Orações Comunitárias: das origens judaicas ao cristianismo protestante

Orações Comunitárias

A oração comunitária, no horizonte cristão, não é apenas o som de muitas vozes sussurrando ao mesmo tempo, mas o levantar-se de um único “nós” diante de Deus. Quando Jesus promete em Mateus 18:19–20 que “se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus, porque onde dois ou três se reúnem em meu nome, ali eu estou no meio deles”, ele não está apenas encorajando a soma de orações privadas, mas revelando um modo próprio de presença: Cristo se coloca “no meio” de uma assembleia que ora, como se o corpo inteiro tivesse um só coração e uma só boca. A oração comunitária, assim, é a comunidade inteira se aproximando do Pai, por meio do Filho, no Espírito, como um sujeito coletivo que crê, suplica, louva e intercede.

Essa dimensão eclesial não anula a oração pessoal, mas a supõe e a transfigura. A oração no quarto, em segredo, é o lugar onde o indivíduo se sabe conhecido e amado; a oração da assembleia é o lugar onde esse indivíduo descobre que nunca orou sozinho, porque pertence a um povo que clama. O próprio “Pai nosso” já nasce como oração comunitária: Jesus não ensina “meu Pai”, mas nos introduz em seu próprio relacionamento filial e nos manda falar no plural – “nosso pão”, “nossas dívidas”, “livra-nos do mal”. Christopher Seitz observa que, quando Jesus usa esse “Pai nosso”, à luz das Escrituras de Israel, “o sapato deveria cair”: ele está incluindo os crentes na relação que ele tem com o Pai, cujo nome é “o nome acima de todo nome”, e esse nome é invocado em oração dentro da lógica já estabelecida no Antigo Testamento (SEITZ, em LONGENECKER, Into God’s Presence, 2001, pp. 19–21, 23–24). Dessa forma, a oração comunitária cristã não nasce do zero; ela é enxertada no antigo costume de “invocar o nome do Senhor” e o reconfigura à luz de Cristo.

Seitz também insiste que a oração bíblica “se baseia em um conhecimento íntimo do Deus nomeado de Israel”, que se revelou no Mar Vermelho e no Sinai e, “nesses termos e sobre esse fundamento, é acessível em oração”; por isso, orar é, para Israel, “conversar com o Deus vivo” (SEITZ, em LONGENECKER, ibid., p. 22). Essa conversa nunca é apenas de indivíduos isolados: é o povo que carrega o Nome, reunido em assembleia, que ora, canta, lamenta e dá graças. Quando a igreja se reúne como corpo para orar, ela entra exatamente nessa mesma lógica: o Nome que ela invoca é agora o de Jesus, a quem Deus deu “o nome que está acima de todo nome” (Filipenses 2:9), mas a estrutura é a mesma – um povo chamado pelo Nome, que fala com o Deus vivo em conjunto. A oração comunitária cristã, então, é o lugar em que a igreja assume conscientemente sua identidade de povo do Nome, na continuidade e na plenitude do que Israel viveu.

Samuel Balentine ajuda a aprofundar esse cenário mostrando que, no Antigo Testamento, a relação entre Deus e o seu povo é “fundamentalmente dialogal” e, por isso mesmo, radicalmente comunitária. Ele escreve que a relação divina-humana é apresentada “como parceria de aliança”: Deus se compromete com Israel, exige conduta conforme sua vontade, e Israel se compromete com o único Deus, esperando dele fidelidade recíproca; essa parceria, embora desigual em poder, “não pode ser sustentada em sua forma mais plena por nenhuma das partes sozinha” (BALENTINE, Prayer in the Hebrew Bible, 1993, p. 262–263). Em seguida, ele afirma de maneira programática:

“O ponto central aqui é que o relacionamento de aliança é fundamentalmente dialogal. Duas partes estão mutuamente vinculadas uma à outra em uma relação que é desejável e importante para ambas. Ambas têm voz e um papel a desempenhar; nenhuma pode ignorar os apelos da outra e manter o relacionamento como ele é destinado a ser. Se Deus ou Israel não participam do diálogo, então a comunicação falha e o relacionamento é empobrecido pelo silêncio.” (BALENTINE, ibid., pp. 262–263).

A partir dessa visão, oração comunitária deixa de ser mero rito e passa a ser o lugar onde a aliança se torna audível: Deus fala e age, a comunidade responde; a assembleia, quando ora, não representa só sentimentos particulares, mas dá voz ao povo inteiro diante de Deus, com toda a gama da experiência humana – alegria e sofrimento, gratidão e protesto. A igreja cristã, ao assumir esse padrão, aprende que suas orações comunitárias são o coração vivo da sua existência de povo de aliança em Cristo.

Nesse horizonte de aliança dialogal, o Novo Testamento apresenta a comunidade cristã como casa espiritual e sacerdócio santo. David Peterson, ao ler 1 Pedro 2:4–5, 9, resume o quadro dizendo que, “ao longo da Bíblia, culto aceitável significa aproximar-se ou engajar-se com Deus nos termos que ele propõe e do modo que ele torna possível”, de tal forma que o culto é “relação pessoal e moral com Deus, relevante para todas as áreas da vida” (PETERSON, Engaging with God, 1992, pp. 282–284). A oração comunitária é precisamente uma forma privilegiada desse engajamento: quando a assembleia se reúne, ela se aproxima, em conjunto, “com plena confiança, pelo sangue de Jesus” (Hebreus 10:19), para “se chegar” a Deus e “confessar” o nome de Cristo, sem abandonar a congregação (Hebreus 10:22–25). A exortação de não “deixar de congregar-nos” está intrinsecamente ligada ao convite de aproximar-se de Deus, como se o autor dissesse: ninguém se aproxima plenamente sozinho; aproximamo-nos juntos.

Peterson sustenta que o Antigo Testamento já mostrava que Israel só podia “aproximar-se do Senhor por causa da iniciativa graciosa e provisão de Deus”, que se revelou, libertou e estabeleceu seu povo para servi-lo (PETERSON, ibid., pp. 19–21). No Novo Testamento, essa mesma lógica se cumpre em Cristo: é por causa da sua morte e ressurreição que a comunidade tem “ousadia para entrar no Santo dos Santos” e levantar mãos em súplicas por “todos os homens” (1 Timóteo 2:1–4). A oração comunitária é, portanto, o exercício concreto desse sacerdócio; 1 Pedro 2:5 e 9 descrevem a igreja como “sacerdócio santo” e “povo que pertence a Deus para proclamar as virtudes daquele que chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”, e Peterson lê esse texto como a moldura de todo culto cristão: aproximar-se de Deus em Cristo para declarar seus louvores, em assembleia, como povo sacerdotal (PETERSON, Engaging with God, 1992, p. 283–284).

Dentro desse quadro, a distinção entre oração pessoal e comunitária se esclarece não como oposição, mas como dois movimentos de um mesmo coração. A oração pessoal é a respiração secreta da fé; a oração comunitária é o coro em que cada peito empresta seu sopro a um só cântico. Mateus 18:19–20 mostra que a presença de Cristo se vincula à reunião de “dois ou três”; 1 Timóteo 2:1–4 instrui que “se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens” no contexto da assembleia; Hebreus 10:19–25 chama a aproximar-se juntos, sem abandonar a congregação; 1 Pedro 2:5, 9 descreve essa mesma assembleia como casa espiritual e sacerdócio. Reunidos, esses textos desenham o contorno da oração comunitária: o corpo de Cristo, convocado pela Palavra, engajando-se com Deus em resposta à sua revelação e redenção, sustentado pela intercessão de Cristo e animado pelo Espírito, em uma aliança que continua sendo, no fundo, um diálogo entre o Deus vivo e um povo que aprende a dizer “Pai nosso”.

A partir desse ponto de partida, todo o restante do estudo poderá percorrer, em círculos concêntricos, o mesmo mistério: primeiro, aprofundando os fundamentos bíblicos dessa oração da comunidade; depois, acompanhando como a história da liturgia e as práticas da igreja foram dando forma concreta a esse “nós” orante; por fim, descendo novamente ao hoje, à vida devocional das comunidades locais, para perguntar como nossas assembleias, em seu modo de orar, confessar, interceder e lamentar, têm encenado – ou negligenciado – essa vocação de ser povo que entra, junto, na presença de Deus.

I. Oração: A Voz do Povo de Deus

O Antigo Testamento faz a oração nascer não de manuais, mas de feridas. Antes de qualquer salmo, há um gemido coletivo que sobe como fumaça de forno, sem forma litúrgica, apenas dor. A literatura bíblica sobre oração mostra precisamente esse movimento: do grito desarticulado da escravidão até a confissão madura que consegue narrar a própria história como diálogo com Deus. A oração veterotestamentária como drama em que Deus e o povo se enfrentam, chamam-se, se queixam um ao outro, e aprendem a permanecer aliados dentro da mesma aliança. Nessa cena, a voz não é só do indivíduo piedoso, mas de um “nós” que aprende a falar junto.

Quando Israel geme no Egito, em Êxodo 2:23–25, não há ainda salmo, nem templo, nem sacerdote intercedendo formalmente. O texto descreve o povo “gemendo” por causa da opressão, usando verbos que acumulam intensidade: o clamor sobe, Deus ouve, lembra-se da aliança, vê e conhece. Exegetas notam que aqui o clamor funciona como proto-oração: não há fórmulas, mas há uma consciência coletiva mínima de que a injustiça sofrida deve ser levada diante de Deus, e o narrador sublinha que é esse grito que desencadeia a nova etapa da história da salvação. Em termos teológicos, pode-se dizer que a oração comunitária nasce justamente do ponto em que o povo descobre que a opressão não é apenas um fato político, mas um assunto a ser levantado diante do Deus da aliança. A resposta divina — Deus que “lembra” a aliança com Abraão, Isaque e Jacó — mostra que a memória de Deus se deixa ativar pelo grito do povo, inaugurando um padrão que se repetirá nos salmos de lamento nacional.

Tendo em mente que a história da oração comunitária começa muito antes de qualquer sala da igreja cristã, percebemos que ela, de fato, é engendrada no deserto, com um povo recém-liberto, aprendendo a existir diante de um Deus que se dá a conhecer não a indivíduos isolados, mas a uma assembleia convocada pelo próprio Senhor. Peterson insiste que “o culto do povo de Deus na Bíblia é distinto” porque é, desde o início, apresentado como resposta corporativa de um povo inteiro à iniciativa de Deus, e não como somatório de devoções privadas soltas no ar (PETERSON, Engaging with God: A Biblical Theology of Worship, 1992, p. 26). Nessa chave, a oração comunitária não é um “acréscimo devocional”, mas a própria forma como uma aliança coletiva respira.

Quando Israel é tirado do Egito e ajuntado ao pé do Sinai, o cenário não é o de almas dispersas, mas o de um povo reunido para ouvir a voz e firmar um pacto. Peterson sublinha que, uma vez cumprida a libertação, “com a redenção do Egito consumada e Israel reunido no Sinai, somos informados de que Moisés” se prepara para declarar, diante da congregação, o que significa ser esse povo singularmente chamado (PETERSON, ibid., p. 27). O altar erguido, as doze colunas representando as tribos, o sangue aspergido sobre povo e livro formam uma liturgia que sela a nação inteira, confirmando “o status santificado da nação como um todo”, não apenas de alguns piedosos mais sensíveis (PETERSON, ibid., p. 29). A partir daí, aproximar-se de Deus é sempre, de algum modo, caminhar junto com o povo que Ele juntou ao redor de si.

O tabernáculo, no coração do acampamento, traduz em arquitetura essa vocação coletiva: “o tabernáculo foi destinado a prover uma expressão portátil da presença de Deus com o seu povo”, colocado no centro para que toda a organização da vida girasse em torno desse Deus que habita no meio da congregação (PETERSON, ibid. p. 31). Quando o livro avança para o sábado, as peregrinações e os salmos, a dimensão comunitária se acentua ainda mais. O sábado é “sinal da relação especial entre Deus e” o seu povo, um tempo em que a comunidade inteira suspende o ritmo para lembrar quem é o Senhor da história. E, ao falar dos cânticos de Sião, Peterson ressalta que o louvor não se restringe ao culto formal, mas transborda para a existência compartilhada: “claramente o louvor de Deus não se limitava ao culto”, ainda que muitos salmos aludam ao templo; ele pertence “à vida como um todo” do povo reunido (PETERSON, ibid., p. 38). Israel aprende, assim, não só a orar “no templo”, mas a existir como um povo cuja respiração litúrgica é comunitária da base ao topo.

Esse grito, aos poucos, é transformado em memória orante. Deuteronômio 26:5–10 apresenta o “credo histórico” do lavrador israelita: ao levar as primícias, ele recita diante do Senhor a história do povo — “um arameu prestes a perecer foi meu pai”, descida ao Egito, opressão, clamor, intervenção poderosa de YHWH, e chegada à terra da promessa. Pesquisas recentes chamam esse trecho de “pequeno credo histórico” e o consideram uma das formulações mais concentradas da fé de Israel, em que história, liturgia e identidade comunitária estão entrelaçadas (WESTERMANN, Claus. The Role of the Lament in the Theology of the OT, 1974, pp. 20-38). O que em Êxodo 2 era grito sem forma, aqui se torna confissão articulada: o “eu” que fala (“meu pai”) é, na verdade, um “nós” condensado, representando a comunidade inteira. A oração comunitária assume, então, a forma de memória ritualizada: ao contar a história diante de Deus, o povo se lembra de quem é, relembra quem Deus foi e é, e se compromete novamente com a aliança — uma liturgia em que a narrativa histórica é oferecida como oração.

Quando o templo de Salomão é dedicado em 1 Reis 8 (e em 2 Crônicas 6), esse “nós” se reúne em torno de uma casa. O rei ora de pé diante do altar com as mãos erguidas, mas sua voz é, ao mesmo tempo, régia e coral: ele fala por todo Israel, e o texto insiste na repetição de fórmulas como “ouve do céu a oração do teu servo e do teu povo Israel, quando orarem voltados para este lugar”. Pesquisas sobre teologia do templo mostram que a oração de Salomão funciona como carta de intenções do culto israelita: o templo é o ponto focal para onde convergem as preces do povo disperso, inclusive quando estiverem em exílio, enfermidade ou guerra, e o verdadeiro lugar de escuta não é o edifício, mas o céu de Deus, que acolhe a oração feita “voltada para esta casa”. O rei é, assim, a “boca” pública do povo, e a assembleia reunida aprende que o culto não é espetáculo para ser assistido, mas ato em que um representante dá voz ao clamor de todos. Nessa oração, o templo se torna um eixo vertical e horizontal: vertical, porque liga terra e céu; horizontal, porque articula as múltiplas situações da comunidade — pecado, derrota militar, seca, exílio — em uma única súplica que abraça as gerações.

Dentro desse horizonte, os Salmos fazem ressoar múltiplos registros da voz coletiva. O Salmo 44 é descrito em estudos exegéticos como um clássico “salmo de lamento comunitário”: a comunidade lembra a Deus os feitos passados, confessa que não abandonou a aliança, mas se vê derrotada e humilhada sem entender o motivo, culminando num clamor urgente por intervenção. A forma literária desse salmo segue o padrão dos lamentos: endereço a Deus, descrição do sofrimento, protesto, declaração de confiança e pedido de ajuda. É significativo que aqui não há confissão explícita de pecado; a dor do povo é a dor de quem sofre apesar da fidelidade, o que abre espaço para a queixa ousada: “Acorda, Senhor!”. A oração comunitária, portanto, não é apenas submissão silenciosa, mas também coragem de interpelar Deus a partir da própria história, mantendo viva a confiança mesmo quando o silêncio divino parece prolongado.

O Salmo 79, por sua vez, é apresentado por comentadores como um lamento nacional diante da profanação do templo e do massacre do povo, provavelmente em conexão com a destruição de Jerusalém no século VI a.C. O texto se abre com imagens violentas: povos invadindo a herança de Deus, cadáveres espalhados, escárnio das nações. A comunidade reconhece que o juízo está ligado ao pecado, mas insiste que a misericórdia de Deus e a honra do seu nome são razões ainda mais fortes para agir: “Ajuda-nos, Deus nosso salvador, pela glória do teu nome.” Aqui a oração conjunta funciona como lugar em que culpa e confiança se abraçam: o povo admite a própria responsabilidade, mas se agarra à possibilidade de perdão, e promete louvor futuro em resposta à salvação esperada. É um laboratório espiritual em que a assembleia aprende a passar do desespero à esperança sem negar nenhum dos dois.

O Salmo 122 introduz outro tom: não mais o grito da derrota, mas a alegria da peregrinação. Ele pertence ao grupo dos “Cânticos de romagem” (Salmos 120–134), tradicionalmente associados a peregrinos que sobem a Jerusalém para as grandes festas. Pesquisas sobre esses salmos descrevem o 122 como poema de chegada: depois de um caminho marcado por perigos e expectativas (Salmos 120–121), aqui o fiel diz: “Alegrei-me quando me disseram: Vamos à casa do Senhor”. Jerusalém aparece como cidade bem compacta, onde as tribos “sobem” para dar graças ao nome do Senhor, e o salmo se conclui com uma oração pela paz (shalom) da cidade. A oração comunitária, neste caso, não nasce da calamidade, mas da festa: é a voz dos que chegam ao mesmo lugar e descobrem que a alegria espiritual tem geografia compartilhada. A súplica pela paz de Jerusalém é, ao mesmo tempo, intercessão pela cidade física e pelo corpo do povo que nela se encontra; orar pela paz da cidade é desejar o bem de todos aqueles que participam da mesma peregrinação.

Se os salmos de lamento e de peregrinação mostram a assembleia aprendendo a falar com Deus como “nós”, o livro de Isaías empurra esse “nós” para além das fronteiras étnicas. Em Isaías 56:3–7, estrangeiros e eunucos — figuras tipicamente associadas à margem da comunidade — são convidados a se unirem ao Senhor, a amarem o seu nome, a guardarem o sábado e a abraçarem a aliança. A promessa é que serão conduzidos ao “meu santo monte” e feitos “alegres na minha casa de oração”, porque “a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”. Estudos sobre esse trecho veem nele um dos pontos altos da universalidade profética de Israel: a casa de Deus deixa de ser símbolo de identidade exclusiva e se torna lugar de convergência para todas as nações que se voltam para o Deus de Israel. Pesquisas sobre a recepção patrística desse versículo mostram como os Padres da Igreja leram Isaías 56:7 como figura da Igreja, “casa de oração para todos os povos”, onde judeus e gentios podem aproximar-se de Deus em Cristo. É significativo que a própria nota bíblica associe Isaías 56:7 à oração de Salomão em 1 Reis 8:41–43, onde já se pedia que Deus ouvisse até mesmo o estrangeiro que orasse voltado para o templo. O que era possibilidade implícita na oração de dedicação, torna-se programa explícito em Isaías: o templo como casa em que Deus acolhe a oração de “todos os povos”.

Desse percurso emerge uma linha contínua: o clamor de escravos em Êxodo 2, a confissão litúrgica de Deuteronômio 26, a oração régia em 1 Reis 8, os salmos de lamento e de peregrinação, e a visão universal de Isaías 56 são etapas de uma mesma pedagogia espiritual. A oração comunitária é o lugar em que o povo aprende a lembrar o passado, interpretar o presente e desejar o futuro na presença de Deus; é o espaço em que a dor coletiva se torna narrativa de fé, a festa se torna gratidão compartilhada e a esperança se alarga até abraçar estrangeiros e marginalizados. E, ao longo de todo esse caminho, a Escritura insiste que o verdadeiro protagonista da história é o Deus que ouve, lembra, vê e conhece — e que abre sua casa para que o clamor de muitos se transforme, pouco a pouco, em canto comum.

A. Orações comunitárias como hebrança judaica

Balentine enxerga a igreja cristã de joelhos dentro de uma história muito mais antiga: a história de Israel que aprende a ser “casa de oração” diante de Deus, e é exatamente esse enredo veterotestamentário que, segundo ele, fornece o modelo de oração comunitária sobre o qual a comunidade cristã posterior é construída (BALENTINE, Prayer in the Hebrew Bible: The Drama of Divine-Human Dialogue, 1993, pp. 272–273). A tese de fundo é simples e profunda: a igreja não inventa a oração comunitária a partir do nada; ela é enxertada numa tradição em que a comunidade, reunida, fala com Deus e deixa que Deus a molde por meio dessa fala, de modo que o ministério de oração é, ao mesmo tempo, serviço prestado à comunidade e modo concreto de cooperar com a vontade de Deus no mundo.

O ponto de partida, para Balentine, é o templo de Jerusalém lido à luz da oração de Salomão em 1 Reis 8. Ele insiste que o discurso de dedicação do templo é, na verdade, um grande sermão sobre oração: o rei, “em pé diante do altar do Senhor”, descreve o templo menos como matadouro de sacrifícios e mais como eixo em direção ao qual o povo se volta para falar com Deus nas circunstâncias concretas da vida. Salomão enumera sete situações em que a comunidade deve buscar o rosto de Deus: calamidades naturais, derrotas militares, pecado coletivo, súplica do estrangeiro, cativeiro distante. Em cada cenário, a ênfase não recai em ritos automáticos, mas na reunião do povo que ora, confessa, suplica e espera ouvir a resposta. A comunidade aprende, assim, que sua coesão não depende apenas de instituições políticas, mas de um movimento conjunto de coração e voz voltados ao Deus da aliança; é essa gramática de povo-em-oração, e não um mero ritualismo sacrificial, que Balentine lê como o arquétipo da oração comunitária (BALENTINE, ibid., p. 273–275).

Sobre esse alicerce, ele recolhe a grande fórmula “casa de oração” de Isaías 56:7, onde o templo é proclamado como “casa de oração para todos os povos”, em contraste agudo com o “covil de ladrões” denunciado por Jeremias 7:11 e retomado por Jesus na purificação do templo (Balentine articula esses textos diretamente em sequência). Nessa tessitura, a casa de oração é, por definição, espaço comunitário aberto, atravessado pela intercessão em favor dos excluídos, não reduto fechado do privilégio sacerdotal; quando se fecha, torna-se um covil que rouba de Deus a glória e dos pobres a justiça. É precisamente assim que ele lança a ponte até a igreja: se o templo de Israel foi instituído como casa de oração e julgado quando traiu essa vocação, a comunidade cristã só pode entender-se adequadamente ao assumir a mesma responsabilidade de manter uma vida orante que una culto e justiça, louvor e inclusão, piedade e ética pública.

Esse modelo comunitário se reconfigura quando o templo é destruído e o exílio arrebenta o eixo geográfico do culto. Ele descreve o ano 586 a.C. como momento em que o “lugar santo queimado e profanado” força Israel a encontrar novas formas de relação com Deus: em vez de sacrifícios, surgem assembleias em torno da Torá e da oração; em lugar do único santuário central, brotam espaços de reunião que se tornarão, mais tarde, o que se pode chamar de sinagoga (OSBORNE, “Moving Forward on Our Knees: Corporate Prayer in the New Testament”. Journal of the Evangelical Theological Society, v. 53, n. 2, 2010, p. 244). O livro insiste em que essa transição não é um simples remendo de emergência, mas uma verdadeira herança: pouco a pouco, a oração deixa de ser adendo do culto para se tornar virtualmente o culto inteiro, com orações diárias correspondendo aos antigos sacrifícios diários e uma teia de preces para dias úteis, sábado e festividades, de modo a “orientar e sustentar todo o cotidiano e toda a vida” da comunidade (BALENTINE, Prayer in the Hebrew Bible, 1993, p. 273–283).

Orações Comunitárias: das origens judaicas ao cristianismo protestante

Essa herança chega à igreja não apenas como teoria, mas como forma concreta: na tradição rabínica, a oração é chamada de “serviço do coração”, expressão que resume a percepção de que a comunidade inteira se apresenta diante de Deus, várias vezes ao dia, para deixar que o cotidiano seja interrompido pela presença do Absoluto. É essa malha de tempos e encontros que explica, por exemplo, o fato de que os primeiros cristãos continuem a subir ao templo “à hora da oração” e, ao mesmo tempo, passem a reunir-se nas casas para “perseverar nas orações”: não se trata de um improviso, mas da continuidade de um povo que já aprendera a marcar as horas e os dias pela convocação a falar com Deus em conjunto. A igreja nasce, portanto, dentro de uma cultura em que se entende que oração não é gesto privado isolado, mas ritmo comunitário que atravessa a vida inteira.

Para justificar a seriedade desse ministério orante, Balentine dedica um bloco central do livro às “prayers for divine justice”, que ele caracteriza como orações que ousam trazer a Deus o clamor por justiça num mundo ferido (BALENTINE, ibid., pp. 118–120). Nelas, a comunidade não se resigna ao caos, mas insiste: se Deus é juiz, então é diante dele que as vítimas levantam voz. Esse material culmina no capítulo “A Oração como Veículo de Teodiceia”, em que a oração aparece como lugar em que Israel tenta sustentar, ao mesmo tempo, a confissão da bondade de Deus e o protesto contra o sofrimento injusto (BALENTINE, ibid., 1993, p. 139). Essa tensão percorre as confissões de Jeremias, a ousadia de Jó e o grito de Habacuque, todos lidos por Balentine como orações nas quais o povo – por meio de seus porta-vozes – “segura Deus contra o próprio Deus”, recusa um silêncio covarde e faz da comunidade orante um laboratório de teodiceia, onde fé e indignação se encontram sem se anularem (BALENTINE, ibid., pp. 146–189).

Aqui a ponte com a igreja fica ainda mais nítida. Quando Balentine pergunta o que acontece se a igreja deixar de “orar e pregar as orações de Israel”, ele responde que se perde justamente esse espaço em que o povo de Deus pode trazer à assembleia tanto a dor quanto a esperança, sem reduzi-las a slogans (BALENTINE, ibid., pp. 273–283). A oração comunitária cristã, se quiser ser fiel às raízes hebraicas, precisa incorporar a lamentação coletiva, a súplica por justiça e o enfrentamento honesto da violência histórica; caso contrário, torna-se piedade desencarnada, incapaz de sustentar a fé dos que sofrem. A liturgia da igreja, quando se apropria dos salmos de lamento e das confissões proféticas, está na verdade deixando que o Antigo Testamento lhe empreste um vocabulário robusto para nomear o mal e clamar por intervenção divina em nome da comunidade.

Do outro lado do espectro, há um “louvor que faz sentido” ao tratar dos hinos e das chamadas sentenças bārûk do Antigo Testamento (BALENTINE, ibid., pp. 199–204). Contra um louvor desligado da vida, é possível ver como essas fórmulas de bênção e os poemas de gratidão nascem de experiências concretas de libertação e cuidado: o salmista relembra livramentos, curas, restaurações, e desse fio narrativo brota o “Bendito sejas”. O louvor comunitário, assim, não é anestesia, mas memória: a assembleia, reunida, revisita a história da ação de Deus no passado para encontrar linguagem com que celebrar o presente e esperar o futuro. É exatamente esse movimento narrativo-doxológico que passa para a tradição cristã, nas orações eucarísticas, nas doxologias que recitam a história da salvação, nas confissões de fé que são ao mesmo tempo hinos e proclamações.

Tudo isso é amarrado na síntese teológica de Balentine, especialmente no capítulo em que ele fala da “teologia na oração hebraica”. A partir de uma leitura ampla de salmos, narrativas e profetas, ele propõe que a relação entre Deus e o povo é fundamentalmente dialogal, e que a oração não vem depois da teologia, mas é o lugar onde a teologia acontece: quando Israel ora, descobre quem Deus é, quem o ser humano é e que tipo de mundo está sendo buscado na presença de Deus (BALENTINE, ibid., pp. 225; 261–268). A oração constitui a fé, não apenas a expressa; é ato por meio do qual a comunidade assume, renova e às vezes corrige sua própria compreensão de Deus e de si mesma.

Voltando explicitamente à igreja, podemos formular, a partir de toda essa herança hebraica, as duas grandes responsabilidades de uma casa de oração: manter a comunidade “em Deus” e manter Deus “na comunidade” (BALENTINE, ibid., pp. 272–284). Manter a comunidade em Deus significa cultivar, pela oração comum, uma consciência constante da dimensão transcendente da vida: aprender a ler alegrias e dores como dons e desafios que vêm de Deus, e não como puro acaso; é, em linguagem devocional, ensinar o povo a respirar Deus em cada estação. Manter Deus na comunidade, por sua vez, significa assumir que a oração de intercessão e de lamento “faz diferença” também no modo como a própria ação de Deus é narrada e experimentada: quando Moisés intercede, o texto diz que Deus “muda de ideia”; quando o salmista clama, o enredo se desloca; quando a igreja ora pelos que sofrem, ela inscreve no tecido da história um espaço onde a misericórdia de Deus é invocada e esperada com seriedade.

Quando a comunidade cristã se reúne em torno da mesa, do púlpito ou do leito de hospital e ora junta, ela está, consciente ou não, encenando de novo o drama veterotestamentário: um povo que aprendeu a atravessar a história falando com Deus, chorando e cantando diante dele, deixando que a oração molde seu caráter e seu futuro. O Antigo Testamento, nessa leitura, não é apenas um arquivo de exemplos antigos, mas o próprio chão em que a igreja aprende o que significa ser “casa de oração”: uma assembleia que, ao orar, mantém-se em Deus e mantém Deus no meio do mundo.

II. “Pai nosso”: o nascimento do “nós” cristão no Novo Testamento

Antes de nos aproximarmos do Pai-nosso com a lupa da crítica das fontes, é importante lembrar que ele nunca nasceu como um amuleto devocional isolado, mas como palavra posta nos lábios de uma comunidade inteira. Quando a igreja primitiva pronunciava “Pai nosso”, “dá-nos”, “perdoa-nos”, “não nos deixes cair em tentação”, não estava apenas ensinando indivíduos a orarem melhor; estava aprendendo a respirar, em coro, a identidade de um povo que se sabe reunido diante do mesmo Pai. É nesse horizonte de oração comunitária que a tradição de Q passa a interessar: não como curiosidade literária à margem da Bíblia, mas como uma janela para a forma como uma comunidade concreta recebeu, organizou e meditou essa oração. Ao olhar para Q 11, como faremos, não estamos mudando de assunto, mas descendo um nível na mesma realidade: o Pai-nosso enquanto coração da prática orante de uma comunidade que aprende, em conjunto, a nomear Deus, a pedir o pão de cada dia, o perdão e a preservação na provação.

Quando abrimos a tradição de Q e encontramos a sequência de Q 11:2b–4 junto de Q 11:9–13, não estamos diante de frases jogadas ao acaso, mas de um pequeno discurso cuidadosamente composto. Richard Wendel mostra que a comunidade de Q não herdou simplesmente uma oração isolada, mas reuniu o Pai-nosso com o bloco “pedi, buscai, batei” e com as imagens do pai que não dá pedra em lugar de pão, nem cobra em lugar de peixe, formando um único “discurso de oração” no estrato formativo de Q (WENDEL, The Interpretation of the Lord’s Prayer, 2010, pp. 136–137). É essa junção que cria a lente interpretativa: o mesmo Pai a quem se pede que o nome seja santificado, o Reino venha e o pão seja dado, é o Pai que responde com generosidade confiável a quem pede, busca e bate. Esses dois conjuntos – a oração e as exortações – são colocados lado a lado para que, através deles, a comunidade veja o sentido profundo da oração: “Essas unidades conjuntas, a oração e as admoestações, estabelecem, portanto, os parâmetros de significado, uma lente através da qual podemos agora observar a oração.” (WENDEL, ibid., p. 136)

À luz dessa estrutura, cada palavra da oração passa a ser ouvida dentro do clima de confiança criado por Q 11:9–13. O convite “pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” deixa de ser uma promessa genérica e potencialmente absurda, e torna-se o eco direto da relação que Jesus revela entre o Pai e os filhos: quem pede é a criança que confia; quem atende é o Pai que não engana (WENDEL, 2010, pp. 138–139). A exegese, então, não começa num vácuo abstrato, mas dentro de um cenário relacional: o Pai-nosso, em Q, é a oração de um grupo de filhos que se aproxima de um Pai cuja bondade já foi dramatizada pelos ditos que seguem, e é exatamente por isso que a ousadia da oração faz sentido.

Quando Jesus ensina: “Quando orardes, dizei: Pai, seja santificado o teu nome, venha o teu Reino” (Lucas 11:2 – eipen de autois· hotan proseuchēsthe, legete· pater, hagiasthētō to onoma sou· elthetō hē basileia sou.), ele coloca a comunidade de Q numa posição radicalmente filial. Falar de Deus como Pai não é algo desconhecido no mundo grego ou judaico, mas aqui o título não é apenas um clichê; ele é preenchido por um conteúdo concreto: o Pai de Q 11:2b é o mesmo Pai de Q 11:11–13, que conhece a fragilidade da criança e responde com “boas coisas” em vez de enganos (WENDEL, 2010, p. 138). A primeira nota devocional da oração, portanto, não é um simples tratamento reverente, mas a confissão de que a comunidade se põe diante daquele que a gerou e sustenta, e cuja honra (“seja santificado o teu nome”) e cujo governo (“venha o teu Reino”) passam à frente de qualquer pedido de segurança pessoal. O “nós” cristão nasce aqui como um grupo que se define, antes de tudo, pela busca da santificação do nome de Deus e pela vinda do seu reinado, não pela realização de projetos próprios.

Quando a oração avança para “o nosso pão de hoje dá-nos hoje” (ton arton hēmōn ton epiousion dos hēmin sēmeron), Wendel recusa tanto a leitura que transforma esse pão em mero símbolo “espiritual” quanto a que o desloca exclusivamente para um amanhã escatológico distante. Ele percorre textos estóicos e judaicos para mostrar que “pão” é, sim, símbolo, mas símbolo daquilo que sustenta concretamente a vida: o alimento simples, necessário, cotidiano. Ao lembrar, por exemplo, textos como Sirácida 34:25 (“O pão dos necessitados é a vida dos pobres; quem o lhes tira é homicida”) e Isaías 58:7 (“Porventura não é este o jejum que escolhi… repartir o teu pão com o faminto…”), ele mostra que pedir pão é colocar na boca da comunidade a súplica pelos meios de subsistência dos mais vulneráveis (WENDEL, 2010, pp. 148–149). O Pai-nosso, assim, não autoriza uma espiritualidade desencarnada: o “nosso pão” é o pão dos pobres, e a oração torna-se uma forma de a comunidade reconhecer que depende do Pai para viver e, ao mesmo tempo, se comprometer em não negar esse pão àqueles que caminham ao seu lado.

A chave, para Wendel, é que o pedido não é por um estoque garantido, mas por “nosso pão de hoje”, numa lógica de confiança diária. A comunidade que aprendeu com Jesus a não acumular tesouros na terra e a buscar primeiro o Reino (Q 12, na leitura dele) aprende, na fórmula da oração, a viver de mãos abertas, recebendo a cada dia aquilo que o Pai concede, sem pretender segurá-lo para amanhã (WENDEL, 2010, pp. 148–151). Devocionalmente, isso significa que o “nós” cristão não se define por reservas que garantem o futuro, mas por uma dependência compartilhada que, justamente porque é comum, abre espaço para a partilha: se é “nosso” pão, não me é lícito guardá-lo apenas para mim.

Na petição seguinte – “e perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” – o vocabulário de Wendel mergulha na dupla semântica de aphiēmi (“deixar ir, liberar, remitir”) e opheilēma (“dívida”), explorando tanto o campo financeiro quanto o campo moral (WENDEL, 2010, p. 152–153). Ele recorre, por exemplo, a 1 Macabeus 15:8 e à parábola do servo impiedoso em Mateus 18:32 para mostrar que “dívida” pode significar tanto quantias devidas quanto ofensas que exigem reparação. Mas é quando ele traz à tona o mundo de honra e vergonha do Mediterrâneo antigo que a força comunitária da petição aparece: num contexto em que ofensas graves exigiam vingança e a preservação do “bom nome” era vital, a promessa de perdoar as dívidas do outro soa como uma revolução nas relações sociais. Segundo Wendel, o discípulo que ora o Pai-nosso está assumindo um estilo de vida em que a honra não é protegida pela retaliação, mas entregue à proteção do Pai.

É nesse ponto que a dimensão plural explodiria, se a deixássemos soar com toda a sua força. Depois de descrever o impacto social dessa renúncia à vingança, Wendel observa que a própria formulação da petição impede que ela seja reduzida a um drama individual: a oração supõe, desde a gramática, um corpo de pessoas. Nas palavras dele: “É significativo que a oração pressuponha uma pluralidade de pessoas: “E cancela as nossas dívidas, assim como nós as cancelamos”.…’” (WENDEL, 2010, p. 154, negrito meu). Ou seja, a comunidade não se ajoelha diante de Deus como indivíduos dispersos pedindo perdão por falhas privadas; ela se apresenta como um conjunto de devedores que vive, entre si, um processo contínuo de remissão mútua. Devocionalmente, isso significa que não posso manter, no íntimo, um voto de vingança contra meu irmão e, ao mesmo tempo, recitar com a Igreja: “perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos…”. A petição me coloca dentro de um “nós” reconciliador, ou desmascara minha hipocrisia.

Por fim, a súplica “e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal” (kai mē eisenenkēs hēmas eis peirasmon) é lida por Wendel à luz de toda a tradição bíblica em que Deus “prova” seu povo, não para destruí-lo, mas para discernir seu coração (Êxodo 20:20; Deuteronômio 8:2; Salmos 7:10; 66:10; 26:2; 139:23), e também à luz de leituras mais apocalípticas que veem aqui o pedido de ser guardado da grande prova final (WENDEL, 2010, pp. 161–162). Ele mostra como comentaristas clássicos, como Lohmeyer e Schürmann, aproximam esse pedido de textos como Apocalipse 3:10, onde a “hora da provação” cai sobre toda a terra, e como leem “tentação” sobretudo como o embate escatológico com o maligno. Mas Wendel insiste que, no contexto de Q 11:13, a tônica não está no terror de um futuro cósmico, e sim na confiança presente na fidelidade do Pai. Ele destaca que o clímax de Q 11:13 – o Pai que dá “boas coisas” aos que lhe pedem – colore a compreensão do pedido final como um clamor humilde de filhos que reconhecem seus limites e confiam que o Pai não os abandonará a provas insuportáveis (WENDEL, 2010, p. 163).

Assim, a oração termina como começou: num plural que se apoia inteiro na bondade do Pai. Depois de pedir que o nome de Deus seja santificado, que o Reino venha, o pão seja dado, as dívidas sejam perdoadas, a comunidade se coloca, unida, diante da realidade da prova e do mal, e simplesmente diz: “não nos deixes cair; livra-nos”. Na leitura de Wendel, esse “nós” não é ornamental; ele é estrutural. O Pai-nosso em Q não é a confissão isolada de uma alma que tenta salvar-se do naufrágio, mas o grito de uma comunidade que reconhece, ao mesmo tempo, sua vocação e sua fragilidade: ela foi chamada a santificar o nome de Deus e a perdoar como foi perdoada, mas sabe que, sem a mão do Pai, ela não se sustenta. É aí, exatamente aí, no encontro entre a ousadia das petições e a pobreza confessada dos que pedem, que o “nós” cristão começa a tomar forma: um povo que ora junto, vive de pão repartido, se reconcilia em dívidas perdoadas e atravessa a prova agarrado à confiança no Pai que não dá pedra em lugar de pão.

Na continuidade da secção 2.1, o quadro exegético de Wendel ganha agora carne histórica e comunitária. Se antes o “Pai nosso” foi escutado na moldura literária de Q 11:2b-4.9-13, agora ele é contemplado como a oração que vai moldando, pouco a pouco, o “nós” cristão nascente, a partir de Early Christian Prayer and Identity Formation e dos estudos de Sandnes, Holmås e Kvalbein, em diálogo constante (e silencioso) com a leitura de Wendel.

Wendel insiste que é metodologicamente perigoso tratar a oração como peça solta, arrancada de seu discurso em Q: ao fazer isso, grande parte da pesquisa moderna acabou projetando sobre o texto contextos escatológicos ou litúrgicos posteriores, misturando cenários que nunca pertenceram ao estrato formativo da tradição. O ponto de partida legítimo, para ele, é o bloco inteiro Q 11:2b-4.9-13, em que o pedido “Pai” é iluminado pelas imagens dos vv. 9-13: o pai que dá pão, peixe, ovo; o Deus que não engana, não ludibria, não entrega uma serpente em lugar de alimento. Na leitura de Wendel, é este Pai generoso e vigilante que define o modo como a comunidade deve compreender a invocação inicial e os pedidos que se seguem (WENDEL, The Interpretation of the Lord’s Prayer, 2010, pp. 45-46). É nesse horizonte que a oração já nasce comunitária: não é um monólogo interior, mas o respirar de um grupo que aprende a existir diante de um Pai comum em meio ao risco constante de apostasia e provação.

É exatamente esse entrelaçamento de prática orante e autocompreensão comunitária que Holmås explora ao olhar para os Evangelhos. Ele mostra que, em Lucas, a ênfase na oração não é ornamento piedoso, mas estratégia narrativa: o evangelista, ao encher a história de cenas de oração, está dizendo à sua igreja quem ela é, de onde vem e quais hábitos deve cultivar – a identidade é narrada por meio das práticas de súplica, louvor e confiança. O “Pai nosso”, nessa chave, deixa de ser apenas um texto a ser analisado e torna-se um roteiro de identidade: quem reza “dá-nos” e “perdoa-nos” aprende, com a própria gramática da oração, que pertence a um corpo, que depende da misericórdia de Deus e que não pode viver sem a misericórdia fraterna (HOLMÅS, “Prayer, ‘Othering’ and the Construction of Early Christian Identity in the Gospels of Matthew and Luke”, 2009, pp. 92-93).

Sandnes, por sua vez, desloca o foco para a recepção mais antiga da oração e cunha – seguindo a sugestão de Ostmeyer – a ideia do “Pai nosso” como gruppenspezifisches Gebet, uma “oração específica de grupo”. Lendo Tertuliano e Cipriano, ele mostra como a oração se torna, muito cedo, o “primeiro idioma” espiritual do cristão, a fala inaugural dos que foram gerados de novo. As Constitutiones Apostolicae apresentam o recém-batizado com uma identidade nova: ele é chamado de klēronomos Patros (“herdeiro do Pai”) e synklēronomos tou huiou autou (“co-herdeiro do seu Filho”), linguagem que ecoa Romanos 8:17 e inscreve o batismo numa economia de filiação e herança (SANDNES, “The First Prayer: Pater Noster in the Early Church”, 2009, pp. 210-211). Justamente por isso, o “Pai nosso” aparece como a primeira oração ensinada ao neófito: ele aprende a dizer “Pai” no plural e, ao fazê-lo, aprende a situar-se dentro de um povo, não apenas diante de um Deus.

Cipriano, na leitura de Sandnes, radicaliza essa lógica da filiação: o bispo norte-africano insiste que não se trata de qualquer pai, mas daquele de quem nascemos pela água e pelo Espírito, e que, por isso, somente quem recebeu o dom da adoção pode, com propriedade, dizer “Pai nosso”. O possessivo “nosso” não indica posse humana de Deus, mas delimita um círculo de pertença: quem reza assim reconhece que foi arrancado da antiga solidariedade com o saeculum e enxertado numa comunhão nova, na qual todos têm o mesmo Pai. A oração, portanto, não descreve apenas um desejo (que o nome seja santificado, que o Reino venha), mas performa uma identidade: ao pronunciar essas petições, a comunidade se deixa modelar pelos conteúdos que pronuncia, deixando para trás outros modos de ser e de desejar (SANDNES, 2009, p. 214-216).

Kvalbein amplia esse quadro ao examinar a Didachê, onde o “Pai nosso” é inserido num contexto nitidamente comunitário. Em Didachê 8, a comunidade é instruída a não jejuar “como os hipócritas”, mas em dias diferentes, e a rezar o “Pai nosso” três vezes ao dia; logo em seguida, nos capítulos 9-10, vêm as orações eucarísticas, de modo que a oração ensinada por Jesus funciona como ponte entre o cotidiano da comunidade (jejum e oração diária) e o cume semanal da assembleia em torno do cálice e do pão (KVALBEIN, “The Lord’s Prayer and the Eucharist Prayers in the Didache”, 2009, p. 234-236). A Didachê insiste que ninguém participe da Eucaristia sem ter sido batizado; ao mesmo tempo, as fórmulas eucarísticas falam do povo reunido “dos quatro ventos” num só Reino. Assim, identidade eclesial, disciplina sacramental e linguagem do “Pai nosso” se cruzam: trata-se de uma comunidade que se sabe separada (há fronteiras: batismo, jejum, disciplina) e, ao mesmo tempo, convocada de todos os povos para formar um único corpo.

A análise de Holmås sobre o “othering” nos Evangelhos ressoa de forma nítida nesse cenário didaquístico. Em Mateus, o contraste com os “hipócritas” que oram para serem vistos e com os “gentios” que multiplicam palavras não serve para fomentar desprezo, mas para demarcar um caminho distinto: os discípulos oram em segredo, com poucas palavras e confiança filial, e, exatamente por isso, são chamados a amar os inimigos e a ser perfeitos como o Pai (Mateus 5–6). A Didachê retoma o mesmo léxico (“não jejuem como os hipócritas”) e anexa ao “Pai nosso” um conjunto de práticas que, na linguagem moderna, poderíamos chamar de “marcadores de identidade”: dias específicos de jejum, oração regular, participação restrita na mesa. A oração ensinada por Jesus é o coração verbal desse estilo de vida: quem repete diariamente “seja feita a tua vontade” aprende a desconfiar de desejos particulares que rompem a comunhão; quem pede “perdoa-nos” é treinado a olhar o outro como irmão, não como adversário.

É aqui que o diálogo com Wendel volta a ganhar peso. Ao recusar uma leitura que projeta a oração apenas para o fim dos tempos, ele mostra que o “tempo da tentação” não é um parêntese escatológico distante, mas o próprio intervalo em que a igreja vive, entre Páscoa e Parusia. Nesse contexto, ele escreve que “Nossas vidas são verdadeiramente um “tempo de tentação” e de duras provações, durante as quais todos corremos o risco constante de nos desviarmos.” (Heinz Schürmann, Praying with Christ, 1964, p. 67).

A partir deste diagnóstico, a oração comunitária deixa de ser ornamento litúrgico para tornar-se disciplina de sobrevivência espiritual. Quando a igreja dos primeiros séculos recita o “Pai nosso” ao redor da mesa e nos ritmos do dia, ela está respondendo a esse “tempo de tentação” com uma prática que mantém viva a confiança no Pai atento, provedor, protetor. Quando Cipriano insiste que só os filhos podem dizer “Pai”, ele não está excluindo por capricho, mas lembrando que a identidade cristã é dom recebido e responsabilidade assumida: viver como filho é acolher a forma de vida que o Pai propõe. Quando a Didachê liga a oração à Eucaristia, recorda que o “pão de cada dia” tem um rosto comunitário: é o pão repartido, sinal visível de um povo que se sabe sustentado pelo mesmo Pai e agregando, pouco a pouco, irmãos “dos quatro ventos”.

Nessa segunda parte é gesto formador: o “Pai nosso” é a forma verbal de um caminho de pertença. Ele desenha o contorno da comunidade que reza, marca os limites dessa pertença (batismo, mesa, prática de perdão, jejum distinto do ambiente) e, ao mesmo tempo, abre as janelas para o horizonte do Reino que vem. Em cada “nosso” pronunciado, a igreja antiga aprende a existir menos como soma de indivíduos e mais como corpo que se sabe em risco, em provação, mas guardado sob o olhar de um Pai que não entrega serpentes a seus filhos.

A. “Onde dois ou três se reúnem em meu nome”: presença de Cristo e disciplina orante em Mateus 18:15–20

Quando Mateus reúne, no capítulo 18, os ensinamentos de Jesus sobre os “pequeninos”, a ovelha perdida e a vida interna da comunidade, ele compõe um verdadeiro discurso eclesial, um manual de como o rebanho do Messias cuida de seus membros feridos e errantes. A perícope de Mateus 18:15–20 está no coração desse discurso: não é um apêndice pragmático, mas o lugar em que a preocupação com o fraco se traduz em um processo concreto de correção fraterna, culminando na promessa de presença de Cristo “no meio” daqueles que se reúnem em seu nome. Comentários de alto nível como o de Ulrich Luz sublinham que Mateus 18 é o “discurso da comunidade” por excelência, no qual 18:15–20 funciona como núcleo normativo das relações internas, associando disciplina, oração e autoridade conferida pelo céu à igreja terrestre (ULRICH LUZ, Matthew 8–20: A Commentary on the Gospel of Matthew, Hermeneia, 2001, pp. 450-451).

Nos versículos 15–17, o cenário é deliberadamente pequeno: “se teu irmão pecar contra ti”. O vocábulo “irmão” aponta para o círculo dos discípulos, não para um estranho; é a intimidade da comunhão que torna a ferida tão séria. A sequência em degraus – primeiro a conversa em particular, depois uma pequena comitiva de dois ou três, por fim a comunidade – revela um movimento que vai do mais discreto ao mais público, sempre com o alvo de “ganhar o irmão”, não de eliminá-lo. Estudos que comparam esse procedimento com as regras de Qumran mostram paralelos fortes com 1QS 6 (a “Regra da Comunidade”), mas também diferenças decisivas: ao passo que Qumran enfatiza a exclusão definitiva, Mateus 18 desenha um caminho que só se encerra na ruptura depois de sucessivas tentativas de reconciliação (ver a análise comparativa em “Jesus and the Torah in Matthew: Beyond Replacement Theology”, BYU Studies.).

Esse processo é amarrado à antiga exigência de testemunho: “para que toda palavra se estabeleça pela boca de duas ou três testemunhas” evoca diretamente Deuteronômio 19:15, em que a presença de duas ou três pessoas garante que a acusação não é fruto de rancor privado. A intertextualidade é tão clara que bancos de dados como Intertextual Bible listam formalmente o vínculo entre 1QS 6 e Mateus 18:15, mostrando como Mateus transborda uma gramática comunitária judaica para dentro da igreja messiânica (INTERTEXTUAL.BIBLE, entrada “1QS 6 – Matthew 18:15”). A comunidade cristã não inventa do zero suas práticas de correção; ela é enxertada em uma tradição de juízo comunitário, agora reinterpretada sob o senhorio de Cristo.

É nesse contexto que irrompe o versículo 18, com a linguagem de “ligar” e “desligar”: “tudo o que ligardes na terra terá sido ligado no céu”. A terminologia de deō e lyō foi amplamente discutida como eco de termos haláquicos rabínicos, usados para “proibir” e “permitir”, isto é, para tomar decisões normativas sobre a conduta à luz da Torá. Craig Keener, entre outros, argumenta que a mesma autoridade concedida a Pedro em Mateus 16 agora é partilhada pela comunidade reunida em torno de Jesus: a igreja, em obediência ao ensino do Senhor, participa do juízo de Deus na terra, desde que suas decisões reflitam aquilo que já foi “ligado” ou “desligado” no céu (CRAIG KEENER, “Are we to bind and loose demons? Matthew 18:18”). Aqui a autoridade não é mágica, mas moral: ao declarar alguém dentro ou fora da comunhão visível, a igreja está, em princípio, ecoando a avaliação do próprio Deus.

A seguir, o versículo 19 introduz a linguagem da oração: “se dois de vós na terra concordarem (symphōnēsōsin) acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus”. O verbo symphōneō, raiz de “sinfonia”, sugere não apenas uma concordância formal, mas um harmonizar-se, como instrumentos afinados em um mesmo tom. Parte da literatura exegética discute se aqui Jesus abre um princípio geral para qualquer tipo de súplica ou se continua falando estritamente do contexto disciplinar. Estudos recentes insistem que a oração de que se trata é precisamente a oração da igreja envolvida no delicado ato de confrontar e restaurar um pecador: a “petição” em comum é por discernimento e por alinhamento da comunidade com o juízo do céu (R. ROITTO, “Reintegrative Shaming and a Prayer Ritual of Reintegration in Matthew 18:15–20”, Svensk Exegetisk Årsbok 79, 2014, pp. 95–123).

Em leitura afinada com essa linha, autores pastorais que retomam a pesquisa técnico-acadêmica insistem que não se trata de um cheque em branco para qualquer desejo formulado em dupla, mas de um chamado à oração discernidora, enraizada na vontade de Cristo que está conduzindo a comunidade a um juízo justo sobre o pecado e a reconciliação. Particularmente, interpreto que o “concordar” em oração em Mateus 18:19 está referenciado ao procedimento dos versos 15–17; é a súplica da igreja enquanto decide como lidar com um conflito entre irmãos, não um mecanismo para garantir resultados em qualquer pedido. Turner comenta:

“A autoridade da comunidade é esclarecida aqui como emanando da harmonia espiritual de seus membros. As promessas em 18:19–20 de oração atendida e da presença de Deus devem ser vistas no contexto da questão solene do discípulo pecador. É possível que os dois que concordam em 18:19 sejam membros de um tribunal de três membros que representa a comunidade (m. Sanh. 1.1; Hagner 1995a: 533; cf. 5:21–22). Durante o processo disciplinar, a igreja na terra pode ter certeza de que o Pai celestial guiará e confirmará suas deliberações e orações. Derrett (1979c) argumenta, sem convicção, que os dois que perguntam em 18:19–20 são as pessoas ofensora e ofendida de 18:15–17 e que seu pedido é dirigido às autoridades judiciais”.
(TURNER, Matthew, 2008, p. 446)

O clímax teológico está em Mateus 18:20: “porque onde dois ou três se reúnem em meu nome, ali eu estou no meio deles”. A fórmula “em meu nome” remete ao Antigo Testamento, onde o nome de Deus é o lugar da sua presença: Êxodo 20:24 promete que, “em todo lugar onde eu fizer lembrar o meu nome, virei a ti e te abençoarei”. Leem-se aqui ressonâncias deliberadas: como observa Lois Tverberg, Jesus se inscreve nessa promessa ao deslocar o foco do templo físico para a assembleia que se reúne em torno do seu nome; não é mais o lugar sagrado que garante a presença, mas a reunião daqueles que pertencem ao Messias (LOIS TVERBERG, “Where Two or Three are Gathered…”, em Our Rabbi Jesus). Estudos que articulam essa leitura com o conceito judaico de shekhinah sugerem que Mateus 18:20 funciona como uma espécie de promessa de “shekhinah cristológica”, a presença de Deus agora concentrada na figura de Jesus no centro da assembleia julgadora e orante (BOBBY VALENTINE, “Two or Three Gathered in My Name: God’s Shekinah, the Temple, Rabbi Jesus”).

Vários intérpretes, antigos e modernos, notam que o “dois ou três” de Mateus 18:20 não é um número aleatório, mas retoma as “duas ou três testemunhas” do versículo 16, que por sua vez ecoam Deuteronômio 19:15. Ou seja: os “dois ou três” reunidos em nome de Jesus são, primariamente, aqueles que se juntaram para tratar de um caso concreto de pecado e reconciliação dentro da comunidade. Eles não estão simplesmente “fazendo culto” em número reduzido; estão, por obediência, carregando o peso de uma decisão difícil, e a promessa é que o próprio Cristo se coloca no meio deles para garantir que essa decisão não é mera vontade humana, mas expressão da vontade do Pai. Leitura responsável e cuidadosa insiste que aplicar o versículo a qualquer reunião pequena de oração sem contexto disciplinar é empobrecer sua força original (ver, por exemplo, MICHAEL LI, “What Does Matthew 18:20 Mean?”; e a crítica ao uso devocional desvinculado de disciplina em “Misusing Matthew 18:18–20).

Dentro dessa moldura, a presença de Cristo prometida em Mateus 18:20 é, ao mesmo tempo, consolo e ameaça. Consolo, porque a pequena comunidade, vulnerável ao erro e ao abuso de poder, não toma decisões sozinha: o Ressuscitado, que prometeu estar “convosco todos os dias até a consumação do século” em Mateus 28:20, aqui se faz presente de modo específico na hora da decisão comunitária. A mesma teologia da presença percorre o evangelho desde o título “Emanuel” em Mateus 1:23 até a promessa final; estudos de cristologia narrativa têm mostrado como esses textos formam um arco que estrutura a identidade de Jesus como Deus-conosco na história real da igreja (J. M. CARLSON, “Matthew’s Narrative Christology of Divine Presence”, dissertação em Seattle Pacific University). Mas é também ameaça: aquele que está “no meio” é o Pastor que busca a ovelha perdida, mas que também julga com severidade quem despreza os pequeninos (Mateus 18:6–10). A assembleia que disciplina deve lembrar que o Juiz está na sala.

Desse modo, a oração comunitária em Mateus 18:19–20 não é um adendo genérico ao tema da oração, mas a respiração espiritual de um corpo que exerce disciplina como serviço de amor. A concordância pedida é sinfônica: é o processo em que corações se alinham ao caráter de Cristo para decidir, em lágrimas e esperança, o que fazer com um irmão que persiste no pecado. A promessa “ali eu estou no meio deles” não é uma frase de efeito para justificar encontros pequenos, mas a garantia de que, quando a igreja se reúne com o coração quebrantado para cuidar dos seus, o próprio Senhor se coloca no centro, governa as palavras, dá peso às decisões e transforma um ato que poderia ser apenas jurídico em liturgia de reconciliação. Nesse horizonte, cada assembleia que se reúne em nome de Jesus para confrontar, perdoar e restaurar torna-se um ícone vivo do Reino: um pequeno círculo de dois ou três em torno de um Cristo invisível, mas real, que ora com eles, julga com eles e, sobretudo, busca com eles a ovelha desgarrada até que a alegria da casa inteira seja restaurada.

B. A comunidade orante em Atos: o corpo que respira junto

Na seção anterior, Mateus 18:15–20 mostrou a promessa de Cristo de estar no meio dos “dois ou três” que se reúnem em seu nome, especialmente no contexto de disciplina e reconciliação. O livro de Atos é como o “filme” dessa promessa: ali vemos, em cenas sucessivas, o que significa uma igreja que vive, discerne e sofre em torno de um Cristo presente no meio de uma comunidade que ora com uma só voz. Diversos estudos recentes sobre espiritualidade em Lucas–Atos destacam que, para o terceiro evangelista, a oração não é um adorno devocional, mas o modo concreto pelo qual o povo de Deus participa do agir de Jesus e do Espírito na história (WRIGHT, Wright, C. “The Power of Example: Following Jesus on the Path of Spirituality in Luke-Acts”. Religions, 2023, pp. 14, 161; OTEY, “Luke’s Invitation to a Life of Prayer”, 2024, pp. 20-26). Nessa perspectiva, as cenas de Atos 1–4; 12–13; 16 formam um verdadeiro laboratório de oração comunitária.

Em Atos 1:12–14, logo após a ascensão, os discípulos voltam do monte das Oliveiras para Jerusalém e se reúnem no cenáculo com as mulheres, com Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos dele. Lucas descreve que “todos eles se reuniam sempre em oração”, usando o verbo proskartereō (“perseverar com firmeza”) e a expressão de unidade homothymadon (“de um só ânimo”), que reaparecerá ao longo do livro para caracterizar a concordância interior da comunidade. Estudos sobre a teologia da oração em Lucas–Atos mostram que esse primeiro retrato dos cento e vinte discípulos estabelece o padrão: antes de qualquer movimento missionário, antes mesmo de Pentecostes, a igreja é definida como um grupo que espera e discerne junto, em perseverança orante. Em termos cristológicos, é como se o corpo de Cristo ressuscitado respirasse pela primeira vez na história através do fôlego uníssono da oração.

Essa respiração comum reaparece de forma programática em Atos 2:42–47. Depois de Pentecostes e do discurso de Pedro, Lucas condensa a vida da comunidade em quatro práticas: perseverança na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e “nas orações”. Vários intérpretes notam que a forma plural (“orações”) sugere tanto momentos comunitários específicos quanto uma continuidade com os horários de oração do judaísmo, agora preenchidos pela fé em Cristo. Mas o ponto decisivo é a posição da oração dentro da lista: ela está lado a lado com o ensino apostólico e com a mesa; não é apêndice, mas um dos pilares que sustentam a identidade da igreja. Estudos sobre os sumários comunitários de Atos 2 e 4 insistem que Lucas não está apenas descrevendo um momento idealizado, mas oferecendo um quadro normativo de como a igreja discerne a vontade de Deus, partilha bens, acolhe os pobres e testemunha no mundo (cf. WENDEL, J. S. Are Luke’s Community Summaries in Acts 2 and 4 a Cultural Appeal?, Journal for the study of the New Testament, 2024, pp. 46(4), 607-629). A perseverança “nas orações” é, assim, a forma concreta pela qual o povo responde dia após dia ao dom do Espírito derramado.

A matriz judaica do AT reaparece de modo nítido também quando chegamos a Lucas–Atos. O terceiro evangelho, recorda Peterson, “também enfatiza que o templo era ‘uma casa de oração’ para Israel”, um lugar onde o povo inteiro se apresenta diante de Deus como assembleia suplicante (PETERSON, ibid. 1992, p. 138). Em Atos, esse espaço ainda “permanece por algum tempo um lugar de oração pública para os cristãos”, mesmo quando surgem as reuniões “de casa em casa”, em que os crentes comem juntos e louvam a Deus em comunhão (PETERSON, ibid., p.139). O resumo de Atos 2:42, para Peterson, é um quadro condensado da vida comunitária: “Atos 2:42 fornece um breve resumo da atividade do primeiro grupo de cristãos em Jerusalém”, que perseveram no ensino, na comunhão, na fração do pão e “nas orações” (PETERSON, ibid., p. 153). A expressão no plural com artigo, “as orações” (tais proseuchais), aponta para práticas específicas tanto no templo quanto nos lares, está descrevendo uma igreja que respira em uníssono, retomando e transfigurando a antiga liturgia de Israel em torno do Messias ressuscitado.

Daí, o fio se prolonga num apelo direto às comunidades de hoje. Lucas–Atos constitui um poderoso encorajamento e chamado profético à igreja para que seja, ela também, uma igreja de oração, não apenas orando por suas próprias necessidades, mas clamando pela missão e pela intervenção de Deus na história. E ele não hesita em dizer que “o desafio para muitas igrejas contemporâneas é dar mais lugar a tal oração” em sua vida comum, retomando o modelo de um povo que se põe, junto, diante do trono (PETERSON, ibid., p. 159). A oração comunitária, assim, não é detalhe litúrgico; é o modo como o novo Israel responde, como corpo, ao Deus que fala.

Atos 3:1 encaixa-se nesse mesmo padrão. Pedro e João sobem ao templo “na hora da oração, a nona”, quando encontram o coxo à porta Formosa. O cenário mostra que a jovem comunidade não rompeu com Israel, mas continua a frequentar os espaços e os tempos de oração do povo da aliança, agora reconhecendo que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó glorificou o seu Servo Jesus (Atos 3:13). Estudos sobre espiritualidade em Lucas–Atos sublinham que, para Lucas, a oração marca os pontos de inflexão do enredo: aqui, o encontro no horário de oração se transforma em ocasião para cura, anúncio cristológico e confronto com as autoridades (WRIGHT, “The Power of Example: Following Jesus on the Path of Spirituality in Luke-Acts.” Religions, vol. 14, no. 2, 2023). A hora de oração deixa de ser apenas rito e passa a ser lugar de irrupção do Reino, onde a compaixão concreta por um mendigo encarna a fé confessada na assembleia.

Essa ligação entre oração, perseguição e ousadia aparece em relevo na célebre oração da igreja em Atos 4:24–31. Após a prisão e a ordem de silêncio imposta a Pedro e João, a comunidade se reúne, “eleva a voz a Deus” e ora em uníssono. U. C. von Wahlde, em um estudo clássico publicado em Biblica, mostra como essa oração funciona como “avaliação teológica da primeira perseguição cristã”: ela começa com uma invocação ao Deus criador, cita o Salmo 2 para interpretar a conjunção de Herodes, Pilatos, gentios e povos de Israel, e só então apresenta o pedido (von Wahlde, U. C. “The Theological Assessment of the First Christian Persecution: The Apostles’ Prayer and Its Consequences in Acts 4,24-31.” Biblica, vol. 76, no. 4, 1995, pp. 523–31). Notavelmente, o pedido não é por livramento das perseguições, mas por ousadia para anunciar a palavra, acompanhada da continuação dos sinais e curas “pelo nome do teu santo Servo Jesus”. A resposta divina vem na forma de um abalo físico do lugar e de um novo enchimento do Espírito, que capacita todos a falar com intrepidez. Exegetas notam aqui um paralelismo com teofanias do Antigo Testamento (como o tremor do Sinai), mas reconfigurado: agora, a presença que abala o espaço não está mais confinada ao templo, mas se manifesta onde a comunidade, unida, ora e discerne a missão. (VON WAHLDE, Biblica 76/4, 1995). Biblica via ScholarsPortal

Essa oração de Atos 4 também é um paradigma litúrgico. Análises narrativas apontam sua estrutura quase “eucarística”: ela recapitula a história de Deus, relembra a paixão de Cristo como cumprimento das Escrituras e, a partir dessa anamnesis, formula o pedido para o presente. A comunidade aprende a orar não a partir de suas emoções imediatas, mas mergulhando na Escritura e reinterpretando seu sofrimento à luz do messias crucificado. A promessa de Mateus 18:20 — Cristo no meio dos que se reúnem em seu nome — ganha aqui contornos trinitários: é o Senhor ressuscitado, por meio do Espírito, que torna o lugar do medo em lugar de abalo santo e reenvio missionário.

Em Atos 12:5–17, o laboratório da oração comunitária é levado ao extremo. Herodes Agripa I manda matar Tiago, irmão de João, e, vendo que isso agrada a alguns, prende também Pedro (Atos 12:1–4). A narrativa contrasta então o poder político armado com a “oração intensa” da igreja por Pedro (Atos 12:5). Interpretações exegéticas destacam que o advérbio ektenōs (“fervorosamente, estendido ao máximo”) retoma o vocabulário usado para a oração de Jesus no Getsêmani, sugerindo uma continuidade entre a agonia orante do Mestre e a intercessão da comunidade. A libertação miraculosa de Pedro pela intervenção angelical, a incredulidade inicial da própria comunidade ao ouvir o relato e a permanência do martírio de Tiago compõem um quadro teologicamente denso: a oração não impede todo sofrimento, mas mantém a comunidade em vigília solidária, e a resposta de Deus pode surpreender tanto pela graça quanto pelo mistério.

Estudos sobre a perseguição na igreja primitiva, ao comentar Atos 12, observam que Lucas não romantiza o sofrimento: Tiago morre, Pedro é salvo, e Herodes termina julgado pelo juízo divino (Atos 12:20–23). Essa assimetria mostra que a oração não funciona como “mecânica” de resultados previsíveis, mas como entrega radical do destino da missão nas mãos de um Deus soberano (ver panorama em “Persecution in the Early Church”, que recolhe a bibliografia especializada sobre Atos 4 e 12). Ainda assim, Lucas faz questão de mostrar que, enquanto Pedro está guardado por quatro escoltas de soldados, a igreja permanece reunida “na casa de Maria, mãe de João, chamado Marcos”, orando. O espaço doméstico novamente se torna cenáculo, prolongamento da promessa de Mateus 18:19–20: ali, poucos homens e mulheres, concordes numa súplica, participam do desenrolar da história de Deus.

Em Atos 13:1–3, o foco se desloca para a igreja em Antioquia, primeira grande comunidade gentílico-judaica, que se torna berço das missões paulinas. Lucas descreve uma assembleia de “profetas e mestres”, marcada por culto, jejum e oração. No meio dessa liturgia, o Espírito Santo fala: “Separai-me Barnabé e Saulo para a obra a que os chamei.” Pesquisas missiológicas recentes sobre esse texto argumentam que Atos 13:1–3 não é apenas um relato histórico, mas um modelo de discernimento missionário: a orientação do Espírito é ouvida no contexto de uma comunidade que adora, jejua e ora conjuntamente (ADENIYI & WILLIAMS, “Missiological Reflection on the Intervention (Guidance) of the Holy Spirit in Christian Missions in Acts 13:1–3”, Scope: An International Journal of Theology, 2023). Na sequência, depois de novo jejum e oração, a igreja impõe as mãos e envia Barnabé e Saulo. A conjunção de culto, jejum, oração e envio mostra que o discernimento da vontade de Deus para a missão não é ato solitário nem mera estratégia administrativa: é fruto de uma escuta comunitária, onde o “nós” messiânico de Mateus 18 se deixa conduzir pela voz do Espírito.

Um estudo sobre liderança e oração na igreja primitiva, ao ler em conjunto Atos 4, 12 e 13, observa que os líderes e toda a comunidade buscavam a direção do Espírito para a unidade e a missão “por meio da adoração, da oração e do jejum em conjunto”, antes de decisões cruciais como o envio de missionários e a nomeação de presbíteros (ver “Life together for church leaders”, Ministry Magazine, 2017). Nesse sentido, a comunidade de Antioquia encarna de forma paradigmática o que significa ser igreja “em torno” de Cristo: não apenas se reunir, mas submeter coletivamente sua agenda à voz do Espírito no meio da assembleia.

Por fim, Atos 16:25 mostra a oração comunitária em um cenário extremo: a prisão de Paulo e Silas em Filipos. Depois de serem açoitados e lançados no cárcere interior, com os pés no tronco, “por volta da meia-noite, Paulo e Silas oravam e cantavam hinos a Deus, e os outros presos os escutavam” (Atos 16:25). Comentários exegéticos destacam que esse versículo reúne elementos litúrgicos (oração e canto de hinos) e testemunhais (os prisioneiros “estavam escutando”), de modo que a cela se transforma em um pequeno culto comunitário em que a presença de Cristo irrompe na escuridão (análise resumida em “What Does Acts 16:25 Mean?”). O terremoto que se segue, abrindo portas e soltando correntes, ecoa o abalo de Atos 4: a presença de Deus sacode as estruturas de opressão. Mas, de novo, a resposta dos apóstolos é surpreendente: em vez de fugir, permanecem, e o resultado é a conversão do carcereiro e de sua casa. A oração e o louvor não funcionam como fuga da realidade, mas como modo de habitar o sofrimento de forma tal que o mundo ao redor é interpelado.

À luz desses episódios, o quadro de Atos 1–4; 12–13; 16 faz ressoar, em chave narrativa, a promessa de Mateus 18:19–20. Em cada cenário — o cenáculo que espera, a comunidade que persevera “nas orações”, a assembleia que ora sob ameaça, a igreja que intercede por Pedro, o presbitério que jejua e envia, a dupla missionária que canta na prisão — a oração comunitária é o lugar em que Cristo se coloca ao centro do “nós”, conduzindo, consolando, abalando, corrigindo e enviando. Estudos recentes sobre espiritualidade em Lucas–Atos insistem que, para esse autor, seguir Jesus é adotar seu padrão de vida orante em chave comunitária: ele se afasta para orar, mas também ora com os discípulos; a igreja, por sua vez, ora como corpo, de maneira perseverante, unânime, scriptural e disponível ao Espírito (WRIGHT, C. ibid, 2023, pp. 14, 161; OTEY, “Luke’s Invitation to a Life of Prayer”, 2024, pp. 20-26). Nesse horizonte, as orações comunitárias em Atos não são apenas memória edificante, mas convocação: elas nos mostram o que significa, de modo concreto, viver hoje a promessa de que, onde dois ou três se reúnem em seu nome, ali o Ressuscitado está no meio, ensinando a igreja a respirar, sofrer e cantar em uníssono diante de Deus.

C. A assembleia que ora: Paulo e a formação de um só corpo diante de Deus

À medida que a narrativa bíblica avança de Israel para as primeiras comunidades cristãs, a oração vai deixando de ser apenas o grito de indivíduos dispersos e passa a ter o rosto concreto de pequenas igrejas espalhadas pelo mundo greco-romano. Já não se trata apenas de salmos entoados no templo ou de clamores em casas de Jerusalém, mas de assembleias formadas por ex-idólatras, judeus da diáspora, escravos e gente livre, que precisam aprender a falar com Deus como um só corpo. É nesse cenário de cidades tumultuadas, conflitos internos e divisões que a oração se torna, nas cartas de Paulo, um instrumento delicado de cura e de formação comunitária: ela não só liga a igreja ao céu, mas vai lentamente costurando os pedaços de uma comunidade ferida para que aprenda a viver unida diante do Pai.

Quando o livro passa à teologia paulina da assembleia, a mesma melodia reaparece com novos arranjos. A reunião da igreja é descrita à luz de 1 Coríntios 12–14: “há diversidade de dons, mas o mesmo Espírito; e há diversidade de serviços, mas o mesmo Senhor”, e tudo isso é “manifestação do Espírito para o bem comum” (PETERSON, ibid., 1992, p. 195). É nesse contexto que “ação de graças, oração e louvor desempenham papel muito significativo nas cartas de Paulo”, porque o apóstolo, ao narrar suas intercessões pelos santos, está formando o povo para uma prática comunitária de oração (PETERSON, ibid., 1992, p. 200). Há uma estreita conexão entre ação de graças e oração na correspondência paulina: o coração que agradece pela graça recebida torna-se, ao mesmo tempo, boca que intercede pelo povo inteiro.

As formas e vocabulário dessas orações não nascem do nada: “uma fonte importante de palavras e motivos nas orações de Paulo foi a pregação cristã primitiva”, de onde ele toma expressões que exaltam a obra de Cristo e a aplica às comunidades pelas quais ora. Além disso, Paulo multiplica “exortações gerais a orar e dar graças”, ligando a vida de oração da igreja à expansão do evangelho e ao desimpedimento da proclamação. A mensagem do evangelho, diz Peterson, desperta “uma confiança que nos capacita a aproximar-nos do Pai em nome de Jesus”, e essa aproximação não é apenas de indivíduos isolados, mas do corpo inteiro que aprende a chamar Deus de Pai numa única voz (PETERSON, Ibid., 1992, p. 201). O cenário é de uma assembleia que se deixa moldar por intercessões, ações de graças e súplicas que têm o povo inteiro como horizonte.

Essa moldagem aparece com nitidez logo na abertura de 1 Coríntios. Antes de corrigir divisões, imoralidade e desordem no culto, Paulo começa com uma longa ação de graças: “sem cessar dou graças ao meu Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi dada em Cristo Jesus” (1 Coríntios 1:4–9). A oração aqui não é um preâmbulo protocolar, mas o primeiro gesto de reconstrução comunitária: ele convoca a igreja a se enxergar não a partir de seus fracassos, mas da fidelidade de Deus que a sustenta. Mais adiante, ao tratar da oração em línguas e da profecia, Paulo mostra que até a forma da oração precisa ser pensada em função do corpo: quando alguém ora “em espírito”, mas a assembleia não entende, “como dirá o amém sobre tua ação de graças?” (1 Coríntios 14:16–17). A pequena pergunta “como dirá o amém?” revela toda uma teologia da oração comunitária: o alvo não é uma experiência privada em meio à multidão, mas um clamor em que todos possam, com entendimento, responder juntos diante de Deus.

Em 2 Coríntios, a mesma lógica se aprofunda: Paulo fala de tribulações e livramentos e, de repente, inclui a igreja dentro do próprio drama: “ajudando-nos também vós com a vossa oração por nós, para que, pela ajuda de muitos, sejam dadas graças por muitos a nosso respeito” (2 Coríntios 1:11). Aqui a oração comunitária aparece como um grande circuito: a igreja intercede pelo apóstolo, Deus intervém, e depois “muitos rostos” se voltam para Ele em gratidão. Não é mais apenas Paulo orando pela igreja; é a igreja inteira participando, com suas súplicas e seus “améns”, da obra de Deus na vida dos outros. E, quando a carta se encerra com a bênção trinitária — “a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Coríntios 13:13) —, essa fórmula é, na prática, uma oração lançada sobre a assembleia: um último gesto de intercessão comunitária, em que o apóstolo pede para que a vida da Trindade envolva e sustente aquele povo reunido.

C. Sacerdócio comunitário e liturgia celeste

Em Hebreus, o tema ganha densidade quase litúrgica: o vocabulário cultual é reaproveitado para descrever o acesso coletivo da igreja ao trono da graça. Peterson observa que o verbo proserchesthai (“aproximar-se”) “ocorre em vários pontos do argumento” (4:16; 7:25; 10:1, 22; 11:6; 12:18), e que o autor aplica a linguagem de aproximação sacerdotal ao conjunto dos cristãos, não a uma classe separada (PETERSON, ibid., 1992, p. 239). Consequentemente, 4:16 e 10:22 são lidos como convites a que a comunidade reconheça, em conjunto, o benefício da nova relação inaugurada por Cristo, ousando entrar com confiança na presença de Deus. Aproximar-se assim “significará constantemente expressar confiança em Jesus e em sua obra salvadora”, o que, na prática, assume a forma de uma comunidade que ora e confessa como corpo).

Quando o autor trata explicitamente “da reunião dos cristãos a quem se dirige”, Peterson nota que Hebreus descreve o congregar-se como meio de preservar e fortalecer a fé, por meio de exortações recíprocas (PETERSON, ibid., p. 248). “Em nenhum outro contexto do Novo Testamento”, acrescenta, “a exortação mútua é destacada como meio de lidar com o perigo da incredulidade”, o que mostra que a reunião não é mero cumprimento de rito, mas espaço de intervenção mútua em nome de Deus (PETERSON, ibid., p. 249). Daí a síntese: “o propósito da reunião congregacional em Hebreus pode ser assim definido como ministério mútuo”, em que cada um vem não apenas para receber, mas para servir, estimulando o próximo à esperança e às obras que honram a Deus (PETERSON, ibid., p. 250). Sob essa luz, a oração comunitária é o respirar conjunto de um povo que se aproxima, como sacerdócio coletivo, do Deus que fala.

Quando os primeiros cristãos se reuniam para orar, eles não se percebiam apenas como um grupo de indivíduos religiosos, mas como um povo que entrava junto numa realidade maior do que qualquer casa, sala ou catacumba poderia conter. A linguagem do Novo Testamento para descrever a igreja é, desde cedo, irremediavelmente sacerdotal e celeste: uma “casa espiritual”, um “sacerdócio santo”, um corpo que se apresenta diante de Deus em nome de Cristo e, ao fazê-lo, participa liturgicamente da adoração do céu. Estudos recentes sobre 1 Pedro sublinham que o autor, ao chamar a comunidade de “casa espiritual” e “sacerdócio santo” em 1 Pedro 2:5, está recolhendo títulos que no Antigo Testamento pertenciam a Israel como povo sacerdotal e aplicando-os, agora, a uma assembleia espalhada, socialmente marginal e reunida em torno de Jesus (BOTNER, “The Essence of a Spiritual House: Misunderstanding Metaphor and the Question of Supersessionism in 1 Peter.” Journal of Biblical Literature, vol. 139, no. 2, 2020, pp. 409–25). A oração comunitária, na pena de 1 Pedro, já não é privilégio de uma casta levítica; é o exercício quotidiano de um povo inteiro que, como pedras vivas, se deixa edificar em templo.

Essa imagem de casa espiritual e sacerdócio comunitário em 1 Pedro 2:4–10 funciona como ponte entre a herança de Israel e a autocompreensão da igreja nascente. Pesquisas de recepção veterotestamentária mostram que o texto tece uma tapeçaria de alusões a Êxodo 19:6 (“reino de sacerdotes”), Isaías 28:16 (a pedra angular) e Oséias 1–2 (o povo rejeitado que volta a ser povo), de modo que a comunidade cristã é descrita como novo templo e novo povo sacerdotal, chamado a oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo” (BJERKE, The Reception of Old Testament Texts in 1 Peter 2:4–10, tese de mestrado, VID Specialized University). A expressão “por meio de Jesus Cristo” carrega um peso implícito: mesmo que 1 Pedro não desenvolva uma cristologia sacerdotal tão elaborada quanto Hebreus, o preposicional “por meio de” pressupõe um Cristo que atua como mediador litúrgico, aquele em cujo sacerdócio o povo inteiro é envolvido. A comunidade que ora, canta e intercede não se vê apenas como público de um culto, mas como casa viva na qual Cristo continua, por seu Espírito, a oferecer louvor ao Pai.

Esse deslocamento da figura sacerdotal para o corpo inteiro se apoia, por sua vez, na grande reconfiguração que a carta aos Hebreus opera. Se 1 Pedro fala de um “sacerdócio santo” distribuído, Hebreus insiste em Jesus como o Sumo Sacerdote único, que inaugura um culto definitivamente celeste. Estudos recentes sobre Hebreus 8–10 lembram que o autor descreve Cristo como aquele que, após oferecer um único sacrifício eficaz, entra no santuário “não feito por mãos”, o verdadeiro tabernáculo celeste, e aí exerce um ministério sacerdotal permanente (C. A. EBERHART, “The Unique Sacrifice of Christ according to Hebrews 9”, Religions 10/1, 2019). A crítica à insuficiência do sacerdócio levítico e dos sacrifícios repetidos abre espaço para um culto cujo centro já não é um altar terrestre, mas o próprio Cristo entronizado à direita de Deus. Nesse quadro, a assembleia cristã, quando ora e celebra, não está inventando uma liturgia autônoma; ela é como que “puxada” para dentro do culto que o Filho presta ao Pai na eternidade.

O tema do “santuário celeste” em Hebreus tem sido explorado como chave para entender a relação entre liturgia terrestre e liturgia do céu. Estudos que analisam Hebreus 8:5 destacam o uso de Êxodo 25:40 (“vê que faças tudo segundo o modelo que te foi mostrado no monte”) para sustentar a ideia de que o tabernáculo mosaico é apenas cópia da realidade superior, celeste (G. J. STEYN, “‘On Earth as it is in Heaven…’ The Heavenly Sanctuary Motif in Hebrews 8:5”, HTS Teologiese Studies 67, 2011). Na leitura dessa tradição, o culto cristão participa dessa lógica “de baixo para cima”: a comunidade não cria formas arbitrárias de oração, mas se conforma ao Cristo que ministra no verdadeiro santuário, deixando que seus gestos terrestres sejam reflexos de uma liturgia mais profunda. Se em Hebreus 12 a assembleia é descrita como já aproximada do “Monte Sião, da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celestial”, então cada oração comunitária é narrada como peregrinação ao céu, não como rito fechado num espaço físico.

Essa convergência entre sacerdócio comunitário e liturgia celeste se intensifica quando se lê Hebreus e 1 Pedro à luz do Apocalipse. Em vários momentos do livro, a visão do céu é dominada por uma liturgia coral: anciãos, seres viventes e uma multidão incontável cantam diante do trono e do Cordeiro (por exemplo, Apocalipse 4–5; 7; 14; 19). Pesquisas recentes sobre o “sacerdócio de todos os crentes” destacam que Apocalipse 1:6 e 5:10 falam do povo redimido como “reino e sacerdotes para o nosso Deus”, associados tanto à realeza quanto ao serviço sacerdotal, e que a imagem atinge sua “operacionalidade” plena nas cenas finais, quando toda a comunidade participa da adoração e do serviço na nova criação (cf. discussão em “Revelation 7:15 and heavenly service?”, resumo em BibleHub que compila a leitura de vários comentaristas). A liturgia celeste não é espetáculo contemplado à distância, mas vocação compartilhada: o povo sacerdotal canta, intercede e serve diante do trono, como antecipação da sua identidade escatológica.

Dentro da pesquisa litúrgica, tornou-se quase lugar-comum afirmar que a liturgia cristã “começa no céu”. Uma síntese acessível desse motivo pode ser vista, por exemplo, no ensaio “Heavenly Worship” de um portal dedicado à história da liturgia, que observa como as visões bíblicas de adoração celeste — da revelação do tabernáculo a Isaías 6 e Apocalipse — moldam a compreensão de que o culto terrestre é participação, não imitação distante, na liturgia dos anjos (HEAVENLY WORSHIP, em Liturgica.com). Pesquisadores que estudam a tradição patrística e bizantina mostram como, desde cedo, termos como “sinaxe” e “mistério” passam a ser associados à ideia de que, na eucaristia e nas orações, a igreja se reúne “com os anjos” para oferecer glória ao Pai por Cristo no Espírito (J. G. FIELD, Worshiping with Angels: Towards a Deeper Understanding of Daily Prayer in Fourth-Century Cappadocia, tese de doutorado, University of Exeter). O imaginário da liturgia celeste, assim, não é devocionalismo tardio; nasce na própria Escritura e é elaborado pela igreja como lente para interpretar o que acontece quando ela ora em comum.

A relação entre essa visão celeste e a prática concreta das orações comunitárias ficou particularmente nítida quando a igreja começou a estruturar formas diárias de oração — o que mais tarde se chamará “ofício divino”. Paul Bradshaw, em seus estudos sobre a oração diária nos primeiros séculos, mostra como a recitação solene de salmos, organizada em ciclos, era entendida como uma continuidade da vigília das primeiras comunidades e dos monges, que viam na recitação comunitária uma participação no louvor incessante dos anjos (P. F. BRADSHAW, Daily Prayer in the Early Church: A Study of the Origin and Early Development of the Divine Office, SPCK/Oxford University Press, 1981). Em outras palavras, quando um grupo de cristãos se reunia de manhã ou à noite para “dizer os salmos”, não imaginava estar apenas cumprindo um dever devocional, mas somando a própria voz ao coro celeste, como se a poeira da terra fosse, por um instante, atravessada pela luz do santuário superior.

No mesmo horizonte, estudos recentes sobre a organização do culto nas primeiras comunidades insistem que não se pode separar a dimensão “horizontal” — edificação mútua — da dimensão “vertical” — sacerdócio diante de Deus. Larry Hurtado, ao analisar as práticas devocionais do cristianismo primitivo, argumenta que a singularidade dessa fé não está apenas nas crenças, mas numa forma de culto em que Jesus é integrado, de maneira impressionantemente precoce, ao padrão de adoração dirigido a Deus: invocar o nome de Jesus, orar “por meio dele” e reunir-se em torno da sua presença ressuscitada são expressões de um “culto binário” que coloca a igreja inteira num registro litúrgico novo (L. W. HURTADO, At the Origins of Christian Worship: The Context and Character of Earliest Christian Devotion, Eerdmans, 2000). Se é assim, cada assembleia que ora em nome de Jesus, desde as casas de Corinto até as basílicas bizantinas, está crescendo na consciência de que o seu lugar não é apenas sociológico, mas sacerdotal: ela se oferece a Deus com Cristo, em Cristo e por Cristo.

David Peterson, ao construir uma teologia bíblica do culto, reforça essa síntese ao dizer que o “lugar” de adoração do cristão não é mais um santuário terrestre, mas o próprio céu, onde Cristo ministra como Sumo Sacerdote, e que muitos termos de culto no Novo Testamento são reaplicados para descrever o serviço cotidiano do povo unido a ele (D. G. PETERSON, Engaging with God: A Biblical Theology of Worship, IVP, 1992; e o ensaio “Worship, Edification and Theological Method”, disponível em seu site acadêmico). Isso significa que, quando a comunidade se reúne para orar, ela não está apenas “fazendo algo religioso”, mas entrando objetivamente num espaço onde o Cristo entronizado intercede. A oração comunitária torna-se, assim, a respiração do corpo sacerdotal: ela liga a igreja ao seu Cabeça e, ao mesmo tempo, a envia de volta ao mundo para servir em amor.

Nessa perspectiva, a história das orações comunitárias no cristianismo pode ser lida como um longo aprendizado desse duplo movimento: de um lado, a interiorização do sacerdócio, que deixa de ser função de poucos para tornar-se identidade de todos os batizados; de outro, a descoberta progressiva de que cada assembleia, por mais pequena e frágil, é convocada a participar da liturgia celeste. Das reuniões em torno da mesa em Jerusalém às vigílias de salmos dos monges, das liturgias urbanas das grandes cidades do império às celebrações discretas em casas e pequenas capelas, o fio que une tudo é esse: o povo, como casa espiritual, sobe em bloco ao santuário do céu, e ali se põe diante de Deus, não como plateia, mas como sacerdócio santo. Quando dois ou três, ou duzentos ou três mil, respiram juntos o nome de Jesus, a terra e o céu se tocam por um instante, e a comunidade descobre, de novo, que o seu lugar verdadeiro é “onde Cristo está, assentado à direita de Deus”, para de lá trazer para o mundo os frutos da sua intercessão.

1. Sacerdócio Comunitário e liturgia celeste

Quando se fala em sacerdócio comunitário e liturgia celeste, 1 Pedro 2 e Apocalipse 4–5; 8 são como duas janelas que se abrem para o mesmo horizonte: de um lado, a comunidade na terra, feita de homens e mulheres exilados, frágeis, dispersos; de outro, a sala do trono no céu, cheia de luz, canto e incenso. As duas cenas se refletem mutuamente: aquilo que o povo faz quando se reúne em oração é, na linguagem do Novo Testamento, participação concreta na adoração que já está acontecendo diante de Deus.

Em 1 Pedro 2:4–5, o autor convida os cristãos a “chegar” a Cristo como a “pedra viva” rejeitada pelos homens, mas eleita e preciosa diante de Deus, e a se reconhecer, eles mesmos, como “pedras vivas” que estão sendo edificadas em “casa espiritual” e “sacerdócio santo” para oferecer “sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo”. Estudos recentes sobre essa passagem mostram como a imagem da “casa espiritual” é deliberadamente templária: o vocabulário que Pedro escolhe ecoa a linguagem do templo de Jerusalém, mas a desloca para a comunidade, como se o lugar da presença divina tivesse mudado de endereço, do edifício de pedra para o corpo vivo da igreja (C. WETTERLIN, “Interpretations of ‘Spiritual House’ in 1 Peter 2:4–5”, Andrews University, em digitalcommons.andrews.edu). Um estudo mais amplo sobre “templo, exílio e identidade” em 1 Pedro mostra que essa metáfora funciona como resposta teológica à situação de marginalidade dos leitores: ao se verem como “forasteiros” em sociedades hostis, eles são convidados a se enxergar ao mesmo tempo como o verdadeiro templo de Deus em movimento, um santuário vivo espalhado pelo mundo (G. J. STEYN, “Temple, Exile and Identity in 1 Peter”, disponível em academia.edu).

A expressão “sacerdócio santo” que acompanha a imagem da casa espiritual amarra o tema do templo ao da vocação do povo inteiro. No Antigo Testamento, a linguagem sacerdotal estava concentrada na tribo de Levi e na figura do sumo sacerdote; agora, Pedro aplica a mesma categoria a todos aqueles que vêm a Cristo, judeus e gentios, como pedras vivas. Pesquisadores observam que, na sequência do versículo, os “sacrifícios espirituais” de que Pedro fala não são rituais sangrentos, mas tudo aquilo que o povo oferece a Deus em obediência, louvor, serviço e oração, mediado “por meio de Jesus Cristo” (interpretação discutida em WETTERLIN, “Interpretations of Spiritual House in 1 Peter 2:4–10 and Their Implications on the Indwelling of Divine Presence”, 2016). Quando a comunidade se reúne para interceder, confessar, cantar e agradecer, ela está exercendo exatamente esse sacerdócio santo: não apenas “assistindo” a um culto, mas sendo, em conjunto, o lugar onde o louvor sobe como oferta a Deus.

O versículo 9 expande essa identidade com uma cadeia de títulos retirados diretamente do Êxodo e dos profetas: “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus”. Pesquisas sobre o uso do Antigo Testamento em 1 Pedro mostram que o autor está explicitamente ecoando Êxodo 19:5–6 (“reino de sacerdotes e nação santa”) e Oseias 1–2 (o povo que não era povo e volta a ser povo de Deus), de modo a aplicar à comunidade messiânica aquilo que antes era dito de Israel como povo da aliança (STEYN, “Temple, Exile and Identity in 1 Peter”, 2007). O adjetivo “real” acoplado a “sacerdócio” indica que esse povo não apenas serve no templo, mas participa da realeza do Messias; reina servindo, intercede governando. O propósito é claro: “a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. A oração comunitária se insere nesse horizonte como uma forma particular dessa proclamação: quando a igreja ora, ela não só pede; ela narra diante de Deus e do mundo quem Deus é, o que fez em Cristo e o que promete cumprir.

Se lermos 1 Pedro 2 dentro da linha que vem de Hebreus, a imagem fica ainda mais densa. Hebreus fala de Cristo como Sumo Sacerdote que entrou no santuário celeste com o próprio sangue; 1 Pedro fala da comunidade que, unida a esse Cristo, se torna casa espiritual e sacerdócio santo. A liturgia cristã, então, aparece como uma realidade “de dupla face”: no céu, Cristo ministra; na terra, a comunidade exerce o sacerdócio que recebeu nele. Estudos sobre a teologia do culto no Novo Testamento insistem nessa complementaridade: o culto cristão é, ao mesmo tempo, resposta do povo e participação no ministério do Filho diante do Pai.

É precisamente essa simultaneidade de céu e terra que o Apocalipse torna visível. Em Apocalipse 4–5, João é arrebatado “no Espírito” para dentro da sala do trono, onde vê, num só olhar, o Deus que se assenta no trono, o arco-íris, o mar de vidro, os relâmpagos, os trovões, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos. Estudos especializados sobre a “cena do tribunal celeste” nessas páginas mostram que, por trás da linguagem simbólica, há uma estrutura nitidamente litúrgica: o capítulo 4 gira em torno da adoração ao Criador; o capítulo 5, ao Cordeiro que foi morto e vive, e os hinos são dispostos como num crescendo, envolvendo cada vez mais vozes — anciãos, seres viventes, miríades de anjos, toda criatura (ver “The Heavenly Court Scene of Revelation 4–5”). Um estudo recente examina esses capítulos “à luz da teologia do templo” e conclui que a adoração ali descrita é, ao mesmo tempo, proclamação da soberania de Deus e inauguração de um “templo que abarca o mundo”, de modo que o ato de louvar a Deus reverbera criacionalmente (Z. SHAFFER, “Enthroned Upon the Praises: Understanding the Functions of Worship in Revelation 4 and 5”, Kairos 17/1, 2023).

No centro de Apocalipse 5, a ligação entre essa liturgia celeste e as orações comunitárias se explicita. Quando o Cordeiro toma o livro da mão direita daquele que está no trono, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos se prostram e cada um deles segura uma harpa e “taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos” (Apocalipse 5:8). Pesquisas acadêmicas sobre esse versículo lembram que a identificação explícita entre o incenso e as orações dos santos retoma uma tradição já conhecida do Antigo Testamento, especialmente o clamor do salmista: “suba minha oração diante de ti como incenso” (Salmos 141:2), e o ritual do altar de incenso em Êxodo 30 (C. VAN DAM, “Prayer as an Incense Offering”, Clarion 61/1, 2012). Outro estudo sobre “as orações dos santos e o juízo de Deus” ressalta que, ao serem apresentados em taças de ouro, esses clamores são retratados como algo precioso, guardado, ouvido, e que o plural “santos” sugere uma acumulação histórica e comunitária: não são pedidos isolados, mas o coro inteiro das súplicas da igreja ao longo do tempo (CSBV, “The Prayers of the Saints and the Judgment of God”).

Aqui a teologia se torna quase tangível: aquilo que as comunidades espalhadas pela terra murmuram em casas, grutas, praças, salões emprestados, aparece na visão de João como fumaça perfumada que enche a sala do trono nas mãos de anciãos coroados. Há uma continuidade secreta entre a sala estreita onde alguns irmãos oram em voz baixa e o espaço vasto onde anjos, anciãos e criaturas se prostram; na imagem do vidente, são os mesmos clamores, vistos de dois ângulos diferentes. Isto é uma inferência minha, não posso provar com dados externos: quando uma igreja local se reúne para interceder pelo mundo, ela está, de maneira invisível, contribuindo para encher as taças de ouro que João viu, compondo com suas vozes um incenso coral que sobe ao trono de Deus.

Em Apocalipse 8:3–5, essa ligação torna-se ainda mais dramática. João vê “outro anjo” que se aproxima do altar com um incensário de ouro; a ele é dado “muito incenso” para oferecer “com as orações de todos os santos” sobre o altar de ouro diante do trono. Em seguida, a fumaça do incenso com as orações sobe diante de Deus, e o anjo enche o incensário com fogo do altar e o atira sobre a terra, desencadeando trovões, vozes, relâmpagos e terremoto. Um artigo clássico de Ranko Stefanovic em Andrews University Seminary Studies mostra como essa cena retoma a liturgia do dia da expiação e, ao mesmo tempo, inaugura a série das trombetas, de modo que as orações dos santos são retratadas como participação direta no processo pelo qual Deus julga o mal e conduz a história ao seu desfecho (R. STEFANOVIC, “The Angel at the Altar (Rev 8:3–5)”, AUSS 44/2, 2006). Em outras palavras, o incenso misturado às orações não apenas sobe; ele volta à terra em forma de resposta, de intervenção, de juízo e de restauração.

Teólogos que refletem sobre esse texto insistem que Apocalipse 8:3–5 impede uma visão privatizada da oração: aquilo que a comunidade pede diante de Deus não é irrelevante para o curso dos acontecimentos; ao contrário, faz parte dos meios pelos quais o próprio Deus executa seus decretos na história (S. STORMS, “Your Prayers and the End of the World!”). Se a carta de Pedro diz que a igreja é um “sacerdócio santo” que oferece sacrifícios espirituais, e se Apocalipse mostra esses sacrifícios na forma de oração-incenso que sobe e depois retorna à terra em forma de atos de Deus, então a história das orações comunitárias no cristianismo pode ser vista como o fio invisível que liga assembleias anônimas aos grandes movimentos do Reino.

A partir desse conjunto, 1 Pedro 2:4–5, 9 e Apocalipse 4–5; 8 se iluminam mutuamente. Em Pedro, vemos quem a comunidade é: casa espiritual, sacerdócio santo, povo sacerdotal chamado a proclamar e a oferecer. No Apocalipse, vemos onde essa comunidade está, de fato, quando ora: diante do trono, entre harpas e taças, entre altares e incenso, participando da liturgia do céu. Uma coisa corrige a outra: a visão celeste impede que a assembleia se conforme à percepção sociológica de si mesma, como um grupo qualquer em um prédio qualquer; a consciência de ser casa espiritual impede que a visão celeste vire fantasia escapista, desconectada da carne e do tempo. Quando uma igreja se reúne e ergue, em uníssono, intercessões e ações de graças, ela está exercendo, ali mesmo, o sacerdócio comunitário de 1 Pedro e, ao mesmo tempo, entrando na órbita da liturgia celeste de Apocalipse — uma casa humilde na terra, mas cujas paredes invisíveis se abrem, em oração, para o salão do trono onde o Cordeiro está em pé “como morto”, recebendo incenso em taças de ouro que cheiram às súplicas de todos os santos.

No Apocalipse, a cena se amplia para além dos muros de qualquer templo terreno. “Sem dúvida, o Apocalipse de João é crítico para o estudo do tema do culto”, diz Peterson: o livro inteiro é uma espécie de liturgia estendida, onde gestos e aclamações formam um quadro contínuo de adoração (PETERSON, ibid., 1992, p. 262). Apesar do interesse no culto da hoste celestial, o autor “também se concentra na resposta dos cristãos na terra a Deus e ao Cordeiro”, ligando as orações e clamores dos santos na história ao incenso que sobe diante do trono. Um dos eixos do livro é “a distinção entre o verdadeiro culto e a idolatria”; João divide a humanidade em duas assembleias em liturgias opostas, de modo que toda oração comunitária cristã, aqui e agora, é já um tomar partido pela liturgia do Cordeiro contra a liturgia da Besta (PETERSON, ibid., p. 265). Quando a igreja se reúne para clamar “Até quando, ó Soberano?”, ela se inscreve naquela grande congregação que enche o céu de vozes.

Peterson deixa claro que tudo isso não é apenas arqueologia do culto, mas lente para discernir o que fazemos domingo após domingo. No epílogo, ele descreve uma celebração concreta em que a teologia se encarna numa assembleia viva. Em determinado momento, “o dirigente do culto então iniciou um tempo de oração corporativa”, nomeando áreas de necessidade e convidando as pessoas a orarem espontaneamente — não apenas pela vida interna da igreja, “mas pelo mundo e seus problemas” (PETERSON, ibid., p. 293). Nessa mesma reunião, um cântico faz a ponte para a Ceia, e uma oração de ação de graças por a obra salvadora de Cristo prepara a congregação para participar da mesa, muitas vezes em contexto de refeição compartilhada. A cena termina com uma ênfase “voltada para fora, no ensino, nas orações e em outras contribuições”, que serve para fortalecer os crentes a honrar a Deus na vida diária (PETERSON, ibid., p. 294). É como se o arco começado com Israel ao pé do Sinai encontrasse aqui um eco: um povo reunido, chamado pelo evangelho, aproximando-se juntos de Deus em oração, para depois ser lançado de volta ao mundo.

III. Orações no cristianismo primitivo: um olhar mais histórico

Logo na abertura de “Early Christian Prayer and Identity Formation: Introducing the Project”, Hvalvik e Sandnes tomam a pequena injunção de 1 Tessalonicenses 5:17 — “orai sem cessar” — como chave hermenêutica: aquilo que a comunidade pratica de modo constante torna-se um molde silencioso de identidade, um hábito que escreve no corpo o que se crê com os lábios. Nesse gesto inicial, os autores recusam tratar a oração como um “acessório piedoso” e a colocam no centro da formação cristã: a identidade não é apenas definida por fórmulas doutrinárias, mas também por um ritmo de invocação, súplica, louvor e confiança que acompanha a vida comum.

A partir daí, o texto traça um panorama de pesquisa: de um lado, a explosão de estudos sobre oração nas últimas décadas; de outro, a crescente atenção às questões de identidade cristã primitiva. O diagnóstico é preciso: embora as duas linhas tenham florescido, quase não se deixaram fecundar mutuamente. A oração aparece, às vezes, como tema devocional; a identidade, como categoria sociológica ou histórica; mas o ponto em que o “lex orandi” modela o “lex credendi” e, ao mesmo tempo, testemunha quem a comunidade é, raramente foi explorado como problema central. O projeto nasce justamente para preencher essa lacuna: observar como a identidade cristã emerge, se consolida e se diferencia enquanto ora.

Para fundamentar essa proposta, Hvalvik e Sandnes recorrem a trabalhos anteriores sobre identidade, como o volume organizado por Bengt Holmberg. Ali, a fé em Jesus, o batismo e a vida comum de oração já aparecem como fatores que soltam, pouco a pouco, os primeiros discípulos dos amarres de Israel “kata sarka”, inaugurando uma pertença que já não se deixa esgotar pelos contornos étnicos de antes. James D. G. Dunn, por sua vez, lembra que invocar a Deus por meio de Jesus Cristo não era um detalhe periférico, mas “um traço distintivo dos primeiros crentes” (DUNN, Did the First Christians Worship Jesus?, 2010, p. 16; também OSTMEYER, “Prayer as Demarcation: The Function of Prayer in the Gospel of John,” in Das Gebet im Neuen Testament, 2009, pp. 233-247). Assim, já no quadro teórico inicial, oração não é apenas expressão da identidade cristã; é um dos lugares em que essa identidade se distende para além da matriz judaica, sem rompê-la simplesmente.

As orações institucionalizadas possuem uma função comunitária decisiva, ajudando a constituir e preservar identidades religiosas tanto no judaísmo quanto no cristianismo (GERHARDS; DOEKER; EBENBAUER, Identität durch Gebet, 2003, pp. 13-19, 14.). Hvalvik e Sandnes, porém, caminham um pouco além em dois pontos: não se limitam ao contraste judaísmo/cristianismo, abrindo espaço para o ambiente greco-romano como horizonte comparativo, e não restringem a análise a “orações padronizadas” da liturgia, mas querem observar também conteúdo, endereço, gestos, espaço, tempo e tonalidade das orações. A identidade cristã é então percebida não só no texto de preces fixas, mas em todo o conjunto de práticas que fazem a comunidade se reconhecer como tal diante de Deus e do mundo (HVALVIK; SANDNES, ibid., 2014, p. 3).

É válido nesse momento colocar a pergunta: o que é “oração”? As definições clássicas — como a caracterização de João Crisóstomo, para quem orar é conversar com Deus, ou a indicação de Carl Heinz Ratschow de que a oração é expressão da inclinação humana para a divindade — são evocados para mostrar o vínculo intrínseco entre oração e relação pessoal com o sagrado. Ao lado disso, a análise de H. S. Versnel sobre a estrutura tripartida das preces na Antiguidade — invocação, lembrança da relação e pedido — ajuda a situar a oração cristã dentro de um horizonte ritual mais amplo, em que confiança e memória das ações divinas alimentam a súplica (VERSNEL, “Religious Mentality in Ancient Prayer,” in Faith, Hope and Worship: Aspects of Religious Mentality in the Ancient World (ed. H. S. Versnel; Studies in Greek and Roman Religion 2, 1981, pp. 1-64, 2.).

Em vez de se prender a rótulos linguísticos, podemos observar que o vocabulário do Novo Testamento para “oração” é múltiplo e fluido: termos como proseuchomai (“orar”), euchē (“oração, voto”), deomai (“suplicar, implorar”), aiteō (“pedir, solicitar”), epikaleō (“invocar, chamar sobre”) e outros se sobrepõem a verbos de culto como proskyneō (“prostrar-se, adorar”), latreuō (“prestar culto, servir cultualmente”), eucharisteō (“dar graças”), psallō (“cantar salmos, entoar louvor”) e leitourgeō (“oficiar, exercer serviço litúrgico”), mostram que qualquer tentativa de definição puramente semântica conduz a reducionismos. Não se pode confundir oração apenas com pedidos pontuais, nem alargar tanto o campo a ponto de incluir qualquer fala dirigida a Deus. Desse debate resulta uma definição de trabalho que dá o tom do estudo:

“A oração é uma comunicação verbal e não verbal com Deus, que procede de uma relação de confiança. Esse ato de comunicação geralmente tem um propósito, seja buscar auxílio divino, orientação ou algum tipo de intervenção. Como esse ato de comunicação está integrado a um relacionamento, a oração também inclui gratidão, adoração e louvor”.
(HVALVIK; SANDNES, ibid., 2014, p. 4).

Em paralelo, o termo “identidade” é cuidadosamente problematizado. Longe de ser entidade fixa, a identidade aparece como processo de formação frágil, múltiplo, atravessado por identidades aninhadas que se sobrepõem e tensionam: individual e coletiva, masculina e feminina, escrava e livre, judaica e gentílica. Oração e identidade se encontram exatamente nos “cruzamentos”: entre texto e prática, entre gestos corporais e convicções teológicas, entre retórica litúrgica e realidade social, entre o que as fontes dizem e o que as comunidades efetivamente fazem. Os editores insistem que a identidade cristã não pode ser descrita apenas como processo de “othering” — demarcar fronteiras contra judeus ou pagãos —, mas também como busca de pontos de contato, continuidades e heranças partilhadas (HVALVIK; SANDNES, ibid., 2014, p. 5). Nesse jogo sutil de proximidade e diferença, as formas de orar revelam tanto a singularidade quanto a comunalidade dos primeiros cristãos.

Em Mateus 6, como vimos, o ensino do Pai-nosso é apresentado em contraste com “os gentios” e formas hipócritas de piedade judaica, desenhando, no coração da tradição de Israel, uma oração que distingue e, ao mesmo tempo, continua o caminho de um povo convocado a ser casa de oração. Em Lucas 11, a mesma oração aparece ligada a uma tradição discipular: “ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos”; aqui, a identidade é marcada pela escola à qual se pertence, e a oração se torna senha de discipulado. No quarto Evangelho, o diálogo com a samaritana alarga o eixo geográfico do culto — de Jerusalém e Gerizim a “espírito e verdade” —, mas insiste que essa novidade é cumprimento, e não mera ruptura, da piedade judaica. Assim, a oração de Jesus e de seus discípulos é lida como um ponto em que a identidade cristã nascente permanece enraizada em Israel e, ao mesmo tempo, se reconfigura em torno da figura do Filho.

Quando o texto se volta às teorias de Gerd Theissen sobre religião primitiva cristã, um detalhe chama atenção: num esquema que destaca mitos, rituais, comportamentos e redes sociais, a oração quase desaparece do horizonte (THEISSEN, A Theory of Primitive Christian Religion, 1999). Hvalvik e Sandnes respondem lembrando que muitos textos antigos descrevem a oração precisamente como “sacrifício espiritual”, ou seja, como rito que substitui os sacrifícios tradicionais e, por isso mesmo, deve ser integrado à reflexão sobre identidade (HVALVIK; SANDNES, ibid., 2014, p. 6). Orações, assim como ritos, dizem mais sobre a identidade de um grupo do que os escritos de certos pensadores isolados. A oração comunitária passa a ser vista, então, como um lugar onde a comunidade “se oferece” a Deus e, nesse mesmo ato, aprende quem é.

Por fim, ao apresentar o conjunto das contribuições do volume, a introdução mostra que essa abordagem não é abstrata, mas se desdobra em estudos concretos: investigações sobre o Pai-nosso como “primeira oração” ensinada a neófitos, análises da Didachê e de suas preces eucarísticas, leituras de Lucas-Atos, Hebreus, Apocalipse, dos papiros gregos de oração, da apolýtrōsis valentiniana e até de Epicteto (HVALVIK; SANDNES, ibid., 2014, p. 18). Em todas essas frentes, permanece o mesmo fio condutor traçado na “primeira parte”: a oração, especialmente quando partilhada, corporativa, ritualizada, não é apenas eco de uma fé pré-definida, mas uma oficina em que a fé se deixa plasmar, uma casa invisível em que a comunidade aprende, dia após dia, quem é diante de Deus e uns dos outros.

IV. “Um só coração e uma só alma”: orações comunitárias nos primeiros séculos

Quando o livro dos Atos descreve a comunidade de Jerusalém como vivendo “um só coração e uma só alma” reunida para partir o pão e perseverar “nas orações” (Atos 2:42; 4:32), ele não oferece apenas um ideal abstrato, mas uma semente histórica que os primeiros séculos vão regar com formas concretas de oração comunitária. As casas transformam-se em assembleias, a mesa em altar, a palavra “nós” do Pai-nosso torna-se um modo de existir. A tradição patrística mais antiga nos permite ver como esse “sacerdócio comunitário” se corporifica em rotinas diárias, liturgias dominicais, catequeses sobre o Pai-nosso e práticas carismáticas e penitenciais, sempre com a convicção de que rezar em comum é antecipar, aqui em baixo, a liturgia dos céus.

Um dos testemunhos mais antigos dessa vida orante é a Didachê, provavelmente de fins do século I ou início do II. No capítulo 8, o texto ordena que os fiéis não jejuem nos mesmos dias que “os hipócritas”, mas às quartas e sextas-feiras, e imediatamente associa esse jejum à recitação comunitária do Pai-nosso “três vezes ao dia”.(O'MAHONY, Kieran J. (Org.). Christian Origins: Worship, Belief and Society. London; New York: Bloomsbury Publishing, 2003) O plural das petições não é um detalhe de gramática: a oração ensinada por Jesus é recebida já como disciplina de comunidade, marcando fronteiras com o ambiente judaico e, ao mesmo tempo, costurando uma identidade comum entre cristãos dispersos. Estudos recentes sobre o jejum na Didachê sublinham exatamente esse caráter comunitário: jejuar e rezar o Pai-nosso não é apenas ascese individual, mas um gesto que desenha o contorno de um “nós” eclesial, solidário com os que sofrem e diferenciado dos ritmos religiosos à volta.

Nos capítulos 9 e 10, a mesma Didachê oferece fórmulas de ação de graças sobre o cálice e o pão, nas quais a assembleia bendiz a Deus “pela santa vinha de Davi, teu servo” e pelo pão “disperso pelos montes e reunido em um só”. (GUNNING, R. L. G. The Earliest History of the Christian Gathering: Origin, Development, and Antecedents of the Christian Assembly. Leiden: Brill, pp. , 1968) A imagem do trigo colhido em muitos campos e tornado um único pão torna-se metáfora eucarística da própria Igreja: uma multidão de vidas esparsas, convocadas pela oração e pela ceia para se tornarem um corpo. A liturgia aqui ainda é simples, sem hierarquias complexas, mas já contém elementos que mais tarde serão desenvolvidos: bênção sobre os dons, resposta comum do povo, perspectiva escatológica (“assim se reúna a tua Igreja dos confins da terra no teu Reino”). Estudos sobre a reunião cristã nos séculos I–III mostram como essa combinação de ação de graças, leitura, oração e partilha formou o “esqueleto” da assembleia dominical posterior.

Essa estrutura aparece com mais nitidez em Justino Mártir, na sua Primeira Apologia (c. 155 d.C.). Ao descrever a reunião “no dia chamado do sol”, Justino fala de uma assembleia em que “se lêem as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas”, segue-se uma exortação, depois todos se levantam “e elevam orações em comum”, concluem com o beijo da paz e, em seguida, são trazidos pão, vinho e água; o presidente eleva “orações e ações de graças” conforme sua capacidade, e todo o povo responde com um “Amém” uníssono (JUSTINO MÁRTIR, Primeira Apologia 65–67, em Ante-Nicene Fathers, vol. 1, trad. A. Roberts – J. Donaldson, Christian Literature, 1885). A oração comunitária aparece aqui como eixo em torno do qual tudo gira: ela responde à Palavra proclamada, introduz a ceia, sela a comunhão e abre para a caridade, pois Justino menciona a coleta para os pobres como parte integrante dessa mesma celebração. A assembleia dominical é, ao mesmo tempo, escola de fé e lugar de intercessão, onde a Igreja aprende a falar a Deus com uma só voz.

Tertuliano, no Norte da África, é um dos primeiros a refletir de modo sistemático sobre essa experiência. No tratado De oratione, ele comenta o Pai-nosso versículo a versículo e o apresenta como “regra” de toda oração cristã, a partir da qual se articulam tanto as súplicas privadas como as assembleias públicas. Ao lado da interpretação das petições, Tertuliano deixa entrever um panorama vivo das práticas comunitárias: menciona “reuniões noturnas”, longas vigílias pascais, jejuns preparatórios e uma vida litúrgica em que a oração em comum atravessa a noite, sobretudo na Páscoa.(CABANISS, “Early Christian Nighttime Worship.Journal of Bible and Religion, vol. 25, no. 1, 1957, pp. 30–33) O mesmo autor, em outros escritos, deixa transparecer a tensão de famílias pagãs ao ver suas esposas ausentarem-se “toda a noite” para as vigílias e ceias dos cristãos, sinal de que aquelas assembleias não eram episódicas, mas habituais e intensas.(Congregatio Missionis) A comunidade orante aparece, assim, como um corpo que desafia ritmos sociais estabelecidos, investindo a noite com uma qualidade escatológica: velar e rezar juntos é ensaiar a vigilância do Cristo que vem.

Cipriano de Cartago vai radicalizar a dimensão eclesial da oração, especialmente no tratado De oratione dominica. Para ele, o Pai-nosso é “síntese do evangelho” e pertence, de modo especial, aos batizados, que podem chamar Deus de Pai porque foram incorporados ao Corpo de Cristo. Cipriano insiste no plural de cada petição: não dizemos “meu Pai”, mas “Pai nosso”; não pedimos “meu pão”, mas “nosso pão”, o que implica uma conversão da imaginação espiritual, da autorreferência ao cuidado mútuo. Por isso, ele pode afirmar que ninguém pode dizer de verdade “Pai nosso” se rompe a unidade da Igreja ou recusa perdoar o irmão. A oração comunitária torna-se, então, critério concreto de comunhão: o modo como a assembleia reza revela se ela vive ou não como família reconciliada, e o Pai-nosso se transforma em espelho em que a Igreja mede a coerência entre liturgia e vida.

Na tradição grega, João Crisóstomo retoma o mesmo eixo, mas o desloca para o centro da liturgia eucarística. Nas homilias sobre o Evangelho de Mateus e sobre as cartas paulinas, ele insiste que, na ação de graças, não é apenas o sacerdote que fala, mas toda a comunidade, que responde em uníssono e participa da oferenda. Um texto moderno que resume seu pensamento observa que, para Crisóstomo, a própria Eucaristia é ato de unidade: ao partilhar o mesmo pão e o mesmo cálice, os fiéis tornam-se realmente aquilo que recebem, o corpo de Cristo, e esse tornar-se acontece precisamente através da oração recitada em comum (JOHNSON, Nathan. Eat, Drink, and Be Merry: Why the Lord's Supper Is Essential to Restoring the Evangelical Church. Ad Fontes, [S.l.], 9 nov. 2021). O bispo de Constantinopla não se cansa de advertir contra a participação distraída: quem se aproxima da liturgia sem reconciliar-se com o irmão, sem romper com a dureza de coração, transforma a oração em juízo sobre si mesmo. A assembleia orante é chamada a ser ícone vivo da caridade trinitária que celebra.

Agostinho de Hipona, por sua vez, faz do Pai-nosso uma espécie de respiração cotidiana do corpo eclesial. Nas homilias destinadas a catecúmenos e recém-batizados, ele apresenta essa oração como “purificação diária” após o banho do batismo, insistindo que pedir “perdoa-nos as nossas dívidas assim como nós perdoamos” vincula diretamente a oração à prática concreta da misericórdia e da esmola (cf. Agostinho, Sermo 56, 8.12; Sermon 6 on the New Testament). Estudo recente sobre seus sermões mostra como ele associa o Pai-nosso à iniciação cristã: o texto é entregue pouco antes da Páscoa, meditado em conjunto e recitado pela primeira vez na assembleia, de modo que a própria aprendizagem da oração se dá dentro do ritual comunitário (ver, por exemplo, a síntese em H. Glowasky, Augustine’s Spiritual Theology of Scripture, 2016, a partir de sermões como Sermo 58, De oratione dominica ad competentes). Quando Agostinho fala de “um só coração e uma só alma dirigidos para Deus”, retomando Atos 4:32, ele não descreve um estado místico reservado a poucos, mas o resultado concreto de uma Igreja que reza, perdoa e partilha em conjunto, domingo após domingo (cf. Agostinho, Epistola 211, 5, “cor unum et anima una in Deum”).

Ao lado dessas grandes figuras, a vida orante dos primeiros séculos inclui formas mais “carismáticas” e penitenciais, que revelam outra face da oração comunitária. Fontes antigas falam de vigílias prolongadas, jejuns comuns, exorcismos e assembleias de reconciliação, especialmente em contexto pascal e em tempos de perseguição. A prática da oração noturna, em particular, é amplamente atestada: Tertuliano menciona as nocturnae convocationes, as “convocações noturnas” dos cristãos e a sua permanência “toda a noite” nas solenidades pascais, em um contexto que supõe reuniões comunitárias que atravessam as trevas até o alvorecer (Tertullianus, Ad uxorem II,4). Cipriano, por sua vez, ao comentar o Pai-nosso, exorta para que “não haja perda das horas noturnas para a oração, nem dissipação preguiçosa e indolente das oportunidades de orar” (“nulla sint horis nocturnis precum damna, nulla orationum pigra et ignava dispendia”), abrindo ao fiel a noite inteira como campo de intercessão e vigilância diante de Deus (Cyprianus, De oratione dominica 36). A chamada Tradição Apostólica, atribuída a Hipólito, sistematiza esse impulso ao recomendar que o cristão ore ao levantar-se, nas horas terceira, sexta e nona, ao deitar-se, “à meia-noite” e “ao cantar do galo”, articulando assim um ritmo de sete momentos diários que entrelaça a memória da paixão de Cristo com o curso do dia e da noite (Apostolic Tradition 41–42). Pesquisas recentes sobre jejum, vigílias e ofício diário mostram que esses exercícios não eram apenas obras de piedade individual, mas modos de a comunidade inteira entrar, em corpo e alma, no combate espiritual: o jejum compartilhado, as noites pascais em claro, as orações à meia-noite e ao cantar do galo preparavam o povo para o batismo, para a celebração da Páscoa e para enfrentar perseguições, de tal forma que noites inteiras eram consagradas, em comum, à oração, à escuta da Escritura e às renúncias batismais que marcavam, ao mesmo tempo, a identidade e a esperança da Igreja nascente (PHILLIPS, “DAILY PRAYER IN THE ‘APOSTOLIC TRADITION’ OF HIPPOLYTUS.” The Journal of Theological Studies, vol. 40, no. 2, 1989, pp. 389–400).

Essas práticas carismáticas e penitenciais desdobram, na carne da história, aquilo que a teologia do corpo de Cristo e do sacerdócio comum já havia delineado. A assembleia que se reúne para vigiar a noite, interceder pelos encarcerados, impor as mãos sobre os enfermos ou reconciliar os pecadores torna-se, ela mesma, sacramento de uma Igreja que vive “entre o já e o ainda não”: já participa, pela oração, na liturgia celeste; ainda carrega, nos corpos e nas relações, as marcas da fragilidade e do pecado. A tensão entre celestial e terrestre é visível, por exemplo, nas descrições de reuniões em casas privadas, como as que Lucas narra em Atos 12: a comunidade ora insistentemente por Pedro em prisão, e a libertação do apóstolo é interpretada como fruto dessa súplica comum. A oração comunitária é, ao mesmo tempo, experiência de vulnerabilidade compartilhada e antecipação do Reino que vem.

Vista em conjunto, a tradição dos primeiros séculos mostra que “um só coração e uma só alma” não é um slogan, mas uma pedagogia lenta, feita de Pai-nossos recitados em uníssono várias vezes ao dia, de domingos marcados por leituras, homilias, preces e Eucaristia, de catequeses sobre a oração que insistem na reconciliação e na caridade, de noites atravessadas por vigílias, jejuns e intercessões. Didachê, Justino, Tertuliano, Cipriano, Crisóstomo e Agostinho, cada um à sua maneira, convergem na mesma intuição: a Igreja aprende a ser Igreja quando reza em comum. Na assembleia, a palavra “nós” deixa de ser pronome abstrato e se torna corpo vivo, que respira, sofre, canta e espera junto — um “nós” sacerdotal que, ao erguer as mãos e a voz, se sabe já misturado ao coro dos anjos e dos santos diante do trono de Deus.

V. Quando o povo diz ‘Amém’: oração comunitária nos movimentos evangélicos pós-Reforma

A história das orações comunitárias cristãs após a Reforma, sobretudo nos movimentos evangélicos, é a história de como a fé protestante aprendeu a respirar em voz alta: pela boca de assembleias, classes, bandas, círculos de avivamento e cultos pentecostais onde a oração deixou de ser apenas “ato do ministro” e passou a ser o “som do corpo inteiro”. A partir do século XVI, a oração pública se tornou um dos lugares centrais de formação da identidade evangélica, sempre tensionada entre fórmula e espontaneidade, entre liturgia herdada e improviso fervoroso.

Na primeira geração reformadora, a oração comunitária foi reconfigurada sem ser abolida. Em Lutero, a crítica à missa como sacrifício privado não leva a uma espiritualidade individualista, mas à insistência de que não há ceia do Senhor sem comunicantes reunidos: a celebração é, por definição, uma ação pública da congregação em oração conjunta (KLEINIG, Lutheran Liturgies from Martin Luther to Wilhelm Löhe, 1998, p. 126). A “Deutsche Messe” transfere ao povo aquilo que antes era murmurando pelo clero: confissão, Kyrie, oração coleta, Pai-Nosso, louvor. O vernacular não é só questão filológica, mas condição para que a assembleia responda com seu “Amém”; a língua compreensível transforma a oração pública de espetáculo em ato compartilhado. Esse princípio é explicitado no ambiente reformado: em Genebra, a liturgia de Calvino insiste que os fiéis só podem dizer “Amém” se a oração estiver em uma língua que entendam, para que não seja um ruído indecifrável, mas um pedido realmente assumido pelo povo (HERON, Shaping the worship of the Reformed Church in Geneva: Calvin on prayer and praise, 2012, p. 5). Na tradição genebrina, o canto dos salmos em métrica torna-se “o coração da oração comunitária do povo de Deus” (BRINK, The Legacy of the Genevan Psalter, 2005), criando uma forma de oração cantada em que a congregação inteira, e não só o clero, verbaliza diante de Deus lamento, súplica e louvor.

À medida que o protestantismo se confessionaliza nos séculos XVII e XVIII, o eixo da oração comunitária desloca-se da missa reformada para o culto da Palavra. O Diretório de Culto Público de Westminster, fruto do puritanismo inglês, substitui os formulários fixos por instruções detalhadas sobre a matéria da oração, pedindo que o ministro seja a boca da congregação em intercessão e confissão, sem teatralizar sua devoção privada diante dos outros (YORK, The Importance of Public Praying: Restoring Prayer in God’s Worship, 2022). A oração “antes do sermão” torna-se o grande momento em que a assembleia inteira é conduzida a invocar a misericórdia divina, a pedir iluminação para ouvir a Palavra e a interceder pela Igreja e pelos governantes, em linguagem sóbria, saturada de Escritura. Embora o ministro formule as palavras, o Diretório pressupõe uma participação interior do povo, que acompanha, confirma e se apropria com seu “Amém”. Os cultos presbiterianos e congregacionais herdaram dessa tradição um padrão de longa oração pastoral, que marcaria profundamente a cultura devocional evangélica.

Dentro do luteranismo, o Pietismo reabre o espaço para formas mais calorosas e íntimas de oração comunitária. Philipp Jakob Spener, nas propostas de reforma e nas collegia pietatis, insiste que a Igreja não pode viver apenas da oração oficial no culto dominical; são necessárias pequenas reuniões nas casas, marcadas por leitura bíblica e oração compartilhada, para avivar a fé e preparar um “renovo” da cristandade (EARLY CHRISTIAN SPIRITUALITY AND SPIRITUAL DIRECTION, Spener, Francke and Lutheran Pietism). Nesses grupos, a oração passa a ser explicitamente confessional e afetiva: irmãos oram uns pelos outros, expõem pecados e necessidades, e pedem juntos por uma reforma da vida cotidiana. Surge assim uma gramática de oração que, embora ainda profundamente bíblica e cristocêntrica, é menos “oficial” e mais conversacional, antecipando o clima espiritual que será típico dos círculos evangélicos posteriores.

O metodismo wesleyano herda o impulso pietista pela “oração em comum”, mas o reorganiza em uma verdadeira arquitetura de pequenos grupos, em que a oração deixa de ser apenas ato pontual e passa a ser o ritmo cardíaco de uma malha de sociedades, classes e bandas. As classes, núcleo dessa estrutura, eram grupos semanais de cerca de doze pessoas, conduzidos por um leigo ou leiga, em que o encontro começava com oração e canto de hinos, para depois cada participante responder à pergunta “How goes it with your soul?”, num exercício de prestação de contas espiritual que só faz sentido porque é encerrado novamente em oração conjunta (DICKEY, “John Wesley and Small Groups”, 2020) O próprio Wesley, olhando retrospectivamente para esses encontros, descreve que ali se davam conselhos, reconciliações, correções fraternas, até que, “after an hour or two spent in this labour of love, they concluded with prayer and thanksgiving”, isto é, depois de uma ou duas horas desse “trabalho de amor”, tudo terminava em oração e ação de graças, selando liturgicamente o que fora vivido em partilha (WESLEY, A Plain Account of the People Called Methodists, 1749) A própria Regra Geral dos metodistas mostra como essa dinâmica está inscrita na disciplina do movimento: após os dois primeiros mandamentos (“Do no harm. Do good.”), ela ordena “attend upon the ordinances of God” e explicita, entre esses meios de graça, “the public worship of God”, “the ministry of the Word, read or expounded”, “holy communion”, “prayer, family or private”, “studying Scripture” e “fasting or abstinence”, de modo que a oração, em sua forma pública e doméstica, aparece como uma prática estruturante, ao lado da ceia e da pregação, na formação de um povo santo (FIRST UNITED METHODIST CHURCH OF BLOOMINGTON, “A Word from Pastor Lisa: Masking as Spiritual Practice”, 2020) Quando Kevin Watson reconstrói historicamente o surgimento das classes em Bristol, ele mostra que o mecanismo financeiro original rapidamente se converte em dispositivo espiritual: os líderes de classe, dividindo a sociedade em pequenos grupos, passam a vigiar “se cada um está realmente ‘working out their own salvation’” e, reunindo essas pessoas semanalmente, conduzem-nas a “watch over one another in love”, com encontros que normalmente eram abertos em oração, incluíam confissão mútua e terminavam, de novo, com súplica e gratidão diante de Deus (WATSON, “The Early Methodists Watched Over One Another in Love”, 2016) Assim, no metodismo wesleyano, a oração comunitária não é um adendo emocional às reuniões, mas o arco que abre e fecha cada encontro: ela desperta a consciência, envolve a disciplina moral e, ao final, recolhe tudo o que foi dito – exortações, confissões, reconciliações – numa mesma oferenda verbal diante de Deus, fazendo da própria forma do grupo um laboratório de identidade cristã compartilhada (UNITED METHODIST COMMUNICATIONS, “How did John Wesley empower lay people?”, 2019)

Nos séculos XIX e XX, a própria definição de “evangélico” passa a incluir uma ênfase estrutural na prática de oração, tanto privada quanto comunitária. A conhecida “quadrilateral” de David Bebbington – biblicismo, crucicentrismo, conversão e ativismo – foi reinterpretada por vários autores sublinhando que, na prática devocional concreta, a conversão e o ativismo se traduzem em hábitos de oração e leitura bíblica em grupo, retiros de oração, vigílias e redes de intercessão (BEBBINGTON, The Gospel in the Nineteenth Century, 1983, p. 19). Reflexões recentes sobre espiritualidade evangélica notam que, na imaginação desses grupos, “nosso relacionamento com Deus por meio de Cristo é nutrido através da oração e da leitura devocional das Escrituras.” e que a oração comunitária, longe de ser adereço litúrgico, funciona como critério tácito de autenticidade espiritual (THEOLOGY FORUM, What Makes an Evangelical? Reconsidering Bebbington’s Rule, 2009). Assim, círculos de oração, reuniões semanais e retiros passam a ser parte constitutiva da identidade evangélica, tanto quanto confissões doutrinárias.

O metodismo continua a oferecer um modelo privilegiado para uma cultura de oração em pequenos grupos. Descrições recentes da organização em “sociedades, classes e bandas” lembram que esses encontros nunca foram pensados para substituir o culto dominical, mas para o completar: a class meeting reunia cerca de doze pessoas, dirigidas por um líder, que semanalmente partilhavam a vida espiritual respondendo à pergunta “How is it with your soul?”, a fim de “watch over one another in love” num caminho contínuo de santificação. (The United Methodist Church)

A literatura contemporânea mostra que, nas classes, o encontro tipicamente se abria com oração e cânticos, seguia-se o relato ordenado da semana e a partilha da experiência com Deus, e concluía novamente com oração, exatamente como relatam Asbury e Coke ao descreverem reuniões onde se acrescentava “singing and prayer in the introduction and conclusion” ao exame do coração; Kevin Watson interpreta essas estruturas como expressão concreta da Christian conferencing que Wesley classifica entre os “instituted means of grace”, enquanto as próprias classes e bandas são entendidas como “prudential means of grace” pelas quais o povo metodista aprende a falar sobre “the state of their souls” num ambiente de apoio e responsabilidade. (World Methodist Evangelism)

Ao lado dessas classes, as band meetings constituíam células ainda menores e voluntárias, dedicadas a uma confissão mais íntima de pecados e tentações, com perguntas diretas sobre “que pecados conhecidos” foram cometidos, que tentações foram enfrentadas, o que se deseja manter em segredo, tudo em vista de “confissão de pecados para o crescimento na santidade” e da cura prometida em Tiago 5:16, como sublinha Kevin M. Watson. Experiências atuais de “grupos discipulados” retomam conscientemente esse modelo: grupos de três a cinco pessoas que se reúnem semanalmente para “participar de discussões transformadoras e orar uns pelos outros.”, abrindo e fechando o encontro com oração, confessando lutas concretas, dores físicas, pecados e decisões difíceis, enquanto cada partilha é seguida pela intercessão específica de outro membro.

Relatos metodistas recentes insistem que, num mundo cansado, essas pequenas comunidades continuam a ser lugar de descanso ativo para o coração exausto: em vez de petições genéricas, oferecem um espaço seguro onde a oração comunitária se torna radicalmente concreta, ajudando fiéis sobrecarregados pelas “frictions of temporal concerns” a encontrar, juntos, refrigério, encorajamento e um caminho prático de santificação pela graça. (The United Methodist Church)

No século XX, o pentecostalismo introduz na história da oração comunitária formas ainda mais intensas e corporais de participação. Pesquisas sobre liturgia pentecostal ressaltam que seus cultos são marcados por “dynamic times of corporate and personal worship”, onde longos blocos de oração coletiva, muitas vezes em voz alta simultânea, são centrais – e não apenas interlúdios – da celebração (HONG, Exploring the Idiosyncrasy of Pentecostal Worship, 2012). A obra An Introduction to Pentecostalism: Global Charismatic Christianity descreve múltiplos contextos – da Nigéria ao Brasil – em que, ao convite “vamos orar”, a congregação responde com um “rugir” de pedidos, louvores e línguas, configurando uma espécie de coral improvisado de intercessão (ANDERSON, An Introduction to Pentecostalism: Global Charismatic Christianity. Introduction to Religion, 2013, pp. 71-91). Nesse modelo, a distinção entre oração “pública” e “privada” se dilui: cada crente ora em voz própria, mas todos o fazem ao mesmo tempo, em um ambiente auditivo denso, que expressa teologicamente a convicção de que o Espírito distribui dons de oração, profecia e línguas a todo o corpo. A oração comunitária torna-se assim o lugar em que carismas individuais se manifestam e são discernidos pelo grupo.

Essas transformações convergem para um quadro em que, após a Reforma, a oração comunitária se torna um dos principais laboratórios de identidade dos movimentos evangélicos. As liturgias reformadoras insistem que o povo compreenda e participe verbalmente; o puritanismo e o presbiterianismo elevam a longa oração pastoral a eixo do culto; o Pietismo e o metodismo deslocam o centro de gravidade da oração para pequenas comunidades de cuidado mútuo; os avivamentos criam “concertos de oração” voltados à mudança histórica; o evangelicalismo moderno consolida uma cultura em que se espera que todo crente participe de alguma forma de reunião de oração; o pentecostalismo acentua a dimensão carismática, corporal e simultânea da súplica coletiva. Em todo esse percurso, a oração comunitária deixa de ser mero adorno do rito e passa a operar como espaço onde o evangelho se torna prática compartilhada: ali se aprende a falar com Deus na língua do povo, ali se experimenta a correção fraterna, ali se articula esperança histórica, ali se discernem dons. Em termos evangélicos, a Igreja é menos aquilo que assina uma confissão e mais aquilo que, concreto e repetidamente, se reúne para dizer “Pai nosso” em uníssono – cada tradição, à sua maneira, tentando encarnar esse possessivo plural na própria carne da oração.

VI. Um só coração, uma só voz: o padrão das orações comunitárias hoje

Ao longo de todo o percurso que este estudo percorreu, da casa de escravos que geme no Egito ao cenáculo que ora unânime em Jerusalém, foi se desenhando uma linha nítida: oração comunitária não é apenas “muita gente orando ao mesmo tempo”, mas um único povo se levantando diante de Deus como se tivesse um só lábio, um só coração, uma só memória. Desde o templo de Salomão, onde o rei fala em nome de “todo o Israel” voltado para aquela casa, passando pelos salmos em que o “nós” aprende a lamentar e a louvar junto, até a promessa de Isaías de uma “casa de oração para todos os povos”, a Escritura foi ensinando Israel a existir diante de Deus como sujeito coletivo, e não apenas como soma de devotos dispersos. Nesse horizonte, a igreja não inventa a oração comunitária: ela herda a vocação de ser esse “nós” convocado pelo Nome, enxertando-se na velha árvore de Israel e deixando-se moldar pela mesma lógica de aliança dialogal em que Deus e o povo falam um com o outro.

Quando o fio atravessa o Novo Testamento, essa herança ganha rosto cristológico. O “Pai nosso” põe na boca da comunidade uma gramática em que tudo é plural: Pai “nosso”, pão “nosso”, dívidas “nossas”, livra-“nos” do mal. A assembleia passa a se ver como casa espiritual e sacerdócio santo que se aproxima de Deus “em conjunto”, como corpo, e não apenas como indivíduos simultâneos. Nos Atos dos Apóstolos, esse corpo é descrito “perseverando nas orações” e levantando a voz “unânime” quando a perseguição aperta; a libertação de Pedro, a ousadia de falar em meio às ameaças, o envio missionário em Antioquia e até os cânticos na prisão de Filipos nascem, todos, de momentos em que a igreja respira junto, numa só súplica, num só louvor.

A tradição mais antiga da igreja vai, então, encarnando esse padrão em formas concretas. A Didachê fala da Eucaristia como pão feito de grãos dispersos que se tornam um só pão, imagem da própria Igreja reunida “dos confins da terra” pelo gesto e pela oração comuns; em Justino Mártir, a assembleia dominical é descrita como uma sequência em que se leem as Escrituras, segue-se a exortação, “todos se levantam e elevam orações em comum”, o presidente profere ações de graças e todo o povo responde com um “Amém” uníssono. Tertuliano e Cipriano, ao comentarem o Pai-nosso, deixam ver noites de vigília, jejuns, assembleias em que o povo todo vela e ora junto, aprendendo que chamar Deus de Pai supõe ajoelhar-se como irmãos, em coro, e não como solistas dispersos. A síntese que o próprio texto faz, ao percorrer Didachê, Justino, Tertuliano, Crisóstomo e Agostinho, é luminosa: a Igreja aprende a ser Igreja quando reza em comum; “um só coração e uma só alma” deixa de ser slogan e se torna uma pedagogia lenta feita de Pai-nossos recitados, preces litanias, améns que sobem como um único sopro depois da oração do presidente.

A Reforma e os movimentos evangélicos não romperam com esse eixo, ainda que o tenham revestido de outras formas. A Missa deixou de ser sacrifício privado para voltar a ser ação pública da congregação; na tradição luterana, presbiteriana e reformada, o ministro continua a funcionar como “boca da assembleia”, articulando louvor, confissão e intercessão em nome de todos, enquanto o povo responde com cânticos, litanias, aclamações e amém. Mais tarde, nos avivamentos e no metodismo, a oração em pequenos grupos, classes e bandas se torna coração pulsante da identidade evangélica: ali, em círculos reduzidos, fiéis partilham tentações e dores concretas, e, depois de cada relato, a comunidade ergue uma súplica comum por aquele irmão específico, de modo que a oração continua sendo de todos, mesmo quando nasce da história de um.

Diante desse percurso, o padrão que se impõe para as orações comunitárias de hoje — em paróquias, congregações, grupos de oração, células, classes e bandas — é, em essência, o mesmo: a comunidade inteira se apresenta a Deus como um só sujeito, que fala por meio de vozes articuladas, mas em uma única oração para cada momento. Em termos concretos, isso significa que, quando um presbítero, pastor ou leigo conduz uma oração em assembleia, ele não está “fazendo a sua oração” enquanto cada um, em silêncio ou em murmúrio, faz a sua à parte; ele está colocando em palavras o clamor de todos, para que todos possam escutar, discernir, concordar interiormente e, ao fim, selar com um “amém” consciente — “assim seja também para mim”. Se a assembleia não ouve a oração, não sabe o que está sendo dito, e não pode dizer “amém” porque estava ocupada com a sua própria súplica paralela, então não houve oração comunitária no sentido bíblico e histórico: houve apenas a justaposição de muitas orações individuais no mesmo horário e no mesmo salão.

É precisamente aqui que a falácia moderna de muitos cultos evangélicos precisa ser nomeada com franqueza. Quando o pastor convida: “vamos orar”, começa a interceder ao microfone e, ao mesmo tempo, exorta: “cada um faça a sua oração agora”, o que se produz não é o “nós” bíblico, mas um zumbido caótico em que cada coração fala a sua língua, sem escutar a palavra do outro. À luz de 1 Coríntios 14, isso é problemático: Paulo pergunta como o outro poderá dizer “amém” à tua ação de graças “visto que não sabe o que dizes” (1 Coríntios 14:16–17). Se ninguém escuta a oração do ministro porque está ocupado com a sua, ninguém pode, com verdade, responder “assim seja”: o amém torna-se mero reflexo condicionado, não ato consciente de fé. O resultado é que o culto perde justamente aquilo que o distingue de uma reunião de devocionários individuais: a assembleia deixa de ser corpo que discerne e responde junto, e torna-se uma agregação de almas que usam o mesmo espaço físico, mas não repartem uma mesma súplica.

Isso não significa, de forma alguma, desprezar a oração silenciosa ou espontânea de cada fiel. Pelo contrário: a tradição sempre reservou tempos de silêncio, momentos de livre intercessão, lamentos pessoais apresentados diante de Deus na presença dos irmãos. O que o fio bíblico e patrístico deste estudo pede não é o fim da oração individual na assembleia, mas a sua integração em um tecido comunitário claro: primeiro, tempos em que um conduz e todos escutam, consentem e respondem; depois, tempos em que vários podem orar em voz alta, um após o outro, de modo que os demais escutem e possam dizer “amém” a cada súplica; por fim, tempos de silêncio em que cada um derrama o coração, sabendo, porém, que aquele silêncio faz parte de um desenho comum, sustentado pelo “Pai nosso” e pela intercessão do corpo inteiro. Em qualquer desses modelos, o critério continua sendo o mesmo: o povo precisa ser capaz de ouvir, compreender e acolher a oração, para que ela seja realmente “nossa”.

Assim, o padrão das orações comunitárias hoje, para quem deseja permanecer fiel ao modelo bíblico que atravessa templo, sinagoga, igreja primitiva, tradição católica e herança protestante, pode ser resumido numa imagem simples: um coro. Há momentos em que apenas um instrumento se destaca — a voz que conduz a oração —, mas ele só faz sentido porque está afinado ao coração de todos e porque, ao final, todos respondem com a mesma nota de assentimento. Há momentos em que vários instrumentos se alternam, cada um trazendo sua frase, mas sempre com espaço para que os outros escutem e digam “sim, Senhor, assim seja”. O que não cabe nessa partitura é a situação em que cada músico toca uma música diferente ao mesmo tempo, de modo que nenhuma melodia comum possa ser adotada pelo conjunto. Recuperar a oração comunitária como vínculo identitário — uma só voz, um só espírito, uma só fé — é, em última análise, voltar a ser aquilo que a Escritura, os Padres e toda a história da Igreja nos ensinaram a ser: povo que aprende quem é justamente quando fala com Deus, em uníssono, e sela essa fala com um “amém” que vem de muitos lábios, mas soa, aos ouvidos do Pai, como um único coração.

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GALVÃO, Eduardo. Orações Comunitárias: das origens judaicas ao cristianismo protestante . In: Biblioteca Bíblica. [S. l.], jul. 2011. Disponível em: [Cole o link sem colchetes]. Acesso em: [Coloque a data que você acessou este estudo, com dia, mês abreviado, e ano. Ex.: 22 ago. 2025].

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