Estudo sobre Apocalipse 21:7-8

Estudo sobre Apocalipse 21:5-6


Não existe palavra de Deus à qual não seja cabível uma resposta humana, e nenhuma promessa divina que não deva ser igualmente convertida em desafio. É por isso que se segue aqui o oráculo do vencedor. O vencedor herdará todas estas coisas. O verbo “herdar” prolonga a ideia do “de graça” no v. 6. Um legado é outorgado com base num testamento, sem que o herdeiro tenha feito algo por ele.

Essa herança abrange tudo, a saber, a nova criação em sua extensão, largura, altura e profundidade. Ela significa “vida” (v. 6). Rm 8.32 (cf. v. 17) também trata de herdar tudo. Nesta passagem Paulo liga essa plenitude de dádivas estreitamente com a dádiva extraordinária, com o Cristo entregue em nosso favor. Por meio desse presente de graça sabemos que somos declarados herdeiros universais. Ele torna toda a riqueza de Ap 21 e 22 disponível para nós. Essa riqueza infinita por sua vez nada mais é que um desdobramento do presente da Sexta-Feira da Paixão. O Ap não é menos cristocêntrico que Paulo.

No entanto, será que a igreja aqui interpelada toma posse da herança? Seria, eventualmente, possível que alguém seja deserdado? Essa possibilidade aparece à margem. A convocação para vencer deve ser explicada, com vistas ao v. 8, como convocação para a fidelidade de testemunha. Vale manter e conduzir o nome de Jesus por todas as perseguições e seduções. Aquela substancial correlação do legado com o Cordeiro não tolera que alguém se separe do Cordeiro e, apesar disso, fature a herança. Do mesmo modo, porém, será impossível que um seguidor do Cordeiro não entre na plena herança de Deus. E eu lhe serei Deus, e ele me será filho.1048 Essa promessa evoca fortemente o v. 3, porém está se referindo aqui ao membro individual do povo de Deus. Entendida à maneira de João, ela não contém a afirmação de que na parusia o fiel se torna filho de Deus, mas sim que ele é revelado como filho de Deus. “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele” (1Jo 3.2).

 
A palavra citada prossegue: “E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança”. É nesse sentido que o presente versículo acrescenta a palavra de exortação.1049 Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos (“traidores”), aos abomináveis (“hediondos”), aos assassinos, aos impuros (“imorais”), aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe (“o seu quinhão”) será (“lhes é atribuída”) no lago (“charco”) que arde com fogo e enxofre, a saber, esta é a segunda morte. Ap 21.27 e 22.15 trazem listas similares. A presente contagem, porém, foi completada até o número sete, sendo que “e a todos os mentirosos” talvez conte como síntese dos sete termos (cf. Ap 22.15). Consequentemente, contrapõem-se aos sete vencedores dos cap. 2,3 também sete perdedores no final do livro.

A coluna dos perdedores em marcha é liderada pelos covardes. No NT a palavra muitas vezes significa apostasia da fé.1050 Os traidores fazem parte dos covardes, porém nesse segundo caso a ênfase recai mais sobre o fracasso sob circunstâncias exteriores, e no primeiro sobre o fracasso interior. Os hediondos realizaram a passagem manifesta para o lado oposto (cf. Ap 17.4,5; 21.27). Nos assassinos e imorais manifestaram-se os frutos éticos, nos feiticeiros e idólatras os frutos religiosos da apostasia.1051

Pessoas que decaíram de Cristo distorcem tudo o que é verdadeiro e válido. Não apenas proferem a mentira, mas também a praticam e vivem, empenhando-se contra a verdade de Deus e do Cordeiro. De agora em diante levam a vida no espírito do “profeta de mentira” (cf. o comentário a Ap 13.11 e 14.5). Por isso a contagem pode ser sintetizada assim: e a todos os mentirosos.
 
A parte que lhes cabe (“o seu quinhão”) será (“lhes é atribuída”) no lago (“charco”) que arde com fogo e enxofre, a saber, esta é a segunda morte. Depois de Ap 19.20; 20.10,14,15 lemos agora pela última vez a respeito desse charco de fogo. De outra maneira, porém, essa linha se prolonga também nos trechos subsequentes. Não apenas de forma acanhada e reprimida, mas nitidamente proposital as visões falam de um “lá fora”. A justaposição do tempo de salvação e do lugar da perdição integra essencialmente a profecia, pois esse lugar de perdição manifesta a vitória de Deus. É por isso que os vencidos aparecem regularmente. O consolo, para o qual o Ap visa conduzir, não é um grande esquecimento, como se nada tivesse acontecido, nem tampouco um grande abarcamento de todas as contradições, no qual todas as partes se arrependem do que houve. Pelo contrário, é exclusivamente a justificação de Deus. A esse Deus justificado correspondem os ímpios condenados.


Notas:
1048 “Ele é filho para mim” constitui uma expressão mais forte que “ele é meu filho”. Originalmente essa palavra se referia ao Messias (2Sm 7.14), depois ao povo messiânico.

1049 Ao legado (em grego klerós) no v. 7 corresponde, como contrapartida, o quinhão (em grego méros) no v. 8.

1050 Jo 14.27; Mt 8.26; Mc 4.40; 2Tm 1.7; cf. também Hb 10.39.
 
1051 Na Ap, aliás, as dimensões ética e religiosa se confundem. Para assassinato e mentira, cf. o exposto sobre Ap 2.3; para a feitiçaria, cf. o exposto sobre Ap 9.21; 18.23; para a idolatria, cf. o comentário a Ap 2.14,20; 9.20.