Estudo sobre Atos 1:4-6
Estudo sobre Atos 1:4-6
Nesse ponto a descrição do dia da ascensão se torna mais pormenorizada do que no evangelho. Jesus celebra mais uma vez a comunhão de mesa com seus discípulos.10 A comunhão de mesa era um acontecimento característico do convívio de Jesus com os seus. Por essa razão, o Ressuscitado escolheu justamente a comunhão da ceia para manifestar a seus discípulos tanto a realidade plena de sua pessoa, como também seus laços restaurados com os discípulos, antes destruídos por causa do fracasso deles (cf. Mc 16.14; Lc 24.30ss; 24.41ss; Jo 21.12ss). Por isso, as alegres refeições da igreja, com o “partir do pão” (At 2.46s), a respeito das quais seremos informados em breve, representavam a lembrança da antiga comunhão à mesa existente durante toda a atuação de Jesus, mas eram igualmente um memorial daquela última ceia antes do sofrimento e da morte, e daquela maravilhosa refeição matinal após a ressurreição. No “diálogo à mesa” da refeição antes da ascensão os apóstolos recebem a ordem expressa de permanecer em Jerusalém. Para os homens da Galileia (v. 11) o retorno para a terra natal após a despedida definitiva de Jesus era muito plausível, ainda mais que lá também haviam encontrado o Ressuscitado (Mt 28; Jo 21). O que ainda os seguraria em Jerusalém? Jesus explicou: o próximo grande evento da história da salvação, a efusão do Espírito, acontecerá na capital de Israel. Com ele terá início também a vocação dos discípulos para testemunhas. A narrativa transita para a fala direta, um recurso literário que Lucas emprega diversas vezes (At 17.3; 25.5; 22.22).
Na época em que Lucas escreveu, outros grupos que também ansiavam pela “soberania de Deus”, mas que haviam obtido seu impulso do movimento de João Batista e que se contentavam com o batismo deste, exerciam certa influência: em At 18.24-26; 19.1-6 nos depararemos expressamente com esses grupos (cf. p. … [338]). Por isso Lucas considera necessário fazer referência, na própria palavra do Senhor, ao fato de que sem dúvida João tivera importância com o batismo de arrependimento, mas que agora, na prometida efusão do Espírito Santo por parte de Deus, se criaria uma situação completamente nova. A presença do Espírito de Deus eleva a igreja de Jesus acima de tudo o que existira até então na História.11 Jesus lembra aos discípulos a “promessa do Pai”, que Ele mesmo havia lhes dito. Lucas deve ter tido em mente palavras de Jesus como por exemplo Lc 11.13; 12.12, mas tampouco deve ter esquecido da palavra do próprio Batista, que Jesus acolhe quase literalmente neste versículo. Somente uma diferença é digna de nota. Enquanto o Batista dizia: “Aquele que vem depois de mim (ou seja, Jesus) vos batizará com o Espírito”, aqui Jesus desaparece completamente por trás do Pai e formula: “Sereis batizados com o Espírito Santo”. A maneira judaica de falar a respeito de Deus com extrema reverência não citava o nome de Deus, mas usava a voz passiva.
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Os reunidos12 – provavelmente bem mais do que os onze apóstolos no sentido restrito – respondem com uma pergunta que nós talvez consideremos insensata e equivocada:
“Senhor, restaurarás neste tempo o reino para Israel?” Nesse caso, porém, a “incompreensão” é nossa! Nós é que temos de sair da adaptação ao curso dos acontecimentos, que agora parece ser “óbvio”, enquanto na verdade é muito surpreendente. Deveríamos perguntar seriamente, por que, afinal, o “reino dos mil anos”, o “reinado dos céus” sobre esta terra não começou imediatamente depois da Páscoa? A solução estava consumada, o pecado do mundo havia sido tirado, a morte tinha sido destituída de seu poder, Satanás estava derrotado, todo o poder fora entregue na mão de Jesus. Não era imperioso que agora viesse o cumprimento das promessas do reino? E uma vez que o derramamento do Espírito Santo também fazia parte da irrupção do tempo messiânico, o reino não deveria começar em e com esse derramamento? De tão plena compreensão e de tal consequência bíblica se reveste a pergunta dos discípulos! E enfatizar “para Israel” nem mesmo denota um nacionalismo falso. As promessas para Israel na proclamação profética são suficientemente claras, e “porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29).
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Atos 1:4-6
Notas:
10 É controvertida a interpretação do termo utilizado aqui por Lucas. Outros comentaristas o interpretam como mero reunir, congregar-se. No entanto, as traduções de At na igreja antiga o entendem como “comer em conjunto”.
11 Hoje, boa proporção dos crentes não tem mais noção alguma desse “habitar” do Espírito na igreja e em cada cristão e considera qualquer conhecimento a esse respeito como “fanatismo”!
12 Se não traduzirmos o particípio do v. 6 com “os reunidos”, mas o dissolvermos na frase “reuniram-se, pois, perguntaram-no e disseram” (assim faz Schlatter, em “Erläuterungen”), então o v. 4 se refere a um encontro anterior de Jesus com seus discípulos, em que ele lhes deu a instrução de permanecer em Jerusalém. Somente depois – a saber, no dia da ascensão – voltam a se reunir, e agora os discípulos apresentam as perguntas que a instrução de Jesus despertou neles. Porém, será mesmo que Lucas imaginou as coisas dessa forma?