Apocalipse 18 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 18 — Comentário Bíblico Online
Apocalipse 18
Os capítulos 17 e 18 de Apocalipse estão
estreitamente unidos. Ambos se referem à “grande Babilônia” (17.5; 18.2). No
capítulo 17, a Babilônia é retratada como uma prostituta, vestida de maneira
luxuosa, que se prostitui com os reis da terra (17.2). Essa mesma figura
persiste nesse capítulo (18.3). Ao longo do capítulo, a Babilônia é tratada
como “ela”. Seu nome bem pode significar “Madame Perversidade”.
a) A condenação da Babilônia (18.1-8). João
viu outro anjo (1), talvez diferente de qualquer outro mencionado
anteriormente, descer do (ek) céu (gr., descendo do céu), que
tinha grande poder (exousia, autoridade), e a terra foi iluminada
com a sua glória. Esse anjo possuía autoridade para executar a sentença que
tinha pronunciado na Babilônia. E vindo do mundo glorioso, ele espalhava uma
luz celestial radiante.
O anjo clamou fortemente com grande voz' [...]
dizendo: Caiu! Caiu a grande Babilônia (2). Exatamente, a mesma expressão
é encontrada em 14.8 (veja comentário ali), repetindo Isaías 21.9. A cidade se
tornou morada de demônios, e abrigo (prisão) de todo espírito imundo, e
refúgio — “prisão”, a mesma palavra traduzida por abrigo — de toda ave
imunda e aborrecível (detestável).
Uma condenação semelhante foi pronunciada à antiga
Babilônia (Is 13.21-22) e foi literalmente cumprida. A Babilônia no Eufrates
ainda está em ruínas, com animais selvagens e aves como seus habitantes. No
entanto, Roma é uma das grandes capitais mundiais da atualidade. Pelo que tudo
indica, a referência é à queda e desolação do Império Romano em vez de à cidade
Também pode haver uma alusão ao fato de que os templos pagãos de Roma foram
finalmente abandonados pela conquista do cristianismo.
Essa é a visão preterista (veja Int., “Interpretação”).
A interpretação historicista é dada por Barnes: “A ideia é de completa
desolação; e o significado aqui é que a Babilônia espiritual — Roma papal (cap.
14.8) — será reduzida a um estado de completa desolação, assemelhando-se à
desolação da Babilônia real”.”'
Joseph Seiss apresenta uma interpretação futurista.
Ele dedica dois longos discursos (pp. 107-58) buscando provar que a Babilônia
de Apocalipse 17-18 é uma Babilônia literal que será reconstruída no antigo
lugar às margens do rio Eufrates. Ele então apresenta dois discursos para
descrever a queda dessa Babilônia restaurada na Mesopotâmia.'
William Newell é um intérprete popular da visão futurista.
Sua obra, The Book of Revelation (O livro de Apocalipse), foi
publicada inicialmente em 1935 e estava na sua sexta edição em 1946. Sob o
título: “O Que é a Babilônia”, ele escreve: 1) “A Babilônia é uma cidade
literal junto ao rio Eufrates [...] antagônica ao povo de Deus, Israel”; 2)
“Em seguida, a Babilônia é o mesmo sistema em outra cidade — Roma, e opondo
o mesmo sistema idólatra aos santos de Deus da era da Igreja”; (3) “A forma
final da Babilônia é a cidade literal no Eufrates, reconstruída como a
capital dos últimos dias do Anticristo, opondo-se a Israel como o povo
terreno de Deus, que será novamente reunido na sua terra (com a Igreja, é
claro, tendo sido arrebatada)”.'
Há duas, ou possivelmente três, interpretações
razoáveis da Babilônia no livro de Apocalipse. Para os primeiros
leitores de João, o termo significava inquestionavelmente a cidade de Roma. Não
parece haver dúvidas de que os preteristas estão certos nesse aspecto.
Os historicistas também podem estar certos em aplicar o termo ao papado,
que ao longo do período da Igreja tem exigido uma sujeição mundial à sua
autoridade.
E o que dizer acerca da visão futurista? Para
nós a ideia de a Babilônia no Eufrates ser literalmente reconstruída no fim
dessa era e se tornar o centro mundial do comércio parece forçada. De um ponto
de vista meramente físico é quase inimaginável para uma cidade do interior
ocupar uma posição como essa nos dias de hoje, embora admitidamente isso
tivesse ocorrido com Roma nos tempos antigos.
Um ponto de vista mais razoável coloca a Babilônia
como que representando uma confederação de poderes mundiais debaixo de um
ditador no fim desta era. A forma dessa confederação ou aliança é um segredo
conhecido somente por Deus. Especular a esse respeito é inútil.
As primeiras duas partes do versículo 3 são um eco de
14.8 e 17.2. Acrescenta-se aqui que os mercadores da terra se enriqueceram
com a abundância de suas delícias. Uma boa parte desse capítulo busca
descrever o imenso comércio com Roma realizado pelos mercadores daqueles dias.
A palavra grega para “mercador” é emporos. Ela inicialmente significava “um
passageiro a bordo de um navio, alguém numa viagem”, e, mais tarde, “mercador”.174A
parte de Mateus 13.45, ela é usada somente nesse capítulo. “Empório”, um lugar
de comércio, vem de emporion (somente em Jo 2.16). Abundância é
literalmente “poder” (dynamis). Delícias é uma palavra forte no
grego (somente aqui no NT), significando “luxúria insolente”. A última parte
desse versículo pode ser traduzida da seguinte maneira: “por meio da força da
sua luxúria atrevida” (cf. Phillips — “da extravagância da sua dissipação”). Há
evidências de sobra a respeito do viver licencioso e luxuoso dos romanos prósperos
no primeiro século.
Uma outra voz do céu (4) ordenou: Sai dela,
povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados e para que não
incorras nas suas pragas. Há um eco aqui de advertências semelhantes nos
profetas (cf. Is 48.20; Jr 50.8; 51.6). Há um sentido em que cada cristão é
chamado da Babilônia (o espírito desse mundo) para seguir a Cristo. Na
verdade, a palavra grega para “igreja”, ecclesia, significa uma assembleia
de chamados para fora.
Esse versículo fala sobre o “Chamado para Sair”: 1)
Quem deve sair — povo meu; 2) Como devemos sair — não sejas
participante dos seus pecados; 3) Por que devemos sair — para que não
incorras nas suas pragas (castigo).
Os pecados da Babilônia se acumularam até
ao céu, e Deus se lembrou das iniquidades dela (5). O verbo alcançou
literalmente significa “grudou”. A figura é de pecados acumulados até que
fossem empilhados e alcançassem o céu. Acerca da palavra lembrou veja
16.19.
Os anjos do julgamento recebem a seguinte ordem: Tornai-lhe
a dar como ela vos tem dado (6). Há uma justiça básica no universo, fluindo
do caráter santo de Deus, que exige que a justiça seja administrada a todos. Retribui-lhe
em dobro é um princípio escrito na lei de Moisés (Êx 22.4, 7, 9). Seu
propósito era de agir como um meio de intimidação para o crime. Se um homem
soubesse que só precisaria devolver o que tinha roubado, ele poderia arriscar;
não havia nada a perder. Mas, se soubesse que teria de devolver o dobro, ele
pensaria duas vezes. O termo dobro também é encontrado em Isaías 40.2 e
Jeremias 16.18.
Em delícias esteve (7, “viveu em luxúria”) é um verbo (somente aqui e no v. 9) derivado do
substantivo “delícias” ou “iguarias” (v. 3). Essa frase é mais bem traduzida
por “viveu luxuosamente” ou “viveu sensualmente” (NASB). A primeira parte desse
versículo pode ser traduzida assim: “Quanto mais ela se entregou ao orgulho e
luxúria, tanto mais você deve dar a ela tortura e aflição” (Goodspeed). Esse
princípio encontra uma aplicação vívida na história do homem rico e Lázaro (Lc 16.19-31).
A destruição da Babilônia virá subitamente: num
dia (8). Ela incluirá a morte, e o pranto, e a fome; e será queimada no
fogo.
b) O lamento da terra (18.9-19). Essa passagem
apresenta muitas semelhanças com o pranto de Ezequiel sobre Tiro (Ez 27), uma
cidade que era famosa pela sua marinha mercantil. Aqui é a Babilônia (Roma) que
é o centro do mundo comercial.
Esta seção consiste em três hinos fúnebres entoados
sobre a cidade destruída: 1) os reis (vv. 9-10); 2) os mercadores (vv. 11-16);
3) os proprietários de navios (vv. 17-19).
1) Os reis (18.9,10). Lemos que esses reis
da terra [...] chorarão e sobre ela prantearão, quando virem a fumaça do seu
incêndio (9). A segunda parte do versículo 9 recebeu a seguinte tradução: “que
se depravaram e se perderam com ela” (Phillips). A palavra grega para chorarão
sugere qualquer “expressão em voz alta de dor e tristeza, especialmente
pelos mortos”.' Prantearão é literalmente “bater no peito de tristeza”.
A palavra para fumaça é usada somente em Apocalipse (dez vezes), exceto
em uma citação em Atos 2.19. Ela se encaixa bem nessas cenas dos julgamentos
apocalípticos.
Como medo de serem apanhados no tormento da cidade,
os reis ficarão de longe (10). Eles clamarão: Ai! Ai daquela grande
Babilônia, aquela forte cidade! Pois numa hora veio o seu juízo. A palavra
grega para julgamento é crisis. Essa era a hora da Babilônia, e
ela significava desastre. Literalmente, crisis significa separação,
seleção e, dessa forma, uma decisão.
2) Os mercadores (18.11-16). A reação dos mercadores
é parecida. Eles choram (11) — mesmo verbo que “chorarão” (v. 9;
veja comentário ali) — e lamentam. Mas o motivo é egoísta: porque
ninguém mais compra as suas mercadorias. Roma era o mercado principal de
produtos daquela época. Seu povo vivia de maneira luxuosa e exigia a melhor
comida e roupa da Ásia e da África.
Uma longa lista de mercadorias (12) é
apresentada. Ela consistia de metais e pedras preciosas, tecidos caros,
madeira de lei, cosméticos de grande valor e uma variedade de animais
domésticos.
A seda é mencionada somente aqui no Novo
Testamento. Os conquistadores macedônios a tinham trazido do Oriente. Josefo
diz que em um desfile triunfal de Tito em Roma, ele e Vespasiano estavam
vestidos em mantos de seda e sentavam em cadeiras de marfim!' A madeira
odorífera era importada do norte da África e muito valorizada pelas suas
nervuras e variedade de cores. Pessoas ricas tinham uma mesa de jantar feita
dessa madeira, com pernas de marfim. Um autor romano disse que os ricos voluptuosos
não podiam desfrutar do seu jantar a não ser que sua mesa estivesse apoiada
sobre um leopardo esculpido em mármore.
Acredita-se que o cinamomo (13) veio do sul da
China. Ele era um cosmético caro usado em banquetes formais. A flor de
farinha era importada para ser usada pelos ricos. O trigo vinha em
grande parte de Alexandria, Egito (veja comentários em Atos 27.6, CBB, vol.
VII).
Corpos (somaton) na Septuaginta
quer dizer escravos. Deissmann diz: “Os tradutores gregos do AT encontraram o
uso dessa palavra no Egito: os papiros do período dos ptolomeus apresentou um
grande número de exemplos”.177 É um comentário terrível acerca da
falta de respeito pela personalidade humana chamar os escravos de “corpos”. Almas
significa pessoas, como em Ezequiel 27.13 (“persons of men” na KJV —
“pessoas de homens”; nas versões em português essa palavra é traduzida por “escravos”),
em que ocorre a mesma frase grega (LXX). O mercado de escravos era o pior tipo
de comércio daquela época. Uma grande porcentagem da população do Império
Romano era composta de escravos. Acredita-se que no primeiro século havia três
vezes mais escravos do que homens livres. Isso significaria que em meados
daquele século deveria ter mais de vinte milhões de escravos na Itália.' Essa
foi uma das causas do declínio e queda do Império Romano.
Uma tradução literal do versículo 14 seria: “Foram-se
as frutas maduras do desejo da tua alma. Todas as coisas ricas e esplendorosas
se desvaneceram de ti”. A palavra para fruto significa frutas do outono,
prontas para ser colhidas. Gostosas provavelmente se refere à comida, excelentes
a roupas vistosas e móveis caros. Tudo isso não seria mais desfrutado. O
tempo dos Césares se foi para sempre.
Os mercadores estão chorando e lamentando (15) — os mesmos dois verbos do
versículo 11. Esses mercadores ficaram ricos em Roma, mas agora o seu comércio
lucrativo havia acabado. Eles clamam Ai! (16) pela cidade que chegou a
exibir mais luxo do que qualquer outra metrópole, o que se evidencia pelas suas
roupas caras e jóias. Porque numa hora (cf. v. 10) foram assoladas
tantas riquezas (16).'79
3) Os proprietários de navios (18.17-19). E
todo piloto, e todo o que navega em naus — lit.: “e todo aquele que veleja
para um determinado lugar”, — e todo marinheiro (somente aqui e em At
28.27, 30), e todos os que negociam no mar (lit.: “trabalham no mar”;
isto é, ganham sua vida dessa forma) se puseram de longe (17). Como
aconteceu com os reis (cf. v. 10), evidentemente eles estavam com medo de se
aproximar. Eles clamavam: Que cidade é semelhante a esta grande cidade? (18).
Roma parecia suprema, invencível. Mas ela foi devastada mais de uma vez no
quinto século, quando o império chegou ao fim. Os pilotos tristes chegaram a
ponto de lançar pó sobre a cabeça (19), como símbolo de grande tristeza.
Semelhantemente aos reis (v. 10) e mercadores (v. 17a), eles lamentaram pela
súbita destruição da Babilônia — numa hora.
c) Regozijo no céu (18.20). Em contraste com o choro e lamento dos reis, mercadores e
pilotos na terra, o céu se regozija com a queda da Babilônia. Santos
apóstolos e profetas aparece da seguinte forma no melhor texto grego: “os
santos e os apóstolos e os profetas” — isto é, toda a Igreja. Finalmente, Deus
julgou a vossa causa quanto a ela.
d) A queda da Babilônia (18.21-24). Um forte
anjo (21) levantou o que parecia uma grande mó e lançou-a no mar.
Ao fazê-lo, ele proclamou: Com igual ímpeto (i.e., como uma pedra
que se move pelo ar) será lançada Babilônia, aquela grande cidade, e não
será jamais achada. Swete observa: “A ação simboliza submersão, o
desaparecimento final da Roma imperial pagã”.'“
A sociedade romana tinha se entregado à música, com
muitos tipos de instrumentos tocados para o entretenimento dos ricos enquanto
jantavam e bebiam. Mas tudo isso não se ouvirá mais (22). A metrópole
tinha sido um lugar de muito trabalho, mas agora nenhum artífice de arte
alguma se achará mais em ti. Geralmente, de manhã podiam-se ouvir as
mulheres moer os grãos em cada casa com um pequeno moinho manual. Mas agora o ruído
de mó em ti se não ouvirá mais. Nunca mais a luz da candeia (23)
brilhará nessa metrópole, nem se ouvirá a voz de esposo e de esposa. Toda
vida normal da cidade deixará de existir.
A relação das duas últimas frases desse versículo não
está clara. As duas começam com porque (hoti), que pode
significar tanto “de modo que” ou “porque”. A sugestão de Swete é provavelmente
a melhor: “Nesse caso parece melhor entender o primeiro hoti como que
regendo toda a frase, e o segundo, explicando o primeiro”.' (A sentença deveria
começar com o primeiro porque). O sentido, então, seria o seguinte: “Mercadores
que podiam fazer de Roma o seu mercado, faziam parte da primeira classe,
tornando-se regentes de mercado (vv. 3, 15), enquanto Roma de sua parte obteve
uma influência de âmbito mundial que ela usou para o mal; por meio do seu
tráfego com ela, todas as nações aprenderam a adotar seus falsos padrões de
vida e adoração”.'
A condenação da
Babilônia foi justificada, porque nela se achou o sangue dos profetas, e dos
santos, e de todos os que foram mortos na terra (24). É bem possível que
essa frase deveria estar unida às duas frases do versículo 23, formando uma só
oração. Aqui temos mais uma razão para a queda da Babilônia. Nero tinha
derramado o sangue de muitos cristãos depois do incêndio de Roma (64 d.C.).
Domiciano tinha intensificado essa perseguição. Em certo sentido, Roma era
culpada por todos os mártires cristãos do império (cf. o caso de Jerusalém, Mt
23.35).
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