Estudo sobre Apocalipse 21:24-27

Estudo sobre Apocalipse 21:24-27



A visão exposta mostrou que Deus ama a plenitude, a magnitude e a beleza. Agora ressalta-se qual, em última análise, é seu objetivo: ele ama os humanos.
 
As nações (“os povos”) andarão mediante a sua luz, i. é, a luz da cidade. O grupo semântico “andar”, “caminhar”, “perambular” (em grego patein) não define uma troca de lugar com um alvo definido, mas “a permanência andante num lugar determinado”.1071 Demarca uma esfera de vida em que se desenrola a vida. É por isso que no presente texto não temos de apelar à imagem de uma peregrinação das nações.1072 João está vendo os povos que levam sua vida em redor da cidade de Deus e sobre a nova terra, o que não exclui seu livre acesso à cidade (v. 27).
 
Essa pequena observação secundária no contexto da visão da nova Jerusalém protege contra o erro de imaginarmos a cidade dentro de uma paisagem lunar desnuda. Pelo contrário, expande-se ali a nova terra de Ap 21.1, habitada e preenchida com vida movimentada, agrupada em torno de seu centro, o “tabernáculo de Deus” (Ap 21.3).
 
Lutero havia traduzido erroneamente, aqui e em Ap 22.2, “povos” (em grego éthne) por “gentios”. No entanto, não se deve pensar em pessoas afastadas de Deus, impuras e não-salvas, que ainda estão buscando a purificação e santificação. O v. 27 depõe contra esse entendimento, pois todos eles já vivem do lado de cá da nova criação de Ap 21.1,5 e são os consolados de Ap 21.4.
 
Agora eles levam sua vida mediante a sua luz, a saber, a luz irradiada pela cidade. A afirmação não é que eles andam em direção dessa luz, tendo ainda de adentrar essa luz ou segui-la. Agora a terra não está mais coberta de trevas e os povos não estão mais na escuridão (segundo Is 60.2), mas as ondas de luz da Nova Jerusalém iluminam o espaço de vida de todos os povos sobre a nova terra. Eles andam sob a luz e florescem e se desenvolvem através de Jerusalém.
 
Com alegria e disposição eles manifestam sua gratidão por intermédio de seus representantes. E os reis da terra lhe trazem a sua glória (“E os reis da terra levam sua glória para dentro dela” [tradução do autor]). Em Ap 6.15; 17.2,18; 18.3,9; 19.19 os reis da terra eram sistematicamente inimigos de Cristo e ajudantes da besta. Será que aqui aparece o mesmo círculo de pessoas (como opina Rissi)? Acaso estão saindo do charco de fogo, a fim de, na cidade de Deus, demonstrar arrependimento e obter clemência diante do trono da graça? Com essa leitura, porém, não são poucas as coisas acrescentadas ao texto. p. ex., que o reinado do velho mundo se mantém até no novo mundo, que as mesmas pessoas voltam a assumir seus tronos e que imediatamente do lado de fora dos muros de Jerusalém se abre o charco de fogo, de modo que cada um que nesta terra entrar nele, na vindoura novamente sairá dele.
 
A exegese não deve ignorar o corte decisivo de Ap 21.1.1073 Esses reis que prestam reverência são um reinado novo sobre uma terra nova entre novos povos. Seus portadores, antes de entrar pelos portões, já eram pessoas cujos nomes constavam no livro da vida. Do contrário não teriam obtido acesso conforme o v. 27. Para compreendermos corretamente os atuais versículos, tomemos distância suficiente, a fim de enfocar os grandes quadros opostos: de um lado a Babilônia com povos e reis que prestam reverência (Ap 17.2,15; 18.3,9) e de outro a nova capital Jerusalém com seus reis e povos em reverência. Essa contraposição descarta a ideia de que se trata dos mesmos reis.

 
Na Antiguidade, quem realizava uma visita em honra a alguém lhe depositava presentes valiosos (cf. Sl 72.10). É dessa maneira que os reis estão colocando sua glória aos pés da glória de Deus e do Cordeiro (v. 24). Expressam que seu esplendor real (Mt 6.29) está à disposição do reinado de Deus e Cristo, assim como sua luz se nutre da luz que ele dá.
 
As suas portas (“portões”) nunca jamais se fecharão de dia. No presente caso os portões abertos não atestam que não haja perigos para a cidade. Essa indicação seria inútil depois de Ap 21.1, uma vez que a possibilidade de um assalto está fora da perspectiva. Pelo contrário, a questão é a acessibilidade da cidade para os povos e seus reis (cf. Is 60.11). Deus nunca mais deseja fechar-se diante de sua humanidade. Ele é seu Deus, e eles serão os seus povos, dizia o texto de Ap 21.3, ininterrupta e infinitamente. Continuamente eles chegam carregados com sua própria glória e saem carregados com a glória dele. Esse dar e receber, esse ser abençoado e ser uma bênção fluem para dentro e para fora, em uma correnteza ininterrupta (cf. também o exposto sobre Ap 22.2).
 
O adendo porque, nela, não haverá noite é um eco genérico, mas novamente sem exatidão, do texto de Is 60.11. Lá a subdivisão em dia e noite continua existindo, enquanto aqui está abolida em consequência do v. 23 (cf. Zc 14.7). Em contraste com o charco de fogo, imaginado como em trevas, reluz um mundo sem lusco-fusco.
 
Os reis, no entanto, não trazem apenas sua dignidade real (“glória”, v. 24) para dentro da cidade, mas também o orgulho e o esplendor dos povos na forma de bens da nova terra. E lhe trarão a glória e a honra das nações (“E serão levadas para dentro dela a glória e a honra das nações” [tradução do autor]). “Honra” significa, no presente caso, um objeto de valor concreto.1074 Talvez devamos pensar em contribuições para o templo, assim como no passado foram trazidos por Israel do país inteiro para Jerusalém. O objetivo é comparecer com elas diante de Deus no templo e celebrar como povo de sua propriedade. Em consonância, João vê os povos da terra inteira em movimentação litúrgica: povos livres que servem livremente a seu Redentor sobre uma terra livre. Esse acontecimento já era apontado por Ap 21.3.
 
O v. 27 flameja uma advertência. Nela, nunca jamais penetrará coisa alguma contaminada (“impuro” [nvi, teb, blh, vfl]). “Mesmo com portões abertos e brilhante luz do dia, qualquer um não pode entrar, ter de Deus a companhia.”1075 De acordo com o v. 25, os portões de fato não estão fechados, porém são vigiados, conforme o v. 12. Para percebê-lo, é preciso sentir a linguagem metafórica. Não se pode depreender da afirmação que ainda aparecem pessoas indignas diante desses portões, pedindo admissão e sendo rejeitadas. Pelo contrário, ela constata em termos positivos a pureza do novo mundo. Ela contém no máximo uma rejeição diante de pensamentos e desejos que se movem no leitor do Ap daquele tempo e de hoje.1076

O uso do termo impuro é bem conhecido dos leitores da Bíblia a partir de At 10.14,15; 11.8,9. Trata-se do que é impuro para o culto, que não pode ser admitido às celebrações. No presente texto chama atenção a forma gramatical neutra, enquanto os paralelos do AT falam de pessoas impuras (Is 35.8; 52.1; Ez 44.9). Será que aqui se está pensando nas contribuições e oferendas do v. 26? A continuação fala igualmente de pessoas que não são toleradas na cidade, a saber, o que pratica abominação (“atos hediondos”) e mentira. São os adeptos da besta e do profeta de mentira que a si mesmo se endeusam. A eles são contrapostos pelo Ap, tanto aqui como em diversas outras ocasiões, aqueles que estão anotados no livro do Cordeiro (cf. o exposto sobre Ap 13.8).


Notas:
1071 Bertram, Ki-ThW, vol. v, pág. 941ss.
 
1072 Fica claro que o texto de Is 60.3 serve de pano de fundo. Na realidade ele refere-se à peregrinação dos povos atraídos pela glória da luz de Deus sobre Jerusalém. Contudo João substitui espontaneamente “eles caminharão (até lá)” por “eles perambularão”. Contrariamente, Ap 3.9; 15.4 utilizam a profecia de que as nações se aproximarão. Essas referências, porém, estão em contextos diferentes.

1073 Schumacher escreve, em Tausendjähriges Reich, pág. 179: “em função disso fala-se, p. ex., em Ap 21.27 de ingressar na Nova Jerusalém… Todos esses processos são vitais e evolutivos, dirigidos todos ao mesmo alvo: ‘Eis, faço novas todas as coisas!’” Dessa forma, porém, ele inverte tudo. O v. 27 precisa mover-se em direção do v. 5, quando de fato o v. 27 se origina na nova criação.

1074 Cf. W-B, col. 1618.

1075 De Petrus Herdert, no hino de 1566 Preis, Lob und Ehr sei Gott.
 
1076 Como, p. ex., também contra a exclamação de Rissi: “Os portões estão abertos para todos”, a qual ele relaciona expressamente também com os ocupantes do charco de fogo. “Também a eles o profeta vê entrar no reino da graça.” Onde ele estaria constatando isso? (Alpha und Omega, pág. 211).