Estudo sobre Romanos 3:21

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Romanos 3:21

Justiça de Deus – este conceito central paira como o sol sobre o texto básico. Já em 1.17 Paulo utilizou-o sem explicação. Ao que parece, podia pressupor que se tratava de um conceito familiar. A segunda parte do versículo revela por que ele o fazia: testemunhada pela lei e pelos profetas, i. é, pelo AT. Logo, cabe interrogar o AT. O fundo é formado sobretudo pelo livro da consolação de Isaías. Com isto, porém, esse conceito adquire uma amplitude e uma profundidade de significado incomuns para nós.

É preciso distinguir esta justiça do ser justo de Deus como qualidade eterna, por ser algo fundamentalmente novo, anunciado como singular revelação de ação num momento histórico determinado do mundo. Por meio dela, Deus produzirá a prova de que, apesar de todos os caminhos obscuros, sempre haverá com ele um acerto em todos os sentidos. Enquanto nós, de forma assustadora, não somos mais pessoas corretas (1.18–3.20), temos, por outro lado, um Deus que é inteiramente correto, que não é nenhum demônio, nenhuma luz fugaz, nenhum ídolo e nenhum fantasma.

Na revelação de sua justiça, de modo algum se trata de uma punição judicial específica e estreita. Talvez disponhamos [na língua alemã] de uma ponte para entender a acepção bíblica do termo. Quando, p. ex., uma pessoa de grandes capacidades se põe a caminho para resolver, num lugar qualquer, uma situação enguiçada, esta pessoa é acompanhada pela expectativa: “Esse vai resolver o problema!” Nesse caso [em que o alemão pode usar richten = “arbitrar”, “endireitar”, “corrigir”], o sentido é mais vivo e abrangente que no sistema jurídico: colocar tudo ordem novamente, posicionar no lugar exigido, de modo que a vida possa continuar. Assim, o livro de consolação de Isaías prometia que Deus interferiria mais uma vez de forma reparadora na história universal, em favor dos seres humanos. Não há dúvida de que essa intervenção também compreenderá a função de juiz, pressupondo que um juiz era em Israel ao mesmo tempo também uma espécie de promotor público que cuidava das distorções sociais. Por isto, a justiça escatológica de Deus constitui um ato de auxílio jurídico para os oprimidos e humilhados. “Eis aí te vem o teu rei, justo e salvador” (Zc 9.9). De modo marcante também 1Jo 1.9 acopla “justiça” e “fidelidade”. Seríamos desencaminhados se considerássemos que nesse caso há um conflito. Os devotos do AT, por isso, tinham predileção expressa pelo termo “justiça”.

É uma justiça que cria uma esfera em que toda a vida floresce. Seu centro está em Deus, mas sua periferia estende-se até as bordas da Criação. Ela abrange juízo e graça, pessoas e situações, agir e ser, presente e futuro. Por isso, desistamos de medir com uma só medida esse conceito multissegmentado da carta aos Romanos e respeitemos cada ocorrência em seu contexto.

No entanto, de que forma este ato de justiça de Deus profetizado por Isaías se concretizou? Primeiramente: Ele se manifestou. Com certeza há um eco de 1.17. Porém, duas pequenas divergências chamam a atenção sobre si:

• Desta vez, o apóstolo escolhe uma expressão diferente para “manifestar” (phaneróo em lugar de apokalypto), e;
• ele também o conjuga num outro tempo verbal. Lá “revelar” estava no presente e se referia ao acontecimento atual da pregação no processo da missão cristãa. Contudo, é somente agora que se aborda o evento que antecedeu a esse processo e do qual trata essa pregação. Agora a forma é o pretérito perfeito: A justiça de Deus “se manifestou”. Um acontecimento único do passado gerou um fato que passou a valer de uma vez por todas e que justifica a divulgação em escala mundial. Trata-se, como o v. 22 finalmente anunciará, da ação de Deus através de e em Jesus Cristo. Por meio dela sua justiça tornou-se manifesta.

Mas agora, ela foi revelada. De acordo com o v. 26, a expressão é mais enfática: “no tempo presente”. Exteriorizam-se, desta forma, o senso cronológico do cristianismo primitivo e também grande exultação. Desde sempre Deus configurou o curso dos tempos, mas por meio do evento de Cristo ele chamou à existência uma época fundamentalmente nova. Deus chanfrou um entalhe no decurso dos acontecimentos. Esse entalhe é tão nítido que aquilo que vem depois não pode mais ser compreendido como continuação do que havia. É comparável com a ação de Deus na primeira manhã da Criação (novamente conforme Isaías: Is 40.26-31; 44.24; 51.9-11; 54.5).

Desafiando seus adversários judaístas, Paulo caracteriza esse ato de Deus adicionalmente por uma pequena inclusão: “sem lei”. No coletivo, a dupla locução “lei e profetas” designa o AT. Aqui, porém, “lei” significa, como em 7.22,25; 8.7, a comunicação da vontade de Deus, palpável na forma que lhe deu Moisés, cuja sombra se projeta nos corações de todos os seres humanos. Esta lei é, em primeiro lugar, santa (7.7-13). Em segundo lugar, possui um poder de convencimento elementar no coração de todos (7.16-22), e, não obstante, é – em terceiro lugar – frágil quando tem de lidar com pessoas subordinadas ao pecado (8.3). Paulo conhece somente o último caso (3.9). A lei tem poder de declarar livres e felizes somente as pessoas justas, no mais apenas consegue condenar, como Paulo acabou de demonstrar no versículo anterior (3.20; cf 4.15). É para fora desse beco sem saída que Deus “mas agora” conduz, da ira para a justiça.

Por mais que a nova justiça extrapole as categorias jurídicas com que estamos familiarizados, ela continua sendo sempre também, de modo profundamente benéfico, um ato jurídico. Por isto, fazem parte dela, como em todo processo israelita, duas testemunhas: testemunhada pela lei e pelos profetas, as duas partes mais importantes do AT. Em Rm 4 é acrescentada, p. ex., uma citação do AT, como amostra da justiça cristã mediante a fé. Por mais inegável que seja o corte na história da salvação, tampouco ocorreu um rompimento.

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