Estudo sobre Apocalipse 21:3-4

Estudo sobre Apocalipse 21:3-4



Nos v. 3,4 acrescenta-se uma voz explicativa. Então, ouvi grande voz vinda do trono. As palavras seguintes situam-se novamente numa nítida proximidade com textos do AT.1036 Eis o tabernáculo (“a tenda”) de Deus com os homens! Ao contrário de, p. ex., Hb 11.9, a expressão “tenda”, “acampar” aqui não se contrapõe à habitação em uma cidade edificada. Pois justamente o pano de fundo da cidade faz parte do cenário. A opção por essa expressão explica-se com certeza pela circunstância de que “tenda” evoca o conceito do tabernáculo (cf. nota 576). Dessa maneira ele noticia a comunhão sagrada com Deus.

Usa-se repetidas vezes a frase de que Deus acampa entre os seres humanos. Deus habitará (“acampará”) com eles (“junto deles”). Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. Sem receio, sem insegurança ou reservas enaltece-se que finalmente a antiga fórmula da aliança1037 vigora sem cortes. No lugar das contrariedades entrou a comunhão. Nem o ser humano precisa viver fora do paraíso de Deus, nem Deus sofre por falta de espaço em sua criação.

Deus junto dos humanos, diz o texto, indicando provavelmente que o cumprimento transcende amplamente o espaço nacional israelita. Também no conceito “Jerusalém” já se anuncia a dimensão supra-étnica (cf. o comentário ao v. 2). Agora ela se manifesta claramente. O plural eles serão povos de Deus sem dúvida incomoda o ouvido acostumado ao at (cf. as referências na nota 1037). De fato existe um manuscrito que usa o singular nesse texto, e a maioria dos tradutores decidiram-se a favor dele (cf rc, teb, bj, blh, bv), apesar de que de modo algum tenha o mesmo valor da versão preservada pela nossa tradução.1038 Apesar disso não existe motivo substancial para que se exclua aqui um plural escatológico proposital, uma vez que ele retorna de modo análogo em Ap 21.24,26; 22.2.


Com essa constatação caem por terra não apenas as divisas do Israel étnico, mas igualmente as divisas da igreja. Assim como o Israel étnico constituiu o estoque básico da igreja de judeus e gentios, assim essa igreja tornou-se agora o estoque básico de uma nova humanidade. O Deus de Ap 21,22 de forma alguma se prende às pessoas hoje conhecidas como devotas. Ele cumpre e celebra suas promessas não apenas no âmbito de uma seita, mas como Deus junto dos humanos! É esse o sentido mais profundo de “Emanuel”. Não Deus junto dos judeus ou dos alemães ou das confissões religiosas ou de qualquer seleção, porém Deus junto de seus seres humanos, e os seres humanos junto dele para sempre.1039

Agora cumpre adicionar também o que foi afirmado antes: essa glória da nova humanidade tem como cerne o amor ao Cordeiro, que a amou tanto. Esse amor repetidamente remete ao Cordeiro e para fora, às pessoas. Em decorrência, a presente visão não sustenta um entusiasmo impreciso, mas atesta novamente, como Alfa e Ômega, o Cristo crucificado e ressuscitado.

No v. 4 a voz explicativa refere-se à nota de ausência emitida no v. 1 para a nova criação: “o mar já não existe”. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima. Acaso há choro na nova terra? Será que pessoas com os olhos rasos de água correm pelas ruas douradas de Jerusalém?1040 Com essas perguntas equivocamo-nos em relação à linguagem figurada da Bíblia. Como em Is 25.8; 35.10; 65.19, a afirmação descreve a salvação perfeita, que não é mais turbada pela desgraça, porque finalmente cada pessoa salva está abrigada sob o sopro da proximidade muito pessoal de Deus. Por ocasião da parusia Deus se destaca, como nunca antes, como o “Deus do consolo”. Não haverá dor nem na base nem no fundo. Assim como cada pessoa tem uma mãe, cada redimido terá a Deus e não se sentirá em nada abandonado por ele.

A continuação desdobra a promessa. Na nova terra não se chora mais, porque a morte, com todas as formas prévias e conseqüências dolorosas, terá cedido à vida. E a morte já não existirá mais. Essa frase traça a conclusão de Ap 20.13,14. Depois que a morte enquanto poder foi precipitada no charco de fogo, ela parou de matar, não existe mais morte individual. Essa explicação do termo “morte” torna-se plausível no presente versículo pelas palavras seguintes.1041

Três termos ilustram um mundo no qual se morre. O primeiro é o luto (“lamento fúnebre”) que se arrasta inconsolável (excurso 15c), o segundo é o pranto (“grito”) isolado de desespero, e o último a dor psíquica que revolve a alma. Tudo isso não existe na nova terra. Como Ap 18.21-24 profetizou para a Babilônia o silenciamento das vozes, assim o presente versículo faz para Jerusalém. Contudo, quais são as vozes que se calam lá e cá? Na Babilônia são as vozes da vida, na nova Jerusalém são as vozes da morte. É isso que constitui a diferença abissal das duas “cidades”.

Depois de soar repetidamente e, por isso, intensificada ao extremo, a partícula “não”, segue-se uma síntese. Porque as primeiras coisas passaram. Em consequência, a paz do novo mundo não se explica a partir de um sim aleatório a tudo e todos, mas a partir do fato de que Deus opôs seu não rígido ao pecado, à morte e ao diabo.

Nos v. 5-8 acontece algo totalmente extraordinário e único para o livro do Ap: Ressoa a voz de Deus! Quanto a esse clímax da “revelação”, verifique as observações preliminares ao trecho. Trata-se de um epílogo divino à visão da consumação, o qual se dirige pastoralmente aos primeiros e aos atuais leitores do livro, evocando fortemente as mensagens às igrejas. Os v. 5,6 contêm novamente uma ordem para escrever, uma auto-apresentação e palavras de promessa, ao que se seguem um oráculo do vencedor (v. 7) e uma palavra de exortação (v. 8).



Notas:
1036 Cf. Zc 2.10,11; 8.3,6; Ez 37.27; 43.7; 48.35; Lv 26.11,12; 2Cr 6.18.

576 Cf. em Ap 7.15; 12.12; 13.6 e 21.3. Esse “acampar”, portanto, não tem mais a conotação da vida nômade, transitória, ao qual ainda tenha de suceder a residência permanente. No Ap “morar” é o habitar vinculado à terra, “acampar”, no entanto, a vida em comunhão sagrada com Deus. A palavra grega para acampar evoca o tabernáculo (skéné)! Aparece também em Jo 1.14.

1037 Cf. Ez 11.20; 14.11; 34.24; 36.28; 37.23,27; Jr 7.23; 11.4; 24.7; 30.22; 31.1,33; 32.38.

1038 Rissi conjetura que houve equívoco na cópia, de forma similar Strathmann, Ki-ThW, vol. iv, pág. 54, nota 104.

1039 Segundo algumas variantes (sobretudo as latinas) o nome surge diretamente: “E ele, Deus-com-eles (i. é, Emanuel), será o seu Deus”. É assim que traduz a bj.

1040 Conforme Stokmann essas pessoas, que segundo sua opinião não pertencem à comunhão dos santos, não gozam da bem-aventurança plena. Como isso pode ser associado ao que se segue de imediato? Cf. também o exposto sobre Ap 7.17.

1041 Michaelis entende a frase: “A morte não existe mais” como comunicado de que a morte, que desde Ap 20.13,14 permanecia no charco de fogo, agora não está mais lá, mas exatamente em lugar algum, tendo perdido qualquer existência (pág. 111-113). De modo algum cabe no presente contexto que se proclame uma espécie de redenção da morte do charco de fogo.