Números 31 — Análise Bíblica
Análise Bíblica de Números 31
Números 31
31:1-54 A guerra contra os midianitas
Nm 31 trata da batalha travada em nome do Senhor. O AT contém outros relatos de campanhas desse tipo (Êx 7:4; 12:41; Jz 5:13; 20:2; ISm 18:17; 25:28), guerras nas quais o Senhor lutou por seu povo, ou nas quais Israel lutou em nome do Senhor e com sua ajuda.
Nesse capítulo, a guerra é contra os midianitas, parentes distantes dos israelitas, pois também eram descendentes da união de Abraão com sua esposa Quetura (Gn 25:2). Alguns midianitas, como Jetro, o sogro de Moisés, se estabeleceram ao sul de Canaã. Ao que parece, ele e, provavelmente, outros em seu grupo adoravam o Deus de Israel. No entanto, há indicações de que os midianitas que habitavam a leste de Canaã possuíam um forte vínculo com os moabitas e haviam se tomado idólatras.
Vários anos depois, essa derrota dos midianitas foi usada para encorajar os israelitas, garantindo-lhes que a Assíria seria castigada da mesma forma que Midiã havia sido (Is 10:26).
31:1-18 A campanha
Antes de morrer (este é o significado da expressão serás recolhido ao teu povo), Moisés devia realizar uma última tarefa. O Senhor lhe ordenou: Saiam contra os midianitas, para fazerem a vingança do Senhor contra eles (31:1-2). O texto não esclarece o motivo dessa vingança, mas as palavras de Moisés em 31:15-16 sugerem fortemente que os moabitas e midianitas estavam sendo castigados por haverem se unido para levar o povo de Deus a pecar. Os moabitas haviam convidado os israelitas a adorar um deus moabita, Baal-Peor (25:2-3), e incentivado o povo de Israel a visitar prostitutas cultuais. Deus enviou uma praga para castigar os israelitas por adultério e idolatria (25:9), mas também castigou aqueles que levaram Israel a pecar. Os israelitas estavam realizando uma marcha santa e deviam se livrar de tudo que pudesse macular sua santidade.
Apesar de Números registrar apenas o castigo dos midianitas, os moabitas também foram castigados por este e outros pecados (cf. Dt 23:3-6; Jz 3:29-30; 2Sm 8:2; lCr 18:2). Vários séculos depois, Esdras se oporia de forma semelhante ao casamento com mulheres estrangeiras, incluindo as moabitas (Ed 9:1).
Mil homens de cada tribo de Israel foram enviados para lutar contra os midianitas (31:3-5). Cada tribo se encontrava representada pelo mesmo número de soldados para mostrar que todos os israelitas estavam lutando em nome do Senhor. Esse exército de doze mil homens era bem menor do que o de outras campanhas e, provavelmente, uma força pequena em comparação com o exército midianita. Mas a guerra estava sendo travada por Deus, para o qual “nenhum impedimento há de livrar com muitos ou com poucos” (ISm 14:6).
0 exército de Israel foi comandado por Fineias (31:6), um líder apropriado, pois foi ele quem executou uma mulher midianita e um homem israelita em Números 25:6-8 e, assim, deteve a praga enviada por Deus. Como sacerdote, Fineias podia levar consigo utensílios sagrados, a saber, as trombetas para o togue de rebate. A presença de um sacerdote e de objetos sagrados também representava a presença de Deus nessa guerra.
As ordens do Senhor foram seguidas à risca. Os israelitas pelejaram contra os midianitas [...] e mataram todo homem feito (31:7-8). Essa declaração provavelmente significa que mataram todos os homens do grupo que atacaram, e não todos os homens midianitas. No tempo de Gideão, os midianitas ainda eram um povo poderoso e um inimigo terrível que Deus usou para castigar Israel por sua apostasia (Jz 6:1-6).
Dentre os mortos, também estavam os reis dos midianitas (31:8a). Ao que parece, esses reis eram os “anciãos dos midianitas” mencionados em 22:4. Seus nomes também são mencionados em Josué 13:21, em que são descritos como “príncipes de Seom” e colocados no mesmo grupo de reis vizinhos que foram derrotados, como os reis dos amorreus. 0 rei conhecido como Zur talvez fosse o mesmo cuja filha, Cozbi, foi morta com Zinri, o israelita, em 25:15.
Balaão também foi morto (31:86). 0 texto não explica a presença do adivinhador no acampamento midianita, nem o motivo de ele ter sofrido a mesma sorte dos inimigos de Israel. É possível que tenha sido contratado pelos midianitas antes desse conflito, assim como havia sido pelos moabi-tas (22:4-6). Sua incapacidade de amaldiçoar os israelitas naquela ocasião lhe deveria ter mostrado claramente que os israelitas desfrutavam as bênçãos de Deus, servindo de advertência para ele não se envolver novamente com os inimigos de Israel. Mas, ao que parece, Balaão não aprendeu a lição. Sua presença no acampamento dos midianitas o levou a ser castigado por Deus junto com os inimigos do Senhor.
As mulheres e crianças midianitas foram levadas cativas, supostamente por não serem consideradas capazes de lutar contra os israelitas e pelo fato de alguns dos israelitas desejarem tomar as mulheres como esposas ou concubinas. Não é raro grupos militares de hoje fazerem o mesmo com as mulheres que capturam. Os rebanhos e bens dos midianitas foram tomados como espólio (31:9-11). Ao voltar para o arraial, os guerreiros mostram tudo que haviam capturado. Deviam estar orgulhosos de sua vitória e esperavam receber a admiração de Moisés e de todo o povo (31:12), mas sua expectativa foi frustrada.
Moisés, o sacerdote Eleazar (pai de Fineias) e outros líderes saíram ao encontro do exército que estava regressando, provavelmente com a intenção de parabenizar os soldados (31:13). Mas, ao ver o que estavam trazendo consigo, indignou-se Moisés contra os oficiais do exército (31:14). Os comandantes haviam poupado as mulheres midianitas que contribuíram para o adultério, a apostasia e a praga em Peor (31:15-16; cf. cap. 25). Moisés os repreendeu energicamente por terem deixado as mulheres com vida, pois havia ordenado que todos fossem mortos. Agora, ele dá ordem aos soldados: Matai dentre as crianças todas as do sexo masculino; e matai toda mulher que coabitou com algum homem, deitando-se com ele (31:17). Somente as meninas e as jovens que ainda eram virgens foram poupadas, pois poderíam se casar e ser integradas à comunidade sem causar maiores problemas (31:18).
É difícil entender como um Deus misericordioso e amoroso pôde ordenar o extermínio de mulheres e meninos midianitas. Sabemos que a origem e a causa das guerras é o pecado humano e que toda guerra é maligna. Também sabemos que é impossível o mundo alcançar e manter a paz por meio de guerras. Mas houve momentos em que Deus escolheu castigar os perversos por meio de conflitos armados chamados de guerras santas no AT. Ao procurar entender essas guerras do AT e interpretar seu significado para nós hoje, é necessário considerar alguns pontos:
• Somente Deus pode iniciar uma guerra santa, e seu único objetivo é derrotar aqueles que pretendem frustrar seus propósitos. Sempre que os israelitas saíam para a batalha por sua própria iniciativa, eram derrotados e castigados por Deus. Não podemos usar esses exemplos do AT para justificar guerras nos dias de hoje.
• O Senhor é, ao mesmo tempo, um Deus de salvação e julgamento; nenhum desses atos deve ser considerado isoladamente. Por exemplo, quando o Egito foi julgado, Israel foi salvo. A ideia de guerra santa ilustra esse fato acerca de Deus.
• Deus é o Santo, e a santidade era fundamental para a existência da comunidade que ele havia estabelecido. Esse ponto é enfatizado nas leis acerca da santidade e pureza no livro de Levítico e em Êxodo 25 a 40 e Números 1 a 10. Uma vez que Deus é santo, tudo que se opõe ou contamina essa santidade deve ser destruído. A ordem para matar mulheres e meninos revela como Deus leva o pecado a sério, especialmente quanto a se desviar e adorar outros deuses. Aqueles que resistem ao plano de Deus e procuram frustrar a vontade e os propósitos divinos trazem julgamento sobre si.
Apesar de ser difícil para os cristãos entender o conceito de guerra santa, não podemos simplesmente descartar esses acontecimentos como se fossem um erro das Escrituras. Sabemos, porém, à luz do NT, que não devemos travar esse tipo de guerra hoje em dia. Somos instruídos a amar nossos inimigos conforme o exemplo de Cristo, que não revidou, mas amou seus inimigos a ponto de se dispor a morrer por eles. Acima de tudo, devemos lembrar que Deus não é apenas um Deus de justiça e santidade, mas também um Deus de amor.
31:19-54 A purificação dos guerreiros e espólios Apesar de Deus ter ordenado a destruição dos midianitas, o ato de matar não era considerado santo. Assim, soldados e cativos midianitas que haviam tido contato com um cadáver deviam ser purificados antes de poder entrar no arraial. Todas as roupas e equipamentos usados na guerra também deviam ser purificados com fogo ou água segundo a prescrição do sacerdote Eleazar (Nm 31:19-24; 19:1-22).
O ritual de purificação incluía o isolamento fora do arraial santo durante sete dias, uma prescrição observada por Miriã ao ser acometida por lepra (12:14). 0 número sete é bastante significativo na tradição bíblica, simbolizando a perfeição ou conclusão de algo. 0 sétimo dia foi santificado por Deus e separado para a adoração. 0 ritual de purificação devia ser realizado no terceiro dia e repetido no sétimo dia.
Depois do ritual, realizou-se a divisão dos espólios, também sob a orientação de Deus (31:25). No AT, todos os âmbitos da vida eram consagrados a Deus, mesmo as áreas que poderiamos considerar desprezíveis ou materiais demais para serem do interesse dele. Não há distinção entre o sagrado e o secular.
A distribuição dos espólios de guerra foi realizada por Moisés, Eleazar e os líderes da comunidade, sob a orientação de Deus (31:26-27). Uma vez que o exército havia combatido em nome de toda a congregação de Israel, os espólios da vitória deviam ser divididos entre todos, mas os soldados que lutaram deviam receber uma porção maior. Assim, metade das meninas e do gado foi separada para os doze mil homens que haviam participado da batalha, enquanto a outra metade foi entregue ao restante da comunidade (31:27). É provável que Moisés tenha dado a cada tribo a parte que lhe cabia e, então, deixado ao encargo de cada líder tribal a partilha entre as famílias. Esse método de divisão reduzia consideravelmente a possibilidade de descontentamento acerca da distribuição dos espólios.
Tanto os soldados quanto a congregação de Israel entregaram parte dos espólios a Deus como forma de agradecer Àquele que os havia capacitado para conquistar a vitória. O tributo correspondente aos espólios dos soldados foi entregue aos sacerdotes (31:28-29,36-41). Os membros da comunidade que não participaram do combate tiveram de pagar um tributo mais elevado, que foi entregue aos levitas (31:30,42-47). Embora os sacerdotes e levitas não tenham lutado, não lhes cabendo nenhuma parte na herança, eles também tinham direito a uma parte.
Ao que parece, o princípio de divisão dos espólios de guerra foi observado em outras ocasiões da história de Israel (Js 22:8; ISm 30:24-25; SI 68:12). No NT, os primeiros cristãos compartilhavam todas as suas posses visando o cem comum (At 2:44-45). O compartilhamento é uma virtude bíblica que todos os cristãos devem praticar a fim de promover o bem comum. Conquanto as igrejas cristãs estejam mseridas em um mundo caracterizado pelo individualismo e o egoísmo, os cristãos não se esqueceram desse dever.
Algumas das maiores organizações assistenciais do mundo são dirigidas por igrejas ou instituições relacionadas a igrejas e, por meio de sua atuação, permitem aos cristãos compartilhar com outros as dádivas que receberam de Deus.
O princípio de repartir espólios com indivíduos que não participaram do combate também é importante. Precisamos lembrar que os servos do Senhor não são apenas aqueles que estão à frente da obra, mas também os que permanecem em seus lares, orando e apoiando a obra de outras maneiras.
O texto indica que apenas os cativos e o gado foram divididos, enquanto o ouro, as joias e outros bens foram entregues aos guerreiros (31:53). No entanto, eles não ficaram com esse despojo. Os capitães de mil e os capitães de cem entregaram o ouro a Moisés como sinal de gratidão a Deus por nenhum soldado israelita ter morrido na batalha (31:48-51). Ornamentos para o braço, pulseiras, anéis de selar, brincos e colares foram oferecidos para fazer expiação (31:50), ou seja, para cobrir os pecados (31:52). Todos esses bens foram levados à tenda da congregação, como memorial para os filhos de Israel perante o Senhor (31:54). Ainda hoje, Deus se agrada quando os cristãos demonstram sua gratidão por sua bondade e misericórdia.
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