Números 5 — Análise Bíblica
Análise Bíblica de Números 5
Números 5
Nm 5:1—10:10 A preservação da pureza do povo
Até aqui, as instruções de Deus quanto aos
preparativos para a jornada foram recebidas pelo povo com obediência
e grande expectativa. Agora, os israelitas devem se preparar de outra
maneira, descrita nos capítulos 5 a 10, a saber, purificando-se como
nação. Sua marcha não é apenas uma viagem rumo a um destino final; pelo
contrário, é uma jornada na qual um povo resgatado dedica seu modo de
viver a Deus em adoração, louvor e ações de graças por tudo que ele é
e tudo que ele fez.
Em Êxodo 19:6, Deus disse ao povo: “Vós me sereis
reino de sacerdotes e nação santa”, e o conceito de santidade é fundamental
dentro da narrativa de Êxodo 25 a Números 10:10. As prescrições dadas depois
dessa declaração de Deus são expressões diferentes de uma única
verdade teológica: a santidade do arraial depende inteiramente
do compromisso dos indivíduos em mantê-la.
Nm 5:1—6:21 A preservação da santidade do arraial
Essa seção trata das leis cujo propósito era garantir
que o povo obtivesse e preservasse a santidade do arraial.
5:1-4 Doenças infecciosas. Antes do início da marcha
rumo à terra prometida, algumas pessoas precisavam ser removidas do arraial,
incluindo os indivíduos com doenças infecciosas de pele (não apenas lepra,
como se costuma imaginar) ou fluxos corporais de qualquer tipo, e todos
que se encontrassem cerimonialmente impuros em virtude do contato com
um cadáver (5:1-2). Essa regra beneficiaria a comunidade, evitando
a propagação de infecções. No entanto, não se trata apenas de uma preocupação
com a higiene. No AT, as enfermidades e o sofrimento são
estreitamente associados ao pecado, e a pureza implica bem-estar
moral, físico e mental. Consequentemente, o povo considerava que até
mesmo os problemas físicos possuíam uma dimensão espiritual e causavam
impureza ou contaminação. Assim, Deus ordena que os indivíduos acometidos
desses males sejam enviados para fora do arraial [...] no meio
do qual eu habito (5:3). Cabia ao sacerdote determinar se certa
lesão era impura e se uma pessoa devia ser readmitida no
arraial depois de passar pelos rituais necessários e ser
declarada limpa (cf. Lv 13; 14; 15).
A tribo iraqw, do norte da Tanzânia, observa regras
semelhantes quanto a qualquer pessoa ou objeto que pode contaminar a comunidade.
Antes da era cristã, os membros dessa tribo não permitiam que nenhuma
pessoa com suspeita de doença contagiosa permanecesse na
comunidade, readmitindo-a apenas depois de certos rituais de purificação e
tratamentos curativos. Indivíduos que perdiam um membro da família também
eram considerados impuros até que tivessem passado por um período de
reclusão durante o qual se observavam determinados rituais. Essas
práticas não eram egoístas; antes, visavam apenas proteger a comunidade.
Assim, embora a separação certamente fosse difícil, os excluídos da
comunidade não eram esquecidos: criavam-se meios de atender às
necessidades deles sem contaminar a comunidade.
Mais uma vez, os israelitas fizeram conforme Deus
lhes ordenou (5:4). A obediência continua sendo um tema predominante
nessa parte do livro.
5:5-10 Restituição por ofensas. Aqueles que ofenderam
alguém e, portanto, pecaram contra Deus, devem fazer reparação pelo dano
causado e acrescentar uma compensação de 20% (5:5-7; Lv 6:5). Essa
legislação desenvolve a prescrição de Levítico 5:16, especificando que, se a
parte prejudicada tivesse falecido e não possuísse parentes, a
restituição devia ser entregue ao sacerdote (5:8). A ampliação das
leis deixa claro que elas devem ser adaptadas de acordo com novas gerações
e novos contextos, pois as leis foram criadas para o bem dos seres
humanos, e não o inverso.
Nas comunidades africanas, pressupõe-se que a
reparação deve ir além das palavras de contrição e remorso; é preciso haver
algum tipo de ação, algum pagamento ou restituição à parte prejudicada. Também
fica claro que esse princípio é válido mesmo quando o ofensor ou o
ofendido faleceu. No meio do povo iraqw da Tanzânia, espera-se que os
parentes, especialmente a família imediata de um ofensor, façam a restituição
necessária caso o ofensor venha a falecer antes de poder reparar seu erro.
Se a parte ofendida também tiver falecido, a restituição deve ser entregue
a seus parentes. O povo massai também faz questão de reparação de ofensas.
De acordo com um dos seus costumes, um “cabrito da reconciliação” é
abatido e compartilhado numa refeição da qual participam as duas partes
como preparativo para o dia da reconciliação. Nesse dia, realiza-se uma
cerimônia na qual o mediador pronuncia palavras semelhantes às de 2Coríntios
5:17: “As coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”.
Como os judeus e muitos africanos, o povo massai
acredita que a vida de todo indivíduo é fundamentada exclusivamente na
comunidade. Para o povo massai, uma pessoa não pode existir sem a comunidade, e
aqueles que se separam dela definham e morrem como o ramo que é cortado da
árvore. Assim, a reconciliação é essencial, pois permite aos indivíduos da
comunidade manter seu relacionamento com Deus e uns com os outros. Quem não
se reconcilia com seu próximo não pode adorar Enkai (Deus).
5:11-31 Suspeita de adultério. Os preparativos para a marcha santa envolvem a
abordagem de todas as questões que poderíam contaminar o arraial. Tais questões
vão além da pureza física e abrangem a pureza moral no contexto familiar.
Por isso, essa seção trata da infidelidade conjugal. Qualquer suspeita de
adultério deve, de algum modo, ser trazida a lume para se fazer justiça à
parte ofendida. Logo, se uma mulher é suspeita de infidelidade, seu marido
deve levá-la ao sacerdote e apresentar uma oferta de manjares
de ciúmes (5:11-15). 0 sacerdote fará a mulher beber
água amarga que a amaldiçoará caso ela tenha sido infiel.
Do contrário, não será afetada pela maldição (5:16-31).
Essa lei reflete o padrão desigual segundo o qual
apenas as mulheres eram sujeitadas a essa prova; os homens não eram
testados para averiguar sua fidelidade. Essa atitude é semelhante à de muitas
sociedades patriarcais nas quais prevalece a ideia de que somente as
mulheres são propensas à promiscuidade sexual. O mesmo padrão
pode ser observado em outras partes do sistema social e legal
do antigo Israel. No decálogo, a mulher é considerada parte das
propriedades do homem, não devendo ser cobiçada por outra pessoa (Êx 20:17;
cf. tb. Dt5:21).
No entanto, é
importante notar que a prova prescrita nessa passagem é relativamente branda
comparada aos ordálios impostos por outras culturas da época, muito
mais propensas a veredictos de culpa. Nesse caso, a mulher
só precisava beber uma mistura de pó e água e, se fosse inocente, não
sofreria nenhum efeito colateral. O marido ciumento seria tranquilizado,
tornando a convivência no lar mais pacífica.Mais: Números 1 Números 2 Números 3 Números 4 Números 5 Números 6 Números 7 Números 8 Números 9 Números 10 Números 11 Números 12 Números 13 Números 14 Números 15 Números 16 Números 17 Números 18 Números 19 Números 20 Números 21 Números 22 Números 23 Números 24 Números 25 Números 26 Números 27 Números 28 Números 29 Números 30 Números 31 Números 32 Números 33 Números 34 Números 35 Números 36