Estudo sobre Romanos 11:26b-27
Romanos 11:26b-27
Como faz com todos os pontos doutrinários importantes, Paulo confere também a esse uma fundamentação na Escritura. Ele a introduz, segundo costume judaico, com a expressão familiar: como está escrito. Em reprodução livre segue-se Is 59.20; 27.9: Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as (ações de) impiedades. Esta é a minha aliança com eles, quando eu tirar os seus pecados.
Em consideração à palavra de 2Pe 1.20, “que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal” (nvi), esforçamo-nos em nos inserir no exemplo apostólico, assim como está registrado no NT. Então o tópico “Sião” lembra imediatamente Rm 9.33: Esse antigo símbolo da salvação já se cumpriu (cf o que foi exposto lá). A rocha Cristo foi lançada, o Redentor messiânico chegou. O que no tempo de Isaías ainda precisava ser formulado como: “Ele virá!” tornou-se entrementes presença cheia de graça: Ele veio e vem ainda hoje no Espírito Santo de Sião, desde o Gólgota, esse ponto de partida de toda ajuda e toda restauração. Ele purifica Jacó, uma palavra que no AT muitas vezes é usada para designar o povo todo, paralelamente a “Israel”. O Messias realiza isso redimindo Jacó de toda a impiedade e retirando os seus pecados. Na morte sacrificial de Jesus a aliança se concretiza em nova configuração. Conhecemos esses termos centrais como a afirmação que forma o lastro de todos os quatro textos de sobre a Ceia do Senhor do NT. No centro da Ceia não está uma aliança que ainda teria de ser esperada, mas a memória da já efetuada “nova aliança no meu sangue para o perdão dos pecados”. Este era, enfim, o objetivo de sua primeira vinda. Está consumado! Nessa obra, no entanto, nada acontece duas vezes: “Ele apareceu uma vez por todas no fim dos tempos para aniquilar o pecado mediante o sacrifício de si mesmo… e aparecerá segunda vez, não para tirar o pecado” (Hb 9.26-28 [nvi]).
Excurso: “Todo o Israel será salvo” (Rm 11.26)
A explicação aqui exposta (chamada de inclusiva) está em consonância com renomados teólogos bíblicos como Joachim Jeremias, Oskar Cullmann, Karl Barth e, não por último, Lutero e Calvino. Conforme mencionamos acima, a maioria dos exegetas da Bíblia não acompanha essa interpretação, defendendo a chamada leitura excludente, segundo a qual “todo o Israel” não inclui, nessa passagem, os gentios salvos, mas se restringe exclusivamente ao povo judeu. Os argumentos principais dessa interpretação são os seguintes:
1. Nos v. 25-27 Paulo não está concluindo os pensamentos dos v. 1-24. Ele interrompe o raciocínio anterior e aponta para um mistério, que ele deixa valer como mistério sem explicá-lo mais detalhadamente. Nos v. 1-24 ele sintetizou suas experiências no serviço da missão entre judeus, refletindo-as à luz da história da salvação. Fala da atitude de Israel diante do evangelho “agora no tempo presente” (Rm 11.5,31,32). Com as palavras “Não quero que ignoreis” ele dá início, no v. 25, a uma declaração profética com vistas ao futuro de Israel por ocasião da volta de Cristo. Para essa circunstância aponta sua formulação “até que haja entrado o número pleno dos gentios”. Paulo está acrescentando ao raciocínio anterior uma afirmação escatológica. Porém, argumentamos que isso não é nada incomum: Também em Rm 8.18ss Paulo intercalou em suas exposições sobre o “tempo presente” uma prospecção para o futuro, qual seja, que os filhos de Deus serão revelados e que a criação será redimida. Do mesmo modo Paulo contrapõe, no v. 12, o presente ao futuro:
No v. 12: A “transgressão” (héttema) de Israel torna-se no tempo atual “riqueza dos gentios” (ploutos) – e no futuro “quanto mais sua (de Israel) plenitude” (pléroma, cf v. 25) será uma riqueza maior ainda.
No v. 15: À “rejeição” (apobolé) em forma de “endurecimento” (v. 7) é contraposta a “aceitação” (proslémpsis) de Israel, que será exclusivamente uma atuação maravilhosa de Deus, como “vida dentre os mortos”. Parece uma arbitrariedade tentar aplicar todos os conceitos à maioria dos israelitas, mas fazer uma exceção no termo “aceitação”, restringindo o significado dessa palavra, que aparece somente aqui no NT, à “aceitação de alguns judeus”.
No v. 25: O “endurecimento” de Israel vale agora para uma parte dos judeus (apo mérous) por um tempo limitado por Deus (achri hou), depois segue-se a redenção de “todo o (pas) Israel”. É evidente que Paulo tem em vista a totalidade do povo de Israel na plenitude determinada por Deus.
2. A formulação “todo o Israel” no v. 26, “e, assim, todo o Israel será salvo”, é encontrada apenas nesta passagem do NT. Não há como deduzi-la da LXX, mas é o equivalente da expressão hebraica kol-jisrael do at. “Todo o Israel” constitui no at o conceito sempre recorrente da totalidade de Israel na respectiva geração viva (Js 3.17; 23.2; 2Cr 30.1; Jr 9.26; Ml 4.4; etc.), circunstâncias em que muitas vezes o povo de Israel é representado por grupos específicos, como os anciãos, chefes de família, juízes e outros. Sempre o grupo está no lugar do todo (2Cr 29.24; Ed 6.16,17; 8.35), constituindo indício do povo. Mas jamais o todo se reduz ao grupo. Não se poderia imaginar que o significado de “todo o Israel” do AT fosse alterado em Rm 11.26 e tenha de ser compreendido no “sentido inclusivo”, i. é, como os judeus convertidos, preenchidos com o número de gentios convertidos. Porém, ressaltamos que no AT “todo o Israel” refere-se à corporação do povo de Israel projetada por Deus, e esse significado coletivo também encontramos no nt quando Jesus diz a seus discípulos em Mt 19.28: “vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel” (cf Lc 22.30). Na mesma direção apontam as palavras da “casa de Israel” em Mt 15.24 e At 2.36.
3. A transição entre os v. 25,26 (kai houtos) pode ser muito bem entendida – como no presente comentário – de forma retroativa, de modo que esteja levando a uma conclusão o pensamento precedente. Isto, porém, não é algo imperioso. Há também outra possibilidade, a saber, que a formulação kai houtos se refira, como em Rm 15.20,21, à parte subseqüente da frase (da mesmo modo em Lc 24.24; Fp 3.17). Então essas duas palavras estabelecem a relação com a citação da Escritura, de maneira que se pode dizer: “Assim (por esse caminho) todo o Israel será salvo, assim como está escrito…” Conforme essa leitura, o v. 26 estaria tirando uma conseqüência objetiva do v. 25. Esse v. 25 estaria falando do parcial “endurecimento” de Israel e da limitação cronológica dele fixada por Deus, quando “o número completo de não-judeus” (blh) for alcançado. O v. 26 mostra, então, a conseqüência – todo o Israel será salvo - e a maneira como Deus revogará o “endurecimento”: “Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades”.
Porém, visto que as palavras do apóstolo Paulo nos v. 25,26a estão dirigidas ao futuro, é preciso interpretar também a citação bíblica do AT em relação ao futuro. Na sua volta, Cristo aparecerá do mundo invisível de Deus e livrará Israel do peso de sua culpa. Há uma série de promessas do AT, que se cumpriram com a vinda de Jesus, porém cuja “realização em sentido pleno ainda está por vir” (cf Hc 2.3,4 com Hb 10.37; Is 9.6 com Lc 1.32,33 e Ap 19.6; igualmente Sl 2 com At 4.25ss e Ap 11.15). Paulo espera, p. ex., referindo-se a promessas do at, que na volta de Jesus “todo o Israel” o identificará e reconhecerá como seu Messias.
4. A palavra “mistério” no v. 25 designa um mistério escatológico de Deus. Paulo sabia que a revelação de Deus engloba muitos mistérios (1Co 4.1). Seguramente faz parte do “mistério do evangelho”, confiado a Paulo e desvendado por ele para seus leitores, que até seu retorno Cristo reúna os “membros de seu corpo” dentre judeus e gentios. Contudo, de outros mistérios Paulo falou somente de forma alusiva, sem trazer maiores explicações sobre eles, p. ex., a transformação dos que creem por ocasião da volta de Jesus (1Co 15.51) e o “mistério da iniquidade” (2Ts 2.7). Em cada texto o termo “mistério” refere-se a um acontecimento escatológico específico. Também em Rm 11.25-27 Paulo aponta para um processo sem explicá-lo mais de perto: Por ocasião da volta de Jesus “todo o Israel” será salvo. Permanece mistério de Deus como ele realizará isso. Paulo enfatiza expressamente: “Deus é poderoso” (v. 23).
Continuação...
Romanos 11:26b-27