Estudo sobre Romanos 3:25a
Estudo sobre Romanos 3:25a
Romanos 3:25a
A quem Deus propôs (publicamente) como (lugar de) propiciação. Não há como enfatizar demais a segunda palavra: Foi Deus quem agiu! Nos templos pagãos os sacrifícios eram instrumentos na mão do ser humano, a fim de exercer influência sobre uma divindade impiedosa. Autopunição tinha o objetivo de comovê-la e mudar sua opinião. Contudo, já no AT a corrente básica é oposta. É Deus quem faz expiação (Dt 21.8a; Is 6.7). Ele providencia o sacrifício (Gn 22.8). Foi ele quem “deu (o sangue) sobre o altar” (Lv 17.11). Novamente o livro de Isaías aparece como testemunha, a saber, com o magistral trecho de Is 43.22-25: “Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões” (v. 25). Quando Israel se aproximava para prestar sacrifícios, sempre já estava pisando sobre o chão da graça, não tinha necessidade de prepará-lo para si. O mesmo acontece inequivocamente no sacrifício de Cristo: “Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de Deus, sabedoria, e justiça” (1Co 1.30). Nisto, porém, ele se entregou pessoalmente como sacrifício pelos nossos pecados. Ele “estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2Co 5.19). Se alguém foi cruel no Gólgota, então fomos nós, e não ele.
Na Sexta-Feira da Paixão, Deus instituiu um lugar público de propiciação. Esse termo faz recordar o propiciatório dourado que, segundo Êx 25.17-22, estava sobreposto à arca da aliança no santíssimo do tabernáculo e, mais tarde, do templo. A peça servia de pedestal para duas esculturas de um ente alado (querubim), à esquerda e à direita. Elas sustentavam entre si o trono invisível de Deus. Com suas asas ocultavam esse local de sua misericordiosa presença (Êx 25.22). Ali o sumo sacerdote também realizava, no grande dia da reconciliação, a expiação anual do povo. Para tanto, aspergia diante desse propiciatório duas vezes sete vezes o sangue expiatório de animal. O objeto foi perdido quando da destruição do primeiro templo. No segundo templo o santíssimo estava vazio. Apesar disso, o rito foi celebrado por séculos no recinto vazio, até a sua destruição no ano 70. No exterior, os judeus desde sempre celebraram o grande dia da reconciliação sem templo, a saber, nas sinagogas, observando-o ainda até hoje como a mais solene de todas as festas judaicas (jom kippur). O costume era familiar a cada gentio que pertencesse ao círculo de amigos da sinagoga. Também na comunidade em Roma era possível falar do assunto sem dar maiores explicações.
A referência ao rito de sangue confirma que estamos sendo conduzidos ao contexto do grande dia da reconciliação. Nele o centro predominante era ocupado por esse rito: no seu sangue. É verdade que, sob esse aspecto, o sacrifício de Jesus não consistiu de algo perceptível aos sentidos. A comunidade cristã sabia que Jesus não morreu literalmente num evento sacrificial. Nem havia ali um recinto sacro, um altar, um sacerdote, um golpe de punhal que fizesse sangrar completamente o corpo, nem seu sangue serviu para aspergir cultualmente o santíssimo do templo. Cristo morreu, segundo Hb 13.12 de forma declaradamente profana, fora da cidade santa. Mas o Senhor nos tempos terrenos, depois o Ressuscitado, seus apóstolos e a primeira cristandade estavam dominados pelo reconhecimento de que o sistema sacrificial do AT tinha uma característica profética que se cumpriu no sacrifício perfeito de Jesus. Contra todas as aparências, a Sexta-Feira da Paixão foi o dia universal da reconciliação. Desse modo, era possível falar metaforicamente do seu sangue e transferir traço por traço do ritual. Para a compreensão da morte de Jesus, falar do sangue sacrificial de Cristo passou a ter uma importância destacada.
A mensagem do sangue de Cristo dizia, segundo Lv 17.11: Vida inocente se interpõe em favor de vida destinada à condenação. Sacrifício propiciador e vicariato, portanto, dificilmente podem ser separados. É evidente que, para os judeus, é mais fácil compreender essa substituição existencial. Através da leitura do AT durante gerações (2Co 3.16; At 15.21), esse livro tão magnificamente realista, o povo israelita possui a vantagem (Rm 3.1,2) de um singular contato com a realidade. Em contraposição à outra, nós que vivemos e respiramos na cultura helenista, somos tangidos de uma filosofia gentílica da moda. Estamos sentados no respectivo edifício intelectual como dentro de uma estufa e não possuímos suficiente “experiência em campo aberto”, i. é, contato com a realidade. É por isso que nossa sociedade padece de manifestações de carências em cada época. O individualismo da era moderna apresenta, p. ex., uma mancha cega no olho em relação ao vicariato, apesar de ele nos cercar por todos os lados. Se precisamos de alguma expansão de percepção, certamente será nesse aspecto. Não acontece nada de significativo, seja salutar ou maléfico, sem o vicariato. Pais vivem e agem incessantemente por seus filhos, o médico se empenha pelo paciente, o político ajuda a decidir pela população toda, o professor tem na mão, em boa medida, o futuro do aluno, dependendo da integridade com que trabalha, o marido assume responsabilidade pela esposa e vice-versa, ou o pastor pela comunidade. Sempre que pecamos, transgredimos também por outros; sempre que nos arrependemos, beneficiam-se o mundo que nos envolve e o mundo futuro. Representação não constitui simplesmente um fenômeno jurídico estreito (cf também exposição sobre 5.12).
Admitamos: Não há em lugar algum debaixo do céu um modelo de representação que se aproxima do vicariato do “por todos”14 no Gólgota. Onde, em sentido estrito, “um morreu por todos” (2Co 5.14)? Por isso, nosso texto traz duas indicações para a impossibilidade de se comparar o modelo sacrificial do AT com o cumprimento do sacrifício em Jesus. Primeiro Deus expôs publicamente o novo lugar de propiciação. O Santo dos Santos no templo de Jerusalém era, para pessoas comuns, um recinto escuro e impenetrável, fechado por uma densa cortina. Porém, no momento da morte de Jesus, a cortina se rompeu com a maior eficácia possível (Mc 15.38). Desse modo, o acesso ao Deus misericordioso desobstruiu-se para todo o mundo. Segundo, o mediante a fé renova mais uma vez a recordação de que está se revelando em Cristo uma salvação “sem a lei” (v. 21), ou seja, passando ao largo por Moisés e todos os modelos de sacrifícios. Podem até exercer sua função, mas depois ficam de lado.
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Romanos 3:25a