Estudo de Apocalipse 12:1-17

Estudo sobre Apocalipse 12

Estudo sobre Apocalipse 12




A MULHER GRÁVIDA
Estudo sobre Apocalipse 12:1-2

João teve uma visão extraordinária, que se lhe apresentou diante dos olhos como um quadro no céu. Também aqui encontramos o mesmo método de composição que já constatamos em outras passagens: os detalhes da visão provêm de diversas fontes. A mulher está vestida de Sol; a Lua é o ponto de apoio para seus pés; tem uma coroa de doze estrelas. O salmista diz com relação a Deus que se cobre de luz como com uma vestimenta (Salmo 104:2). Nos Cantares o amante diz que sua amada é tão clara como a Lua e tão clara como o Sol (Cantares 6:9). De maneira que pelo menos uma parte da visão que João teve provém do Antigo Testamento. Mas ele acrescentou de sua própria colheita algo que todos os pagãos da Ásia Menor eram capazes de reconhecer como parte da antiga representação babilônica da divindade. Muito frequentemente representavam a seus deuses com uma coroa na qual eram representados os doze signos do zodíaco. É como se João tivesse tomado todos os símbolos da divindade e da beleza que conhecia e os tivesse reunido nesta descrição.

A mulher está dando a luz. Quem é ela? Nossa chave para poder responder a esta pergunta é o fato indubitável de que o filho que vai ter é o Cristo, o Messias. Isto aparece com suficiente clareza na descrição do menino no versículo 5. Ali é dito que está destinado a governar as nações com uma vara de ferro. Esta é uma citação do Salmo 2:9 e uma das descrições freqüentes do Messias. A mulher, então, é a mãe do Cristo. Com esta elucidação, então, podemos dizer com quem tem que identificar-lhe (1) Se a mulher for a "mãe" do Messias o mais direto e óbvio seria pensar que se trata de Maria. Mas esta mulher é tão evidentemente sobrehumana que dificilmente possa identificar-se com um personagem histórico.

(2) A perseguição da mulher pelo dragão sugere a possibilidade de que aquela possa identificar-se com a Igreja cristã. Neste caso a dificuldade é que a Igreja dificilmente possa ser chamada "mãe do Messias

(3) No Antigo Testamento o Povo Eleito, o que poderíamos denominar o Israel ideal, é chamado muitas vezes a desposada, noiva ou esposa de Deus (Isaías 54:5; Jeremias 3:6-10; Oséias 2:19-20). No Apocalipse lemos sobre a festa das bodas do Cordeiro e da Esposa do Cordeiro (Apocalipse 19:7; 21:9; veja-se também 2 Coríntios 11:2). Esta última interpretação nos oferece um caminho que aparentemente estamos em condições de transitar. Foi do Povo Escolhido, do Israel Ideal, a Comunidade de Deus, que nasceu Jesus Cristo, em seu aspecto humano. Essa comunidade de Deus inclui a todos os que Ele escolheu, tanto antes de Cristo vir ao mundo como depois. A mulher representa a essa Comunidade Ideal dos Escolhidos. Foi dessa comunidade que proveio o Cristo e é também essa comunidade a que devia sofrer os males mais terríveis em mãos de um mundo hostil.

Podemos afirmar que a mulher é a Igreja, se quando dissermos "Igreja" pensamos na comunidade do povo de Deus em todas as idades Nesta passagem aprendemos três grandes coisas com relação a esta comunidade de Deus, a igreja. Em primeiro lugar, que é dela que provém Cristo; foi usada por Deus para realizar este seu grande propósito, foi criada, em realidade, com este propósito em mente. E é dela que Cristo vem, até nossos dias, para aqueles que não o conhecem. Em segundo lugar, há forças do mal, espirituais e humanas, que planejaram a destruição da Comunidade de Deus; as forças demoníacas do mundo, e até os homens que não conhecem a Deus como um Pai amante, veriam com alegria a destruição da Igreja de Deus e do Messias. Em terceiro lugar, por forte que seja a oposição que a confronte, por mais dolorosos que sejam seus sofrimentos, a Comunidade de Deus está sob a proteção de Deus e, por isso, nunca poderá ser destruída totalmente.

O ÓDIO DO DRAGÃO
Estudo sobre Apocalipse 12:3-4

Aqui temos a imagem do grande dragão vermelho, da cor das chamas. Em nosso estudo sobre os antecedentes do Anticristo vimos que os povos orientais entendiam a criação como uma luta entre o dragão do caos e o Deus da luz e da ordem. No templo de Marduk, o deus criador, em Babilônia encontra-se uma imagem da serpente de vermelho cintilante que representa o derrotado dragão do caos. Não pode restar dúvida que seja dali que João extrai sua imagem: encontrou-a nas concepções mais antigas da humanidade, que faziam parte da herança religiosa de todos os povos orientais. O dragão aparece em muitas formas no Antigo Testamento. É chamado Raabe em Isaías 51:9, Leviatã no Salmo 74:12-14 ou em Isaías 27:1 (Deus castigará com sua espada a Leviatã no dia do juízo), Beemote em Jó 40:15-24. O dragão que é o arquiinimigo de Deus faz parte do pano de fundo religioso de quase todos os povos do Oriente Médio. A relação entre o dragão e o mar, sempre íntima, explica o rio de águas que o dragão emite em Apocalipse para cobrir a mulher (v. 15).

O dragão tem sete cabeças e dez chifres. Isto simboliza seu terrível poder. Tem sete diademas reais, que também simbolizam seu poder, esta vez sobre os reinos deste mundo opostos ao Reino de Deus. A imagem do dragão que varre as estrelas do céu com sua cauda provém de Daniel (3:10), onde o chifre pequeno é capaz de arrojar as estrelas ao chão e pisoteá-las. A cena dramática do dragão que espreita, à espera que o menino nasça, para devorá-lo, provém de Jeremias (51:34) onde Nabucodonosor devora a Israel como um dragão.

H. B. Swete encontra nesta imagem o simbolismo de uma verdade eterna com relação à situação humana. Na situação humana, tal como a história cristã a interpreta, há duas figuras que ocupam o centro da cena. Uma é o homem, criatura caída, envolta no pecado, sempre sob o ataque dos poderes do mal, mas sempre lutando para nascer a uma nova e superior forma de vida. A outra é o poderio do mal, que busca em cada momento, à espreita, sua oportunidade para cumprir seus nefastos desígnios, que sempre faz tudo o que pode para frustrar o anelo de superação do homem. E esta luta teve sua culminação na cruz.

O RAPTO DO MENINO
Estudo sobre Apocalipse 12:5

O menino que a mulher deu à luz estava destinado a governar as nações com uma vara de ferro. Tal como se viu, esta é uma citação do Salmo 2:9, que sempre foi interpretado como uma visão antecipada da missão do Messias. O menino, portanto, é o Messias. Quando o menino nasce é resgatado da ameaça do dragão mediante seu rapto ao céu, onde encontra proteção no trono de Deus. É interessante assinalar que a mesma palavra que se usa para dizer que o menino é arrebatado ao céu é a que se usa em 1 Tessalonicenses 4:17 para descrever como os cristãos serão arrebatados para sair ao encontro do Senhor nos ares. Paulo também usa a mesma palavra quando diz como ele mesmo foi arrebatado ao terceiro céu, em 2 Coríntios 12:2.

Em certo sentido esta passagem é muito enigmática. Tal como o vimos sua referência é Jesus Cristo, o Messias; e tal como João relata a história, em poucas palavras temos um resumo da vida do Messias desde seu nascimento até sua ascensão. O rapto celestial deve ser uma referência à Ascensão. Segundo Atos, Jesus foi “elevado às alturas” (Atos 1:9). O estranho é que se omite completamente a vida terrestre de Jesus. Esta omissão deve-se a duas coisas. Em primeiro lugar, João não está interessado, neste momento, em outra coisa que não seja nos dizer como Jesus Cristo foi libertado de todos os poderes hostis que o atacaram, e que essa libertação deve atribuir-se exclusivamente à ação direta e o poder de Deus. Aqui só lhe interessa remarcar a intervenção triunfante de Deus a favor de seu Filho e Messias.

Em segundo lugar, em todo o Apocalipse o interesse de João não se concentra tanto no Jesus de carne e osso que fatigou os caminhos da Palestina e viveu na Galiléia, mas no Cristo exaltado e vitorioso. Jesus Cristo não foi arrebatado ao céu somente, mas sim para ocupar um lugar no Trono de Deus. O interesse de João não é voltar a nos contar a história dos dias que Jesus passou na terra, mas sim nos retratar a imagem do Cristo ressuscitado, que é capaz de resgatar e salvar a seu povo em tempos de desgraça.

A FUGA AO DESERTO
Estudo sobre Apocalipse 12:6

A mulher escapa do ataque do dragão fugindo ao deserto. Graças à ajuda de Deus pôde encontrar refúgio num lugar que estava preparado para ela, onde continuou recebendo alimento. Não há dúvida que João ao escrever isto teve em mente várias imagens. Uma é a história da fuga do profeta Elias ao Querite, onde foi alimentado pelos corvos (1 Reis 17:1-7); e a de sua segunda fuga, ao deserto, quando escapa da perseguição de Jezabel, onde há um anjo que o alimenta (1 Reis 19:1-8). A outra é a história da fuga ao Egito de Maria e José, quando estes arrebatam a seu filho da fúria de Herodes (Mateus 2:13). Mas há dois incidentes, em particular, que influem sobre João. (1) Nos tempos de Antíoco Epifânio, quando a prática da religião judia era castigada com a morte, muitos, desejosos de buscar a justiça e adquirir juízo foram ao deserto e habitaram ali (1 Macabeus 2:29). A história de Israel mostra momentos em que o Povo de Deus deve retirar-se ao deserto e habitar ali, num lugar preparado por Deus para ele.

(2) Mas houve uma ocasião que está muito mais perto da história da Igreja. Jerusalém foi destruída pelos romanos no ano 70 de nossa era. Os anos anteriores a este desastre foram um período terrível de derramamento de sangue e revoltas; durante este período qualquer que tivesse olhos para ver e uma mente clara para pensar poderia prever o que estava a ponto de produzir-se. O historiador Eusébio de Cesaréia diz que durante esta época, antes de produzir-se o desastre final, a Igreja em Jerusalém foi advertida mediante uma profecia do que ocorreria com Jerusalém, e recebeu a ordem, da parte de Deus, de cruzar o Jordão, internar-se em Peréia e refugiar-se numa cidade chamada Pella (História Eclesiástica, 3:5). Esta circunstância aparece referida nas palavras de Jesus a seus discípulos sobre as últimas coisas: quando se produzissem os sinais do fim, os cristãos deviam fugir às montanhas (Marcos 13:14). E isto é, exatamente, o que fizeram.

Quando João escreveu esta passagem pensava, então, em todos os momentos quando os crentes deveram fugir, sob a guia divina, para escapar aos terrores da perseguição. H. B. Swete vê um elemento simbólico nesta passagem. A Igreja tem que fugir ao deserto e o deserto é um lugar solitário. Para os cristãos primitivos a vida era uma circunstância solitária. Encontravam-se isolados, em meio de um mundo pagão. Reuniam-se uma vez por semana, durante o dia do Senhor, mas o resto da semana sua vida era uma vida de testemunho isolado. Há momentos quando o testemunho da Igreja será, por necessidade, um testemunho solitário. Mas até na solidão dos homens o crente conta com a companhia de Deus, Os mil e duzentos e sessenta dias são outra vez o período normal das calamidades, os três anos e meio, o tempo, os tempos e a metade do tempo que remonta à época quando Antíoco Epifânio profanou o Templo de Jerusalém em seu intento de fazer desaparecer a religião judia.

SATANÁS, O INIMIGO DE DEUS
Estudo sobre Apocalipse 12:7-9

Aqui temos a descrição da guerra no céu entre o Dragão, a Serpente Antiga, o Diabo, Satanás — todos estes termos descrevem ao ser maligno por excelência — e Miguel com seus anjos. A idéia é que a fúria do dragão era tal que seguiu ao Messias até o próprio céu, onde lhe saíram ao encontro Miguel e suas legiões, os quais conseguiram lançá-lo de volta ao abismo. É conveniente que neste ponto reunamos a informação que se pode encontrar na Bíblia sobre Satanás, o Diabo. Uma das primeiras comprovações é que na Bíblia há mais de uma linha de tradição. Em outras palavras, a imagem bíblica do Diabo é bastante
complicada.

(1) Há nas Escrituras o eco de uma antiga tradição sobre uma guerra que se teria travado no céu. Segundo esta história Satanás teria sido um anjo tão ambicioso para querer ser maior que Deus. Concebeu, assim, a idéia impossível de colocar seu trono mais alto que o trono divino (2 Enoque 29:4-5). O resultado de sua ambição foi ser expulso do céu. Os babilônios tinham uma história similar com relação a Ishtar, que era o luzeiro da manhã. Há pelo menos uma referência direta, no Antigo Testamento, a esta tradição. Em Isaías 14:12 lemos: “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva!” O pecado que ocasionou a rebeldia e, de maneira indireta, a queda do céu, foi o orgulho. É possível que 1 Timóteo 3:6 seja uma referência ao mesmo episódio. Aconselha-se aqui ao pregador que evite o orgulho se não quiser sofrer a mesma condenação que o Diabo. Segundo esta história, então, Satanás teria iniciado sua carreira, rebelando-se contra Deus no céu. A mesma história diz que quando Satanás foi expulso do céu foi condenado a habitar no ar, e por isso às vezes encontramos que é chamado “príncipe da potestade do ar” (Efésios 2:2).

(2) Há uma linha de pensamento bem forte e definida no Antigo Testamento segundo a qual Satanás continua sendo um anjo que obedece as ordens de Deus e tem acesso à sua presença. Em Jó Satanás aparece entre os filhos de Deus e pode entrar e sair da presença de Deus (Jó 1:6-9; 2:1-6). Em Zacarias, Satanás também está na presença de Deus (Zacarias 3:1-2). Esta concepção de Satanás é diferente, mas é uma das principais das que se manifestam no Antigo Testamento. A fim de compreender esta concepção de Satanás devemos começar compreendendo qual é o significado da palavra "Satanás". No princípio esta palavra não era um nome próprio nem possuía um significado negativo. Queria dizer simplesmente "o adversário". O anjo do Senhor que se interpôs no caminho de Balaão para impedi-lo que realizasse suas más intenções era um satanás, um adversário (Números 22:22). Os filisteus temiam que Davi se transformasse em seu satanás, seu adversário (1 Samuel 29:4).

A palavra Satanás, então, como nome próprio, significa "o" Adversário. No Antigo Testamento Satanás era o anjo que agia como promotor na corte celestial. Era o Adversário ou Inimigo dos homens. Assim é como Satanás acusa a Jó, sugerindo que sua piedade é simplesmente interesse pelo que Deus pode lhe conceder, e que se perdesse o que tem e sofresse calamidades sua fé desapareceria (Jó 1:12). Satanás recebe autorização de Deus para usar toda classe de armas, menos a morte, a fim de provar a fé de Jó (Jó 2:1-6). Em Zacarias, Satanás é o acusador de Josué, o sumo sacerdote (Zac. 3:1-2). No Salmo 109:6, onde a Almeida Revista e Corrigida diz “Satanás esteja à sua direita” deveria traduzir-se "Que o acusador (fiscal) traga-os para juízo".

De modo que no Antigo Testamento Satanás tem um lugar atribuído no propósito divino. Quando um homem deve comparecer perante a presença de Deus para ser julgado, Satanás é o anjo que o acusa, que diz dele todas as coisas que podem ajudar a condená-lo. Miguel, por outro lado, era o advogado defensor, cuja tarefa era contribuir com testemunhos a favor do acusado por Satanás. No período intertestamentário aparecem mais de um satanás, e há um arcanjo cuja missão era impedir que os satãs pudessem chegar perante o trono de Deus para acusar aos que habitavam sobre a terra (1 Enoque 40:6). No Antigo Testamento, então, Satanás estava sujeito à autoridade divina e agia dentro da jurisdição de Deus.

(3) Mas agora chegamos a uma terceira etapa, que constatamos no Novo Testamento. No Antigo Testamento nunca se menciona o Diabo, ainda que às vezes aparecem demônios ou diabos; no Novo Testamento Satanás converte-se no Diabo. A palavra "diabo" em grego é diabolos, termo cujo significado literal é "aquele que calunia". Não há uma linha divisória muito infranqueável entre ser o promotor da acusação contra os homens e inventar acusações falsas para conseguir condenações, ou seduzir e tentar os homens para que incorram em ações que dêem lugar às acusações. De maneira que no Novo Testamento Satanás converte-se, não no acusador, mas no sedutor, aquele que prova e afasta os homens do caminho reto. No relato das tentações de Jesus se empregam os três nomes de maneira indiscriminada. A fonte de mal é Satanás (Mateus 4:10; Lucas 4:8; Marcos 1:13); Demônio (Mateus 4:1, 5, 8, 11; Lucas 4:2, 3, 5, 6, 13) e o tentador (Mateus 4:3). Satanás se converteu em algo mais que o acusador dos homens, é seu inimigo. Converteu-se em algo mais que o promotor da Corte de Justiça celestial; agora é um obstáculo aos propósitos de Deus.

A partir desta realidade, no relato neotestamentário encontramos a Satanás envolto em certos projetos nefastos. É o sedutor que faz pecar. Pretende seduzir a Jesus para que caia em tentação. É ele quem inspira em Judas o horrendo plano da traição e o ajuda a executá-lo (João 13:2; 13:27; Lucas 22:3). É ele quem se empenha em fazer Pedro cair (Lucas 22:31). É ele quem convence a Ananias de que cometa o pecado de guardar o dinheiro da propriedade que tinha vendido (Atos 5:3). Está disposto a empregar todas as suas ciladas (Efésios 6:11) e toda maquinação possível (2 Coríntios 2:11) a fim de alcançar seus objetivos.

Satanás é a causa da enfermidade e a dor (Lucas 13:16; Atos 10:38; 2 Coríntios 12:7). Obstaculiza a tarefa evangelizadora ao semear o joio que afogará a boa semente (Mateus 13:39) e ao arrancar a semente da palavra do coração dos homens antes de que possa arraigar (Marcos 4:15; Lucas 8:12). Assim, Satanás transforma-se em inimigo de Deus e do homem, no ímpio por excelência, pois talvez deveríamos traduzir a oração do Senhor com estas palavras: "Livra-nos do Ímpio" (Mateus 6:13). Pode-se chamá-lo o príncipe deste mundo (João 12:31; 14:30; 16:11) pois, ao ter sido expulso do céu, exerceu sua má influência entre
os homens. É identificado com a serpente, a partir do relato da queda em Gênesis 3.

(4) O mais curioso de tudo isto é que ao analisar-se a história de Satanás, qualquer que seja a versão que utilizemos, comprovamos que em realidade é uma tragédia. Numa das versões, Satanás é o anjo da luz. Num momento foi o maior dos anjos, mas seu orgulho o incitou a superar a Deus e foi preciso ser expulso do céu. Em outra versão, Satanás era um servo de Deus e obedecia seu juízo, mas perverteu seu serviço, convertendo-o por ocasião de pecado. Satanás é o exemplo máximo da tragédia que consiste em que o melhor se converta no pior. Tinha a possibilidade de ser o primeiro cidadão do céu e transformou-se no príncipe do inferno. Poderia ter chegado a ser o maior dos servos de Deus e transformou-se em seu mais acérrimo inimigo. Satanás é o melhor exemplo de um tipo de orgulho, que deseja fazer as coisas segundo sua própria vontade antes que obedecer à vontade de Deus.

Estudo sobre Apocalipse 12:10-12

Estes versículos nos descrevem o cântico dos mártires glorificados quando Satanás é lançado fora do céu.

(1) Satanás aparece como o acusador por excelência. Na imagem judia do céu que prevaleceu no período intertestamentário, Satanás é o acusador, aquele que se opunha às almas dos homens, e Miguel o defensor. A imagem de Satanás como o acusador eterno do homem contém uma verdade e um simbolismo eternos. Segundo as palavras do H. B. Swete, Satanás é "o crítico cínico de toda obra de Deus." E segundo a expressão de Renan, é o crítico malévolo de toda a criação." Também se tem dito que Satanás representa a vigília do mal contra o bem. Há um poder no mundo que se propõe fazer naufragar todo bem, que está disposto a manchar e sujar inclusive a própria pureza com sua mão degenerada. Entre os próprios homens estamos acostumado a ver pessoas cujas mentes estão tão deformadas e retorcidas que vêem o mal em toda ação, arruínam as obras mais belas, imputam com todo cinismo as motivações mais vis aos gestos mais elevados. Assim é Satanás.

Por outro lado, o pano de fundo histórico da época quando se escreveu o Apocalipse dá maior eloqüência e sentido a esta imagem de Satanás. Era a era do delator, o informante, era um período governado por tiranos e havia os que faziam carreira da denúncia. Constantemente se prendia, torturava e matava as pessoas porque alguém as tinha delatado. Estes informantes pagos eram muito conhecidos durante esse período do império. Alguns anos antes, Tácito tinha escrito: "Quem carecia de inimigos era traído por seus amigos." O mundo antigo sabia muito bem como eram os acusadores malignos, cínicos e venais.

(2) De maneira que esta imagem nos mostra o que poderíamos denominar a limpeza do céu. Satanás, o acusador pervertido, é banido para sempre. Deus e seu Ungido reinam sem rivais. Essa é a razão pela qual os mártires glorificados entoam seu hino de triunfo. Os mártires são aqueles que venceram a Satanás. Vejamos o que quer dizer esta expressão.

(a) O martírio é, por si mesmo, uma vitória sobre Satanás. O mártir, esse homem que preferiu sofrer antes que negar sua fé ou claudicar só uma milésima parte de sua lealdade, é alguém que demonstrou ser superior a qualquer tentação de Satanás, a suas ameaças e até a sua violência. Eis aqui uma verdade muito profunda: cada vez que escolhemos o bem poderíamos ter escolhido o mal, cada vez que optamos por sofrer antes que trair nossa fé, vencemos a Satanás.

(b) A vitória dos mártires se obtém mediante o sangue do Cordeiro. Esta afirmação contém duas verdades. Em primeiro lugar, na cruz e por meio da ressurreição, Jesus conquistou e derrotou para sempre tudo o que o pecado e o mal pudessem lhe fazer. Confrontou-se totalmente com o mal e o venceu. Aqueles que lhe têm confiado sua vida compartilham esta vitória. Aqueles que são um com Cristo compartilham seu triunfo sobre o mal, cuja prova irrefutável é a ressurreição. Em segundo lugar, mediante a morte de Jesus Cristo na cruz fez-se um sacrifício pelo pecado; quer dizer, por meio desse sacrifício fica perdoado o pecado. Quando o homem aceita, pela fé, o que Cristo fez por ele, seus pecados são lavados; o que estava escrito contra si é riscado, os pecados são perdoados. E uma vez que está perdoado, não se pode acusá-lo de nada. O perdão da cruz deixa a Satanás, o acusador, sem acusação para formular.

(c) Mais ainda, os mártires triunfam porque reconheceram e aceitaram e viveram o grande princípio do Evangelho. Não tiveram tal amor por suas vidas para preferirem a morte. Não pensaram que a vida era mais importante que a lealdade. “Quem ama a sua vida perde-a; mas aquele que odeia a sua vida neste mundo preservá-la-á para a vida eterna” (João 12:25). Este princípio percorre todo o evangelho (Mateus 10:39; 16:25; Marcos 8:35; Lucas 9:24: 17:33). No que respeita a nós, não se trata de morrer pela fé. Trata-se de pôr a lealdade para com Jesus Cristo antes que a segurança e o caminho fácil.

(3) A passagem finaliza com a idéia de que Satanás é lançado fora do céu e desce à Terra. Seu poder no céu ficou destroçado mas ainda o exerce sobre a Terra. E na terra ronda com fúria porque sabe que tem o tempo contado e que seu fim está escrito inexoravelmente. De maneira que a conclusão destes versículos indica que, em última instância, Satanás está vencido, não tem futuro, foi lançado do céu e tudo o que resta é um período limitado de tempo durante o qual pode espreitar com ira na terra antes de seu fim último. E agora João seguirá nos falando das ciladas finais e tremendas de Satanás em seus últimos estertores.

O ATAQUE DO DRAGÃO
Estudo sobre Apocalipse 12:13-17

Ao ser lançado do céu e descer à Terra, o dragão, ou seja o Demônio, atacou a mulher que tinha dado à luz ao filho varão. Já vimos que a mulher representa o povo de Deus, a igreja no sentido mais amplo do povo eleito por Deus, do qual surgiu o Ungido. De maneira que aqui há certo simbolismo. O dragão pode machucar o filho machucando à mãe. De maneira que ofender à Igreja significa ofender a Jesus Cristo. Quando Paulo se defrontou com Cristo no caminho a Damasco, as palavras que foram: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (Atos 9:4). Até esse momento a ira e a perseguição de Paulo se dirigiam contra a Igreja. Nestas palavras, o Cristo ressuscitado estabelece com toda clareza que a perseguição contra sua Igreja dirige-se contra Ele próprio. Quando ofendemos, machucamos e privamos a Igreja da ajuda que lhe poderíamos brindar, em realidade estamos machucando e privando dessa ajuda a Jesus Cristo. Do mesmo modo, quando servimos à Igreja, servimos e ajudamos ao próprio Jesus Cristo.

Já vimos que a fuga da mulher ao deserto (versículo 6) provém da fuga da Igreja a Pella, sobre a margem oposta do Jordão, antes da destruição final de Jerusalém. Não obstante, na fuga da mulher e o ataque do dragão, João emprega outras duas imagens, muito conhecidas para quem tinham lido o Antigo Testamento. A mulher escapou nas duas asas da grande águia. No Antigo Testamento as asas da águia representam os braços protetores de Deus. “Tendes visto”, Disse Deus a Israel, “o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águia e vos cheguei a mim” (Êxodo 19:4; veja-se também Deuteronômio 32:11-12 e Isaías 40:31). Segundo Hipólito, por outro lado, as asas de águia seriam o símbolo de "os dois braços sagrados de Cristo exposto na cruz".

A segunda imagem é a dos rios de água que a serpente lança. Vimos que nas imagens antigas o dragão do caos provinha do mar e por isso é bastante natural relacionar os rios com o dragão. Entretanto, aqui também temos outra imagem do Antigo Testamento. Nele, os juízos, as tribulações e as perseguições se comparam com rios caudalosos. “Todas as tuas ondas e vagas passaram sobre mim” (Salmo 42:7; Salmo 32:6; Salmo 124:4; Isaías 43:2). O emprego que faz João da imagem do dragão que arroja água pode ser grotesco, mas procede de uma idéia que o Antigo Testamento conhecia muito bem e usava com freqüência.

O capítulo termina com outras duas imagens. Quando o dragão ou a serpente arrojou os rios de água a Terra os engoliu e salvou a mulher. Não é difícil saber de onde extraiu João esta imagem. Na Ásia Menor era costume suceder com freqüência que os rios fossem tragados pela areia durante algum trecho para voltar a reaparecer alguns quilômetros mais adiante. Havia um exemplo deste fenômeno perto de Colossos, uma região que João devia conhecer muito bem. Sabia que a terra podia engolir rios. Entretanto, apesar de que seja bastante fácil adivinhar de onde vem a imagem, não é tão simples descobrir o seu significado. A terra engoliu o rio e a mulher se salvou; é provável que o simbolismo seja o seguinte. A natureza ajuda o homem fiel e leal a Jesus Cristo. O universo o favorece. Em última instância, o mundo e a natureza não se empenham em destruir o homem mas em promover seu bem. De maneira que a imagem significa que na hora de mais necessidade, a natureza mesma irá em ajuda do homem. Como assinalou o historiador Froude, é verdade que uma ordem moral impera no mundo e que, em última instância, os bons saem favorecidos e os injustos recebem seu castigo.


Por último, no versículo 17 João apresenta a imagem do dragão em luta contra o resto da família da mulher, aqueles que guardam os mandamentos de Deus e são fiéis a seu testemunho, quer dizer, com o resto da Igreja. Esta imagem assinala com toda clareza a expansão da perseguição à Igreja. João pensa, em primeiro lugar, na Ásia Menor, onde se encontram seus próprias Igrejas, mas a perseguição que tem em mente afligirá a totalidade da igreja num futuro imediato. Devemos voltar a lembrar que, tal como o via João, Satanás está travando suas últimas batalhas sobre a Terra; as convulsões de sua agonia afetarão a toda a família da Igreja que se verá inundada no sofrimento da perseguição