Estudo sobre Atos 1:13-14
Estudo sobre Atos 1:13-14
Os discípulos cumprem a ordem de Jesus: “Esperem!” Para isso, recolhem-se ao silêncio oferecido pelo “cenáculo” [recinto superior], diferente das peças da casa no andar de baixo.24 Lucas afirma expressamente que esse não apenas era um encontro isolado depois da ascensão, mas que levou a uma reunião permanente durante todos os dias. Sim, teremos de imaginar essa casa com a peça no andar superior como sendo o local de permanência constante dos apóstolos enquanto de fato estavam em Jerusalém.
A espera não é nem impaciente e agitada, nem vazia e inativa. É plena de “perseverar em oração”. Todo israelita conhecia a oração desde a infância. Mais tarde os discípulos haviam recebido o ensino de Jesus sobre como orar, tendo sempre diante de si o Seu exemplo. Naturalmente não precisamos imaginar que ali ficavam de joelhos da manhã até a noite, proferindo orações. Contudo, esses dias foram determinados pelo falar com Deus, relembrando tudo o que haviam vivenciado, e em expectativa esperançosa pelo que lhes havia sido prometido e ordenado. Essa oração não era algo ligado ao sentimento religioso, mas era trabalho sério da vontade. É assim que se preparam acontecimentos divinos: na espera por determinadas promessas de Deus e na oração consistente e perseverante.25
Recebemos a informação sobre quem esteve reunido naqueles dias de preparação. Em primeiro lugar são os onze apóstolos. São arrolados expressamente pelo nome.26 Muitas vezes Atos dos Apóstolos foi criticado porque a obra de modo algum faz justiça ao seu nome. Na realidade estaríamos ouvindo pormenores somente sobre Pedro, e nem sequer a respeito dele haveria uma história abrangente de sua vida e atuação. O que os demais fizeram em sua vocação apostólica nem sequer estaria sendo contado. Mas também nesse caso a Bíblia difere substancialmente de nosso interesse por pessoas de renome. Na Bíblia não existe nenhuma “biografia”, nem mesmo as de Isaías ou Jeremias. Homens como o profeta Micaías em 1Rs 22.28 surgem e desaparecem, sem que sejamos informado a respeito de sua atuação, que de forma alguma se limitou a essa uma aparição. Da mesma forma, Lucas também não escreve nada sobre a história de cada apóstolo. No entanto, a reunião deles em oração, a vivência conjunta da história do Pentecostes, a contribuição na construção da primeira igreja e a participação na liderança da igreja em formação é obra apostólica completa (cf. At 2.1,14,37,42; 4.33; 5.15,40-42; 8.14). Eles não importam como originais isolados, biograficamente interessantes, mas como grupo de doze, que o próprio Jesus havia convocado e que está solidariamente no serviço.
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No entanto, agregavam-se aos apóstolos também “mulheres”. Dificilmente eram apenas esposas dos apóstolos e dos irmãos de Jesus, mas sobretudo aquelas mulheres às quais justamente Lucas atribui uma participação importante na obra de Jesus: Lc 8.2s; 23.49,55; 24.10. É significativo para a igreja de Jesus que nela a mulher receba um papel bem diferente do que na sinagoga. Isso também aflora intensamente neste momento: mulheres participam do preparo de Pentecostes pela oração (cf. também o comentário a At 8.3).
Também Maria, a mãe de Jesus, está presente com os irmãos de Jesus. É nesse ponto que o NT cita pela última vez o nome de Maria. Não a encontramos numa posição de honra, mas colocada lado a lado com as demais mulheres com um singelo “e”.27 Sobre a posição anterior dos irmãos de Jesus lemos em Mc 3.31-35 (v. 21!); Jo 7.3-8. O próprio Jesus havia recusado todas as reivindicações de sua família. Contudo, nos dias de Páscoa ele também foi ao encontro de seu irmão Tiago (1Co 15.7), e Tiago chegou à fé. Ao que parece, isso fez com que a família toda entrasse na igreja, na qual Tiago obteve uma posição de liderança ao lado dos apóstolos (cf. o comentário sobre At 12.17; Gl 2.9; At 15.13ss).
“Todos esses perseveraram unânimes em oração.” Existe também “unanimidade” no campo contrário: At 7.57; 18.12; 19.29; é a unanimidade da excitação acalorada. Tanto mais importante é a tranquila e concentrada unanimidade dos discípulos de Jesus, que leva à comunhão de oração. De acordo com a promessa do Sl 133 ela constitui uma premissa básica para bênçãos divinas. Ninguém em Jerusalém deve ter dado muita atenção ao pequeno grupo que se reunia ali em segredo, no recinto superior de uma casa. Muito menos alguém em Roma e na corte do imperador tinha qualquer suspeita disso. Não obstante: aqui acontecia algo que superava todos os grandes e ruidosos processos da política e da economia, tornado-se a premissa para uma história de alcance mundial, que inclui também a nós e desemboca no futuro eterno.
Índice:
Atos 1:13-14
Notas:
24 Elias tinha um “quarto de cima” como esse na casa da viúva de Sarepta (1Rs 17.19), Eliseu na casa da sunamita (2Rs 4.10). Por ser sossegado, também prestava-se a “quarto de profeta”. Cf. também Jz 3.20-23; Dn 6.11. O “quarto” ao qual Jesus envia seus discípulos para orar (Mt 6.6) também pode ter sido um desses “cenáculos”. Em Atos dos Apóstolos, o “cenáculo” exerce um papel muito especial em várias ocasiões: At 9.37ss; 10.9ss; 20.8ss. Não é dito em qual casa de Jerusalém se situava esse quarto superior. Porém deve ter sido uma casa abastada, cujo quarto superior era suficientemente grande para uma reunião dessas. É plausível supor, conforme At 12.12, que tenha sido a casa de Maria, a mãe de João Marcos.
25 Paulo, p. ex., em Rm 15.30s; Ef 6.18s; Cl 4.2 demanda a oração persistente das igrejas como participação em sua obra. Em acréscimo, leia-se também o que C. G. Finney relata em suas “Reminiscências” [Lebenserinnerungen, p. 42ss] sobre a oração persistente e seus efeitos. Se hoje experimentamos tão pouco de Deus na vida da igreja e na evangelização, será que a razão não está sobretudo no fato de que carecemos dessa espera e oração? - Charles G. Finney, Lebenserinnerungen, Basiléia, s. ano, 277 p.
26 Quanto aos nomes dos apóstolos e a composição do grupo dos apóstolos, cf. o Comentário ao Evangelho de Marcos na série Comentário Esperança, p. 137.
27 A partir dessa constatação, toda glorificação posterior de Maria se evidencia definitivamente como destituída de base bíblica.