Estudo sobre Apocalipse 21:5-6

Estudo sobre Apocalipse 21:5-6



E aquele que está assentado no trono disse. Como que com um aceno de mão ele ordena silêncio aos que cercam o trono e que no mais tinham de falar por ele, e apresenta-se pessoalmente com seu repetido “eu”, a fim de criar uma certeza indelével. Agora, de forma expressa, ele requer atenção para si: Eis! Ele próprio é a fonte de toda esperança pelo novo. É nele, não em nós, que o novo principia. Por isso cumpre observar quem ele é e o que ele fará.

A primeira palavra da auto-revelação é: Eis que faço novas todas as coisas! (Cf. Is 43.19; Jr 31.22.) Naturalmente o vocábulo novas refere-se no presente contexto ao v. 1, assim como todas se refere a “céu e terra”. O v. 6 diz expressamente, num retrospecto de convicção profética: “Está feito!” A obra da nova criação, portanto, cumpriu-se no que aconteceu nos v. 1,2.1042

Impõe-se a pergunta sobre a relação com uma mensagem muito similar, porém de objetivo totalmente diferente, em 2Co 5.17: “se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. Uma após outra, as palavras têm equivalentes no texto analisado, e é fato que na igreja atual já irrompe um começo da Jerusalém futura. O Espírito Santo torna o verdadeiro Senhor de Nova Jerusalém presente já nos dias de hoje e igualmente hoje já suscita seus cidadãos. Deus manifesta-se na igreja também hoje como o verdadeiro Emanuel, de modo que em 2Co 6.16 Paulo declara que a palavra vinda de Deus se cumpriu entre seu povo já antes da parusia. Com tal afirmação antecipam-se aspectos essenciais, mas na verdade ainda não apareceu a plena e cabal concretização do novo, nem a Nova Jerusalém com seus “muros”, “portões”, com sua “rua” e muitas outras coisas que Ap 21.9–22.5 nos leva a esperar com suas ilustrações. Nossa alegria sobre a concretização antecipada em nosso meio precisa manter a clareza de visão para as muitas linhas ainda incompletas e não traçadas, para a necessidade de continuarmos a esperar pelo novo céu e a nova terra, nos quais habita justiça.


E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Já apreciamos a importância da ordem de escrever no Ap quando analisamos Ap 1.11. Deus coloca no papel algo do que está pronto para ser questionado um dia. Ao lado da afirmação escrita “Eis que faço novas todas as coisas!” será colocada, então, a realidade, e não será achada discordância. Ele mesmo se empenha diante das igrejas pela verdade de que não foram apenas contados belos, mas irrelevantes sonhos.

Em breves intervalos menciona-se três vezes que Deus disse.1043 De modo insistente ele argumenta diante do pequeno ser humano, que está como que atoleimado diante do inconcebível Deus. Porém, quanto mais João ouve Deus falar e falar, tanto mais ele se enche de certeza. “Plenamente convencido de que, o que Deus prometeu, também tem o poder de cumprir” (Rm 4.21 [teb]). A comparação com Abraão é cabível no presente contexto. Como outrora o pai de todos os que creem, João olhou para tudo o que em redor dele estava morto, seco e sem esperança, e seguramente como uma pessoa aberta a todas as realidades. Contudo, justamente por isso valia para ele não somente aquilo que ele via, mas agora também aquilo que ouvia e o que Deus dizia. Permitiu que fosse integralmente tomado por essas palavras: Deus faz novas todas as coisas, Deus ergue um mundo são das trevas da história.

Disse-me ainda: Tudo está feito.1044 Esse Amém divino após a consumação evoca Gn 1: Deus viu que era bom. Todas as suas palavras realmente foram traduzidas em ação, de maneira que nenhuma delas foi perdida, corrompida ou esquecida. Acima dessa obra perfeita eleva-se mais uma vez a autodesignação de Deus em Ap 1.8 (cf. o comentário correspondente): Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Entretanto, quando a vontade de Deus for realizada cabalmente, também toda sede humana será saciada. É por isso que a voz continua: Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida.

Não é sem mais nem menos que a água constitui um conceito de vida. O ser humano teve, em grande medida, más experiências com a água do mar. Ela abriga animais hostis, engole navios, devasta praias e encobre terras e ilhas. Contudo, toda vez que “água” é associada com “fonte” (ou ideia de chuva),1045 ela concretiza um elemento da vida, que praticamente não fica devendo nada ao elemento da luz. Repetidamente o AT enaltece a abundância de água do tempo de salvação.1046

Abstraídas da metáfora, essas passagens tratam de Deus e todo o bem, da salvação e do Espírito Santo. É por Deus que o ser humano “tem sede”. Não poder contemplar a face dele e louvá-lo significa “morrer de sede”, mas o ser humano é novamente “saciado” pela alegria em Deus (Sl 42.1,2; 36.8,9; 63.1-3; Jr 2.13). São singularmente esclarecedores os versículos do Sl 63.1-3, que culminam na afirmação de que uma comunhão assim com Deus supera o valor da vida física. “A tua benignidade é melhor do que a vida” (RC). Benignidade de Deus e viver bem separam-se claramente, de modo que o devoto não está se referindo simplesmente à sua felicidade material quando diz “Deus”. “Sede de Deus” não é a expressão religiosa de algo deveras humano, a saber, da sede pelo cumprimento dos próprios ideais. “Sede de Deus” é a prece: o nome de Deus seja santificado, seu reino venha e sua vontade aconteça, riscando-se todos os nomes, reinos e ideais humanos! Isso e, para toda a eternidade, isso mesmo seria, segundo a profecia bíblica, o “paraíso”.

É essa sede – não, p. ex., o anseio de entrar nas mil e uma noites – que leva, não a morrer de sede, mas a ser saciado. Contudo, qual é o preço? Resposta: de graça.1047 De graça obtemos o que é muito insignificante ou justamente aquilo que é impagável e, por isso, em circunstância alguma atingível por dinheiro. Em consonância, Deus de modo algum se doa por “algo”, e tampouco por “vitoriosos” (v. 7), mas unicamente por graça. E com quem Deus é gracioso? Com aquele com quem ele é gracioso! O sentido dessa informação, muitas vezes entendida erroneamente, reside no fato de que, segundo todas as considerações, graça continua sendo graça pura e sob hipótese alguma se torna algo como um prêmio para o crer correto. Comunhão com Deus é graça, “grátis, sem dinheiro” (Is 55.1).


Notas:
1042 Por isso não pode ficar por nossa conta referir essa promessa a todas as coisas imagináveis. Michaelis, à pág. 113, introduz nesse versículo que Deus, além da nova criação dos v. 1,2, tornaria a interferir mais uma vez como Criador, sendo que agora também em relação aos que se encontram no charco de fogo. Então seu tormento acabaria. No entanto, ele se manifesta de forma muito cautelosa sobre essa intervenção ainda maior de Deus: “Quanto à nova criação além da segunda morte… faltam-nos quaisquer pontos de referência para avaliarmos pelo menos precariamente a magnitude e a modalidade desse milagre… Com certeza não somos informados de tudo que talvez gostaríamos de saber.” Nesse contexto, ele se arrisca a perguntar: “Deveríamos conceder uma base de verdade às ideias de um purgatório?” Por mais cuidadoso que possa ser o trabalho de Michaelis, sua exegese não deixa de ser fortemente inundada por certos desejos. Nas mínimas ocasiões elas se imiscuem, como se apenas buscassem a oportunidade de se anunciar. Também Schumacher pensa (Allversöhnung, pág. 106) que o Ap teria mostrado nos v. 1-4 somente um começo da nova criação, apenas uma transição à plena realização do alvo, até que conforme o v. 5 também o charco de fogo seja incluído na renovação. – Contudo, uma promessa de Deus desvinculada de seu contexto e introduzida em sistemas estranhos não é mais promessa de Deus.

1043 Diante do fato de que a segunda passagem se destaca pela forma verbal no presente, Bengel supõe que nesse ponto o anjo intérprete estaria intervindo. Contudo, não há apoio suficiente para essa hipótese.

1044 Palavras proferidas aqui em relação à ação graciosa de Deus, em Ap 16.17 com referência aos seus juízos. Quando à relação com Jo 19.30 (“Está consumado”), cf. o excurso 1f.

1045 Em Ap 7.17, ligada ao plural “fontes”; em Ap 22.17 como aqui, mas num sentido evangelístico, cf. Jo 7.37-39.

1046 Is 43.19,20; 49.10; 55.1; Jr 2.13; Jl 3.18; Zc 13.1; Sl 36.8; Ez 47.3-5.

1047 Termo presente já em Is 55.1; é importante em Paulo (Rm 3.24).