Estudo sobre Romanos 11:25

Romanos 11:25

Uma figura de retórica, que se encontra em Paulo outras cinco vezes, faz a introdução: Porque não quero, irmãos, que ignoreis. Neste caso, porém, Paulo a complementa com uma justificativa expressa: para que não sejais presumidos em vós mesmos. Ele ainda se detém, portanto, no perigo há pouco formulado (v. 18-22), de que seus leitores gentílico-cristãos poderiam olhar com presunção sobre o Israel endurecido. Lá deu-lhes como lembrete o poder de Deus (v. 23b); agora, sua sabedoria (cf v. 33-35). Ele fala do mistério.

Os missionários da cristandade primitiva entendiam-se como administradores de uma quantidade de mistérios. As vinte ocorrências nas cartas de Paulo podem ser agrupadas em passagens que se referem a pontos isolados do plano divino, e outras cujo conteúdo é o centro dele. Nesse caso aparece o singular “mistério de Deus, mistério da sua vontade, mistério de Cristo, do evangelho, da fé” ou, sem carecer de complemento, provido somente do pronome demonstrativo, como aqui, “esse mistério”d. A esse mistério-chave Paulo devotava o verdadeiro serviço de sua vida, a saber, à proclamação do Cristo crucificado como sabedoria plenamente suficiente de Deus (1Co 1.30). Não se trata de um ponto ao lado de outros tópicos da doutrina da salvação, porém este mistério constitui o eixo dela, em relação ao qual tudo está posicionado e que decifra todos os demais mistérios (2Co 1.20). Entretanto, é contra essa peça central de sua teologia que os judaístas resistiam com tamanho ímpeto que Paulo constantemente pedia por intercessões para que não sacrificasse esse “mistério do evangelho” a tentativas quaisquer de intimidação.

Se Paulo, conforme líamos, considerou extraordinariamente importante comunicar esse saber de Cristo a seus leitores romanos, é certo que não teve um empenho menor no coração em relação às demais igrejas. A mesma preocupação deveria estar registrada em outras de suas cartas. A expectativa é confirmada. A carta aos Romanos não aparece isolada. Já nos dois primeiros capítulos de 1Co a questão gira, como aqui, em torno dos “sábios”, que estão possuídos pela “sabedoria deste mundo” (blh) e obcecados para a “sabedoria de Deus em mistério” (1Co 2.6,7; cf 1.17,18; 2.1-5,6-9). Como conteúdo central desse mistério aparece “Cristo como poder e sabedoria de Deus” (1Co 1.24). Como aqui, está em jogo um mistério da salvação, pois novamente a frase é regida pelo vocábulo “salvar”. Ressalta nessa salvação, como em Rm, a dimensão universal, para “judeus como gregos (não-judeus [blh])” (1Co 1.22-24). Na carta aos Efésios, escrita mais tarde, Paulo aborda mais uma vez essa salvação, agora de forma bem elaborada, amadurecida e inequívoca, e novamente sob o termo-chave “mistério”. Logo no primeiro capítulo o termo vem ao nosso encontro: Ele consiste em que Cristo sintetiza tudo – “nós” judeus e “vós” gentios (Ef 1.9-14). Em Ef 2 ele acrescenta o grandioso trecho sobre a queda do “muro” entre judeus e gentios. Depois, em Ef 3, a passagem com o tríplice “mistério”, definido agora claramente a partir do conteúdo: “segundo uma revelação, me foi dado conhecer o mistério… podeis compreender o meu discernimento do mistério de Cristo: a saber, que os gentios são co-herdeiros (com Israel), membros do mesmo corpo e co-participantes da promessa (com Israel) em Cristo Jesus por meio do evangelho… A mim… me foi dada esta graça de… manifestar qual seja a dispensação do mistério” (Ef 3.3-9). Enfim, também em Cl o termo “mistério” tornou-se um conceito central. A “riqueza da glória deste mistério” consiste, segundo Cl 1.26ss, no “Cristo em vós (gentios)”, de maneira que judeus e gentios que creem formam, no corpo abrangente de Cristo, uma comunhão reconciliada. Esse mistério, pelo qual Paulo possuía uma competência e também responsabilidade muito especiais, ainda não havia sido dito com tanta clareza aos romanos, que se haviam tornado cristãos fora da sua esfera de atuação. Ele fazia parte do “dom espiritual” e da “bênção de Cristo”, com a qual Paulo também tencionava chegar em Roma (Rm 1.11; 15.29).

Chegamos a um ponto importante da explicação da carta aos Romanos, que sempre tem recebido máximo interesse por parte dos exegetas. Podem-se resumir mais ou menos assim as diferentes interpretações:

Segue-se a própria frase do mistério, culminando no v. 26a. Ela se refere primeiramente aos dois processos básicos do tempo presente, que já naquela época eram patentes para qualquer pessoa: a – a rejeição do evangelho por partes determinantes da sinagoga, e b – o surgimento de igrejas cristãs entre as nações. Ambos os pontos já haviam sido exaustivamente abordados pelo apóstolo em Rm 9.30-33; 10.1-3,16-21; 11.7-24. Contudo, vendo que seus leitores em Roma lidavam incorretamente com esses fatos e caíam em pecado (v. 8-22,25a), revelou-lhes o sentido divino desses acontecimentos. É justamente nisso que também se torna evidente a característica de mistério. Não obstante todas as aparências, os dois acontecimentos não transcorrem um contra o outro, nem sequer lado a lado sem relação entre si: veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. O “até” indica que:

• Esse endurecimento da parte de Deus perdura enquanto a missão está em andamento entre os povos, sim, a fim de que ela ande. Pois, por intermédio desse endurecimento acontece salvação do outro lado, aos gentios, como Paulo explicou no v. 11.

• Ao mesmo tempo vale inversamente: A missão entre as nações perdura por causa de Israel até o fim dessa era, e precisamente como sinal de fidelidade para Israel e incentivo para a salvação de judeus, como Paulo assegurou expressamente aos gentios nos v. 13,14 (cf Rm 10.19; 11.11). Dessa maneira o fluxo da graça passa de um lado para outro “agora, no tempo de hoje”. Não há misericórdia para os gentios sem Israel, não há misericórdia para Israel sem os gentios, “a fim de usar de misericórdia para com todos” (v. 32).

Em decorrência, “endurecimento” não significa para judeus que estejam transportados para uma rigidez inalterável até que retorne o Senhor. Pelo contrário: Porque são “amados por causa dos patriarcas” (v. 28), Deus está estendendo suas mãos até eles durante todo o dia da salvação, a fim de salvá-los pela fé em seu Messias (v. 14,23,24). Na expressão “plenitude dos gentios” pode-se pensar num número predeterminado de convertidos, mas também é cabível um indício da “plenificação (forma verbal de pleróo) do evangelho” de acordo com Rm 15.19: Num dia, a ser estabelecido por Deus, ele estará consumado validamente. A proclamação do evangelho não é apenas obrigação (Mc 13.10), mas também traz consigo sua medida.

Continuação...
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