar a festa… com os ázimos da sinceridade e da verdade” (1 Coríntios 5:7–8). A participação cristã nesse altar é comunhão real com o sacrifício de Cristo, simbolizada na mesa do Senhor: “sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos participamos do único pão” (1 Coríntios 10:17). É outra esfera de culto — “vinho novo” que requer “odres novos” (Lucas 5:38) — e, por isso, incompatível com permanecer sob a economia do tabernáculo.

A própria história do “altar” prepara esse ensino. Noé “edificou um altar” ao sair do dilúvio (Gênesis 8:20), e, na aliança mosaica, Deus prescreveu o altar de bronze (Êxodo 27:1; 38:1) e o de incenso (Êxodo 37:25), situando-os no arranjo do santuário (Êxodo 40:6; 40:29); houve sua dedicação solene (Números 7:84) e o culto “perante o SENHOR” (Deuteronômio 26:4). Israel repetidas vezes “edificou altar” (Juízes 21:4), e Salomão santificou o átrio para acolher sacrifícios (2 Crônicas 7:7). Até o Egito seria marcado por um “altar ao SENHOR” (Isaías 19:19). Tudo isso aponta para a realidade final: não um móvel cultual, mas a pessoa e a obra do Messias, em quem o culto é aceito.

Daí também o alerta de Paulo: há outros “altares” concorrentes — os sacrifícios dos gentios “aos demônios” (1 Coríntios 10:20). O cristão não pode comungar com tais mesas e, ao mesmo tempo, com a mesa do Senhor. A comunhão verdadeira com o altar de Cristo é exclusivista: ela separa do antigo regime e de qualquer culto rival.

Assim, Hebreus 13:10 afirma que a nossa “mesa” é cristológica e eucarística (1 Coríntios 10:17), fundada na oferta única do Servo (Isaías 53:10). Quem insiste em permanecer “servindo ao tabernáculo” (Números 3:7–8; 7:5) — isto é, mantendo o acesso a Deus por meio dos ritos levíticos — permanece numa ordem que, embora legítima em seu tempo (toda a sequência de altares: Gênesis 8:20; Êxodo 27:1; 37:25; 38:1; 40:6; 40:29; Números 7:84; Deuteronômio 26:4; Juízes 21:4; 2 Crônicas 7:7), não confere direito de “comer” do nosso altar, porque a comunhão agora é concedida exclusivamente em Cristo, o verdadeiro lugar de aceitação (Isaías 60:7) e o centro do culto do novo pacto.

Hebreus 13:11-12 — O versículo 11 relembra o rito levítico dos sacrifícios pelo pecado cujo sangue era levado “para dentro” enquanto os corpos eram queimados “fora”. No dia da consagração sacerdotal, o novilho do pecado tinha sua gordura e sangue empregados no rito, mas o corpo era queimado fora do arraial (Êxodo 29:14). O mesmo padrão aparece no sacrifício pelo pecado do sacerdote ungido: o sangue era aspergido diante do véu e no altar do incenso (Levítico 4:5–7), enquanto o couro, a carne e o excremento eram levados “para fora do arraial” e queimados (Levítico 4:11; 4:12). Quando a congregação inteira pecava, o sumo sacerdote realizava a mesma sequência de levar o sangue ao santuário e consumir o corpo fora (Levítico 4:16–21). Qualquer sangue levado ao interior não podia ser ingerido; a vítima era queimada, não comida (Levítico 6:30). Até em sacrifícios ordinários daquele dia inaugural, o sangue era manipulado liturgicamente, mas as partes remanescentes de certas ofertas pelo pecado eram queimadas fora (Levítico 9:9; 9:11). O ápice anual ocorria no Dia da Expiação: o sangue era introduzido ao Santo para purificação (Levítico 16:14–19), ao passo que o novilho e o bode do pecado eram levados “fora do arraial” para serem queimados (Levítico 16:27). E o paradigma se amplia no rito da novilha vermelha: todo o corpo era queimado fora do acampamento para prover água de purificação (Números 19:3). Assim, “os corpos… são queimados fora do arraial” resume uma lei constante: o sangue se aproxima de Deus para expiação; o corpo, que carrega o pecado, é removido para longe do arraial.

Esse “fora” é um símbolo coerente na Torá: a tenda da revelação foi armada “fora do arraial” quando Israel estava sob disciplina, marcando separação e busca (Êxodo 33:7). As cinzas do holocausto eram despejadas “junto ao lugar das cinzas”, fora (Levítico 1:16), e as vestes com as cinzas eram levadas para fora do acampamento (Levítico 6:11). Na consagração sacerdotal, as partes do novilho do pecado eram queimadas fora (Levítico 8:17). O transgressor obstinado era executado “fora do arraial” (Números 15:35), e a própria lei do altar do templo ordenava que o novilho do pecado fosse queimado “fora da casa” (Ezequiel 43:21). Esse eixo tipológico desemboca no Evangelho: o Filho amado é lançado “fora da vinha” e morto na parábola (Mateus 21:39; Marcos 12:8), e, historicamente, é compelido a sair, levando a cruz, até o Gólgota (Mateus 27:32; João 19:17). A imagem escatológica repete o tema: o lagar do juízo é pisado “fora da cidade” (Apocalipse 14:20). A Lei, o Profeta e o Apocalipse concordam: o pecado e o juízo são tratados fora; a comunhão com Deus se dá pelo sangue apresentado diante dele.

Por isso, diz o versículo 12, “também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta”. A santificação que ele confere retoma e supera todas as purificações anteriores. Ele é o Santificador que partilha a nossa humanidade para nos consagrar a Deus (Hebreus 2:11). Se o sangue de bodes e bezerros santificava quanto à pureza da carne (Hebreus 9:13), “muito mais o sangue de Cristo” purifica a consciência para o culto vivo (Hebreus 9:14). A antiga aliança foi inaugurada com sangue aspergido sobre livro e povo (Hebreus 9:18–19), mas agora o “sangue da aliança” do Filho, se desprezado, é ofensa máxima justamente porque é o sangue que santifica (Hebreus 10:29). O próprio Cristo se “santifica” — separa-se em obediência até a cruz — para que sejamos verdadeiramente santificados nele (João 17:19), e do seu lado traspassado fluem sangue e água, sinal de expiação e purificação eficazes (João 19:34). Por isso a igreja pode dizer: “fostes lavados, santificados… em o nome do Senhor Jesus e no Espírito do nosso Deus” (1 Coríntios 6:11), pois ele nos lava com “a água” da Palavra, aplicando a sua obra (Efésios 5:26). A tríplice testemunha “o Espírito, a água e o sangue” atesta a realidade dessa santificação que procede do Crucificado (1 João 5:6–8).

E o modo como essa santificação foi conquistada confirma o tipo mosaico: o Sofredor padece fora. Na Lei, o blasfemo é levado para fora e apedrejado (Levítico 24:23), o violador do sábado igualmente (Números 15:36), e o anátema de Acan é conduzido ao vale para juízo (Josué 7:24). No Evangelho, após a zombaria e a flagelação, Jesus é levado para fora e crucificado (Marcos 15:20–24; João 19:17–18); Estevão, configurado ao seu Senhor, é expulso da cidade e apedrejado (Atos 7:58). Tudo aponta ao mesmo princípio: a vítima do pecado é afastada do arraial para que o povo seja aproximado de Deus. Assim, o ensino recíproco volta a reforçar o quadro: nas ofertas inaugurais, o que não podia ser comido era queimado fora (Levítico 9:11), porque “a vida da carne está no sangue” dado sobre o altar para expiação (Levítico 17:11); o caso do transgressor contumaz reafirma a execução fora (Números 15:35). O Salmo 22 descreve o Messias como “verme e não homem”, alvo do opróbrio (Salmos 22:6), ecoando a vergonha de ser rejeitado “fora” (Ezequiel 43:21). Os evangelhos registram novamente sua saída para a crucifixão (Mateus 27:31–32) e a parábola do Filho lançado fora (Lucas 20:15), culminando no Gólgota, “o lugar da Caveira” (Lucas 23:33). Até os apóstolos experimentam ser “arrastados para fora” por causa do Nome (Atos 14:19). E o efeito para a igreja é certo: “santificados em Cristo Jesus” (1 Coríntios 1:2), feitos santos “mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas” (Hebreus 10:10), e “aperfeiçoados para sempre os que estão sendo santificados” (Hebreus 10:14). A exortação de Hebreus como “palavra” que devemos suportar (Hebreus 13:22) nos chama a acolher esse testemunho tríplice (1 João 5:8), pois os que lavam as vestes no sangue do Cordeiro entram no santuário celestial (Apocalipse 7:14). Não por acaso, a cidade onde “o nosso Senhor foi crucificado” é figurada no Apocalipse como o lugar de rejeição (Apocalipse 11:8), e o lagar do juízo é pisado “fora” (Apocalipse 14:20): o que era sombra no Levítico cumpriu-se na cruz, para que, santificados pelo sangue, tenhamos acesso “dentro do véu”.

Hebreus 13:13 — “Saiamos, pois, a Ele, fora do arraial, levando o seu opróbrio”. Depois de mostrar que o próprio Cristo santificou o povo “fora da porta” (13:11–12), o chamado agora é para que nos identifiquemos com Ele nesse lugar de rejeição: “fora do arraial”. É a mesma escolha de Moisés, que estimou “o opróbrio de Cristo” como riqueza maior do que os tesouros do Egito (Hebreus 11:26); e é a mesma energia espiritual de Hebreus 12:3: considerar Aquele que suportou tamanha oposição dos pecadores para que não desfaleçamos. Esse “opróbrio” foi real: quando Jesus sai carregando a cruz, Simão de Cirene é constrangido a levá-la (Mateus 27:32), e, já no Gólgota, é coberto de insultos por transeuntes, príncipes dos sacerdotes e crucificados (Mateus 27:39–44), no lugar da Caveira, “quando chegaram” ali, fora (Lucas 23:33). O Salmo 31:11 e o Salmo 109:25 descrevem a dor do justo tornado opróbrio, e o salmista pede: “remove de sobre mim o opróbrio e o desprezo” (Salmo 119:22) — linguagem que encontra seu clímax na paixão. Marcos 15:19 registra a zombaria brutal (cana batendo na cabeça, escárnio), e João 8:48 mostra o rótulo: “Samaritano” e “endemoniado”; até a incompreensão amarga da turba (“porventura se matará?”, João 8:22) antecipa o juízo precipitado que, em Atos 7:58, lança Estêvão “fora da cidade” para ser apedrejado, e em Atos 14:19 arrasta Paulo para fora também. Quando Paulo prega a ressurreição, alguns zombam (Atos 17:32). Tudo isso desenha o caminho “fora do arraial” — em contraste com a “campina” segura de um arraial religioso — que Apocalipse 20:9 evocará quando as nações cercarem “o acampamento dos santos”: a linha de separação entre o povo de Deus e o mundo. Não surpreende, então, que Jeremias, ao proclamar a Palavra, tenha sido alvo de escárnio (Jeremias 20:8) a ponto de lamentar a vergonha de sua saída ao mundo (Jeremias 20:18). E, no meio dessa rejeição, a adoração não cessa: “trazei oferendas e entrai nos seus átrios” (Salmo 96:8); “saí, ó filhas de Sião, e contemplai o rei” (Cantares 3:11) — agora coroado não só de glória, mas de espinhos, pois é fora que o Rei se entrega por nós.

Por isso, “sair” envolve discipulado custoso. Jesus avisou: o discípulo não é mais do que o mestre; se chamaram o dono da casa de Belzebu, quanto mais aos seus domésticos (Mateus 10:24–25). O chamado é explícito: “se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16:24), o que Marcos repete (Marcos 8:34) e aprofunda: quem se envergonhar dele e de suas palavras, dele o Filho do Homem se envergonhará (Marcos 8:38; Lucas 9:26). Mas “bem-aventurados sois” quando vos odiarem, separarem e injuriarem por causa do Filho do Homem (Lucas 6:22), eco do “bem-aventurados… quando vos injuriarem” (Mateus 5:11). A igreja primitiva encarnou isso: “retiraram-se… regozijando-se por terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo Nome” (Atos 5:41). Paulo descreve os apóstolos como “loucos por amor de Cristo… até ao presente padecemos fome, sede, nudez, somos injuriados, perseguidos, blasfemados;… fomos feitos como o lixo deste mundo” (1 Coríntios 4:10–13), e, ainda assim, ele “tem prazer” nas fraquezas e afrontas “por amor de Cristo” (2 Coríntios 12:10), sabendo que o ministério caminha “por honra e desonra, por infâmia e boa fama” (2 Coríntios 6:8). Pedro prepara os santos para a mesma vereda: o mundo “estranha… e blasfema” (1 Pedro 4:4), mas “bem-aventurados” sois quando injuriados “pelo nome de Cristo”; “não se envergonhe, antes glorifique a Deus” (1 Pedro 4:14–16). Em tudo, amor que “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Coríntios 13:7), com senso de urgência porque “o tempo se abrevia” (1 Coríntios 7:29).

O próprio Senhor adverte contra a vergonha dele (Marcos 8:38; Lucas 9:26) e, na cruz, suporta escárnios que nos treinam a não temer os homens (Mateus 27:39–44), mas a confessá-lo (Lucas 9:26). Por isso o autor já os louvou por terem sido “expostos como espetáculo, em opróbrio e tribulações” (Hebreus 10:33), e Jesus louva a perseverança de quem “por amor do meu nome… não tens desfalecido” (Apocalipse 2:3). A síntese é clara: ir “fora do arraial” é abraçar a cruz de Cristo no lugar da vergonha pública e da separação do sistema velho, como Ele mesmo suportou, para, ali, oferecer-lhe glória (Salmo 96:8). Assim, “não me envergonharei; o Senhor é o meu ajudador” (Hebreus 13:6 ressoa aqui), e, se for preciso, “tomaremos a sua cruz” como Simão (Mateus 27:32) e não nos envergonharemos do Crucificado. É esse o caminho do reino: carregar o opróbrio agora, na certeza de que Ele confessará os que o confessam — e de que, mesmo “por honra e por desonra” (2 Coríntios 6:8), seguimos aquele que foi rejeitado “fora”, para sermos recebidos “dentro”.

Hebreus 13:14 — “Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir.”
O autor retoma o fio peregrino de toda a carta: o descanso definitivo ainda está por vir (Hebreus 4:9), por isso a vida presente é estadia temporária, como a de Abraão “habitando em tendas” (Hebreus 11:9) enquanto “esperava a cidade que tem fundamentos” (Hebreus 11:10). A mesma esperança domina Hebreus 11:12–16: os patriarcas desejaram “uma pátria melhor, isto é, a celestial”, razão pela qual “Deus lhes preparou uma cidade”. E, já agora, por fé, “chegastes ao monte Sião… à Jerusalém celestial” (Hebreus 12:22): pertencemos a essa cidade, ainda que não a possuamos plenamente. Por isso o profeta convoca: “Levantai-vos e ide-vos embora, porque este não é o vosso descanso” (Miqueias 2:10); o tempo encolheu (1 Coríntios 7:29), e as aflições de agora são “leve e momentânea tribulação”, preparando “eterno peso de glória” (2 Coríntios 4:17), o que nos ensina a fixar os olhos no invisível e eterno (2 Coríntios 4:18). Assim, vivemos na “tenda terrestre”, mas aguardamos “edifício de Deus” e, “em corpo, ausentes do Senhor”, andamos por fé, desejando “deixar este corpo e habitar com o Senhor” (2 Coríntios 5:1–8). Nossa pátria está nos céus, de onde esperamos o Salvador (Filipenses 3:20), e, portanto, “buscai as coisas do alto… a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Colossenses 3:1–3); pois “o fim de todas as coisas está próximo” (1 Pedro 4:7). Com isso, a promessa se adensa: “novos céus e nova terra” nos quais habita a justiça, de modo que devemos ser diligentes “para que por Ele sejais achados em paz, sem mácula e irrepreensíveis” (2 Pedro 3:13–14). É o mesmo espírito de peregrinação de Jacó, que confessou: “poucos e maus foram os dias dos anos da minha peregrinação” (Gênesis 47:9), em tensão com a casa definitiva que Cristo prepara (“na casa de meu Pai há muitas moradas”, João 14:2). Por isso, mesmo “enquanto no corpo” (2 Coríntios 5:6), confessamos, como os antigos, que “buscam pátria” (Hebreus 11:14) e “desejam a melhor” (Hebreus 11:16), até que desça “a santa cidade, a nova Jerusalém” (Apocalipse 21:2).

Hebreus 13:15 — “Por ele, pois, ofereçamos sempre a Deus sacrifício de louvor, isto é, o fruto de lábios que confessam o seu nome.” “Por Ele” indica o único acesso: Cristo “vive sempre para interceder” e, por isso, pode salvar “perfeitamente” os que “por Ele” se achegam a Deus (Hebreus 7:25); Ele é a “porta” pela qual entramos e saímos (João 10:9) e o “caminho… ao Pai” (João 14:6); “por Ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito” (Efésios 2:18), de modo que “tudo quanto fizerdes, fazei em nome do Senhor Jesus, dando por Ele graças a Deus Pai” (Colossenses 3:17). Assim, como “casa espiritual” e “sacerdócio santo”, oferecemos “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5). Esse “sacrifício de louvor” cumpre e supera a linguagem cultual do Antigo Testamento: a oferta de ações de graças (Levítico 7:12) e os atos de louvor na consagração do templo (2 Crônicas 7:6; 29:31; 33:16), na restauração dos altares (Esdras 3:11) e na dedicação dos muros (Neemias 12:40; 12:43). Os Salmos insistem que Deus deseja gratidão e confissão: “oferece a Deus sacrifícios de louvor” (Salmo 50:14; 50:23), “glorificá-lo-ei com cântico… melhor do que boi” (Salmo 69:30–31); “rendam graças ao SENHOR… ofereçam sacrifícios de louvor” (Salmo 107:21–22); “oferecer-te-ei sacrifícios de louvor… nos átrios da casa do SENHOR” (Salmo 116:17–19); “abri-me as portas da justiça” para que eu entre com ações de graças (Salmo 118:19); e a ladainha interminável de Salmo 136:1–26 e o louvor total do Salmo 145:1–21 modelam o “sempre” de Hebreus 13:15. Isaías convoca a dar graças porque “Deus é a minha salvação” (Isaías 12:1–2). No Novo Testamento, a igreja canta “salmos, hinos e cânticos espirituais… dando sempre graças por tudo” (Efésios 5:19–20), “dando graças ao Pai” (Colossenses 1:12) e “com gratidão” entoando (Colossenses 3:16), para que “em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo” (1 Pedro 4:11). O culto terreno ecoa o celeste, onde os seres viventes e anciãos louvam sem cessar (Apocalipse 4:8–11), cantam o “cântico novo” do Cordeiro (Apocalipse 5:9–14), a multidão redimida clama “A salvação pertence ao nosso Deus” (Apocalipse 7:9–12) e toda a assembleia explode em “Aleluia” (Apocalipse 19:1–6).

Quando o texto define louvor como “fruto de lábios”, ele transfigura a linguagem sacrificial: desde as ofertas de Caim e Abel (Gênesis 4:3–4), Deus olha o coração que oferece; agora, como rogou Oséias, trazemos “o fruto dos lábios” (Oséias 14:2), apresentando não animais, mas a própria vida: “apresentai-vos… como instrumentos de justiça” (Romanos 6:19) e “os vossos corpos por sacrifício vivo” (Romanos 12:1). “Confessando o seu nome” traduz o impulso de Jesus que “confessa” o Pai (Salmo 18:49 marg.; Mateus 11:25; Lucas 10:21): nosso louvor é confissão pública do que Deus é e fez em Cristo.

E toda a Escritura converge para esse sacerdócio de louvor contínuo. Desde Noé erguendo altar (Gênesis 8:20) até a minúcia do culto levítico (Levítico 1:17; 22:29) e as solenidades (Números 7:62; 29:25; Deuteronômio 12:14; 26:3; 33:19), tudo apontava para a oferta que agora é verbal e vital: “oferecei sacrifícios de justiça e confiai no SENHOR” (Salmo 4:5); “eu te louvarei, SENHOR” (Salmo 9:1); “sejam agradáveis… as palavras da minha boca” (Salmo 19:14); “oferecerei sacrifícios de júbilo” (Salmo 27:6); “abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca manifestará o teu louvor” (Salmo 51:15); “porque a tua benignidade é melhor do que a vida, os meus lábios te louvarão” (Salmo 63:3); “entrarei em tua casa com holocaustos” (Salmo 66:13); “bom é render graças” (Salmo 92:1); “trazei ofertas e entrai” (Salmo 96:8); “entrai pelas portas dele com ações de graças” (Salmo 100:4); “louvem ao SENHOR” (Salmo 107:31); “diga, pois, Israel” (Salmo 118:2) e “uni a vítima da festa com cordas até as pontas do altar” (Salmo 118:27); “aceita… as ofertas voluntárias da minha boca” (Salmo 119:108); “todas as tuas obras te louvarão” (Salmo 145:10). A sabedoria pede palavras “ajustadas” (Provérbios 22:18), e até o Cântico celebra lábios que destilam doçura (Cantares 4:11; 7:9). O profeta declara: “por ti somente confessaremos o teu nome” (Isaías 26:13), pois fomos “formados… para que anunciem o meu louvor” (Isaías 43:21), e Deus promete “a minha casa será chamada casa de oração… seus holocaustos e seus sacrifícios serão aceitos” (Isaías 56:7) e “crio o fruto dos lábios: Paz, paz” (Isaías 57:19). O culto restaurado traz rebanhos e ações de graças (Isaías 60:7; Jeremias 17:26; 33:11; 33:18), o monte do SENHOR é lugar de adoração (Ezequiel 20:40; 43:27; 45:17), Daniel ora dando graças (Daniel 6:10) e Jonas promete: “com voz de agradecimento te oferecerei sacrifício” (Jonas 2:9). Malaquias antevê o incenso puro “entre as nações” (Malaquias 1:11) e o Senhor purificando os levitas “para que tragam ao SENHOR oferta em justiça” (Malaquias 3:3). No evangelho e nas cartas, o louvor se torna fruto: a boa terra “produz” (Mateus 13:23); tudo o que pedimos “em meu nome” visa a glória do Pai no Filho (João 14:13); “primeiramente dou graças” (Romanos 1:8) e “ao único Deus… glória” (Romanos 16:27); “vosso trabalho no Senhor não é vão” (1 Coríntios 15:58) e a graça “multiplica as ações de graças” (2 Coríntios 4:15); “a Ele seja a glória na igreja” (Efésios 3:21); “nem conversação torpe, mas ações de graças” (Efésios 5:4); “cheios do fruto de justiça… para glória e louvor de Deus” (Filipenses 1:11), mesmo quando a vida é “derramada por libação” (Filipenses 2:17); “arraigados… abundando em ação de graças” (Colossenses 2:7) e “sede agradecidos” (Colossenses 3:15); “em tudo dai graças” (1 Tessalonicenses 5:18). Assim, por Cristo e sempre, o altar cristão é a boca e a vida que confessam o seu Nome.

Hebreus 13:16 — “E não vos esqueçais de fazer o bem e de repartir, porque com tais sacrifícios Deus Se agrada.” O versículo junta duas práticas — fazer o bem e repartir — e as coloca na linguagem do culto: são “sacrifícios” que agradam a Deus. Ele já vinha preparando isso com o amor fraternal e a hospitalidade (Hebreus 13:1–2), mostrando que a fé se derrama em atos concretos. Por isso ecoa o salmista: “Confia no SENHOR e faze o bem” (Salmo 37:3). Jesus define esse “bem” em obras de misericórdia (“tive fome… sede… era estrangeiro… estava nu… enfermo… preso”), e afirma que fazê-las aos pequeninos é fazê-las a Ele (Mateus 25:35–40). Ele também manda amar inimigos, fazer o bem e ser misericordioso “como vosso Pai” (Lucas 6:35–36). O livro de Atos mostra esse bem em pessoas e no próprio Cristo: “Dorcas… cheia de boas obras” (Atos 9:36) e Jesus “andou por toda parte, fazendo o bem” (Atos 10:38). Daí a regra da igreja: “façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (Gálatas 6:10); “segui sempre o bem” (1 Tessalonicenses 5:15); “não vos canseis de fazer o bem” (2 Tessalonicenses 3:13); “imita o bem, não o mal” (3 João 1:11).

“Repartir” (koinonia) é partilhar bens e vida. Jesus pediu ao jovem rico: “vende… e dá aos pobres” (Lucas 18:22). Paulo manda “comunicar” às necessidades dos santos e “praticar a hospitalidade” (Romanos 12:13). A coleta cristã “supre as necessidades dos santos e redunda em muitas ações de graças” (2 Coríntios 9:12), e prova a obediência do evangelho (2 Coríntios 9:13). Quem é instruído “reparta de todos os seus bens com aquele que o instrui” (Gálatas 6:6); quem furta “trabalhe… para que tenha o que repartir com o que tem necessidade” (Efésios 4:28). Os filipenses “fizeram bem” participando das aflições de Paulo (Filipenses 4:14), e os “ricos… sejam prontos a distribuir, generosos em repartir” (1 Timóteo 6:18). Até a parceria da fé visa tornar eficaz todo bem “para Cristo” (Filemom 1:6).

Chamando essas obras de “sacrifícios”, o autor mostra que Deus Se agrada do culto ético: “Deus não é injusto para Se esquecer da vossa obra e do amor” (Hebreus 6:10). O Antigo Testamento já dizia que, mais do que quantidade de holocaustos (Miquéias 6:7), Deus requer “praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente” (Miquéias 6:8), e que, feito com coração quebrantado, o culto agrada (Salmo 51:19). Paulo confirma: a oferta material “é cheiro suave” e “sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Filipenses 4:18).

Esse vocabulário sacrificial é a ponte entre os altares antigos e o culto cristão. Noé ergueu altar (Gênesis 8:20); a Lei detalhou holocaustos (Levítico 1:17), votos (Números 6:21) e ofertas que acompanhavam o holocausto (Números 15:4). O espírito por trás disso já apontava para generosidade alegre: “darás liberalmente… pois por isso o SENHOR te abençoará” (Deuteronômio 15:10). As tribos “oferecerão sacrifícios de justiça” (Deuteronômio 33:19); “oferecei sacrifícios de justiça” (Salmo 4:5); “aparta-te do mal e faze o bem” (Salmo 34:14). O justo “se compadece e dá” (Salmo 37:21), tem “os passos confirmados pelo SENHOR” (Salmo 37:23) e “faz o bem” (Salmo 37:27). “Dai ao SENHOR… trazei oferendas… entrai nos Seus átrios” (Salmo 96:8); o generoso “espalha, dá aos pobres” (Salmo 112:9). A sabedoria repete: “olho bondoso… dá ao pobre” (Provérbios 22:9); “ao que dá ao pobre, nada faltará” (Provérbios 28:27); a mulher virtuosa “estende as mãos ao necessitado” (Provérbios 31:20). Até as promessas de ramos e rebanhos ao altar (Isaías 60:7) e a permanência do ministério sacerdotal (Jeremias 33:18) prefiguram o povo sacerdotal que oferece “sacrifícios espirituais” (1 Pedro 2:5). Deus prometeu incenso puro “entre as nações” (Malaquias 1:11) e purificar os levitas “para que tragam ao SENHOR oferta em justiça” (Malaquias 3:3). No ensino de Jesus, isso se traduz em dar e emprestar generosamente (Mateus 5:42), praticar a esmola com sinceridade (Mateus 6:2) e frutificar como “boa terra” (Mateus 13:23); “dai esmola do que tiverdes, e tudo vos será limpo” (Lucas 11:41). Mesmo em dias de angústia (Lucas 21:23), a ética do reino permanece: “os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida” (João 5:29).

Atos mostra como Deus se lembra de misericórdia: as esmolas de Cornélio “subiram para memória diante de Deus” (Atos 10:4); e os apóstolos guardaram a palavra do próprio Senhor: “Mais bem-aventurado é dar do que receber” (Atos 20:35). Paulo chama seu ministério de “ofício sacerdotal do evangelho… para que a oferta dos gentios seja aceitável” (Romanos 15:16), lembrando que “os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Romanos 8:8) — por isso, só “em Cristo” e “no Espírito” nossas ofertas Lhe agradam. Ele anima: “sede firmes… o vosso trabalho no Senhor não é vão” (1 Coríntios 15:58); a graça “faz abundar as ações de graças” (2 Coríntios 4:15); é bom completar a generosidade começada (2 Coríntios 8:10) e “lembrar dos pobres” (Gálatas 2:10), pois assim “a Ele seja a glória na igreja” (Efésios 3:21). Essa vida é “cheia do fruto de justiça” (Filipenses 1:11), e, se preciso, é libação derramada em favor dos irmãos (Filipenses 2:17), “frutificando em toda boa obra” (Colossenses 1:10). Vivemos “para agradar a Deus” (1 Tessalonicenses 4:1); “isto é bom e agradável diante de Deus” (1 Timóteo 2:3). E o próprio Deus nos habilita: “vos aperfeiçoe… operando em vós o que é agradável diante dEle” (Hebreus 13:21). Pedro coroa: como “sacerdócio santo”, oferecemos “sacrifícios espirituais” (1 Pedro 2:5); desviamo-nos do mal e fazemos o bem (1 Pedro 3:11); praticamos “hospedagem sem murmurações” (1 Pedro 4:9). João dá o teste final: quem fecha o coração ao necessitado “como permanece nele o amor de Deus?” (1 João 3:17).

Assim, “fazer o bem e repartir” é o culto contínuo da nova aliança: fruto de lábios e de mãos que, por Cristo, sobem ao Pai como sacrifício agradável.

Hebreus 13:17 — “Obedecei aos vossos guias e sede submissos, pois velam por vossas almas como quem há de prestar contas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil.” O chamado a “obedecer” retoma a exortação de Hebreus 13:7 (“lembrai-vos dos vossos guias”) e a coloca no terreno prático: ouvir e seguir aqueles que, pela Palavra, nos conduzem. A Escritura ilustra os dois caminhos. A recusa de Israel em ouvir Samuel (“Não! Mas teremos um rei”, 1 Samuel 8:19) e a desobediência de Saul (“Por que, pois, não deste ouvidos…?”, 1 Samuel 15:19–20) mostram o perigo de desprezar a direção de Deus. O lamento do imprudente em Provérbios 5:13 (“não ouvi a voz dos meus mestres”) é um espelho do coração que endurece. Em contraste, a igreja é chamada à obediência filial: “operai a vossa salvação… obedecestes” (Filipenses 2:12) e “recebei… e honrai a Epafrodito” (Filipenses 2:29), o que se harmoniza com “reconhecer os que trabalham entre vós e os que presidem… e os tenhais em grande estima” (1 Tessalonicenses 5:12–13). Quando alguém rejeita a instrução apostólica, a comunidade deve marcar essa desordem para o bem da sua restauração (2 Tessalonicenses 3:14). E os presbíteros que “governam bem” são “dignos de duplicada honra” (1 Timóteo 5:17). Assim se entende a expressão de Hebreus: os guias não são tiranos, são guia(s) no caminho, e obedecer-lhes é acolher a própria Palavra que anunciam.

“Submeter-se” não é servilismo, é ordem do pacto. Gênesis 16:9 manda Agar voltar e humilhar-se sob a autoridade legítima; no evangelho, a submissão assume forma voluntária e mútua: “sujeitai-vos também vós a tais e a todo aquele que colabora e trabalha” (1 Coríntios 16:16); “sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (Efésios 5:21); acima de tudo, “sujeitai-vos a Deus” (Tiago 4:7); e, na comunidade, “vós, os mais jovens, sede submissos aos mais velhos” (1 Pedro 5:5). Hebreus, portanto, conecta obediência e submissão como duas faces de uma mesma disposição: honrar a Cristo na ordem que Ele instituiu.

A razão dada é pastoral: “eles velam por vossas almas”. Este verbo evoca o atalaia de Ezequiel 3:17–21 e Ezequiel 33:2, 7–9, que deve advertir o ímpio e o justo — se se cala, responde pelo sangue; se adverte, livra a sua alma. Paulo encarna isso: “nada considero a minha vida preciosa… estou limpo do sangue de todos” (Atos 20:24–26) e ordena aos presbíteros: “olhai por vós e por todo o rebanho… para apascentar a igreja de Deus” (Atos 20:28). Por isso os ministros são “despenseiros dos mistérios de Deus… requer-se… que sejam encontrados fiéis” (1 Coríntios 4:1–2); e 1 Pedro 5:2–3 manda pastorear “de boa vontade”, sem dominar, servindo de exemplo. Hebreus, então, une a imagem do pastor/atalaia com a responsabilidade espiritual real que pesa sobre os guias.

Daí a cláusula “como quem há de prestar contas”: é a lógica do mordomo em Lucas 16:2 (“Presta contas da tua administração”), ampliada pela certeza de que “cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus” (Romanos 14:12) e que “todos devemos comparecer ante o tribunal de Cristo” (2 Coríntios 5:10). Cientes desse juízo, “conhecendo o temor do Senhor, persuadimos os homens” (2 Coríntios 5:11). Assim, a obediência aos guias não é um fim em si: serve ao cuidado de almas que, um dia, serão apresentadas ao Juiz.

O objetivo é relacional e proveitoso: que eles o façam com alegria e não gemendo. Vemos essa alegria pastoral em Paulo: “faço súplicas… com alegria” (Filipenses 1:4); ele deseja “gloriar-me no dia de Cristo” pela perseverança da igreja (Filipenses 2:16); chama os irmãos de “minha alegria e coroa” (Filipenses 4:1); pergunta: “Qual é a nossa esperança, ou alegria, ou coroa? Porventura não o sois vós?” (1 Tessalonicenses 2:19–20); e transborda de gratidão pela fé deles (1 Tessalonicenses 3:9–10). O contrário dessa alegria é o gemido do intercessor diante do pecado do povo: Moisés clama com dor após o bezerro de ouro (Êxodo 32:31), Jeremias “chora em segredo” (Jeremias 13:17), e Paulo escreve “chorando” por inimigos da cruz (Filipenses 3:18). Hebreus adverte: se o ministério deles se torna um gemido, “isso não vos seria útil”; a resistência aos guias fere a própria igreja.

As referências correlatas reforçam o cenário bíblico do ofício e da vigilância. Os levitas “levam a iniquidade do santuário” (Números 18:1) e guardam o encargo do Senhor (Números 31:30), imagem do peso que os líderes carregam. Servos dão relatório a seus senhores (1 Samuel 25:12; Lucas 14:21), e os atalaias patrulham os muros (Cantares 3:3; Isaías 52:8; Isaías 62:6), como Deus diz: “pus atalaias… que vos dissessem: escutai a trombeta” (Jeremias 6:17). O mesmo Ezequiel adverte que, se o justo se desvia e não é avisado, o atalaia responde (Ezequiel 3:20), e Deus cobra dos maus pastores (Ezequiel 34:10). O profeta é “atalaiador” sobre Efraim (Oséias 9:8). No Novo Testamento, discípulos prestam contas a Jesus do que fizeram (Lucas 9:10); o “mordomo fiel e prudente” dá alimento ao tempo certo (Lucas 12:42); e os apóstolos e presbíteros se reúnem para deliberar (Atos 15:6), enquanto Paulo “vigia” por três anos com lágrimas (Atos 20:31). Por isso, “o que preside, com diligência” (Romanos 12:8), pois Deus pôs “governos” na igreja (1 Coríntios 12:28). Esse labor inclui “vigílias” e fadigas (2 Coríntios 6:5), e até “de mui boa vontade gastarei e me deixarei gastar por vossas almas” (2 Coríntios 12:15). Mesmo reconhecendo os de “maior reputação” (Gálatas 2:6), a finalidade é equipar “os santos para a obra do ministério” (Efésios 4:12), amando o rebanho “tão afeiçoadamente” (1 Tessalonicenses 2:8). Daí a ordem: “sê sóbrio em tudo, suporta as aflições, faz a obra de evangelista” (2 Timóteo 4:5). A igreja, por sua vez, pode refrigerar o coração dos seus líderes (Filemom 1:20), saúda e reconhece seus guias (Hebreus 13:24) e lembra que “muitos… seremos julgados mais severamente” (Tiago 3:1).

Assim, Hebreus 13:17 costura a teologia do atalaia e do pastor (Ezequiel), a economia do mordomo (Jesus), a prática apostólica (Atos e Epístolas) e a ética da submissão no temor de Deus, para o bem do rebanho. Obediência e submissão aos guias, que velam e prestarão contas, tornam o ministério alegre e a igreja edificada; a resistência, ao contrário, transforma o cuidado em gemido e não aproveita à comunidade.

Hebreus 13:18 — “Orai por nós; porque estamos persuadidos de termos boa consciência, querendo, em tudo, portar-nos honestamente.” O apelo “Orai por nós” alinha Hebreus com o costume apostólico de pedir intercessão para o avanço do evangelho: Paulo roga “pelejando comigo nas orações” para que seu serviço seja aceito (Romanos 15:30), pede “que me seja dada, no abrir da minha boca, a palavra” mesmo “embaixador em cadeias” (Efésios 6:19–20), solicita “que Deus nos abra a porta da palavra” (Colossenses 4:3), e resume: “irmãos, orai por nós” (1 Tessalonicenses 5:25; 2 Tessalonicenses 3:1). A base do pedido é uma “boa consciência”: Paulo testifica “tenho vivido… com toda boa consciência” (Atos 23:1) e se exercita “para ter sempre uma consciência sem ofensa” (Atos 24:16); gloria-se na “simplicidade e sinceridade de Deus” (2 Coríntios 1:12); o “fim” da doutrina é “amor… de boa consciência” (1 Timóteo 1:5); Pedro manda manter “boa consciência” (1 Pedro 3:16) e diz que a salvação é “a indagação de uma boa consciência para com Deus” (1 Pedro 3:21). Daí o propósito: “em tudo portar-nos honestamente”, ecoando “procurai as coisas honestas perante todos” (Romanos 12:17), “andemos honestamente, como de dia” (Romanos 13:13), “tudo o que é verdadeiro… nisso pensai” (Filipenses 4:8), “andais honestamente para com os de fora” (1 Tessalonicenses 4:12) e “tenhais bom procedimento entre os gentios” (1 Pedro 2:12). As referências bíblicos reforçam consciência e intercessão: Jacó apela à verificação justa (“põe-no aqui diante de meus irmãos”, Gênesis 31:37), seus filhos confessam transparentemente o dinheiro “achado” (Gênesis 43:21) e protestam inocência contra falsa acusação (Gênesis 44:7); Neemias pede que Deus faça prosperar quem “deseja temer” o Seu nome (Neemias 1:11); submeter-se “por causa da consciência” é mandamento civil e espiritual (Romanos 13:5); as orações da igreja cooperam com os obreiros (2 Coríntios 1:11) e “a oração de um justo pode muito” (Tiago 5:16).

Hebreus 13:19 — “Rogo-vos… que o façais, para que eu mais depressa vos seja restituído.” O pedido para rápida “restituição” ecoa a agenda missionária de Paulo: ele ora para “finalmente, pela vontade de Deus, tenha próspera viagem… para vos comunicar algum dom espiritual” (Romanos 1:10–12); roga livramento dos desobedientes e “que, com gozo, eu vá ter convosco” (Romanos 15:31–32); e pede que lhe preparem pousada, “porque espero que… vos serei concedido” (Filemom 1:22). As passagens correlatas sublinham o mesmo encadeamento oração-porta aberta-visita: “orai… para que Deus nos abra a porta” (Colossenses 4:3), “irmãos, orai por nós” (1 Tessalonicenses 5:25; 2 Tessalonicenses 3:1); às vezes, o apelo vem “por amor” pastoral (Filemom 1:9); e o ideal é o encontro “face a face” (2 João 1:12).

Hebreus 13:20 — “Ora, o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos a nosso Senhor Jesus, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue do concerto eterno…” O título “Deus da paz” percorre o Novo Testamento e prepara a bênção: “o Deus da paz seja com todos vós” (Romanos 15:33), “o Deus da paz esmagará em breve a Satanás” (Romanos 16:20), Deus é “Deus não de confusão, mas de paz” (1 Coríntios 14:33), “o Deus de amor e de paz será convosco” (2 Coríntios 13:11), “o Deus de paz será convosco” (Filipenses 4:9), “o Deus de paz vos santifique em tudo” (1 Tessalonicenses 5:23), “o Senhor da paz… vos dê paz sempre” (2 Tessalonicenses 3:16). Essa paz foi selada quando Deus “tornou a trazer dentre os mortos” a Jesus: Pedro proclama que Deus “soltou as ânsias da morte” (Atos 2:24) e que “a este Jesus Deus ressuscitou” (Atos 2:32); acusou-se Israel de matar “o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou” (Atos 3:15); o milagre em nome de Jesus é “a quem Deus ressuscitou” (Atos 4:10); “o Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus” (Atos 5:30); “a este Deus ressuscitou ao terceiro dia e concedeu que fosse manifestado” (Atos 10:40–41); Paulo insiste: “Deus o ressuscitou” (Atos 13:30) e “garantia a todos, ressuscitando-o” (Atos 17:31). Doutrinariamente, Ele foi “declarado Filho de Deus… pela ressurreição” (Romanos 1:4); cremos “naquele que dos mortos ressuscitou a Jesus” (Romanos 4:24), o qual foi “entregue por causa das nossas ofensas e ressuscitado para nossa justificação” (Romanos 4:25); “o Espírito… que dos mortos ressuscitou a Jesus… vivificará” (Romanos 8:11); “Deus… ressuscitou o Senhor e também nos ressuscitará” (1 Coríntios 6:14), e as testemunhas “acerca de Deus, que ressuscitou a Cristo” não são falsas (1 Coríntios 15:15); “aquele que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará também a nós” (2 Coríntios 4:14); o evangelho vem “por Jesus Cristo e Deus Pai, que o ressuscitou” (Gálatas 1:1); Deus “o ressuscitou… e o fez sentar à sua direita” (Efésios 1:20); fomos “ressuscitados… pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou” (Colossenses 2:12); esperamos “a seu Filho dos céus, a quem ressuscitou” (1 Tessalonicenses 1:10); e por Ele cremos “em Deus, que o ressuscitou… e lhe deu glória” (1 Pedro 1:21).

Chamando-O de “o grande Pastor das ovelhas”, o autor junta toda a revelação pastoral: “O SENHOR é meu pastor” (Salmos 23:1), “tu que conduzes a José como rebanho” (Salmos 80:1), “como pastor apascentará o seu rebanho; nos seus braços recolherá os cordeirinhos” (Isaías 40:11), recorda-se “o pastor do seu rebanho” (Isaías 63:11); Deus promete “suscitar sobre elas um só pastor, o meu servo Davi” (Ezequiel 34:23) e “Davi, meu servo, será seu pastor” (Ezequiel 37:24); Jesus cumpre: “eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas” e “conheço as minhas” (João 10:11, 14); por Ele “voltastes ao Pastor e Bispo das vossas almas” (1 Pedro 2:25), e “quando aparecer o Supremo Pastor” virá a coroa (1 Pedro 5:4).

O meio é “pelo sangue do concerto [aliança] eterno”. Moisés aspergiu “o sangue do concerto” (Hebreus 9:20; Êxodo 24:8), figura da realidade final em que nossos corações são “aspergidos” (Hebreus 10:22); por “teu sangue do teu concerto” Deus liberta cativos (Zacarias 9:11); Jesus declara: “isto é o meu sangue do novo testamento… para remissão dos pecados” (Mateus 26:28; Marcos 14:24; Lucas 22:20). Essa aliança é “eterna”: Davi confessa “uma aliança eterna… firmada em tudo” (2 Samuel 23:5), o pacto é “estatuto eterno” (1 Crônicas 16:17), Deus promete “aliança eterna, as firmes beneficências de Davi” (Isaías 55:3) e “aliança eterna” a Sion (Isaías 61:8), “farei com eles uma aliança eterna” que não se desviará (Jeremias 32:40), “aliança de paz… aliança eterna” (Ezequiel 37:26). E, porque “testamento” pressupõe morte do testador, a eficácia é garantida pelo sacrifício de Cristo (Hebreus 9:16–17).

As referências bíblicas confirmam o arco da aliança, da paz e do Pastor: o arco-íris lembra “aliança eterna” (Gênesis 9:16); Deus “cortou” aliança com Abraão (Gênesis 15:18); a arca guia o povo (Números 10:33); a adoração com “sacrifícios pacíficos” e a guarda do concerto (Deuteronômio 27:7; 29:9); Josias “fez aliança” para seguir o SENHOR (2 Reis 23:3); Deus reúne “os meus santos, os que comigo fazem aliança com sacrifício” (Salmos 50:5) e estabelece “pacto eterno” (Salmos 105:10; 111:9); a sabedoria divina é “dada por um só Pastor” (Eclesiastes 12:11); o jardim perfumado pede o sopro que espalha aromas, imagem do culto aceitável em nova aliança (Cantares 4:16); o “Príncipe da Paz” governa o reino messiânico (Isaías 9:6) enquanto a terra é culpada por “quebrarem a aliança eterna” (Isaías 24:5) e, ainda assim, “tu nos dás a paz” (Isaías 26:12); o Servo é “aliança do povo” (Isaías 42:6) e a “aliança de paz… não será removida” (Isaías 54:10); a “nova aliança” é prometida (Jeremias 31:31) e lembrada apesar da infidelidade (Ezequiel 16:60; 34:25); o Ungido “confirma a aliança” (Daniel 9:27); o Pastor é ferido para dispersar e, depois, reunir (Zacarias 13:7); anunciam-se “paz na terra” (Lucas 2:14); o verdadeiro Pastor entra pela porta e faz “um rebanho e um Pastor” (João 10:2, 16) e dá “a minha paz” (João 14:27; 16:33); após a ressurreição e com a missão pastoral (“apascenta as minhas ovelhas”, João 21:15–16), prega-se “paz por Jesus Cristo” e “remissão dos pecados” por Ele (Atos 10:36, 43); as igrejas são “confirmadas” (Atos 16:5); justificadas, “temos paz com Deus” (Romanos 5:1); a citação “Quem descerá ao abismo?” liga a pregação à ressurreição de Cristo (Romanos 10:7); o cálice é “o novo testamento” em Seu sangue (1 Coríntios 11:25); a ressurreição é núcleo do evangelho (1 Coríntios 15:4, 13); os ministros servem “da nova aliança” (2 Coríntios 3:6) e, remidos, “vivam… para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Coríntios 5:15); as “duas alianças” explicam a transição para a nova (Gálatas 4:24); Cristo “é a nossa paz” (Efésios 2:14); o Deus que equipa é “poderoso para fazer” além do que pedimos (Efésios 3:20), “aperfeiçoando-nos” (como em Hebreus 13:21); Ele “aperfeiçoará a boa obra” (Filipenses 1:6) e dá “a paz de Deus” (Filipenses 4:7); a paz foi feita “pelo sangue da sua cruz” (Colossenses 1:20); o Filho, nos dias de Sua carne, foi ouvido (Hebreus 5:7) e Se tornou “fiador de melhor aliança” (Hebreus 7:22), “mediador do novo testamento” (Hebreus 9:15), cujo sangue é “do concerto” (Hebreus 10:29) e “fala melhor” (Hebreus 12:24); tudo isso deságua na bênção do “Deus de toda graça” (1 Pedro 5:10); o Espírito e o “sangue” testificam (1 João 5:6); e o evangelho é “eterno” (Apocalipse 14:6), em harmonia com a “aliança eterna” evocada aqui.

Hebreus 13:21 — “Vos aperfeiçoe (ou ‘vos equipe’) em todo o bem, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que é agradável diante dele, por Jesus Cristo; a quem seja glória para todo o sempre. Amém.” A petição “vos aperfeiçoe” se ancora na certeza de que Deus conduz os seus à perfeição: os “espíritos dos justos aperfeiçoados” já figuram na assembleia celestial (Hebreus 12:23), pois “Ele é a Rocha, cuja obra é perfeita” (Deuteronômio 32:4) e “o SENHOR aperfeiçoará o que me concerne” (Salmos 138:8). Jesus orou para que o povo de Deus fosse “aperfeiçoado em unidade” (João 17:23); Paulo pede que sejamos fortalecidos “no homem interior” até conhecer “a plenitude de Deus” (Efésios 3:16–19); intercede para que sejamos cheios do “pleno conhecimento da sua vontade” a fim de “andar dignamente… agradando-lhe em tudo” (Colossenses 1:9–12); Epafras luta em oração para que “estejais firmes, perfeitos e completos” (Colossenses 4:12); o desejo apostólico é “confirmar os vossos corações em santidade” (1 Tessalonicenses 3:13) e ver-nos “santificados em tudo” (1 Tessalonicenses 5:23), “confortados e confirmados em toda boa obra e palavra” (2 Tessalonicenses 2:17). Tudo converge para o “Deus de toda graça” que, depois de breve sofrimento, “aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fundamentará” os seus (1 Pedro 5:10).

A expressão “em todo o bem” mostra o alvo: transbordar “em toda boa obra” (2 Coríntios 9:8), lembrando que fomos “criados em Cristo Jesus para boas obras” (Efésios 2:10). Esses frutos são “de justiça” e “por Jesus Cristo” (Filipenses 1:11), e Deus mesmo “confirma” o coração para “toda boa obra” (2 Tessalonicenses 2:17), de modo que a vida visível se encha de obras reconhecíveis (como as de uma viúva verdadeiramente “rica de boas obras”, 1 Timóteo 5:10).

“Para fazerdes a sua vontade” retoma o fio de Hebreus 10:36 (fazer a vontade de Deus precede receber a promessa) e ecoa Jesus: não entra quem apenas diz “Senhor, Senhor”, mas “o que faz a vontade de meu Pai” (Mateus 7:21); “quem fizer a vontade de meu Pai… esse é meu irmão” (Mateus 12:50); mesmo os improváveis, como publicanos, “fizeram” a vontade acolhendo o chamado (Mateus 21:31). O discernimento da doutrina passa pela disposição de obedecer: “se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá” (João 7:17); por isso, “transformai-vos” para “experimentar qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2). A vontade de Deus é nossa santificação (1 Tessalonicenses 4:3), viver “para a vontade de Deus” (1 Pedro 4:2), e “aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 João 2:17).

“Operando em vós o que é agradável diante dele” ressalta a fonte: “Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar” (Filipenses 2:13). O que Lhe agrada aparece por toda parte: “fazer o bem e repartir… com tais sacrifícios Deus se agrada” (Hebreus 13:16); oferecer o corpo como “sacrifício vivo… agradável a Deus” (Romanos 12:1); o reino é “justiça, paz e alegria no Espírito Santo”, e “quem nisso serve a Cristo agrada a Deus” (Romanos 14:17–18); ofertas de amor são “cheiro suave… agradável a Deus” (Filipenses 4:18); até a obediência filial é “agradável ao Senhor” (Colossenses 3:20); e “tudo quanto pedimos, recebemos dele, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é agradável” (1 João 3:22).

“Por Jesus Cristo” explicita o mediador e o meio: as petições ao Pai “em meu nome” são ouvidas (João 16:23–24); “por ele ambos temos acesso ao Pai” (Efésios 2:18); os “frutos de justiça… por Jesus Cristo” voltam a Filipenses 1:11; a capacitação pessoal vem “em Cristo”, pois “tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4:13); e toda ação deve ser “em nome do Senhor Jesus” (Colossenses 3:17). Assim, os sacrifícios espirituais tornam-se “aceitáveis por Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5).

“A quem seja glória para todo o sempre. Amém.” sela a doxologia bíblica: “Bendito seja o SENHOR Deus… e encha-se toda a terra da sua glória” (Salmos 72:18–19); “ao único Deus sábio seja dada glória por Jesus Cristo” (Romanos 16:27); “a quem seja glória para todo o sempre” (Gálatas 1:5); toda língua confessará Jesus “para glória de Deus Pai” (Filipenses 2:11); “ao Rei eterno… honra e glória” (1 Timóteo 1:17), “a quem tenha honra e poder sempiterno” (1 Timóteo 6:16); “a Ele seja glória pelos séculos” (2 Timóteo 4:18); “a Ele seja a glória e o domínio” (1 Pedro 5:11); “crescei… a Ele seja a glória, agora e no dia eterno” (2 Pedro 3:18); “ao único Deus… glória, majestade, domínio e poder” (Judas 1:25). É o louvor do trono: os viventes em torno do mar de vidro adoram (Apocalipse 4:6), cantando ao Cordeiro o cântico de redenção (Apocalipse 5:9) até que “toda criatura” proclame “ao que está sentado no trono e ao Cordeiro sejam louvor… e glória” (Apocalipse 5:13). O “Amém” confirma a oração, como no desfecho do Pai-Nosso (Mateus 6:13) e na promessa de presença contínua (Mateus 28:20).

As referências bíblicas amarram o pedido de Hebreus 13:21 aos grandes fios da Escritura: culto e aliança que geram obediência e paz, e o próprio Deus operando em nós o querer e o realizar. Desde os sacrifícios de paz que selam comunhão (Deuteronômio 27:7) e o chamado a “guardar… para prosperardes” (Deuteronômio 29:9), vemos que é Deus quem “me cinge de força e aperfeiçoa o meu caminho” (2 Samuel 22:33), “inclina o nosso coração” à obediência (1 Reis 8:58) e firma propósitos santos (1 Crônicas 29:18). Por isso, “fazei a vontade” é ordem prática (Esdras 10:11); o povo “tinha ânimo para trabalhar” (Neemias 4:6); Deus “faz todas estas coisas duas e três vezes para com o homem” (Jó 33:29); a vida do justo é “aparta-te do mal e faze o bem” (Salmos 37:27), “Deus realizará tudo por mim” (Salmos 57:2), e “o SENHOR se alegrará nas suas obras” (Salmos 104:31). A obediência nasce da disposição que Ele mesmo cria: “o teu povo se apresentará voluntariamente” (Salmos 110:3); “quem dera os meus caminhos fossem dirigidos” (Salmos 119:5), “faz-me andar na vereda dos teus mandamentos” (Salmos 119:35), “ensina-me a fazer a tua vontade” (Salmos 143:10). Quando os caminhos agradam ao SENHOR, Ele dá paz (Provérbios 16:7); e o jardim da Igreja pede o sopro do Norte e do Sul, para que “os seus aromas se derramem” — imagem de obras agradáveis (Cânticos 4:16). Tudo repousa na aliança imutável: “o meu concerto de paz não será removido” (Isaías 54:10), “farei uma aliança eterna” (Isaías 61:8), e Ele mesmo “porei… o meu Espírito… e vos farei andar nos meus estatutos” (Ezequiel 36:27), “farei… aliança de paz” (Ezequiel 37:26), “confirmará a aliança” (Daniel 9:27), chegando a “despertar o espírito” para a obra (Ageu 1:14). Por isso oramos: “seja feita a tua vontade” (Mateus 6:10); e trabalhamos na vinha do Rei (Mateus 20:1), fazendo “boa obra” que o próprio Cristo aprovou (Mateus 26:10; Marcos 14:6) à luz do “sangue da aliança” (Marcos 14:24). Nessa paz cantada ao nascer do Salvador (Lucas 2:14), vivemos a verdade “para que se manifestem as suas obras, feitas em Deus” (João 3:21) e achamos ânimo “em mim tereis paz” (João 16:33). Exemplos concretos brotam: Tabita, “cheia de boas obras” (Atos 9:36); igrejas “fortalecidas” (Atos 16:5). A fé mira “naquele que ressuscitou a Jesus” (Romanos 4:24), pois “os que estão na carne não podem agradar a Deus” (Romanos 8:8). A doxologia final reafirma: “dele, por ele e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente” (Romanos 11:36). Ele “opera tudo em todos” (1 Coríntios 12:6) e nos chama a “abundar sempre na obra do Senhor” (1 Coríntios 15:58); uma vez remidos, “vivamos para aquele” que morreu e ressuscitou (2 Coríntios 5:15). O anseio apostólico é “o vosso aperfeiçoamento” (2 Coríntios 13:9); o ministério nasce “segundo a operação do seu poder” (Efésios 3:7); e Deus “é poderoso para fazer… além de tudo” (Efésios 3:20), razão de nova doxologia (Efésios 3:21). Vem, então, a ética: “andai de modo digno” (Efésios 4:1), “fazendo de coração a vontade de Deus” (Efésios 6:6). A boa obra iniciada será “aperfeiçoada” (Filipenses 1:6); nós “prosseguimos… não que já sejamos perfeitos” (Filipenses 3:12); e o “Deus de paz” acompanha quem pratica o que aprendeu (Filipenses 4:9). Isso se traduz em “andar digno… frutificando em toda boa obra” (Colossenses 1:10), pois a paz foi feita “pelo sangue da sua cruz” (Colossenses 1:20), a fim de “vos apresentar santos… irrepreensíveis” (Colossenses 1:22). A meta ministerial é “apresentar todo homem perfeito em Cristo”, “combatendo conforme a sua eficácia que opera em mim” (Colossenses 1:28–29); tudo é pela fé “na operação de Deus, que o ressuscitou” (Colossenses 2:12). A tríade prática — “obra da fé, o trabalho do amor e a firmeza da esperança” — ocupa a vida cristã (1 Tessalonicenses 1:3); por isso, “prontos para toda boa obra” (Tito 3:1), deixando que a “paciência tenha a sua obra completa” (Tiago 1:4), buscando maturidade até na língua, sinal de “varão perfeito” (Tiago 3:2). Tudo culmina em culto: fomos feitos “reino e sacerdotes… a Ele a glória” (Apocalipse 1:6). Amém.

Em Hebreus 13:22 o autor roga: “suplico-vos… suportai a palavra de exortação”, isto é, acolham e deixem agir tudo o que a carta acabou de admoestar e encorajar. “Palavra de exortação” resume os apelos práticos do próprio capítulo — amor fraternal, hospitalidade, cuidado pelos presos e pureza (Hebreus 13:1–3; 13:12–16) — e também as advertências e convites espalhados por toda a obra: não “deslizar” do que ouvimos (Hebreus 2:1), fixar os olhos no “Apóstolo e Sumo Sacerdote” (Hebreus 3:1), guardar o coração da incredulidade e exortar-se mutuamente (Hebreus 3:12–13), temer e diligenciar para entrar no descanso (Hebreus 4:1, 11), mostrar plena diligência até o fim e imitar os que pela fé e paciência herdam as promessas (Hebreus 6:11–12), aproximar-se confiadamente e perseverar sem retroceder (Hebreus 10:19–39), correr com perseverança olhando para Jesus (Hebreus 12:1–2), erguer mãos e joelhos, endireitar veredas e seguir a paz e a santidade (Hebreus 12:12–16), e sobretudo não recusar Aquele que fala do céu, porque vem um abalo final e recebemos um reino inabalável (Hebreus 12:25–28). O tom do pedido lembra as súplicas apostólicas: como em 2 Coríntios 5:20 (“rogamo-vos… reconciliai-vos com Deus”) e 2 Coríntios 6:1 (“exortamo-vos… que não recebais em vão a graça de Deus”), feitas “pela mansidão e benignidade de Cristo” (2 Coríntios 10:1). Também ecoa Filemom 1:8–9, quando Paulo, podendo ordenar, prefere rogar por amor. Ao dizer “vos escrevi em poucas palavras”, o autor se alinha a cartas que comentam seu próprio formato: Gálatas 6:11 chama atenção ao modo como foi escrita; 1 Pedro 5:12 declara ter “escrito em poucas palavras, exortando e testificando”. Em suma, o v.22 pede que os destinatários não apenas leiam, mas consintam que toda a admoestação de Hebreus molde sua vida.

Embora o conjunto peça 13:22–25, o fio pastoral inclui naturalmente Hebreus 13:23: “Sabei que o nosso irmão Timóteo está solto; com ele, se vier logo, vos verei.” A menção de Timóteo — colaborador conhecido desde Atos 16:1–3 e frequentemente enviado para fortalecer igrejas (Filipenses 2:19; 1 Tessalonicenses 3:2) — harmoniza com o tema de solidariedade com os presos já visto (Hebreus 10:34). O anúncio de sua libertação e o desejo de visitar a igreja mostram que a exortação escrita aspira ser reforçada por presença pastoral.

Em Hebreus 13:24 (“Saudai todos os vossos guias e todos os santos. Os da Itália vos saúdam.”), o imperativo de saudar sela a comunhão entre liderança e rebanho. “Guias” remete aos que “vos lideram” na palavra e velam pelas almas (Hebreus 13:7; 13:17); saudá-los liga-se ao amplo costume epistolar de saudações detalhadas, como em Romanos 16:1–16, onde a comunhão se torna visível em nomes e casas. O “todos os santos” acompanha o vocabulário das aberturas e encerramentos: igrejas e “santos” são nomeados e abençoados em 2 Coríntios 1:1 e na benção final de 2 Coríntios 13:13; igualmente em Filipenses 1:1 (bispos, diáconos e santos) e no aceno surpreendente “os da casa de César vos saúdam” (Filipenses 4:22); em Colossenses 1:2 os “santos e fiéis” são o destinatário; Filemom 1:5 elogia o amor “para com todos os santos”. A frase “Os da Itália vos saúdam” mostra conexões com a comunidade romana: Atos 18:2 apresenta Áquila e Priscila, oriundos de Roma; Atos 27:1 registra a viagem “para a Itália”. O gesto está em linha com outras saudações e confraternizações: os companheiros de Paulo saudam em Romanos 16:21–23; em Atos 21:7 os irmãos são “saudados”; a vida da igreja reconhece dons e governo espirituais (Romanos 12:8; 1 Coríntios 12:28), e a cultura de saudações fraternas aparece em 1 Coríntios 16:20, enquanto a honra aos que presidem é reafirmada em 1 Timóteo 5:17. Assim, o v.24 transforma doutrina em vínculos concretos: líderes respeitados, santos lembrados e igrejas conectadas além-fronteiras.

Por fim, Hebreus 13:25 (“A graça seja com todos vós”) encerra como tantas bênçãos apostólicas centradas na graça. A abertura de Romanos 1:7 (“graça e paz”) encontra eco no fecho: “A graça… seja convosco” (Romanos 16:20; 16:24). O mesmo tom perpassa Efésios 6:24 (“A graça seja com todos os que amam a nosso Senhor”), 2 Timóteo 4:22 (“O Senhor… seja com o teu espírito. A graça…”), Tito 3:15 (“A graça seja com todos vós”) e culmina no último versículo da Bíblia: “A graça do Senhor Jesus seja com todos” (Apocalipse 22:21). Tais despedidas ressoam nos fechos de outras cartas (Colossenses 4:18; 1 Timóteo 6:21), como antídoto ao perigo de “desviar os ouvidos da verdade” (2 Timóteo 4:4): quem recebeu todo esse “palavra de exortação” (v.22) termina entregue, não ao mero esforço humano, mas à graça que sustenta, governa e preserva.

Índice: Hebreus 1 Hebreus 2 Hebreus 3 Hebreus 4 Hebreus 5 Hebreus 6 Hebreus 7 Hebreus 8 Hebreus 9 Hebreus 10 Hebreus 11 Hebreus 12 Hebreus 13

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