Números 9 — Análise Bíblica

Análise Bíblica de Números 9






Números 9

9:1-14 A celebração da Páscoa
A primeira Páscoa havia sido celebrada na véspera da partida dos hebreus do Egito (Êx 12:25). Agora, Deus lembra Moisés da necessidade de repetir a celebração (9:1-3). A segunda Páscoa foi particularmente significativa, pois foi comemorada depois do episódio do bezerro de ouro (Êx 32—33). Uma vez que a primeira Páscoa havia sido profanada por essa idolatria, a segunda Páscoa representa um novo começo.
A maioria dos israelitas obedeceu à ordem do Senhor para celebrar a Páscoa no deserto (9:4-5), mas alguns não puderam fazê-lo porque se encontravam cerimonialmente impuros. Como as instruções acerca da Páscoa dadas no Egito não tratavam nem dessa nem de outras situações, o povo perguntou a Moisés o que devia fazer.
O problema da impureza cerimonial no dia em que a Páscoa devia ser observada não havia surgido na primeira Páscoa porque, naquela época, Deus ainda não havia estabelecido as leis acerca da questão. Agora, porém, a ordem para que somente os cerimonialmente puros comam da carne das ofertas (cf. Lv 7:18-20) parece entrar em conflito com a ordem para celebrar a Páscoa (9:6-7). Moisés não sabia ao certo como devia lidar com essa situação, de modo que consultou o Senhor (9:8). Em sua resposta, o Senhor também trata de questões relacionadas a viajantes, estrangeiros e indivíduos que se recusassem a guardar a Páscoa. Todos os que se encontrassem cerimonialmente impuros ou estivessem longe de casa na data da Páscoa deviam celebrá-la exatamente um mês depois, quando não houvesse mais nenhum empecilho para sua participação. 0 povo teve tempo de proceder desse modo, pois a Páscoa era celebrada no décimo quarto dia do primeiro mês do ano, e a comunidade partiu do Sinai apenas no vigésimo primeiro dia do segundo mês (10:11). Excetuando os casos especificados, todos deviam seguir as prescrições para a Páscoa (9:10-12).
Durante a primeira celebração da Páscoa no Egito, não tinha havido recusa, pois, assim como os egípcios, os israelitas que se negassem deliberadamente a participar da cerimônia teriam perdido seus primogênitos. Na segunda Páscoa, porém, não havería um castigo divino desse tipo. No entanto, Moisés instrui que tal pessoa seja eliminada do seu povo (9:13). Ser “eliminado” era um castigo severo, correspondente a uma desobediência grave ao Senhor. Talvez significasse ser expulso do arraial e, desse modo, perder a comunhão com o restante do povo e com Deus, ou talvez uma sentença de morte. Sem dúvida, significava que o transgressor perdia o privilégio de entrar na terra prometida. Alguns cristãos interpretam essa expressão como uma referência à excomunhão pela comunidade e por Deus, acarretando a morte eterna. Ser separado de Deus é ser condenado a existir eternamente sem o favor, o amor, a graça e a misericórdia de Deus.
Por fim, Deus dá instruções para o caso de um estrangeiro, um não-israelita, desejar participar da Páscoa. A regra é a mesma da Páscoa em Êxodo: os estrangeiros podem participar desde que estejam, de fato, vivendo no meio dos israelitas e se disponham a obedecer a todas as prescrições para a celebração (9:14; Êx 12:19,48).
Em todos esses casos, vemos como as leis são adaptadas para ir ao encontro de certas necessidades e atender aqueles que, de outro modo, teriam dificuldade em celebrar essa festa. Tal reinterpretação periódica da legislação foi crucial para os israelitas de diferentes gerações e também é importante para a igreja nos dias de hoje. Podemos aprender com o modo com que Moisés abordou os problemas decorrentes de mudanças nas circunstâncias ou aplicações das leis. Quando não soube sanar as dúvidas do povo, consultou o Senhor e esperou sua resposta (9:8). Ao que parece, esse era o seu modo habitual de agir, pois o vemos fazer o mesmo no caso das filhas de Zelofeade (Nm 27:1-10).
A igreja também não deve impor incondicionalmente as leis existentes. Antes, mantendo-se fiel ao ensino bíblico, deve refletir e orar sobre possíveis mudanças necessárias, para não criar dificuldades indevidas. Tendo em vista a rapidez com que as circunstâncias têm mudado em nosso continente, seria imprudente aplicar regras antigas a uma nova comunidade. No entanto, devemos ter o cuidado de buscar sempre a orientação de Deus ao tratar das questões que afetam nossa sociedade.
9:15-23 Um sinal da presença de Deus Até aqui, os israelitas estavam apenas se preparando para a partida do Sinai. Agora, o narrador apresenta dois sinais que indicariam o momento de iniciar a marcha para a terra prometida. 0 primeiro sinal seria a posição da nuvem que simbolizava a presença e o poder de Deus em relação à tenda da congregação (9:15-16). (Durante a noite, a nuvem assumia o aspecto de uma coluna de fogo.)
No AT, a nuvem e o fogo são estreitamente relacionados à presença de Deus. O Senhor usou uma sarça ardente para se revelar a Moisés (Êx 3:2-3). Depois que os israelitas deixaram o Egito, foram conduzidos durante o dia por uma coluna de nuvem e, durante a noite, por uma coluna de fogo que simbolizava Deus acompanhando, protegendo e guiando seu povo na jornada (Êx 13:21-22). A nuvem e o fogo aparecem no contexto do estabelecimento da aliança e da entrega dos mandamentos (Êx 19:16-19; 24:15-18), e a imagem de uma nuvem também é usada para descrever a presença de Deus com seu povo depois do fiasco do bezerro de ouro (Êx 33:9,10; 34:5). O uso dessa imagem no livro de Êxodo culmina com a conclusão do tabernáculo (Êx 40:34-38). Ao longo de todo o livro de Números e do restante do AT, a manifestação de Deus é retratada em várias ocasiões em forma de nuvem e fogo: “Guiaste-os, de dia, por uma coluna de nuvem e, de noite, por uma coluna de fogo, para lhes alumiar o caminho por onde haviam de ir” (Ne 9:12; cf. tb. Lv 16:2; Nm 9:14-22; 10:11,12,34; 11:25; 12:5,10; 14:14; 16:42; Dt 1:33; 31:15; 1Reis 8:10,11; 2Cr 5:13,14; Sl 68:4; 78:14; 99:7; Is 4:5; 19:1; Jr 4:13; J1 2:2; Sf 1:15). Em todas essas referências, a nuvem retrata não só a santidade e a presença amorosa de Deus, mas também o julgamento divino.
A aparição da nuvem sobre a tenda da congregação no dia em que foi armada, chamada aqui de “tenda do Testemunho”, lembrou o povo de que Deus era seu líder e sua presença era essencial na jornada longa e imprevisível pelo deserto. Quando a nuvem se erguesse de sobre o tabemáculo, o povo de Israel devia partir; quando a nuvem se detivesse, o povo devia fazer o mesmo (9:17-23). No início dessa seção, o autor não afirma especificamente que era Deus quem orientava quanto ao momento de partir; mas aqui ele deixa esse fato claro na repetição tripla da declaração: Segundo o mandado do Senhor, os filhos de Israel partiam e, segundo o mandado do Senhor, acampavam (9:18,20,23a). Mais uma vez, a ênfase é sobre a resposta obediente do povo. No final da passagem, o narrador afirma explicitamente que os israelitas cumpriam o seu dever para com o Senhor, segundo a ordem do Senhor por intermédio de Moisés (9:23).
No AT, Deus se manifesta de várias maneiras: anjos, profetas, sinais naturais e sobrenaturais. O ápice dessa revelação surge no NT, na pessoa e no ministério de nosso Senhor Jesus Cristo. Nele, Deus é plenamente manifestado: não apenas recebemos de Cristo a salvação, mas somos ensinados por ele acerca da vontade e do propósito de Deus para a humanidade. Como cristãos, não temos uma nuvem, mas, sim, o Espírito Santo e as Escrituras, que nos foram dados para nos guiar no caminho da salvação, em nossa jornada a essa nova “terra prometida”. A Bíblia também nos provê de novos meios de nos relacionarmos com Deus e com os outros, incluindo toda a criação. Como uma nova comunidade em Cristo, recebemos a missão de ser bênção na terra.

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