Estudo sobre Romanos 11:26b

Romanos 11:26b

Agora Paulo desvenda todo o “mistério”. Sob a recém-exposta estratégia dupla de Deus acontece um terceiro fato. Ele já principiou naquele tempo e ainda hoje está em andamento. Contudo, estará consumado somente após o fim do tempo de missão e misericórdia. Por isso Paulo muda agora para a forma futura: E, assim, todo o Israel será salvo. Uma típica frase de resultado! Com “e, assim” Paulo estabelece a ligação com a forma de procedimento de Deus há pouco descrita. Portanto, Deus conduzirá, no contexto da missão mundial, ao resultado prometido: todo o Israel será salvo.

Esta interpretação também é chamada de interpretação inclusiva. Outros exegetas (cf abaixo, o excurso “Todo o Israel será salvo”, pág 191ss) não consideram o processo da salvação de todo o Israel como acontecimento dentro da história da missão em andamento. Segundo eles, o processo começa somente depois do fim dessa história, por ocasião da volta de Cristo (a chamada interpretação excludente). Muitas vezes eles traduzem, então, a palavrinha “assim”, contrariamente à comprovação lexicográfica, com “então”. Naturalmente um “e então” nesse local dirige o olhar para um acontecimento posterior e corrobora muito bem aquela interpretação.

Entretanto, além da ligação lógica entre as partes da frase, cabe entender também os conceitos axiais. O que Paulo entende por “salvação” e “ser salvo”g ele o havia anteposto à carta toda em Rm 1.16 e acabara de explicá-lo em Rm 10.8-13 com minudência singular: Salvação acontece por fé com base na pregação apostólica. As duas referências citadas ressaltam que nisso não há diferença nem para judeus nem para gentios.

Contudo, o que é todo o Israel? No AT a formulação faz parte do acervo de expressões correntes, sem marca especial de solenidade. Em contraposição a esse uso, destaca-se aqui o uso marcante: Depois de aparecer dez vezes um simples “Israel”, anuncia-se em alta voz o objeto de um mistério: “todo o Israel”. Deixemo-nos impactar pelo raiar cerimonioso dessa expressão. Porém, vejamos mais: Por meio da palavra adicionada “todo” ou “todos” esse Israel está em ligação com o v. 32. Também lá triunfa esse “todos”. Após descrever caminhos separados de judeus e gentios, Paulo traça uma linha e soma tudo o que falou: Todos foram flagrados por Deus em sua culpa, a fim de que vigorasse para todos a misericórdia. Nisso não há o que tirar. Israel sozinho seria “muito pouco”, como já consta em Is 49.6 (cf At 13.47)82. Não deve ficar só no “remanescente”, na “eleição”, na “raiz” ou nas “primícias”h. Todos esses termos, assim como perpassam Rm 11, pedem um preenchimento para o todo, para o “todo o Israel”. Como chegará essa plenitude? Pela via do “enxerto”, do “repatriamento”, da “incorporação”, do “embutir” ou da “introdução”i de não-eleitos. É somente com esse acréscimo de membros de todas as nações que o povo de Deus se torna completo, como anuncia Hb 11.40: “para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados”. Esse Israel, que não é “todo” sem inclusão dos judeus que creem, e que não é “todo” sem inclusão dos gentios que creem, devia ser compreendido pelos romanos como o plano eterno de Deus em Jesus Cristo. Aqui também reside a base para as exortações apaixonadas de Rm 14,15. Consideremos ainda a palavra final de Paulo sobre o tema Israel, em Rm 15.7-12.

Ouvintes atentos da carta aos Romanos daquele tempo e de hoje dificilmente serão surpreendidos por essa compreensão inclusiva (englobante) de Israel. Ela já foi largamente preparada no AT. Desde o início Deus traçou caminhos que cruzavam maciçamente a elaboração de uma autocompreensão excludente em Israel. Evidenciou-se que nem os descendentes de Abraão eram todos contados como Israel, nem todos os israelitas eram descendentes de Abraão. No NT colhem-se os frutos dessa trajetória educativa. Nele a filiação abraâmica pode ser negada a determinados judeus e atribuída a determinados gentios.

Voltemo-nos ao segundo aspecto: Deus pode suscitar filhos para Abraão de pedras (Mt 3.9) e também o faz. “Vós sois descendentes de Abraão e filhos de Deus!” escreve Paulo a gentílico-cristãos na Galácia [Gl 3.9,26]. A partir de agora antigos títulos de Israel podiam ser aplicados com a maior naturalidade a grupos locais cristãos, que incluíam gentios em grande número, ou até na maioria. São chamados “povo da propriedade”, “sacerdócio real”, “templo”, “aliança”, “luz”, “ekklesia”, “rebanho”, “noiva”. Eles são considerados os “eleitos, vocacionados, santos”. Chegou-se até a afirmações extremas, provocadoras, nessa questão. Igrejas gentílico-cristãs são abertamente interpeladas como “o Israel de Deus” (Gl 6.16), incircuncisos de fato se chamam “a circuncisão” (Fp 3.3), Abraão é “pai” de não-judeus, Sara a sua “mãe” (Rm 4.16; Gl 4.26). Sobre essa ampla infra-estrutura do uso inclusivo de designações para Israel, Paulo também tem condições de falar, aqui, de “Israel”, o qual se tornou “todo” segundo as promessas dos profetas e por meio da nova aliança no sangue de Jesus.

Continuação...
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