Estudo sobre Lucas 11

Estudo sobre Lucas 11





A oração do Senhor (o Pai-nosso) (11.1-13)

A vista do nosso Senhor em oração conduz os discípulos a pedir-lhe que lhes ensine a orar. Ele responde ao lhes ensinar o que se tornou conhecido como a oração do Pai-nosso, contando-lhes a parábola do amigo insistente à meia-noite e ao anunciar alguns princípios gerais com relação à oração. Essa seção é de importância extraordinária, visto que Lucas, dentre todos os evangelistas, retrata de forma mais frequente o Cristo em oração (v. observações na Introdução, p. 1.184). J. M. Creed (p. 155) diz: “Não há conexão íntima entre esse parágrafo e o precedente”; contudo, é notável que o encoraja mento para pedir ao nosso Pai celestial a porção de um dia por vez é um corretivo natural à ansiedade de Marta acerca de tantas coisas. A oração do Pai-nosso está aqui em um contexto totalmente diferente da versão de Mateus, que a situa muito antes como parte do Sermão do Monte. Aqui parece que os discípulos sentem falta de algo. “Era comum”, diz

C. G. Montefiore, “para um rabino famoso escrever uma oração especial”; João Batista parece ter feito isso para os seus discípulos (v. 1). A oração que Jesus lhes deu nessa ocasião é muito mais breve que a de Mateus; e a versão de Lucas é ainda mais breve nas novas versões da Bíblia do que no texto recebido110. As diferenças principais entre Mateus e a versão mais breve de Lucas são:

1. A saudação a Deus: “Pai nosso, que estás no céu” se torna simplesmente Pai (o ”Abba” característico de Jesus; cf. Mc 14.36).

2. A terceira petição “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade”, é omitida.

3. A expressão “Dá-nos hoje...” de Mateus se torna Dá-nos cada dia em Lucas.

4. O termo “dívidas” em Mateus se torna pecados em Lucas; o fato consumado em Mateus “como perdoamos” é algo constante em Lucas.

5. “livra-nos do mal”, a última petição de Mateus, é omitida em Lucas, como também ocorre com a doxologia final (que falta no texto original de Mateus).

Comentário do conteúdo da oração em Mt 6.9-13.

v. 5-8. A parábola do amigo à meia-noite. A oração-padrão é seguida de uma parábola que ensina a importância da persistência na oração. Um homem não tem o que oferecer a um hóspede inesperado; a hora avançada da noite descarta a possibilidade da compra de pão. Por isso, ele acorda um amigo para lhe pedir emprestado. E natural que não seja atendido cordialmente, mas ele insiste com o seu pedido, e, exatamente em virtude de sua insistência (o termo gr. anaideia significa “falta de vergonha”), o amigo se rende, levanta e lhe dá o que pede, só para se ver livre dele.

É evidentemente impossível forçar os detalhes na interpretação dessa parábola; o ponto é que a oração verdadeira e eficaz precisa ser séria e sincera (cf. Tg 5.16) e que, se um amigo humano vai atender mesmo que de má vontade às necessidades de alguém que está se tornando um aborrecimento, quanto mais o Deus amoroso vai atender às orações que ele tem prazer em ouvir, e isso não de má vontade.

v. 9-13. Uma coletânea de ditados acerca da oração. Esse apêndice corresponde aproximadamente ao Vá e faça o mesmo da parábola anterior e encontra o seu paralelo em Mt 7.7-11 (v. comentário ad loc.).

Controvérsia com os fariseus (11.14-54)

A expulsão de um demônio leva à acusação de que Jesus consegue fazer essas coisas simplesmente porque ele está em aliança com o príncipe dos demônios. Ele mostra o absurdo dessa acusação, pois Satanás não está dividido contra si mesmo. Os judeus querem um sinal, mas os sinais estão muito claros no AT; basta que eles os vejam. Eles possuem a luz, mas estão obstinadamente obscurecendo-a. Um fariseu convida Jesus para uma refeição; após ser atacado pelos fariseus presentes por não cumprir a etiqueta social e cerimonial, ele vira a mesa ao mostrar quanto os fariseus, por se preocuparem com as minúcias, se afastaram da verdadeira lei de Deus e até assassinaram servos de Deus. O resultado desse choque, como era de esperar, é um endurecimento da determinação dos seus inimigos de causar a sua queda.

v. 14-26. A controvérsia acerca de Belzebu. V. tb. comentário de Mc 3.22-27; Mt 12.22-30. Marcos omite o fato de que foi a expulsão de um demônio que deu origem a essa controvérsia; Mateus nos conta que o homem mudo era também cego. A comunicação com esse pobre homem deve ter sido muito difícil; no entanto, a cura foi imediata e completa (Mt 12.22). Os espectadores estavam perplexos. Alguns atribuíam o poder dele aos poderes demoníacos; outros queriam um sinal, uma evidência palpável de que ele não estava em aliança com os poderes das trevas (v. 14-16).

Jesus respondeu que, se Satanás era a fonte do seu poder, então o reino de Satanás deveria estar tão dividido que estava destinado a entrar em colapso (v. 17,18). Levando a batalha para o campo inimigo, ele ressaltou que os filhos (“discípulos”, nr. da NVI) dos seus ouvintes também expulsavam demônios; eles também o faziam pelos poderes das trevas (v. 19)? Não — o poder dele era o dedo de Deus (v. 20), uma expressão usada em Êx 8.19 (Mt 12.28 traz “Espírito de Deus”).

Seguem-se, então, duas breves parábolas, a do homem forte que é saqueado (v. 21,22) e a do espírito imundo que retorna à casa vazia (v. 24-26); e, entre elas, a afirmação de que nessa guerra ninguém pode permanecer neutro: Aquele que não está comigo é contra mim, e aquele que comigo não ajunta, espalha (v. 23).

v. 27, 28. Feliz é a mulher que te deu à luz. Ocorre somente em Lucas, que na tradição dos evangelhos era o que estava interessado no lugar das mulheres. Embora censurada por bajulação em palavras que lembram 8.21 e 10.20, essa mulher está no registro de Lucas lado a lado com as mulheres de 8.1-3 e 23.27.

v. 29-32. cf. Mt 12.38-42. Duas referências do AT, o “sinal de Jonas” e a viagem da rainha de Sabá, são citadas como evidência da seriedade com que até os gentios haviam encarado o juízo vindouro.

v. 33-36. V. tb. comentário de Mc 4.21ss; Mt 5.15; 10.26. Marcos e Mateus colocam esse dito em outros contextos. Aqui a cegueira espiritual dos ouvintes conduz naturalmente ao tópico da luz (v. 33).

v. 37-44. Somente Lucas nos conta que Jesus aceitou o convite de um fariseu para uma refeição (provavelmente, o almoço) e, aparentemente de forma propositada, negou-se a usar a água que era oferecida a cada visitante para lavar as mãos antes da refeição. Que em circunstâncias apropriadas Jesus se adaptou em tais questões, fica evidente com base em 7.44 e Jo 13.4-10; mas aqui ele tem outra lição a ensinar. A lavagem das mãos, que era um alívio bem-vindo quando oferecida como cortesia, tornava-se um fardo quando imposta como obrigação inescapável. De todo modo, a sua abstenção causou uma perplexidade tal que lhe deu a oportunidade de contrastar o cuidado que os fariseus tinham com o exterior do copo e do prato com a falta de cuidado com o que se colocava neles (v. 39ss). Aí ele pronunciou os seus três “Ais” contra os fariseus (v. comentário de Mt 23.23-28). Eles são gananciosos — cheios de ganância e de maldade (v. 39); eles são insinceros — meticulosos em pequenas coisas e, ao mesmo tempo, negligentes em obrigações mais importantes (v. 42); eles são arrogantes — vocês [...] amam os lugares de honra nas sinagogas e as saudações em público (v. 43). Aliás, eles não são reconhecidos por aquilo que são, túmulos de homens mortos sem vida de Deus, mas espalham impurezas entre os homens (Nm 19.16).

v. 45-52. V. tb. comentário de Mt 23.4,2936 ad loc. Enquanto os fariseus se retraíram para lamber suas feridas e preparar mais planos perversos, Um dos peritos na lei, tão pronto para falar como seu colega no capítulo anterior, se queixou: Mestre, quando dizes essas coisas, insultas também a nós. Seguem mais três ”Ais”, dessa vez dirigidos aos juristas (em Mt 23, todos os “Ais” são dirigidos aos “escribas e fariseus”). Eles são censurados porque (a) estabelecem leis para os outros que nem eles conseguem cumprir (v. 46); visto que os únicos profetas que eles honram são profetas mortos, devem dividir a responsabilidade pela morte deles (v. 47-51) e (b) porque, sendo ignorantes eles mesmos, impedem de receber o conhecimento aqueles que gostariam de aprender a Lei de Deus (v. 52). v. 51. Zacarias, provavelmente, foi o profeta cuja morte é registrada em 2Cr 24.20-22. Segundo Crônicas é o último livro na Bíblia hebraica, de modo que Abel até [...] Zacarias inclui todos os mártires do AT. v. 53,54. A inimizade deles fica ainda mais intensa em virtude dessas palavras, e então se ajuntam à volta dele com perguntas e mais perguntas, com a esperança de pegá-lo em alguma armadilha por dizer algo que o possa levar a julgamento ou a ser excomungado.