Números 19 — Análise Bíblica
Análise Bíblica de Números 19
Números 19
Nm 19:1-22 A purificação depois do contato com os
mortos
Os capítulos anteriores de Números descrevem várias
mortes no meio do povo de Israel (cf. Nm 11:33; 14:37; 14:45;
16:33-35,49). Com tantos corpos espalhados pelo arraial, era grande a
probabilidade de alguém tocar um cadáver acidental ou intencionalmente, um
contato considerado uma ameaça grave à santidade da comunidade de Israel.
A impureza resultante desse contato pode ser um dos motivos pelos quais o
povo teve medo de se aproximar da tenda da congregação (17:13). Assim, Deus
proveu um ritual para purificar as pessoas que tivessem sido contaminadas
e permitir que se aproximassem da tenda da congregação sem temer a morte.
O ritual de purificação é descrito em detalhes
(19:1-22) e consiste na imolacão e holocausto de uma novilha vermelha (19:2).
A cor vermelha é extremamente significativa nesse ritual. 0 sangue
vermelho do animal devia ser aspergido e queimado (19:4-5), e,
junto com ele, devia ser queimado estofo carmesim (19:66). É
possível que essa ênfase sobre a cor vermelha tenha o propósito de
enfatizar a importância do sangue na purificação dos indivíduos
cerimonialmente impuros. Outros agentes de purificação, o pau de cedro
e o hissopo, também deviam ser queimados com o sacrifício (19:6a).
E, por ocasião dessa oferta, os sacerdotes e seus assistentes deviam
se purificar (19:7-10).
No final, cinzas da novilha e dos elementos que
haviam sido queimados com ela deviam ser misturadas com água para fazer a água
purificadora (19:13,17,21) que podia, então, ser aspergida por
uma pessoa cerimonialmente pura sobre o indivíduo e os objetos impuros (19:18),
usando um maço de hissopo (cf. tb. Sl 51:7). 0 hissopo era um arbusto semelhante
à manjerona, usado no contexto bíblico para aspergir água ou sangue em
cerimônias de expiação e purificação (cf. tb. Sl 51.7).
Quando seguidos à risca, os procedimentos para obter
a pureza ritual eram eficazes e visavam garantir a segurança e santidade
do povo. 0 povo que adora o Deus santo também deve ser santo (Lv 19:2).
0 autor de Hebreus se refere a essa purificação
cerimonial quando fala da purificação da consciência dos cristãos da
contaminação dos pecados e dos rituais inúteis, mostrando que Deus estabeleceu
um modo melhor de realizá-la: “Portanto, se o sangue de bodes e de touros
e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam,
quanto à purificação da carne, muito mais o sangue de Cristo, que, pelo
Espírito eterno, a si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a
nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo!” (Hb
9:13-14).
A prática de oferecer sacrifícios vem de longa data
(Gn 4:3-4; 8:20). Como chefes de família, todos os patriarcas ofereciam
sacrifícios (gn 12:7-8; 3:14; 15:9; 26:25; 35:3,7), e um tipo de
sacerdócio parece ter se desenvolvido antes da entrega da lei no Sinai (Êx
19:22,24). Em Êxodo 19:6, Israel é descrito como um reino de sacerdotes
(cf. tb. Is 61:6). Isso significa que, teoricamente, todos os membros
dessa nação, tanto homens quanto mulheres, faziam parte desse sacerdócio.
O sacerdócio no Antigo Testamento
Uma vez que não era prático uma nação inteira oficiar
os ritos sacrificiais, os levitas foram escolhidos para representar o povo (Nm
18:21-23), talvez como recompensa por seu zelo em servir ao Senhor (Êx
32:25-29). Quando os israelitas estavam no deserto, os levitas acampavam
ao redor do tabernáculo. Assim, guardavam o santuário e, ao mesmo tempo,
protegiam os outros israelitas da ira de um Deus santo (Nm 1:53; 8:19),
Os sacerdotes eram escolhidos dentre os levitas e
esperava-se que fossem modelos da santidade exigida de todo o povo da aliança,
pois Deus é santo (Êx 19:6; Lv 19:2). As prescrições acerca da vida dos
sacerdotes simbolizavam a santidade e pureza necessárias para servir a
Deus (Lv 21:1-9). Sua consagração incluía um rito de purificação (Êx 29;
Lv 8), suas vestes eram feitas de linho fino (Êx 39:27-29), e eles próprios não
podiam ter nenhum defeito físico (Lv 21:16-23). O sumo
sacerdote estava sujeito a um número ainda maior de restrições, entre
elas a permissão de se casar apenas com uma virgem (Lv 21:10-15).
As vestes e o turbante do sacerdote eram semelhantes
aos trajes de um rei (Êx 39; Is 62:3). Sempre que ele entrava no Santo dos
Santos, levava consigo, simbolicamente, toda a congregação de Israel, pois em
seu peitoral havia pedras inscritas com os nomes de todas as tribos de
Israel.
Além de oferecer sacrifícios, os sacerdotes abençoavam
o povo (Nm 6:22-27) e o convocavam para assembléias (Nm 10:8-10; 31:60).
Também tinham responsabilidades judiciais (Dt 1 7:8-9; 29:5; 20 19:8-11;
Ez 44:24) e financeiras (Ed 8:33-34) e participavam dos preparativos
para batalhas (Dt 20:1-4; Js 6:8; 1 Sm 4:3-4).
Apesar de a lei definir que apenas os levitas deviam
ser sacerdotes, algumas funções sacerdotais também foram exercidas por
membros de outras tribos, como o efraimita em juizes 17:5 ; os filhos de
Davi, da tribo de Judá (2Sm 8:18; NVI); e Ira, da tribo de Manassés
(2Sm 20:26). No entanto, a preferência era por sacerdotes levitas (Jz 1
7:5-1 3).
Desenvolvimento político
Uma mudança importante no sacerdócio ocorreu quando
Salomão colocou Zadoque no lugar de Abiatar como sacerdote em Jerusalém (1 Rs
2:26-27). Essa nomeação marcou o fim de uma linhagem sacerdotal (cf.
predito em 1 Sm 2:30-31) e o início do controle político do sacerdócio.
Outra mudança se deu quando o rei Josias centralizou o culto no templo em
Jerusalém (2Cr 34), tornando desnecessário o serviço dos sacerdotes
levitas de outros santuários fora de Jerusalém.
No período pós-exílico, o sumo sacerdote se tornou
uma figura extremamente poderosa, e homens inescru-pulosos procuraram ocupar
esse cargo. Foi o caso de jason (174 a.C.), nomeado sumo sacerdote depois
de prometer a Antíoco IV que promoveria a cultura helênica.
O sacerdócio judaico dos Evangelhos e do livro de
Atos era aarônico (Lc 1:5). Jesus aceitou sua legitimidade e, depois de curar
leprosos, os enviou aos sacerdotes para que estes confirmassem a cura (Mc
1:44). Apesar dos sacerdotes — especialmente os saduceus (um grupo de
sacerdotes que não aceitavam a doutrina da ressurreição) — terem sido
opositores ferrenhos de Cristo, muitos acabaram se convertendo ao
cristianismo (Atos 6:7).
O sacerdócio de Cristo
Aos poucos, os cristãos se separaram dos rituais
judaicos, como mostram o discurso de Estêvão e a decisão do concilio de
Jerusalém (Atos 7:44-53; 15:28-29). Especialmente depois da destruição do
templo pelos romanos em 70 d.C., os cristãos enfatizaram a tradição
profética do AT em detrimento da tradição sacerdotal (Mt 9:1 3).
A rejeição do sacerdócio judaico pela igreja não
representou um abandono do conceito de sacerdócio. Antes, este foi considerado
consumado na pessoa e ministério de Jesus Cristo. O autor de Hebreus
representa Jesus Cristo como o grande Sumo Sacerdote, pois seu sacerdócio
segue o modelo do sacerdócio de Melquisedeque, uma figura que aparece nas
Escrituras sem nenhum antecedente (Hb 7:11-28). Enquanto todos os
sacerdotes comuns morriam, Jesus é imortal, e seu sacerdócio
foi estabelecido de uma vez por todas. Ao contrário dos sacerdotes
aarônicos, Jesus não tem pecado (Hb 4:15). Os sacrifícios dos sacerdotes
do AT precisavam ser repetidos, pois não eram verdadeiramente eficazes.
Por meio do sacrifício único de si mesmo, Jesus cobriu os pecados de seu
povo para sempre (Hb 10:1 -18).
A nova aliança
Além disso, Jesus deu início a uma nova aliança (Hb
8:1-13). Sob a antiga aliança, os
sacerdotes tratavam da contaminação externa oferecendo animais como
sacrifícios que não podiam remover o pecado. Sob a nova
aliança, Jesus é o sacrifício sem defeito que elimina a barreira entre
Deus e seu povo. O sumo sacerdote aarônico ministrava num santuário
terreno, onde era preciso transpor um véu para ter acesso à presença
divina. Sob a nova aliança, Jesus exerce seu sacerdócio no santuário
celestial, onde não há separação entre Deus e os adoradores (Hb
9:1-28; cf. tb. Mt 27:51). Assim, o autor de Hebreus conclui que o sacerdócio de Jesus substituiu o
sacerdócio aarônico.
Todos os outros escritores do NT também usam termos
associados aos sacrifícios para descrever a obra de Jesus, e sua missão é
retratada como o pagamento de um resgate (Mc 10:45). As palavras usadas na instituição
da ceia do Senhor são de cunho sacrificial (Mac 14:22-25). Jesus
é descrito repetidamente como Cordeiro de Deus (Jo 1:29; 1Co 5:7; 1
Pe 1:19) cujo sangue nos purifica do pecado (Rm 8:3; 1 Jo 1:7; 2:2; 4:10;
1 Pe 2:24; 3:18; Ap 1:5; 7:14). Cristo se santificou como um sacerdote era
santificado (Jo 17:19) e intercede por nós como sacerdote (1 Jo 2:1).
O sacerdócio de todos os cristãos
Cristo é nosso Sumo Sacerdote e, no batismo, o
indivíduo se torna parte de Cristo e do seu corpo, a comunidade cristã.
Nesse corpo, todos os membros são considerados sacerdotes (Ap 1:6; 5:10;
20:6; cp. Êx 19:6) que representam Deus para o mundo (1 Pe 2:9). Não há divisão
ou casta sacerdotal; antes, cada membro tem responsabilidades individuais
e coletivas de servir a Deus e aos outros.
De modo semelhante aos sacerdotes do AT, os cristãos
oferecem sacrifícios individualmente e em comunidade.
A Bíblia diz que o ato espiritual de culto dos
cristãos consiste em oferecer seu corpo “como sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus” (Rm 12:1). Assim, não há distinção entre a adoração e a vida
cristã. Aliás, o corpo dos cristãos faz parte do próprio Cristo e é templo
do Espírito Santo (ICo 6:15,19). Se a vida cristã é um tipo de
sacrifício, segue-se que os atos de caridade realizados pelo
cristão também são sacrifícios (Hb 13:16), e as ofertas materiais são
“como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus” (Fp 4:1 8).
Outros sacrifícios oferecidos pelos cristãos são o
louvor, a confissão do nome de Deus (Hb 13:15) e as orações (Ap 8:3-4) e podem
ser realizados individualmente ou em comunidade. No entanto, a fim de celebrar
a ceia do Senhor, é preciso haver uma comunidade que ofereça a Deus com
gratidão os frutos do seu trabalho, como os israelitas faziam (Dt 26:1-10).
Entre esses “frutos”, estão as pessoas convertidas por intermédio do
ministério evangelístico dos cristãos (Rm 15:16; Cl 1:18; Ap 14:4).
Fica claro que o sacerdócio cristão é de natureza
coletiva e inclui homens e mulheres. Os pais da igreja primitiva limitaram o
sacerdócio aos ministros ordenados da igreja. No entanto, a Bíblia mostra que o
sacerdócio é uma responsabilidade a ser exercida por todos os
cristãos individual e coletivamente com outros membros do Corpo de Cristo.
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